Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1888/24.5BEPRT
Secção:CA
Data do Acordão:09/11/2025
Relator:HELENA TELO AFONSO
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA E FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO
REQUISITOS MÍNIMOS DE CAPACIDADE TÉCNICA
PRINCÍPIOS DA CONCORRÊNCIA E DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:I – O Tribunal a quo especificou de forma suficiente e clara os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão recorrida, não enfermando esta decisão da invocada nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
II – Compete à entidade pública adjudicante definir o perfil do prestador de serviços que pretende contratar, a qual detém margem de liberdade na definição dos requisitos mínimos que os potenciais candidatos devem preencher, devendo, no entanto, ter por referência o objeto do contrato a celebrar, ou seja, a especificidade dos serviços a contratar, em particular o seu grau de tecnicidade, isto é, os requisitos mínimos de capacidade técnica devem ser adequados à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar, em conformidade com a previsão do citado artigo 165.º, n.º 1, do CCP.
III – O objeto do procedimento definido na cláusula 2.ª do Programa de Procedimento (PP) consubstancia-se em serviços jurídicos nas diversas áreas do direito em que a entidade adjudicante tenha necessidades de serviços jurídicos, contencioso, patrocínio, consultadoria e assessoria jurídica, no qual se inclui o patrocínio dos processos judiciais, nos Tribunais, qualquer que seja a jurisdição, cível, criminal e ou administrativa, que envolvam o Município adjudicante, participação em reuniões presenciais semanais ou sempre que necessário, assim como a elaboração de estudos, pareceres, informações e documentos jurídicos quando solicitados pelo Gabinete de Apoio à Presidência.
IV – As disposições constantes do anexo II do PP e do n.º 3 da cláusula 2.ª da Parte II do Caderno de Encargos, não se revelando adequadas, necessárias, nem justificáveis face à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar, por violação do artigo 165.º n.º 1 do CCP e dos princípios da concorrência e da proporcionalidade, previstos no artigo 1.º-A do CCP, por restringirem de forma desproporcionada e injustificada o número de potenciais concorrentes.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Contratos Públicos
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Subseção de Contratos Públicos, da 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório:
N…, P… SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP. R.L, instaurou a presente ação urgente de contencioso pré-contratual contra o MUNICÍPIO DO BARREIRO, na qual formulou o seguinte pedido:
“NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXA. DOUTAMENTE SUPRIRÁ, DEVERÃO SER DECLARADAS ILEGAIS AS DISPOSIÇÕES CONSTANTES NO ANEXO 2 DO PROGRAMA DO PROCEDIMENTO E NO N.° 3 DA CLÁUSULA 2.ª DA PARTE II DO CADERNO DE ENCARGOS, REFERENTES AOS REQUISITOS MÍNIMOS DE CAPACIDADE TÉCNICA, POR VIOLAÇÃO DO N.° 1 DO ARTIGO 165.° E N.° 4 DO ARTIGO 49.° DO CCP, TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS»..”.

Por decisão proferida a 27 de maio de 2025 foi julgada procedente a presente ação, declarada “a ilegalidade das disposições constantes no Anexo II do Programa de Procedimento e no N.º 3 da Cláusula 2.ª da Parte II do Caderno de Encargos do procedimento lançado pela Entidade Demandada para "Aquisição de Serviços Jurídicos, Contencioso e de Assessoria Jurídica”, e anulados “os atos administrativos que tenham sido praticados no âmbito do referido procedimento”.

Vencido na ação, o Município do Barreiro interpôs recurso da referida sentença, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
“A. A sentença recorrida enferma de nulidades: i) por omissão de pronúncia e ii) falta de fundamentação por não especificação (e prova) de factos necessários à aplicação do direito.
B. A omissão de pronúncia refere-se à não decisão sobre a exceção de caducidade invocada na contestação.
C. Apesar de tal decisão ter sido julgada aquando do primeiro “saneador-sentença”, a revogação integral deste decisão pelo Tribunal Central Administrativo Sul implicaria que o Tribunal recorrido voltasse a produzir o julgamento sobre a mesma.
D. Desde logo para permitir ao Réu recorrer de tal julgamento.
E. Ao omitir esta pronúncia e julgamento o Tribuna a QUO violou as normas previstas no n.° 2 do artigo 94.° e n.° 1 do artigo 95.° do CPTA.
F. O Julgador ao omitir o conhecimento da exceção de caducidade violou o n.° 1 do artigo 95.° do CPTA e incorreu numa situação de invalidade que tem o desvalor de nulidade, prevista na alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, aplicável ex vi artigo 1. ° do CPTA.
G. Impondo-se a sua reforma ou julgamento da mesma em sede de recurso, conforme previsto no artigo 617.° do CPC.
H. A outra nulidade de que padece a sentença recorrida prende-se com o insuficiente julgamento da matéria de facto.
I. O Tribunal a QUO limitou-se a julgar e considerar provados os factos relativos ao procedimento concursal, basicamente a publicação e conteúdo das peças procedimentais e marcha do procedimento.
J. Contudo, a contestação do Réu enunciou um conjunto significativo de factos, relativos à atividade e circunstâncias concretas que qualificam o Município do Barreiro e o diferenciam dos demais 307 municípios portugueses.
K. Fê-lo o Réu detalhadamente entre os artigos 58.° a 77.° da contestação, juntando documentos que provavam o conteúdo das alegações.
L. O Tribunal a Quo prescindiu do julgamento deste factos mas emitiu juízos, conclusivos, sobre a alegada ilegalidade das normas que continham as especificações de qualificação dos candidatos, considerando-as lesivas do princípio da proporcionalidade por comprimirem em demasia o espectro de concorrência.
M. Ora, como poderia o Tribunal a QUO concluir nesse sentido, se prescindiu de conhecer a realidade a que se aplicaria a qualificação em causa?
N. E a questão que evidencia, liminarmente, o vício da sentença, a qual denota - ao arrepio do que se exige - um julgamento orientado exclusivamente para uma perspetiva e por isso parcial e inadequado à soberana função que o suporta.
O. Note-se que o Réu ao longo de tais artigos o Réu alegou e indiciariamente provou, inclusive, com documentos - i) a abrangência das suas atribuições; ii) a caraterização concreta do território que administra, a estrutura dos seus serviços internos; iii) o seu quadro de pessoal e as prestações que assegura à população; iv) as receitas e despesas; v) projetos plurianuais, incluindo os que têm escala nacional como sejam a terceira travessia rodoviária e/ou ferroviária sobre o rio Tejo (TTT); vi) as competências supramunicipais; vii) a pluralidade e complexidade de regimes jurídicos sectoriais que tem de aplicar; viii) o contexto da elaboração e aprovação das peças concursais submetidas a juízo.
P. Só após a prova sobre esta realidade seria possível concluir pelo respeito ou desrespeito pelo Princípio da Proporcionalidade. 
Q. Denunciando-se, assim, que o Tribunal A Quo violou ostensivamente os referidos n.° 2 do artigo 94.º e n.º 1 do artigo 95.° do CPTA e incorreu numa invalidade processual que gerou a nulidade da sentença, conforme previsto na alínea b) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC.
R. Ao julgar como julgou, o Tribunal a QUO subtraiu ao Tribunal de Recurso a matéria de facto necessária à produção de caso julgado e aplicou o direito de acordo com uma interpretação que viola o artigo 20. °, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, norma que expressamente se invoca para o juízo de inconstitucionalidade que deve ser produzido pela instância de recurso.
S. Em simultâneo, como o Tribunal a Quo também aplicou o direito de forma a considerar iguais todos os municípios do País, indica-se que julgou de acordo como uma interpretação que viola o Princípio da Autonomia do Poder Local, previsto nos artigos 6.° e 235.° da Constituição da República Portuguesa, normas que igualmente se invocam para juízo de inconstitucionalidade.
T. Além destas nulidades provocadas por errada aplicação de normas processuais, o Tribunal a Quo errou manifestamente na aplicação do direito substantivo.
U. A decisão recorrida apreciou os seguintes requisitos de qualificação dos concorrentes:
- Do requisito atinente à exigência de “Cédula profissional de advocacia, emitida pela Ordem dos Advogados em Portugal, ativa no mínimo há 20 anos”;
- mínimo de 2 Cursos de pós-graduação, emitida ou reconhecida por entidades oficiais portuguesas, com relevância nas áreas âmbito do presente procedimento:
Direito Administrativo, Direito do Urbanismo e Direito Fiscal e Tributário, todos do ordenamento jurídico português”;
- DO requisito atinente a “Ter em acompanhamento jurídico, um volume processual superior a 40 processos judiciais, a decorrer em Tribunais Administrativo e Fiscais portugueses”;
- Do requisito atinente a “Ter representado um Município junto do Tribunal Constitucional, em sede de recurso jurisdicional em matérias de Direito Administrativo e ou Direito Tributário, num mínimo de 2 processos”.
V. Após apreciar cada um destes requisitos a sentença recorrida concluiu pela procedência do pedido formulado pela Autora e declarou a ilegalidade das disposições constantes no anexo II do PP e no n.° 3 da cláusula 2.ª da Parte II do CE, por violação do artigo 165.° n.° 1 do CCP e dos princípios da concorrência e da proporcionalidade, ínsitos no artigo 1.°-A do CCP, e, em consequência, anulou os atos administrativos que tenham sido praticados no âmbito do referido procedimento.
W. Basta percorrer as normas mais relevantes das pelas concursais - das disposições constantes no anexo II do PP e no n.° 3 da cláusula 2.ª da Parte II do CE - para verificar o erro de julgamento.
X. Segundo jurisprudência produzida pelo Tribunal Central Administrativo Sul (Processo 13187/16), de 2 de Junho de 2016, deve reconhecer-se a possibilidade de “uma entidade adjudicante no âmbito da sua margem de livre decisão, estabelecer quais os requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira para a boa execução do contrato a celebrar, estando, no entanto, sempre vinculada aos limites decorrentes da proporcionalidade, da concorrência e da igualdade”; competindo à Administração “o ónus da prova dos factos constitutivos ou fundamentadores da adequação exigida pela norma que lhe atribui a margem de livre decisão administrativa”.
Y. Resultando, em caso de colisão dos princípios da concorrência e do interesse público uma prevalência deste último, como já foi julgado pelos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo n.° 7683/11, de 28 de Junho de 2012 e Processo n.° 8271/11, de 29 de Março de 2012.
Z. Neste caso específico, a modulação da qualificação se revela proporcional face aos objetivos a atingir - a prossecução da atividade do Município com garantias de conformidade legal e representação judiciária com a qualificação exigida pelas circunstâncias.
AA. Concretamente, as situações qualificativas requeridas pelo Município revelam-se necessárias, adequadas e racionais, cobrindo todas as vertentes do Princípio da Proporcionalidade, tendo em conta a complexidade normativa da atividade municipal e a responsabilidade inerente ao seu incumprimento, perante terceiros e perante as próprias entidades de controlo da atividade municipal.
BB. Nos concretos juízos de proporcionalidade que se impugnam, iniciamos pelo período mínimo de inscrição na Ordem dos Advogados.
CC. Foi estipulado no pressuposto de ser necessário para o Município do Barreiro contratar um perfil com competências técnicas transversais a diversas áreas do direito, identificadas nas peças concursais, mas com um tempo de exercício consolidado e suficiente para obter conhecimentos e experiência profissional em todas elas, com a capacidade de as relacionar no serviço a contratar.
DD. A experiência em exercício continuado de advocacia por um período mínimo de 20 anos seria cumprida pela Autora e por muitas outras sociedades de advogados e advogados, o que foi apurado pelos serviços do Réu aquando da preparação das peças concursais.
EE. Importa também sublinhar que o Tribunal A QUO não se deve substituir ao Município na fixação de limites mínimos de qualificação dos prestadores de serviços, à semelhança do entendimento foi explicitado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - Processo 2152/20.4BEPRT - de 23 de Junho de 2022.
FF. Não logrou a sentença justificar - minimamente - nem a Autora alegou, que a fixação de um período mínimo de 20 anos de exercício profissional como Advogado inscrito seria excessivamente limitador da concorrência.
GG. Depois, o Tribunal também não sustenta - como não teria de o fazer - qual, afinal, o requisito mínimo que teria de ser cumprido por um candidato à prestação de tais serviços integrados, especializados e abrangentes que se pretendiam contratar.
HH. E que as impugnações das decisões de um município, como o do Barreiro, excedem, frequentemente, como sucede neste caso, a alçada dos tribunais de primeira e segunda instância.
II. Podendo ser decididos - a final - por magistrados que ostentam vinte e mais anos de exercício profissional, no Tribunal Central Administrativo Sul e no Supremo Tribunal Administrativo.
JJ. Quanto à exigência de 2 cursos de pós graduação nas áreas de Direito Administrativo, Direito do Urbanismo e Direito Fiscal e Tributário, decorrem as mesmas da perceção que tais cursos são um meio idóneo de demonstrar se o candidato acedeu a programas pedagógicos e científicos vocacionados para assimilar uma especialização em determinada área do direito, que o habilitem, preferencialmente, a trabalhar nesse domínio.
KK. Para uma autarquia local não é indiferente se o prestador especializado que pretende contratar tem, ou não, conhecimentos especializados em Direito Administrativo, Direito do Urbanismo e Direito Fiscal e Tributário; o direito administrativo é a disciplina comum do procedimento autárquico, o direito do urbanismo o saber mais requisitado nos licenciamentos mais relevantes e com repercussão na configuração do território e o direito fiscal e tributário à área que permite liquidar e cobrar taxa com a segurança que o exercício orçamental requer.
LL. A própria Autora, como dezenas de outras sociedades de advogados em Portugal e centenas na União Europeia, integram nas suas equipa vários advogados com pós-graduações ou cursos conferentes de grau de Mestrado ou Doutoramento em Direito Administrativo, Direito do Urbanismo e Direito Fiscal e Tributário.
MM. São áreas nas quais os conhecimentos jurídicos são especializados, mas inter-relacionados, face ao ordenamento jurídico português supra alegado.
NN. Assim como o Município do Barreiro integra nos seus quadros técnicos superiores com este tipo de qualificações, os quais terão de futuramente diligenciar o tratamento de assuntos com assessoria jurídica externa em contratação.
OO. Recorrendo ao paralelismo supra, também a jurisdição administrativa se organiza por áreas de especialidade, comum, contratos públicos e social e se encontra separada da jurisdição tributária e de outras, que ainda assim, também eram especificadas no objeto do contrato em formação.
PP. Portanto, o pedido de conhecimento acrescido também se revela conforme às necessidades e às peças do procedimento.
QQ. Quanto ao volume processual requerido - gestão de pelo menos 40 processos - decorre da exigência litigância de interesses com valores, frequentemente, superiores a centenas de milhares de euros, seja em processos de contencioso pré-contratual ou contratual, seja em impugnações de atos administrativos ablativos ou condenação à prática de atos devidos e corresponde ao histórico de pendências do Município e para um período estimado de 3 anos.
RR. Período durante o qual o Município do Barreiro desenvolverá atividades suscetíveis de conflitualidade, como sejam a gestão de recursos humanos, a gestão dos transportes coletivos do Barreiro, a contratação pública para execução das Grandes Opções do Plano e de projetos enquadrados no Plano de Recuperação e Resiliência, bem como a assunção de atribuições e competências em áreas objeto de transferência do Governo para a administração local. 
SS. Também esta especificação se revela proporcional e adequada às necessidades do Município, que não pode correr o risco de contratar alguém sem a noção deste potencial volume processual ou capacidade de se organizar para lhe responder.
TT. Por fim, a experiência anterior de representação perante a jurisdição constitucional de, pelo menos, dois processos.
UU. Mais uma vez, corresponde à prática judiciária da entidade adjudicante, nomeadamente em matéria tributária revelando a gestão processual que é necessária uma especialização processual de modo a salvaguardar interesses patrimoniais relevantes.
VV. Também quanto a esta especificação é a Autora, na sua informação promocional, que estaria igualmente capacitada para este tipo de representação - “o contencioso constitucional”.
WW. E na mesma condição estariam muitos outros advogados e sociedades de advogados.
XX. Visou-se demonstrar que a sentença recorrida ao decidir como decidiu violou o n.° 1 do artigo 1.°-A e n.° 1 do artigo 165.° do CCP.
YY. Os quais deveriam ser interpretados e aplicados de modo a conformar que as especificações do caderno de encargos, relativas à capacidade mínima dos candidatos, são conformes ao interesse público a prosseguir pelo Município do Barreiro e proporcionais na restrição que operam quanto à apresentação de candidaturas para a execução do contrato em formação.
ZZ. Pela contrariedade ao direito que demonstra, deve a sentença ser revogada em sede de recurso.”.

O Recorrido Município do Barreiro apresentou contra-alegação de recurso, na qual formulou as seguintes conclusões:
“I. Não se conformando com o teor do saneador-sentença prolatada nos presentes autos, datado de 27.05.2025, à qual foi atribuída a referência SITAF 011534927, o Réu, aqui Recorrente, interpôs recurso de apelação que tem como objeto a referida decisão.
II. Inconformado com tal decisão, o Recorrente decidiu pela interposição do devido Recurso de Apelação, pugnado pela existência de nulidades da sentença e pela existência de erros de julgamento de Direito que inquinariam a sentença recorrida e que determinam a sua revogação.
III. Em concreto, o Recorrente considera que o saneador-sentença proferido pelo Tribunal a quo, em 27.05.2025, é nulo por duas ordens de razão: (i) por omissão de pronúncia quanto à exceção dilatória de caducidade do direito de ação por si alegada e (ii) por falta de fundamentação por não especificação (e prova) de factos necessários à aplicação do direito.
IV. No que respeita aos erros de julgamento de Direito, o Recorrente sufraga que as peças do procedimento pré-contratual, mormente os requisitos mínimos de capacidade técnica que os candidatos deveriam possuir para se qualificarem, se encontravam elaboradas em conformidade com as normas e princípios aplicáveis, pelo que, tendo julgado procedente o petitório aduzido pela Autora, aqui Recorrida, o Tribunal a quo incorreu em erro na interpretação e aplicação da lei ao caso sub judice.
V. Contudo, a Recorrida discorda frontalmente de todo o entendimento postulado pelo Recorrente no âmago do recurso por si interposto.
VI. No que concerne ao primeiro raciocínio discorrido nas alegações e conclusões do seu recurso, verifica-se, desde logo, que o mesmo assenta numa errónea interpretação do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, o qual revogou o saneador-sentença, proferido pelo Tribunal a quo, em 09.12.2024, na parte relativa à ilegitimidade processual da Autora.
VII. No entendimento - manifestamente equivocado - do Recorrente, o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul teria determinado a revogação integral do saneador-sentença proferido em 09.12.2024 pelo Tribunal a quo.
VIII. Nesse saneador-sentença, o Tribunal a quo, referiu, entre outros, que "tendo em conta que a Autora instaurou a presente ação em 05.09.2024 e que, nessa data, face ao que dimana dos autos, o procedimento adjudicatório a que os documentos se referem ainda se encontrava pendente, forçoso é concluir que a ação é tempestiva, pelo que improcede a exceção apreciada julgou.”
IX. Adicionalmente, na decisão proferida, o Tribunal a quo “julgou procedente a exceção de ilegitimidade processual e, em consequência, absolve-se a Entidade Demandada e contrainteressadas da instância.”
X. Contudo, em 26.12.2024, a Autora (aqui Recorrida e naquela sede Recorrente) interpôs recurso da decisão prolatada por aquele Tribunal, na parte que lhe era desfavorável, relativa à procedência da exceção dilatória de ilegitimidade processual.
XI. Decorridos os trâmites desse processo de recurso ordinário, o douto Tribunal Central Administrativo Sul, em 27.03.2025, decidiu de acordo com o seguinte: “deve ser concedido provimento ao recurso, revogado o saneador-sentença recorrido, determinando-se o prosseguimento dos autos, se a tal nada mais obstar.”
XII. Assim sendo, e contrariamente àquilo que o Recorrente crê, o Acórdão prolatado pelo Tribunal Central Administrativo Sul não teve como consequência a revogação integral do saneador-sentença proferido em 09.12.2024 pelo Tribunal a quo, mas tão somente a revogação da parte da decisão que respeitava à procedência da exceção dilatória de ilegitimidade processual invocada pelo Réu.
XIII. É certo que, após análise a apreciação das alegações e contra-alegações apresentadas por ambas as partes, o Tribunal Central Administrativo Sul concluiu que “(...) deve ser concedido provimento ao recurso, revogado o saneador-sentença recorrido, determinando-se o prosseguimento dos autos, se a tal nada mais obstar
XIV. Todavia, o Recorrente extrai dessa conclusão uma interpretação que não se sustenta, porquanto a revogação do saneador-sentença de 09.12.2024 não teve - nem poderia ter - o alcance de anular todos os seus segmentos decisórios, mas apenas e exclusivamente aquele que foi objeto do recurso interposto pela Autora, aqui Recorrida.
XV. Com efeito, tendo o objeto do recurso interposto e o pedido deduzido pela Autora se centrado exclusivamente nessa questão, é sobre esta matéria que recaiu a pronúncia do Tribunal Central Administrativo Sul (cf. n.°s 2 e 4.° do CPC aplicável ex vi do artigo 1.° do CPTA).
XVI. Como bem decorre do n.º 5 do artigo 635. ° do CPC, “os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo."
XVII. Não tendo o Recorrente interposto recurso da decisão que lhe era desflorável pelo saneador-sentença prolatado pelo Tribunal a quo, em 09.12.2024, respeitante à improcedência da exceção dilatória de caducidade do direito de ação invocada por si, em sede de contestação, resulta por demais evidente que tal segmento decisório transitou em julgado, inexistindo, por isso, qualquer omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo relativamente a essa matéria.
XVIII. Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 620.° do CPC, o saneador-sentença proferido em 09.12.2024 pelo Tribunal a quo tem força obrigatória dentro do processo, na parte que se refere ao reconhecimento da tempestividade da ação proposta pela Autora e, consequentemente, à inexistência de caducidade do seu direito.
XIX. Posto isto, a invocada nulidade por omissão de pronúncia é manifestamente infundada, porquanto a matéria da caducidade do direito de ação foi oportunamente apreciada e decidida pelo Tribunal a quo aquando do saneador- sentença de 09.12.2024, encontrando-se estabilizada na ordem jurídica por força do caso julgado.
XX. Deve, por isso, improceder a alegada nulidade por omissão de pronúncia, dado que houve efetiva pronúncia, por parte do Tribunal a quo, acerca dessa matéria, no saneador-sentença de 09.12.2024, tendo esta formado caso julgado, pelo que o saneador-sentença que agora vem recorrido pelo aqui Recorrente (Réu) não padece desse vício.
XXI. Por outro lado, a alegada nulidade da sentença por falta de fundamentação também improcede, uma vez que o Tribunal a quo expôs de forma clara, coerente e inteligível os fundamentos de facto e de direito que suportam a decisão, permitindo às partes apreender o respetivo iter decisório.
XXII. E é facilmente compreensível o iter cognoscitivo do Tribunal no que respeita ao requisito atinente à posse de cédula profissional de advocacia ativa há, pelo menos, 20 anos, uma vez que este evidenciou que esse requisito mínimo de capacidade técnica no procedimento em análise, não se mostrava proporcional nem justificado face à natureza e complexidade das funções a desempenhar - serviços jurídicos para apoio à atividade corrente do Recorrente.
XXIII. O Tribunal a quo demonstrou que tal requisito não apresentava uma conexão razoável com o objeto do contrato, violando, por isso, os princípios da concorrência e da proporcionalidade, o que justificou a sua censura no quadro da legalidade administrativa.
XXIV. E é igualmente percetível e bem estruturado o iter cognoscitivo do Tribunal a quo no que respeita à exigência de posse de 2 (dois) cursos de pós- graduação emitidos ou reconhecidos por entidades oficiais portuguesas, em áreas específicas do Direito (Administrativo, Urbanismo e Tributário).
XXV. O Réu, aqui Recorrente, não pugnou por delimitar o objeto contratual à prática forense exclusiva em matéria administrativa, urbanística ou fiscal, mas sim a um âmbito transversal e indiferenciado, o que fragilizava, de forma evidente, a justificação da exigência de formação específica naquelas áreas e a restrição do acesso ao procedimento por profissionais com experiência efetiva noutras áreas relevantes para a execução do contrato, como sejam o Direito Civil, Penal, Contraordenacional e Proteção de Dados.
XXVI. Com efeito, considerando que o contrato visava a prestação de serviços de representação judiciária e assessoria jurídica em diversas áreas do Direito, o do Tribunal a quo é o mais adequado, dado que inexistiu fundamentação concreta ou correspondência com o conteúdo efetivo das funções a prestar.
XXVII. Também a imposição de que os candidatos tivessem, à data, mais de 40 (quarenta) processos judiciais a decorrer em tribunais administrativos e fiscais portugueses mereceu censura clara, objetiva e devidamente fundamentada por parte do Tribunal a quo, facilmente se extraindo da sentença que tal exigência não se encontrava ancorada em qualquer critério de adequação à natureza, volume ou complexidade das prestações contratuais visadas.
XXVIII. Pelo contrário, resultava (e resulta) num efeito restritivo manifestamente desproporcionado do universo de potenciais interessados, em flagrante violação dos princípios da concorrência e da proporcionalidade consagrados no Código dos Contratos Públicos.
XXIX. Por fim, a exigência de representação prévia de Municípios junto do Tribunal Constitucional em, pelo menos, dois processos em matérias de Direito Administrativo e/ou Tributário foi (e é) ilegítima, uma vez que nem o objeto contratual nem a fundamentação da decisão de contratar justificam tal experiência altamente específica.
XXX. No que respeita à alegada falta de fundamentação de facto, importa esclarecer, existiu, efetivamente, fundamentação de facto (e de direito), como resulta evidente da leitura conjugada dos pontos IV.I, IV.II e IV.III da sentença proferida.
XXXI. Como é bom de ver, o Tribunal a quo procedeu à enunciação dos factos considerados provados com relevância para a decisão da causa, identificando-os de forma clara, objetiva e especificada, com base nos documentos constantes dos autos e nas posições assumidas pelas partes.
XXXII. Para além disso, no segmento respeitante à motivação da decisão de facto (ponto IV.III), o Tribunal expressamente indicou os meios de prova que sustentaram a sua convicção - designadamente, a análise crítica da prova documental junta aos autos e a não impugnação dos factos pelas partes - o que, como é bom de ver, satisfaz plenamente as exigências impostas pelos n.°s 4 e 5 do artigo 607.° do CPC.
XXXIII. De todo o modo, sempre se refira que, embora o Recorrente apelide o capítulo II.B do seu recurso de “falta de fundamentação”, é o próprio que “reque[r] que seja revisto o julgamento da matéria de facto de modo a ser proferida decisão de facto sobre o alegado nos artigos 58. ° a 77. ° da contestação."
XXXIV. Na verdade, o Recorrente tenta dissimular uma impugnação da matéria de facto sob a capa de uma alegada nulidade da sentença, mas que, ainda assim, deve ser rejeitada, uma vez que não respeita o ónus imposto pela alínea b) do n.º 1 do artigo 640.° do CPC.
XXXV. O Recorrente limita-se a afirmar que o Tribunal a quo não apreciou os factos alegados nos artigos 58.° a 77.° da contestação, sustentando, de forma vaga, que “[a]o longo de tais artigos o Réu alegou e indiciariamente provou, inclusive, com documentos [...]".
XXXVI. O Recorrente não identifica minimamente quais os concretos meios de prova que teriam sido ignorados pelo Tribunal, nem demonstra a sua relevância para qualquer ponto específico da matéria de facto alegadamente não considerado, ao passo que também não indica em momento algum a relevância jurídica dos factos que pretende ver apreciados, não estabelecendo qualquer nexo entre os artigos da contestação que refere e a concreta solução jurídica a dar ao litígio.
XXXVII. Mas mesmo que o seu petitório tivesse provimento, a alegada impugnação da matéria de facto revelar-se-ia, ainda assim, inútil e juridicamente irrelevante, uma vez que os factos cuja apreciação o Recorrente pretende ver imposta a este ilustre Tribunal não têm relevância jurídica direta ou efetiva para a resolução do objeto do litígio.
XXXVIII. Nem nada demonstra o Recorrente quanto à pertinência concreta desses factos para o desfecho do processo, limitando-se meramente a afirmar que a sua não consideração, por parte do Tribunal a quo, representa uma violação do princípio da autonomia do poder local, sem articular minimamente de que forma o conhecimento da área do concelho, do número de trabalhadores municipais ou da previsão da TTT alteraria os fundamentos de direito subjacentes à decisão recorrida.
XXXIX. Não existe, por isso, qualquer vício de falta de fundamentação, nem qualquer omissão de apreciação de factos com relevância decisiva, limitando-se o Recorrente a manifestar discordância com o juízo jurídico formulado pelo Tribunal a quo - o que, com o devido respeito, não constitui nulidade, mas tão-só divergência (errónea) de entendimento do Recorrente face ao teor do saneador-sentença a quo.
XL. Enveredando pelo julgamento de Direito efetuado pelo Tribunal a quo, que foi no sentido de julgar procedente a ilegalidade dos requisitos mínimos de capacidade técnica constantes do Anexo 2 do Programa do Procedimento e das especificações técnicas constantes da Cláusula 2.ª da Parte II do Caderno de Encargos, cumpre referir que a mesma se baseia numa correta a boa interpretação e aplicação da lei.
XLI. No que concerne à exigência de inscrição na Ordem dos Advogados há pelo menos 20 anos, e embora o Recorrente queira fazer parecer que a circunstância da aqui Recorrida cumprir esse requisito faz com que o mesmo seja proporcional e “amigo" da concorrência, certo é que o cerne da análise deve ser objetivo, e incidir sobre a sua legalidade face às disposições e princípios que regem a contratação pública.
XLII. Neste sentido, será de referir que o tempo de experiência não é um parâmetro apropriado para aferir a disponibilidade permanente do advogado, bem como a sua capacidade de resposta em prazos curtos.
XLIII. Pelo contrário, uma maior antiguidade profissional tende, em regra, a estar associada a uma carteira de clientes mais vasta e a um maior volume de trabalho, o que pode contender, justamente, com a disponibilidade e a agilidade alegadamente exigidas pela Recorrente no âmbito do presente procedimento pré-contratual.
XLIV. Com efeito, como bem salientado na sentença recorrida, os requisitos mínimos de capacidade técnica devem necessariamente estar ligados à natureza concreta das prestações objeto do contrato e devem resultar de uma ponderação equilibrada entre a necessidade de assegurar a qualidade do serviço e o imperativo de não restringir injustificadamente a concorrência.
XLV. Assim, o Tribunal a quo reconheceu (e bem) que, no caso em apreço, não se demonstrou - nem pelo teor das peças do procedimento, da decisão de contratar ou dos fundamentos de facto e de direito carreados aos autos pelo Réu -, qualquer especificidade ou complexidade excecional das tarefas jurídicas a desempenhar que justificasse a imposição de um critério tão restritivo como o de exigir, no mínimo, 20 anos de exercício profissional ativo.
XLVI. Aquilo que se retirou das peças do procedimento foi apenas uma descrição genérica das funções de representação judiciária e assessoria jurídica, funções essas que, embora exigentes, não são incomuns no contexto da Administração Local e são desempenhadas, com plena competência, por inúmeros profissionais com menor tempo de exercício profissional.
XLVII. Acresce, por fim, que o Recorrente, em sede de alegações de recurso, procura sustentar a razoabilidade do requisito em análise com recurso a uma analogia que, além de imprópria, se revela manifestamente falaciosa.
XLVIII. O Recorrente refere, para o efeito, que o acesso às categorias superiores da carreira de magistrado pressupõe, também ele, um número significativo de anos de exercício profissional, e que as matérias em causa, ao poderem ser decididas por magistrados seniores em tribunais superiores, justificariam, por analogia, a exigência de 20 anos de cédula profissional para um advogado que presta serviços jurídicos para uma autarquia local.
XLIX. Todavia, tal raciocínio não colhe, desde logo, porque as exigências próprias do regime estatutário de magistratura resultam de um percurso profissional estruturado, progressivo e hierarquizado dentro da função pública, em que a antiguidade, formação contínua e avaliação são critérios balizados para o acesso a patamares superiores.
L. Por outro lado, é absolutamente irrelevante, para efeitos de qualificação e aptidão para o exercício dessas funções, que o advogado possua menos anos de experiência do que o magistrado que eventualmente venha a decidir os processos em que atua em representação do constituinte.
LI. É de destacar que o objeto do contrato não se limita ao patrocínio judiciário, mas compreende também a prestação de serviços de assessoria jurídica - a qual assenta, por natureza, num conhecimento atualizado de quem a presta e que pode ser plenamente dominado por profissionais com currículo diverso -, e que o Recorrente não pugna (nem pugnou, em momento próprio) por identificar qualquer razão objetiva que justifique a exigência de um mínimo de 20 anos de cédula profissional ativa.
LII. Como tal, o Tribunal andou bem ao concluir que não existe uma relação de causalidade clara entre a exigência de 20 anos de atividade e a garantia da qualidade da prestação contratual, sendo essa exigência, por isso, desproporcionada e violadora dos princípios fundamentais que regem os procedimentos de contratação pública.
LIII. No que concerne ao requisito atinente à exigência de, pelo menos, dois cursos de pós-graduação com relevância nas áreas de Direito Administrativo, Direito do Urbanismo e Direito Fiscal e Tributário, cumpre referir que o objeto do contrato não foi delimitado a serviços jurídicos especializados em Direito Administrativo, Urbanismo ou Fiscalidade - pelo contrário, o próprio Caderno de Encargos alude a funções abrangentes, de assessoria e representação judiciária em “diversas áreas do Direito" e em “qualquer que seja a Jurisdição".
LIV. Se o próprio procedimento assume, de forma expressa, que os serviços não se cingem a um ou mais domínios especializados, não é admissível que, à revelia dessa amplitude funcional, se venha a impor como condição restritiva a realização de formações específicas apenas em três áreas do Direito.
LV. Ao tê-lo feito, o Recorrente afastou injustificadamente o acesso ao procedimento pré-contratual em crise por profissionais com competências noutras áreas igualmente relevantes para a atividade autárquica - como o Direito do Trabalho, Direito Penal, Direito Civil ou até o Direito Processual.
LVI. O Recorrente falhou em demonstrar que tais áreas fossem as únicas ou mesmo as predominantes no exercício das funções a contratar, especialmente quando o próprio Caderno de Encargos indica uma prestação de serviços jurídicos abrangente, que se estende a diversas áreas do Direito e jurisdições.
LVII. Não basta referir que “o direito administrativo é a disciplina comum do procedimento autárquico" ou que “o direito urbanístico é central nos licenciamentos municipais", se não se demonstra, com base em elementos concretos e na descrição objetiva das tarefas a desempenhar, que tais áreas sejam exclusivas ou predominantemente exercidas.
LVIII. Como bem decidiu o Tribunal recorrido, a imposição do presente critério de qualificação técnica não encontra justificação suficiente no objeto do contrato, não é adequada nem proporcional, e consubstancia uma limitação injustificada à concorrência, em violação do disposto no n.° 1 do artigo 165.° do CCP.
LIX. No que concerne ao requisito de acompanhamento jurídico e volume superior a 40 processos judiciais, a decorrer em tribunais administrativos e fiscais portugueses, a mesma não possui razoabilidade nem adequação face ao objeto contratual e representa um obstáculo desproporcional e injustificado ao acesso ao procedimento, conforme analisado pelo Tribunal a quo.
LX. A exigência restringe a contagem do volume processual apenas aos processos pendentes nos Tribunais Administrativo e Fiscais, ignorando completamente o acompanhamento e a experiência em outras jurisdições relevantes, como a cível, penal, laboral, ou outras áreas jurídicas em que a assessoria e representação poderão ser necessárias no âmbito das funções contratadas.
LXI. O requisito em causa não encontra justificação concreta e objetiva nos autos, não tendo sido demonstrado que a prestação dos serviços de assessoria jurídica e representação do Município implicava obrigatoriamente a manutenção simultânea de mais de 40 processos pendentes nas jurisdições administrativa e fiscal.
LXII. Por outro lado, de elevada relevância é o facto de o Réu (aqui Recorrente) ter esclarecido à Autora (aqui Recorrida), na sequência do pedido de informação que formulou, que, à data da resposta ao pedido de informações, teria uma pendência de 44 (quarenta e quatro) processos judiciais "que correm termos nas instâncias judiciais portuguesas.”
LXIII. Com base nisso, o Tribunal a quo decidiu no sentido da sentença recorrida, não podendo exigir-se que este tivesse extraído outra conclusão se não a de que a imposição deste requisito não refletia a realidade prática da atuação do Recorrente (que geria um número certamente inferior de processos na jurisdição administrativa e fiscal) e, consequentemente, era inadequado e desproporcional.
LXIV. Por fim, no que respeita ao requisito mínimo de capacidade técnica de representação de um município junto do Tribunal Constitucional, em sede de dois recursos jurisdicionais em matérias de Direito Administrativo e ou Direito Tributário, cumpre salientar que, uma vez mais, o objeto do contrato, tal como definido pela própria Cláusula 2.ª do Programa do Procedimento, abrange a prestação de serviços jurídicos “em qualquer que seja a Jurisdição", não estando limitado - nem de forma expressa, nem implícita - ao âmbito do contencioso constitucional (ou mesmo às áreas de Direito Administrativo ou Tributário).
LXV. A abrangência do objeto contratual, aliás, foi um dos fundamentos centrais da decisão do Tribunal a quo, que, com inteiro acerto, concluiu não se encontrar demonstrada qualquer conexão entre as funções jurídicas a prestar e a exigência de experiência anterior em, pelo menos, dois processos junto do Tribunal Constitucional.
LXVI. O próprio Recorrente reconheceu, em resposta ao pedido de acesso à informação formulado pela ora Recorrida, que à data da tramitação do procedimento não se encontrava envolvido em qualquer processo a correr termos no Tribunal Constitucional em matéria de Direito Administrativo ou Tributário, o que evidencia a clara desconexão entre o requisito mínimo de capacidade técnica exigido e as reais necessidades do Município.
LXVII. A fixação de requisitos mínimos de capacidade baseados em meras suposições ou experiências passadas de forma isolada e pontual carecem, pois, de validade jurídica, não podendo ser invocada como fundamento legítimo para excluir o acesso ao procedimento de potenciais candidatos que, “no final das contas" seriam devidamente qualificados para a execução do contrato em apreço.
LXVIII. Resulta por demais evidente que o presente requisito mínimo de capacidade não tem qualquer ligação com o objeto do contrato, uma vez que não têm qualquer correspondência com as prestações que serão executadas durante a sua vigência.
LXIX. Assim, como bem decidiu o Tribunal a quo, o requisito em apreço constitui uma limitação indevida à concorrência e carece de qualquer justificação material objetiva, devendo ser julgado ilegal, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 165. ° do CCP.
LXX. Nesse desiderato, a decisão não poderá ser outra senão a improcedência do presente recurso, mantendo-se, assim, na ordem jurídica o saneador-sentença recorrido.”.

O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 e 147.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), relativamente ao recurso interposto pela entidade demandada, pronunciou-se no sentido de que deve ser concedido provimento ao recurso, tendo a recorrida, em resposta, pugnado pela manutenção da decisão recorrida.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.
*
II. Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pela Demandada e Recorrente delimitadas pela alegação de recurso e respetivas conclusões (artigos 144.º, n.º 2, do CPTA e 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC ex vi artigo 140º, n.º 3, do CPTA), são as seguintes:
- se o saneador-sentença recorrido incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia e falta de fundamentação por não especificação (e prova) de factos necessários à aplicação do direito;
- se se verifica o invocado erro de julgamento da matéria de facto e violação dos artigos 20.°, n.° 1, 6.º e 235.º da Constituição da República Portuguesa (CRP);
- se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por violação do artigo 165.° n.° 1 do CCP e dos princípios da concorrência e da proporcionalidade, ínsitos no artigo 1.°-A, n.º 1 do CCP.


III – Fundamentação:
3.1. De facto:
Na sentença recorrida foi julgada a matéria de facto com interesse para a decisão, nos seguintes termos:
Com relevância para a apreciação e decisão da causa o Tribunal julga provada a seguinte factualidade:
1. Em 25.03.2024, os serviços do Município do Barreiro propuseram a abertura de um concurso limitado por prévia qualificação para aquisição de serviços de assessoria jurídica e patrocínio forense.
- cf. informação constante do Procedimento Administrativo (PA);

2. A fundamentação aduzida para a aquisição dos serviços de assessoria jurídica e patrocínio forense foi a seguinte:
"Fundamenta-se a necessidade de aquisição do serviço, de facto, pela impossibilidade de satisfação destes serviços por via de recursos próprios do Município, que não dispõem de condições para assegurar a prática forense e a representação judicial dos órgãos autárquicos e bem assim, a cada vez mais premente necessidade de emissão de pareceres com conhecimentos especializados nas áreas, designadamente, do Direito Administrativo; Contratação Pública; Direito do Urbanismo; Direito Civil e Direito Penal, nas suas diversas ramificações".
- cf. informação constante do PA;

3. Em 26.06.2024, o Presidente da Câmara Municipal do Barreiro autorizou a abertura do procedimento para aquisição de serviços jurídicos, contencioso e assessoria jurídica, mediante concurso limitado por prévia qualificação.
- cf. autorização de abertura do procedimento constante do Procedimento Administrativo (PA);

4. Em 15.07.2024, foi publicado em Diário da República o anúncio de procedimento n.° 14496/2024, referente ao concurso identificado no ponto anterior.
- facto não controvertido.
5. A cláusula 2.ª do Programa de Procedimento tinha o seguinte teor:
“Cláusula 2.ª
Objeto do procedimento
1. O presente caderno de encargos compreende as cláusulas a incluir no contrato a celebrar na sequência do procedimento pré-contratual que tem por objeto principal a “aquisição de serviços jurídicos, de contencioso e assessoria jurídica", uma vez que este Município necessita de assegurar a prestação de serviços, inserida na atividade profissional de advogado, de forma a garantir a eficácia das decisões administrativas na prossecução das suas atribuições e competências, nos casos em que existe necessidade de recurso aos meios judiciais, bem como garantir a defesa dos interesses do Município quando demandado judicialmente, e ainda, elaborar estudos, pareceres, informações e documentos jurídicos a fim de assessorar o Gabinete de Apoio à Presidência (GAP), assim como em todas as situações jurídicas que visem a salvaguarda dos interesses do Município.
2. Incluem-se no âmbito do procedimento de procedimento acima identificado os serviços jurídicos nas diversas áreas do Direito em que o Município do Barreiro tenha necessidades de serviços jurídicos, contencioso, patrocínio, consultadoria e assessoria jurídica, nomeadamente entre outros:
a) Patrocínio dos processos judiciais, nos Tribunais, qualquer que seja a Jurisdição, Cível, Criminal e ou Administrativa, que envolvam o Município do Barreiro, (propondo-se prosseguir mandato forense nos processos em que o Município seja ou venha a ser parte), incluindo todo o apoio no acompanhamento dos processos judiciais, incluindo também a prestação de pareceres, informações e de esclarecimentos que sejam necessários ou solicitados, no âmbito de processos judiciais que envolvam o Município;
b) Acompanhamento de todos os processos em fase pré-litigiosa ou em processo judicial em que o Município seja ou venha a ser parte;
c) Participação nas reuniões presenciais, que se tornem necessárias e solicitadas pela entidade adjudicante, convocadas com uma antecedência mínima de 3 (três) dias úteis. A falta de comparência deverá ser justificada fundamentadamente;
d) Participação nas reuniões presenciais, nas instalações da entidade adjudicante ou outras que esta venha a indicar, com recorrência semanal, a definir dia e hora semanal, pela entidade adjudicante, com a duração que se considerar conveniente e necessária;
e) Elaborar estudos, pareceres, informações e documentos jurídicos quando solicitados pelo Gabinete de Apoio à Presidência.
f) Na prestação dos serviços, o prestador de serviços fica ainda obrigado, designadamente, a recorrer a todos os meios humanos, materiais, informáticos e tecnológicos que sejam necessários e adequados à prestação do serviço, bem como ao estabelecimento do sistema de organização necessário à perfeita e completa execução das tarefas a seu cargo".
- cf. cláusula 2.ª do PP constante do PA;

6. A cláusula 1.ª n.º 1 da Parte I do Caderno de Encargos tinha o seguinte teor:
"O presente procedimento designado de "Concurso limitado por prévia qualificação para aquisição de serviços jurídicos, contencioso e assessoria jurídica" destina-se à aquisição de serviços jurídicos, contencioso e de assessoria jurídica, tendo em vista assegurar a consultadoria em diversas áreas do direito e patrocínio jurídico, segue a tramitação de concurso limitado por prévia qualificação, nos termos do disposto nos artigos 162.º a 192.° do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 18/2008, de 29 de janeiro, na versão atual, adiante designado de CCP."
- cf. Caderno de Encargos constante do PA;

7. A cláusula 1.ª da Parte II do Caderno de Encargos tinha o seguinte teor:
"1. Sem prejuízo de outras obrigações previstas na legislação aplicável, no caderno de encargos ou nas cláusulas contratuais, da celebração do contrato decorrem para o prestador de serviços as seguintes obrigações principais:
2. Conceção e revisão de peças do procedimento de contratação pública;
3. Patrocínio judiciário em procedimentos ou processos jurisdicionais a decorrer ou que venham a ocorrer, sempre que indicado pela entidade adquirente, sem quaisquer limitações de quantidade, de matéria, causa ou valor;
4. Auxílio à tramitação dos procedimentos pré-contratuais, designadamente, na realização de relatórios, prestação de esclarecimentos, respostas a pronúncias, decisões de impugnações administrativas e contestações jurisdicionais ou administrativas que venham a ser solicitadas;
5. Auxílio à gestão celebração dos contratos, acordos, ou protocolos, designadamente, nas vicissitudes próprias de exceção do contrato e modificações contratuais;
6. Emissão de pareceres de direito suscitados pela entidade adquirente, nas diversas áreas de atuação da entidade adjudicante;
7. Assessoria nas diversas áreas de Direito suscitas pelo adquirente, nomeadamente Direito Administrativo, Civil, Penal, Contraordenacional, Proteção de Dados, entre outras;
8. Patrocínio dos processos judiciais, nos Tribunais de Jurisdição Cível e Administrativa, que envolvam o Município do Barreiro (propondo-se prosseguir mandato forense nos processos em que o Município seja ou venha a ser parte), incluindo o apoio e acompanhamento da elaboração dos processos administrativos prévios, a prestação de pareceres e de esclarecimentos que sejam necessários;
9. Acompanhamento de todos os processos em fase pré-litigiosa ou em processo judicial em que o Município seja ou venha a ser parte;
10. Elaborar estudos, pareceres, informações e documentos jurídicos quando solicitados pelo Gabinete de Apoio à Presidência.
11. A título acessório, o prestador de serviços fica ainda obrigado, designadamente, a recorrer a todos os meios humanos, materiais, tecnológicos e informáticos que sejam necessários e adequados à prestação do serviço, bem como ao estabelecimento do sistema de organização necessário à perfeita e completa execução das tarefas a seu cargo.
12. Os serviços serão prestados a partir do domicílio profissional do prestador, sem prejuízo das reuniões presenciais, nas instalações da entidade adjudicante ou outras que esta venha a definir, com a regularidade imposta ou sempre que seja notificado para estar presente, em data, hora, local e pelo tempo necessário, convocadas com uma antecedência mínima de 3 (três) dias úteis.
13. Para o acompanhamento da execução do contrato, o prestador de serviços fica obrigado a manter reuniões presenciais semanais recorrentes, nas instalações da entidade adjudicante ou outras que esta venha a definir, de coordenação com os representantes do Município do Barreiro, das quais deve ser lavrada ata a assinar por todos os intervenientes na reunião, a duração das reuniões será pelo tempo que se considerar necessário.
14. As reuniões não recorrentes devem ser alvo de uma convocação prévia escrita, de 3 (três) dias, por parte da entidade adjudicante. A não comparência deverá sempre ser justificada de forma fundamentada com motivo atendível. A ausência seguida ou interpolada a 2 ou mais reuniões formalmente convocadas, é considerado como incumprimento.
15. O prestador de serviços fica também obrigado a apresentar ao Município de Barreiro, um relatório com a evolução de todas as operações objeto dos serviços e com o cumprimento de todas as obrigações emergentes do contrato, mensalmente.
16. No final da execução do contrato, o prestador de serviços deve ainda elaborar um relatório final, discriminando os principais acontecimentos e atividades ocorridos em cada fase de execução do contrato.
17. Todos os relatórios, registos, comunicações, atas e demais documentos elaborados pelo prestador de serviços devem ser integralmente redigidos em português.
18. Os serviços a prestar, objeto do contrato, deverão obedecer às características técnicas, ou funcionais, especificações técnicas e características dos serviços, inerentes ao serviço a prestar".
- cf. Caderno de Encargos constante do PA;

8. No anexo II do PP foram identificados os seguintes requisitos de capacidade técnica:
1. Os candidatos devem comprovar, documentalmente, a sua capacidade técnica.
2. Os requisitos cumulativos exigidos devem encontrar-se cumpridos na totalidade no momento da entrega da candidatura.
A capacidade técnica dos candidatos é aferida de acordo com o cumprimento da totalidade dos requisitos abaixo descritos:



- cf. PP constante do PA.

9. Na cláusula 2.ª da Parte II do Caderno de Encargos foram, igualmente, identificados os seguintes requisitos técnicos:
"Cláusula 2.ª
Requisitos cumulativos e obrigatórios do Prestador de serviços
1. Os candidatos devem comprovar, documentalmente, o cumprimento dos requisitos, constantes do quadro abaixo.
2. Os requisitos cumulativos exigidos devem encontrar-se cumpridos na totalidade no momento da entrega da candidatura.
3. A capacidade técnica dos candidatos é aferida de acordo com o cumprimento da totalidade dos requisitos abaixo descritos:
REQUISITOS CUMULATIVOS:
1º- Ser detentor de Licenciatura em Direito, emitida ou reconhecida por entidades oficiais portuguesas, com média mínima de 12 valores;
2º- Cédula profissional de advocacia, emitida pela Ordem dos Advogados em Portugal, ativa no mínimo há 20 anos;
3º- Possuir um mínimo de 2 Cursos de pós-graduação, emitida ou reconhecida por entidades oficiais portuguesas, com relevância nas áreas âmbito do presente procedimento: Direito Administrativo, Direito do Urbanismo e Direito Fiscal e Tributário, todos do ordenamento jurídico português;
4º- Dispor de um mínimo de 15 anos corridos de representação jurídica e intervenções judiciais portugueses em processos em que 1 das partes seja um Município;
5º- Ter em acompanhamento jurídico, um volume processual superior a 40 processos judiciais, a decorrer em Tribunais Administrativo e Fiscais portugueses;
6º- Ter um mínimo de 3 colaborações jurídicas com Municípios portugueses;
7º- Ter representado um Município junto do Tribunal Constitucional, em sede de recurso jurisdicional em matérias de Direito Administrativo e ou Direito Tributário, num mínimo de 2 processos.
- cf. Caderno de Encargos constante do PA.

10. Em 26.07.2024, a Autora solicitou um pedido de acesso à informação à Entidade Demandada, com o seguinte teor:
“ASSUNTO: Pedido de acesso à informação.
N…, P…, SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, RL, titular do NIPC 5…, com sede na Rua D…, n.° …, 4…-3… Porto, vem, ao abrigo do disposto no n.° 1 do artigo 268.0 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), da alínea e) do n.° 1 do artigo 4.° e do artigo 5.° da Lei n.° 26/2016, de 22 de agosto, solicitar que lhe sejam disponibilizadas as seguintes informações:
• Número de processos em que o Município do Barreiro é parte e que corram termos em todas as instâncias da jurisdição administrativa e fiscal;
• Número de processos em que o Município do Barreiro seja parte e que estejam em fase de recurso jurisdicional junto do Tribunal Constitucional em matéria de Direito Administrativo e Tributário.
De referir que, conforme decorre dos preceitos legais supra indicados, o acesso à informação administrativa é livre e não depende da invocação de qualquer interesse (artigo 5.0 da Lei n.° 26/2016, de 22 de agosto).
Assim, requer-se a V. Exa que as informações solicitadas sejam remetidas por via eletrónica, para o seguinte endereço eletrónico: r...@...f.pt.
Mais se informa que a não satisfação, no prazo de 10 dias, da informação ora requerida, legitima o Requerente a intentar processo urgente de intimação para prestação de informações e passagem de certidões, ao abrigo do disposto nos artigos 104.° e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
(...)"
- doc. n.° 4 anexo à petição inicial;

11. Em 07.08.2024 a Entidade Demandada dirigiu à Autora a resposta ao pedido referido no ponto anterior, da qual se colhe, além do mais, o seguinte teor:

- doc. n.° 5 anexo à petição inicial.

IV.II. Factos não provados:
Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados que revelem interesse para a boa decisão da causa.

IV.III. Motivação
A factualidade provada nos presentes autos foi a julgada relevante para a decisão da causa, fundando-se a convicção deste Tribunal na análise crítica dos documentos que constam dos presentes autos, conforme consta nos pontos do probatório, bem como a posição assumida pelas partes no que concerne aos factos alegados e não impugnados e corroborados pelos documentos juntos.”.

*
3.2. De Direito.
Nos presentes autos de contencioso pré-contratual formulou a Autora, ora Recorrida, o pedido de declaração de ilegalidade das disposições constantes do anexo 2 do programa do procedimento e do n.º 3 da cláusula 2.ª da parte II do caderno de encargos, referentes aos requisitos mínimos de capacidade técnica, por violação do n.º 1 do artigo 165.° e n.º 4 do artigo 49.° do CCP.
A presente ação foi julgada procedente, tendo sido declarada a ilegalidade das disposições constantes do Anexo II do Programa de Procedimento e do n.º 3 da Cláusula 2.ª da Parte II do Caderno de Encargos do procedimento lançado pela Entidade Demandada para “Aquisição de Serviços Jurídicos, Contencioso e de Assessoria Jurídica”, e, anulados “os atos administrativos que tenham sido praticados no âmbito do referido procedimento”.
Inconformada a entidade demandada “Município do Barreiro” interpôs recurso desta decisão.
*
Importa, então, apreciar e decidir o recurso interposto pela entidade demandada “Município do Barreiro” e Recorrente, sendo as questões a decidir, tal como vêm delimitadas pela alegação de recurso e respetivas conclusões, as supra enunciadas, em II.
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3.2.1. Da invocada nulidade do saneador-sentença
Da omissão de pronúncia
Defendeu o recorrente que o saneador-sentença recorrido incorreu em omissão de pronúncia por não ter decidido a exceção de caducidade invocada na contestação, pois apesar de tal exceção ter sido julgada aquando do primeiro “saneador-sentença”, a revogação integral desta decisão pelo Tribunal Central Administrativo Sul implicaria que o Tribunal recorrido voltasse a produzir o julgamento sobre a mesma. Tendo o tribunal a quo omitido o conhecimento da exceção de caducidade violou o n.º 2 do artigo 94.° e o n.° 1 do artigo 95.°, ambos do CPTA e incorreu numa situação de invalidade que tem o desvalor de nulidade, prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615. ° do CPC, aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA.
Nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC): “1 - É nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…).”.
Relativamente às “Questões a resolver - Ordem do julgamento”, o artigo 608.º, do CPC dispõe no n.º 2 que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”.
E o artigo 3.º, n.º 1 do CPC estabelece que “O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.”.
Só ocorre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, que são todas as que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (cfr. art.º 608.º, nº 2, do CPC). Deve o juiz apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, não se lhe impondo a apreciação de todos os argumentos, razões ou fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir. Só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da decisão. Deve, igualmente, o juiz apreciar as exceções – cfr. artigos 88.º e 89.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Devendo, em suma, a sentença “decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras” – cfr. artigo 95.º, n.º 1 do CPTA.
No caso dos autos, é manifesta a falta de razão do recorrente quanto a este fundamento do recurso, pois, como o próprio referiu na sua alegação de recurso o tribunal a quo em 6/12/2024 apreciou e decidiu a exceção de caducidade do direito de ação, tendo julgado esta exceção improcedente.
Desta decisão a entidade demandada, ora recorrente, não interpôs recurso, no prazo legal para o efeito (cfr. designadamente artigos 140.º, 141.º, 144.º e 147.º, todos do CPTA), pelo que a mesma transitou em julgado (cfr. artigos 620.º e 621.º do CPC).
Com efeito, foi apenas interposto recurso pela Autora, ora Recorrida, da decisão prolatada pelo tribunal a quo, na parte que lhe era desfavorável, relativa à procedência da exceção dilatória de ilegitimidade processual.
É, pois, destituída de fundamento a alegação do recorrente de que este tribunal revogou integralmente o despacho saneador.
Desde, logo, e como já referido, porque a referida decisão que julgou improcedente a exceção de caducidade do direito de ação não foi objeto de recurso, razão pela qual o tribunal de recurso não a apreciou. Estando-lhe, pois, vedada tal apreciação. É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação de recurso (cfr. arts. 608.º n.º 2, 635.º n.º 4, 637.º n.º 2 e 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil de 2013 (CPC), ex vi art. 140.º n.º 3, do CPTA, sem prejuízo das questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração.
Desta forma não colhe o argumento invocado pela recorrente “Apesar de tal decisão ter sido julgada aquando do primeiro “saneador-sentença”, a revogação integral deste decisão pelo Tribunal Central Administrativo Sul implicaria que o Tribunal recorrido voltasse a produzir o julgamento sobre a mesma.”, sendo claro que este tribunal de recurso não tendo apreciado a exceção de caducidade do direito de ação não revogou a decisão do tribunal “a quo”, na parte que julgou improcedente essa exceção, tendo apenas revogado o saneador-sentença na parte referente à exceção de ilegitimidade ativa, como resulta meridianamente claro da análise contextual do acórdão e respetivo dispositivo, não obstante do mesmo constar que “acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da Subsecção de Contratos Públicos, da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar o saneador-sentença recorrido, determinando-se o prosseguimento dos autos, se a tal nada mais obstar.”. Obviamente que o saneador recorrido respeitou apenas à parte da exceção de ilegitimidade ativa.
De resto, em consonância com o previsto no artigo 635.º, n.º 5, do CPC “[os] efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.”.
Pelo que sem necessidade de quaisquer outras considerações, se conclui que o tribunal a quo não violou as normas previstas no n.º 2 do artigo 94. ° e no n.º 1 do artigo 95. ° do CPTA.
Termos em que se indefere a invocada nulidade.
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Da falta de fundamentação por não especificação (e prova) de factos necessários à aplicação do direito
Defendeu a entidade demandada, ora recorrente que a sua contestação enunciou um conjunto significativo de factos, relativos à atividade e circunstâncias concretas que qualificam o Município do Barreiro e o diferenciam dos demais 307 municípios portugueses, tendo-o feito detalhadamente entre os artigos 58.º a 77.° da contestação, juntando documentos que provavam o conteúdo das alegações. Referiu que o tribunal a quo prescindiu do julgamento destes factos, mas emitiu juízos conclusivos sobre a alegada ilegalidade das normas que continham as especificações de qualificação dos candidatos, considerando-as lesivas do princípio da proporcionalidade por comprimirem em demasia o espectro de concorrência, denotando a sentença um julgamento orientado exclusivamente para uma perspetiva e por isso parcial e inadequado à soberana função que o suporta. Só após a prova sobre esta realidade - artigos 58.º a 77.° da contestação - seria possível concluir pelo respeito ou desrespeito pelo princípio da proporcionalidade, violando o tribunal a quo os referidos n.° 2 do artigo 94.º e n.º 1 do artigo 95.° do CPTA e incorreu numa invalidade processual que gerou a nulidade da sentença, conforme previsto na alínea b) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC.
Defendeu, ainda, o recorrente que ao julgar como julgou, o Tribunal a quo subtraiu ao Tribunal de Recurso a matéria de facto necessária à produção de caso julgado e aplicou o direito de acordo com uma interpretação que viola o artigo 20.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa. E que como o Tribunal a quo também aplicou o direito de forma a considerar iguais todos os municípios do País, julgou de acordo com uma interpretação que viola o princípio da autonomia do poder local, previsto nos artigos 6.° e 235.° da Constituição da República Portuguesa.
Vejamos.
O artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, dispõe: “É nula a sentença quando: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;”.
Deve o juiz especificar os factos que considera provados e não provados, que tenham relevância para a decisão e em que faz assentar o seu raciocínio decisório e deve indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas que conduzem à decisão final.
O Tribunal a quo procedeu à enunciação dos factos considerados provados com relevância para a decisão da causa, identificando-os de forma clara, objetiva e especificada, com base nos documentos constantes dos autos e nas posições assumidas pelas partes, como referiu a recorrida.
A decisão recorrida enunciou de forma suficiente os fundamentos quer de facto, quer de direito, para considerar que os requisitos cumulativos relativos à capacidade técnica do prestador de serviços fixados em sede de procedimento pré-contratual incorriam em violação do previsto no artigo 165.º n.º 1 do CCP e dos princípios da concorrência e da proporcionalidade, tendo explicitado o raciocínio efetuado pelo Tribunal a quo.
Sendo claro o entendimento explanado pelo Tribunal a quo quanto às ilegalidades que julgou padecerem as normas do anexo II do PP e do n.º 3, da cláusula 2.ª da Parte II do CE que definiram cada um dos requisitos mínimos a deter pelos prestadores de serviços, explicitando esse entendimento por referência ao fundamento que justificou a necessidade de aquisição de serviços de assessoria jurídica e patrocínio forense, ao objeto contratual definido nas peças concursais, assim como ao tipo de serviços jurídicos a prestar (cfr. nomeadamente os factos provados n.ºs 2, 5, 6, 8 e 9 do probatório).
Entendemos, assim, que não assiste razão ao recorrente, não tendo incorrido a decisão recorrida nos vícios que o recorrente lhe imputou, em concreto não ocorre a invocada violação do n.° 2 do artigo 94.º, nem do n.° 1 do artigo 95.° do CPTA, nem a invocada invalidade processual prevista no artigo 615. °, n.º 1, al. b), do CPC.
O Recorrente pode discordar da fundamentação adotada na decisão recorrida, mas a mesma não é reconduzível a uma nulidade da decisão, pois, a decisão não padece de qualquer insuficiência de fundamentação quer de facto, quer de direito.
Na verdade, os fundamentos que o Recorrente aduziu neste ponto traduzem-se em discordância do mesmo relativamente à subsunção dos factos às normas jurídicas aplicáveis e, como tal, configuráveis como hipotéticos erros de julgamento de facto ou de direito, que apreciaremos infra.
Em suma, o Tribunal a quo especificou, de forma suficiente e clara os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão recorrida, não enfermando esta decisão da invocada nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615. ° do CPC.
Não se verifica, assim, a invocada nulidade da decisão, improcedendo este fundamento de recurso.
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3.2.2. Do invocado erro de julgamento da matéria de facto e da violação dos artigos 20.°, n.° 1, 6.º e 235.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Referiu o recorrente que a “boa decisão da causa” impunha, pelo menos, que fosse considerada provada a factualidade relevante para a decisão em todas as perspetivas possíveis, incluindo a matéria relevante para a apreciação da exceção que foi omitida e que o mesmo indicou.
É consabido que só a matéria com relevância para a decisão da causa deve ser alterada ou aditada pelo tribunal de recurso. Pelo que o pretendido aditamento da matéria de facto quanto à exceção de caducidade do direito de ação fica, desde logo, prejudicado, em face da decisão que antecede no que respeita à invocada omissão de pronúncia sobre esta exceção.
Improcedendo, assim, desde logo, este fundamento de recurso.
Defendeu, ainda, o recorrente que pressupunha que para apreciar a validade dos requisitos de capacidade técnica fixados fossem julgados os factos invocados na contestação, sem os quais não se poderia produzir qualquer juízo de ponderação para aplicação de quaisquer princípios relativos à contratação pública. Doutro modo, o Tribunal a quo estaria a subtrair a possibilidade de o recorrente sindicar devidamente a decisão recorrida e de o Tribunal de Recurso conhecer sobre o julgamento dos factos necessários à produção do caso julgado. E cumulativamente a violar o princípio do acesso ao direito por parte do Réu, reforçado por tutela constitucional - artigo 20.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP). Ou seja, antes de concluir que os requisitos de capacidade técnica fixados pela entidade recorrida violavam as normas legais e os princípios referidos, importava conhecer e sujeitar a prova, pelo menos, o alegado nos artigos 58.° a 77.° da contestação, requerendo que seja revisto o julgamento da matéria de facto de modo a ser proferida decisão de facto sobre o alegado nos artigos 58.° a 77.º da contestação. 
Mas, também, nesta parte, não lhe assiste razão. A sentença recorrida efetuou uma correta decisão da matéria de facto, assim como enunciou os fundamentos de facto e de direito que justificaram o juízo de ilegalidade que formulou, não ocorrendo violação do princípio do acesso ao direito por parte do Réu, consagrado, designadamente, no artigo 20.º, n.º 1 da CRP.
Por outro lado, a circunstância de o tribunal a quo não ter julgado provado o alegado nos artigos 58.º a 77.º da contestação não permite alcançar a conclusão a que chega o recorrido de que “o Tribunal a Quo também aplicou o direito de forma a considerar iguais todos os municípios do País”, em violação do princípio da autonomia do poder local, previsto nos artigos 6.° e 235.° da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, a sentença recorrida julgou provados os factos elencados nos pontos 1 a 11 do probatório atinentes, designadamente, à fundamentação aduzida pela entidade demandada para a aquisição dos serviços de assessoria jurídica e patrocínio forense, ao tipo de procedimento pré-contratual cuja abertura foi autorizada pelo Presidente da Câmara Municipal do Barreiro - “procedimento para aquisição de serviços jurídicos, contencioso e assessoria jurídica, mediante concurso limitado por prévia qualificação”-, ao objeto do procedimento, cláusulas a incluir no contrato a celebrar, descrição do tipo de serviços jurídicos a prestar, assim como as principais obrigações que decorreriam para o prestador de serviços com a celebração do contrato em causa. O tribunal a quo julgou, assim, como provados os concretos factos com relevância para a decisão a proferir, não se vislumbrando, qualquer violação dos artigos 20.º, n.º 1 e 6.º, nem do artigo 235.º, todos da CRP. Não incorrendo, assim, a sentença recorrida em violação do princípio do acesso ao direito, nem do princípio da autonomia do poder local.
Quanto à pretendida revisão do julgamento da matéria de facto o recorrente limitou-se a requerer que seja revisto o julgamento da matéria de facto de modo a ser proferida decisão de facto sobre o alegado nos artigos 58.° a 77.° da contestação, sem que tenha cumprido os ónus que sobre si impendiam, designadamente, não indicou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, assim como a decisão que, no seu entender, deve ser proferida, em conformidade com o previsto no artigo 640.º do CPC, pelo que tem a mesma de ser rejeitada.
Deste modo, a impugnação de facto do recorrente não merece acolhimento e a decisão de facto da sentença recorrida permanece intocada.
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3.2.3. Do invocado erro de julgamento por violação do previsto no artigo 165.º n.º 1 do CCP e dos princípios da concorrência e da proporcionalidade, ínsitos no artigo 1.º-A do CCP.
Referiu o recorrente que após apreciar cada um dos requisitos de qualificação dos concorrentes, que identificou, a sentença recorrida concluiu pela procedência do pedido formulado pela Autora e declarou a ilegalidade das disposições constantes no anexo II do PP e no n.° 3 da cláusula 2.ª da Parte II do CE, por violação do artigo 165.° n.º 1 do CCP e dos princípios da concorrência e da proporcionalidade, ínsitos no artigo 1.°-A do CCP, e, em consequência, anulou os atos administrativos que tenham sido praticados no âmbito do referido procedimento, juízo que viola a lei aplicável devendo o saneador sentença ser revogado.
Alegou que para qualificar a concorrência para a prestação deste tipo de serviços o Réu tem o poder de especificar o perfil dos candidatos e que além da exigência de prova de capacidade, é admissível que as entidades adjudicantes filtrem a concorrência quando as prestações a contratar são mais complexas, ou diferenciadas, aconselhando maiores cuidados com a capacidade técnica e a garantia de experiência do cocontratante, caindo esta competência de qualificação dos concorrentes no domínio do poder discricionário da administração.
Defendeu que os requisitos mínimos de capacidade técnica a exigir dos candidatos devem resultar de: i) uma conexão íntima com o objeto do contrato; ii) de uma ponderação adequada, equilibrada e sem sacrifício desnecessário da trave-mestra da contratação pública que é a concorrência, de modo a conciliar a prossecução do interesse público com a defesa do amplo acesso aos procedimentos de contratação pública por parte dos potenciais interessados em contratar. Para tal juízo de ponderação é essencial o apuramento das especificidades e/ou elevada complexidade das prestações contratuais, já que são estas que podem fundamentar que a entidade adjudicante fixe logo “à partida” exigências mínimas aos candidatos (artigos 164.º e 165.º do CCP). E que a modulação da qualificação se revela proporcional face aos objetivos a atingir - a prossecução da atividade do Município com garantias de conformidade legal e representação judiciária com a qualificação exigida pelas circunstâncias. As situações qualificativas requeridas pelo Município revelam-se necessárias, adequadas e racionais, cobrindo todas as vertentes do princípio da proporcionalidade, tendo em conta a complexidade normativa da atividade municipal e a responsabilidade inerente ao seu incumprimento, perante terceiros e perante as próprias entidades de controlo da atividade municipal, cumprindo as peças concursais aprovadas pelo Réu a lei aplicável.
Concluiu dizendo que a decisão recorrida incorreu em violação do n.° 1 do artigo 1.°-A e n.° 1 do artigo 165.° do CCP, os quais deveriam ser interpretados e aplicados de modo a conformar que as especificações do caderno de encargos, relativas à capacidade mínima dos candidatos, são conformes ao interesse público a prosseguir pelo Município do Barreiro e proporcionais na restrição que operam quanto à apresentação de candidaturas para a execução do contrato em formação.
A entidade pública demandada, ora recorrente visava contratar, como se provou, “serviços jurídicos, contencioso e de assessoria jurídica”, tendo em vista assegurar a consultadoria em diversas áreas do direito e patrocínio jurídico, estando as principais obrigações contratuais identificadas na cláusula 1.ª, parte II do Caderno de Encargos (cfr. ponto 7 do probatório), tendo para o efeito desencadeado o procedimento pré-contratual “concurso limitado por prévia qualificação”.
Como se prevê no artigo 16.º, n.º 1, alínea d) do Código dos Contratos Públicos (CCP) “[p]ara a formação de contratos cujo objeto abranja prestações que estão ou sejam suscetíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, as entidades adjudicantes devem adotar um dos seguintes tipos de procedimentos:
(…) d) Concurso limitado por prévia qualificação;”.
Como se prevê no artigo 162.º, do CCP “1 - O concurso limitado por prévia qualificação rege-se, com as necessárias adaptações, pelas disposições que regulam o concurso público, em tudo o que não esteja especialmente previsto nos artigos seguintes.
2 - Ao concurso limitado por prévia qualificação não é aplicável o disposto nos artigos 149.º a 161.º”.
No artigo 164.º, n.º 1, alínea h) do CCP, prevê-se que:
1 - O programa do concurso limitado por prévia qualificação deve indicar:
(…)
h) Os requisitos mínimos de capacidade técnica que os candidatos devem preencher;”.
Prevendo-se no n.º 1 do artigo 165.º, do CCP que “[o]s requisitos mínimos de capacidade técnica a que se refere a alínea h) do n.º 1 do artigo anterior devem ser adequados à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar, descrevendo situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos, designadamente:
a) À experiência curricular dos candidatos; (…)”.
Com a escolha de um concurso limitado por prévia qualificação visa-se garantir que os prestadores de serviços reúnem as condições necessárias, do ponto de vista técnico e ou financeiro, para poderem ser cocontratantes das entidades adjudicantes, de forma a assegurar a boa execução do contrato.
Compete à entidade pública adjudicante definir o perfil do prestador de serviços que pretende contratar, a qual detém margem de liberdade na definição dos requisitos mínimos que os potenciais candidatos devem preencher, devendo, no entanto, ter por referência o objeto do contrato a celebrar, ou seja, a especificidade dos serviços a contratar, em particular o seu grau de tecnicidade, isto é, os requisitos mínimos de capacidade técnica devem ser adequados à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar, em conformidade com a previsão do citado artigo 165.º, n.º 1, do CCP.
Com efeito, o artigo 165.º, n.º 1, do CCP convoca o princípio da proporcionalidade que “determina que as entidades adjudicantes adotem comportamentos adequados e proporcionados aos fins prosseguidos. Como ensina a doutrina o princípio inclui uma tripla exigência: adequação, exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito (relação proporcionada entre custos e benefícios). (…)
O princípio encontra-se referenciado em termos gerais no CCP, no artigo 1.º, n.º 1, e conhece concretizações em vários preceitos: por exemplo, quando, no âmbito do concurso limitado, estabelece que os requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira devem ser “adequados à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar” (artigo 165.º, n.º 1) (1-Cfr. Pedro Costa Gonçalves, in Direito dos Contratos Públicos, 3.ª Edição, Vol. 1, Almedina, pág. 366-367.)”.
Como se decidiu no acórdão do STA de 04/04/2024 proferido no processo n.º 01053/23.9BEPRT: “O princípio da concorrência, enquanto princípio enformador do direito da contratação pública (cfr o artigo 1.º-A, n.º 1, do CCP), articula-se, por um lado, com o princípio da igualdade – “concorrência-igualdade” –, no sentido de tutelar a igualdade de acesso aos mercados públicos (igualdade de oportunidades e abertura dos mercados) e a igualdade de tratamento dos particulares interessados (não discriminação e transparência); e, por outro, com uma ideia de eficiência e economicidade – “concorrência máxima” ou maximização da abertura à concorrência –, na medida em que a competição potencia mais-valias em termos de preço, de condições contratuais e de inovação (best value for money; cfr. Pedro Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2021, pp. 127-131).
Decerto que a concorrência também constitui um valor central do direito da concorrência, enquanto ordenamento que visa a promoção e defesa da concorrência qua tale (cfr o artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, que estabelece o regime jurídico da concorrência – “RJdC”). Mas, como assinala justamente Pedro Costa Gonçalves, «o “princípio da concorrência” não cumpre a mesma intenção normativa nessas duas disciplinas. A partir de uma leitura constitucional, acentua-se num caso a nota da liberdade concorrencial e, no outro, a dimensão da igualdade concorrencial» (v. Autor cit., ibidem, p. 135). Assim:
«No direito da contratação pública, o princípio da concorrência surge como expressão concretizada da primazia da igualdade, em concreto, como exigência, reclamada à Administração Pública, de um tratamento igualitário de todos os operadores económicos: o princípio da concorrência funciona aqui, na contratação, como um cânone ou critério normativo que adstringe a entidade adjudicante a usar procedimentos de adjudicação abertos a todos os operadores económicos interessados (igualdade de acesso), impondo-lhe ainda a obrigação de tratar igualmente os participantes (igualdade de tratamento). Está em causa o acesso ou a entrada no mercado, e, como se compreende, o objetivo igualitário do princípio da concorrência não consiste em igualizar os concorrentes ou os seus poderes de oferta, mas apenas em igualizar as respetivas condições de participação: o cânone da igualdade, enquanto dimensão do princípio da concorrência (igualdade concorrencial), é orientado para o plano procedimental, não para o plano material ou de resultado.» (idem, ibidem).”.
O “princípio da concorrência funciona, na contratação, como um cânone ou critério normativo que adstringe a entidade adjudicante a usar procedimentos de adjudicação o mais abertos possíveis a todos os operadores económicos interessados, impondo-lhe ainda a obrigação de tratar igualmente os participantes no acesso e durante o procedimento concursal de referência.
22. Da aplicação deste princípio resultará, também, que as demais normas aplicáveis à contratação pública deverão ser interpretadas de modo a favorecer a participação nos procedimentos pré-contratuais do maior número de interessados. Como refere Ana Fernanda Neves: “[o] princípio da concorrência tutela os interesses relativos ao acesso aos mercados públicos e o interesse público na contratação ótima. Postula a realização de procedimento pré-contratual, ainda que exista outra entidade adjudicante com interesse na adjudicação, cuja participação não deve distorcer a concorrência em relação aos proponentes privados. Veda restrições injustificadas e desproporcionadas à liberdade de candidatura. Implica que nenhum obstáculo ou favor, seja introduzido nas regras de um procedimento em que há vários interessados numa vantagem pública, de molde que a escolha do co-contratante resulte do confronto juridicamente correto das respetivas propostas.” (cfr. Os Princípios da Contratação Pública, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, Vol. II, Coimbra, 2011, p. 40). 23. Isto é, para usar as palavras de Pedro Costa Gonçalves, “há um efeito direto do Princípio da Concorrência na ordem administrativa” (cfr. Direito dos Contratos Públicos, p.140).
(…)
28. No plano pré-contratual, um dos corolários do princípio da concorrência é o dever de a entidade adjudicante não definir requisitos de acesso ao procedimento em termos tais que conduzam a uma limitação desproporcionada, injustificada e/ou desigual quanto ao mercado habilitado a aceder a esse procedimento.
29. Não obstante a margem de discricionariedade que se reconhece ser atribuída à entidade adjudicante no que concerne, nomeadamente, à definição dos requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira que os potenciais candidatos devem preencher, tal liberdade encontra-se limitada pelos princípios da proporcionalidade e da concorrência. Ou seja, na fixação de tais exigências terão de estar presentes os deveres de prossecução do normal funcionamento do mercado e da proteção subjetiva dos potenciais concorrentes, visando assegurar o mais amplo acesso aos procedimentos por parte dos interessados no procedimento.
30. Por isso, a definição dos requisitos não poderá ser feita sem conexão com o contrato que visa celebrar e – sempre - em ordem a assegurar um quadro de livre concorrência.
(…)
32. Isto é, a criação de uma exigência, como condição de acesso ao procedimento, sem que a mesma encontre respaldo suficiente no fim visado pelo interesse público em causa que o contrato a celebrar visa prosseguir, consubstanciará uma limitação injustificada do universo dos participantes e resulta numa discriminação restritiva da concorrência.
(…)
44. Com efeito, o ponto está em que, sem se contestar a ampla margem de apreciação à entidade adjudicante no âmbito da formulação das especificações técnicas de um contrato, não podem estas, na sua estipulação, criar obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência, reduzindo-a artificialmente através de requisitos que favoreçam um operador económico específico.
(…)
57. Em suma, em obediência aos princípios da concorrência, da igualdade e da proporcionalidade – desde logo na sua vertente da exigibilidade – a inclusão de disposições no Caderno de Encargos que sejam objetivamente limitadoras do universo das propostas susceptíveis de serem apresentadas no procedimento e assim restritivas da participação dos operadores económicos interessados, como ocorre com a referência direta a uma determinada certificação a título exclusivo, só poderão encontrar justificação em elementos incontestáveis; o que, contrariamente ao que vem decidido, está longe de ser o caso. (…) (2-Cfr. acórdão do STA, de 12/09/2024, proferido no processo n.º 0498/22.6BELRA, consultável em www.dgsi.pt, como todos os acórdãos citados sem indicação de fonte.)”.
Feito o enquadramento das normas jurídicas aplicáveis, apreciemos, então os fundamentos do recurso invocados pelo recorrente.
A sentença sob recurso declarou a ilegalidade das disposições constantes do Anexo II do Programa de Procedimento e do n.º 3 da Cláusula 2.ª da Parte II do Caderno de Encargos do procedimento lançado pelo recorrente para “Aquisição de Serviços Jurídicos, Contencioso e de Assessoria Jurídica”, com o seguinte discurso jurídico fundamentador:
“o artigo 165.° n.° 1, do CCP alude aos "requisitos mínimos de capacidade técnica", estabelecendo que devem ser "adequados à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar", ou seja, os requisitos devem ter uma justificação atendível e devem ser relevantes e proporcionais face ao tipo de trabalho, bens ou serviços que se pretende contratualizar, estando, portanto, vedada a formulação de critérios de qualificação que restrinjam a concorrência de forma injustificada, devendo as medidas restritivas do universo de potenciais interessados ter uma justificação adequada, necessária e equilibrada, sendo por referência ao objeto do contrato a celebrar que se deve ponderar quais os requisitos mínimos que podem ser exigidos (nesse sentido, vide, Acórdão do STA, de 20.10.2016, tirado no processo 0739/16, acessível em www.dgsi.pt).
No que concerne ao princípio da concorrência, na sua vertente positiva e quantitativa, visa estimular a participação do maior número de candidato e concorrentes nos procedimentos adjudicatórios, e, na sua vertente negativa e qualitativa, visa garantir uma efetiva e sã concorrência (nesse sentido, vide, Ac. do STA, de 12.03.2014, tirado no processo 01469/14). Por conseguinte, a exigência injustificada de requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira conducente à redução do universo de potenciais candidatos consubstancia uma violação dos princípios da concorrência e da proporcionalidade.
(…)
a ED pretendia assegurar serviços jurídicos para representação judiciária e assessoria jurídica em termos amplos, isto é, para quaisquer questões jurídicas que se pudessem atravessar no contexto da prossecução das suas atribuições, sendo que, de resto, não foi destacado qualquer processo ou procedimento dos quais resultasse particulares exigências ou conhecimentos específicos, mas sim a necessidade de acompanhamento em todos os processos e procedimentos em que a assessoria ou representação jurídica se revelasse necessária.
Posto isto, e conforme acima sublinhamos, os requisitos de capacidade técnica devem defluir da conexão com o objeto do contrato e resultar de uma ponderação adequada face ao valor nuclear da concorrência, razão pela qual se impõe apurar se as especificidades e a complexidade das prestações contratuais objeto do procedimento em causa nos presentes autos justificam a fixação de exigências mínimas aos candidatos, dado que, como referimos supra, a injustificada exigência de requisitos mínimos de capacidade técnica conduz à redução dos potenciais candidatos e consubstancia uma violação dos aludidos princípios da concorrência e da proporcionalidade.
Ora, sendo certo que as autarquias enfrentam no seu quotidiano administrativo questões que demandam apoio jurídico habilitado, no caso em análise não se consegue estabelecer uma relação causal entre a exigência de um prazo tão longo de atividade (20 anos de exercício de atividade de advocacia) para assegurar a representação judiciária e a assessoria jurídica da ED, ou seja, a exigência em causa não se revela equilibrada face à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar.
De resto, tampouco se retira das peças concursais ou da fundamentação da decisão de contratar a justificação da necessidade da exigência de cédula profissional de advocacia ativa no mínimo há 20 anos, não sendo apta a justificar tal exigência a mera referência às atribuições que incumbe à ED prosseguir.
Naturalmente que a exigência de cédula profissional de advocacia emitida pela Ordem dos Advogados em Portugal, ativa no mínimo há 20 anos, face ao objeto contratual definido, restringe de forma injustificada o universo de potenciais interessados, sendo plausível admitir que muitos advogados com conhecimentos especializados e capacidade técnica são automaticamente arredados do procedimento adjudicatório sem justificação atendível, prejudicando-se, aliás, a possibilidade da entidade adjudicante obter uma proposta mais competitiva.
Acresce que, a exigência de cédula profissional de advocacia emitida pela Ordem dos Advogados em Portugal, ativa no mínimo há 20 anos, desfavorece injustificadamente os advogados com menos tempo de inscrição, ainda que possam ter as competências necessárias, não se revelando proporcional face ao objeto contratual definido exigir um período tão longo de inscrição.
Ante o exposto, conclui-se que o requisito mínimo de que os candidatos fossem detentores de "Cédula profissional de advocacia, emitida pela Ordem dos Advogados em Portugal, ativa no mínimo há 20 anos", configura uma violação do artigo 165.° n.° 1 do CCP, por não se revelar adequado nem justificável face à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar, e por violar o princípio da concorrência e da proporcionalidade, ao restringir de forma desproporcionada e injustificada o número de potenciais concorrentes.
(…)
Ora, concluindo-se que a ED pretendia assegurar a representação judiciária e a assessoria jurídica em diversas áreas do Direito, isto é, em termos amplos (administrativo, civil, penal), não é possível estabelecer uma relação causal entre o objeto contratual definido e a necessidade de exigir aos potenciais candidatos a detenção de formação pós-graduada nas áreas do "Direito Administrativo, Direito do Urbanismo e Direito Fiscal e Tributário", não se retirando do procedimento adjudicatório a justificação para a exigência fixada, ónus que competia à ED demonstrar nas peças concursais.
Note-se que a ED não delimitou o objeto contratual à prática forense numa específica área do Direito, mas sim que os serviços englobariam "diversas áreas do Direito" e em "qualquer que seja a Jurisdição". Logo, a exigência de formação pós-graduada nas áreas do "Direito Administrativo, Direito do Urbanismo e Direito Fiscal e Tributário", restringe necessariamente o universo de potenciais interessados, sem que tenha sido apresentada justificação atendível para essa exigência, desfavorecendo os advogados que não tenham essas formações e prejudicando a possibilidade da apresentação de propostas mais competitivas.
Ante o exposto, conclui-se que o requisito em causa configura uma violação do artigo 165.° n.° 1 do CCP, por não se revelar adequado nem justificável face à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar, e por violar o princípio da concorrência, ao restringir de forma injustificada o número de potenciais concorrentes.
(…)
Ora, concluindo-se que a ED pretendia assegurar a representação judiciária e a assessoria jurídica em diversas áreas do Direito, isto é, em termos amplos (administrativo, civil, penal), também aqui não é possível estabelecer uma relação causal entre o objeto contratual definido e a necessidade de exigir aos potenciais candidatos "Ter em acompanhamento jurídico, um volume processual superior a 40 processos judiciais, a decorrer em Tribunais Administrativo e Fiscais portugueses", não se retirando do procedimento adjudicatório a justificação para a exigência fixada, ónus que competia à ED demonstrar nas peças concursais.
Assim sendo, a exigência em causa restringe necessariamente o universo de potenciais interessados, sem que tenha sido apresentada justificação atendível para essa exigência, desfavorecendo os advogados que não cumpram esse requisito e prejudicando a possibilidade da apresentação de propostas mais competitivas.
Ante o exposto, conclui-se que o requisito mínimo em causa configura uma violação do artigo 165.° n.° 1 do CCP, por não se revelar adequado nem justificável face à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar, e por violar o princípio da concorrência e da proporcionalidade, ao restringir de forma desproporcionada e injustificada o número de potenciais concorrentes.
(…)
Ora, concluindo-se que a ED pretendia assegurar a representação judiciária e a assessoria jurídica em diversas áreas do Direito, isto é, em termos amplos (administrativo, civil, penal), também aqui não é possível estabelecer uma relação causal entre o objeto contratual definido e a necessidade de exigir aos potenciais candidatos "Ter representado um Município junto do Tribunal Constitucional, em sede de recurso jurisdicional em matérias de Direito Administrativo e ou Direito Tributário, num mínimo de 2 processos", não se retirando do procedimento adjudicatório a justificação para a exigência fixada, ónus que competia à ED demonstrar nas peças concursais.
Assim sendo, a exigência em causa restringe necessariamente o universo de potenciais interessados, sem que tenha sido apresentada justificação atendível para essa exigência, desfavorecendo os advogados que não cumpram esse requisito e prejudicando a possibilidade da apresentação de propostas mais competitivas.
Ante o exposto, conclui-se que o requisito mínimo em causa configura uma violação do artigo 165.° n.° 1 do CCP, por não se revelar adequado nem justificável face à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar, e por violar o princípio da concorrência e da proporcionalidade, ao restringir de forma desproporcionada e injustificada o número de potenciais concorrentes.”.
Nos presentes autos está em causa um procedimento designado de "Concurso limitado por prévia qualificação para aquisição de serviços jurídicos, contencioso e assessoria jurídica" destina-se à aquisição de serviços jurídicos, contencioso e de assessoria jurídica, tendo em vista assegurar a consultadoria em diversas áreas do direito e patrocínio jurídico, segue a tramitação de concurso limitado por prévia qualificação, nos termos do disposto nos artigos 162.º a 192.° do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 18/2008, de 29 de janeiro, na versão atual, adiante designado de CCP." – cfr. ponto 6 do probatório.
Provou-se que a fundamentação aduzida pela entidade demandada, ora recorrente para a aquisição dos referidos serviços de assessoria jurídica e patrocínio forense foi a seguinte:
Fundamenta-se a necessidade de aquisição do serviço, de facto, pela impossibilidade de satisfação destes serviços por via de recursos próprios do Município, que não dispõem de condições para assegurar a prática forense e a representação judicial dos órgãos autárquicos e bem assim, a cada vez mais premente necessidade de emissão de pareceres com conhecimentos especializados nas áreas, designadamente, do Direito Administrativo; Contratação Pública; Direito do Urbanismo; Direito Civil e Direito Penal, nas suas diversas ramificações”.
Está igualmente provado – cfr. cláusula 2.ª do Programa de Procedimento – que o contrato a celebrar na sequência do procedimento pré-contratual tem por objeto principal a “aquisição de serviços jurídicos, de contencioso e assessoria jurídica", inserida na atividade profissional de advogado, de forma a garantir a eficácia das decisões administrativas do Município do Barreiro “na prossecução das suas atribuições e competências, nos casos em que existe necessidade de recurso aos meios judiciais, bem como garantir a defesa dos interesses do Município quando demandado judicialmente, e ainda, elaborar estudos, pareceres, informações e documentos jurídicos a fim de assessorar o Gabinete de Apoio à Presidência (GAP), assim como em todas as situações jurídicas que visem a salvaguarda dos interesses do Município” – cfr. ponto 5 do probatório.
Os serviços a contratar no âmbito do procedimento, conforme resulta provado – cfr. ponto 5 do probatório – incluem “os serviços jurídicos nas diversas áreas do Direito em que o Município do Barreiro tenha necessidades de serviços jurídicos, contencioso, patrocínio, consultadoria e assessoria jurídica, nomeadamente entre outros:
a) Patrocínio dos processos judiciais, nos Tribunais, qualquer que seja a Jurisdição, Cível, Criminal e ou Administrativa, que envolvam o Município do Barreiro, (propondo-se prosseguir mandato forense nos processos em que o Município seja ou venha a ser parte), incluindo todo o apoio no acompanhamento dos processos judiciais, incluindo também a prestação de pareceres, informações e de esclarecimentos que sejam necessários ou solicitados, no âmbito de processos judiciais que envolvam o Município;
b) Acompanhamento de todos os processos em fase pré-litigiosa ou em processo judicial em que o Município seja ou venha a ser parte;
c) Participação nas reuniões presenciais, que se tornem necessárias e solicitadas pela entidade adjudicante, convocadas com uma antecedência mínima de 3 (três) dias úteis. A falta de comparência deverá ser justificada fundamentadamente;
d) Participação nas reuniões presenciais, nas instalações da entidade adjudicante ou outras que esta venha a indicar, com recorrência semanal, a definir dia e hora semanal, pela entidade adjudicante, com a duração que se considerar conveniente e necessária;
e) Elaborar estudos, pareceres, informações e documentos jurídicos quando solicitados pelo Gabinete de Apoio à Presidência.
f) Na prestação dos serviços, o prestador de serviços fica ainda obrigado, designadamente, a recorrer a todos os meios humanos, materiais, informáticos e tecnológicos que sejam necessários e adequados à prestação do serviço, bem como ao estabelecimento do sistema de organização necessário à perfeita e completa execução das tarefas a seu cargo”.
Por outro lado, na cláusula 1.ª da Parte II do Caderno de Encargos a entidade adjudicante definiu as principais obrigações que decorrem da celebração do contrato para o prestador de serviços, nos seguintes termos:
"1. Sem prejuízo de outras obrigações previstas na legislação aplicável, no caderno de encargos ou nas cláusulas contratuais, da celebração do contrato decorrem para o prestador de serviços as seguintes obrigações principais:
2. Conceção e revisão de peças do procedimento de contratação pública;
3. Patrocínio judiciário em procedimentos ou processos jurisdicionais a decorrer ou que venham a ocorrer, sempre que indicado pela entidade adquirente, sem quaisquer limitações de quantidade, de matéria, causa ou valor;
4. Auxílio à tramitação dos procedimentos pré-contratuais, designadamente, na realização de relatórios, prestação de esclarecimentos, respostas a pronúncias, decisões de impugnações administrativas e contestações jurisdicionais ou administrativas que venham a ser solicitadas;
5. Auxílio à gestão celebração dos contratos, acordos, ou protocolos, designadamente, nas vicissitudes próprias de exceção do contrato e modificações contratuais;
6. Emissão de pareceres de direito suscitados pela entidade adquirente, nas diversas áreas de atuação da entidade adjudicante;
7. Assessoria nas diversas áreas de Direito suscitas pelo adquirente, nomeadamente Direito Administrativo, Civil, Penal, Contraordenacional, Proteção de Dados, entre outras;
8. Patrocínio dos processos judiciais, nos Tribunais de Jurisdição Cível e Administrativa, que envolvam o Município do Barreiro (propondo-se prosseguir mandato forense nos processos em que o Município seja ou venha a ser parte), incluindo o apoio e acompanhamento da elaboração dos processos administrativos prévios, a prestação de pareceres e de esclarecimentos que sejam necessários;
9. Acompanhamento de todos os processos em fase pré-litigiosa ou em processo judicial em que o Município seja ou venha a ser parte;
10. Elaborar estudos, pareceres, informações e documentos jurídicos quando solicitados pelo Gabinete de Apoio à Presidência.
11. A título acessório, o prestador de serviços fica ainda obrigado, designadamente, a recorrer a todos os meios humanos, materiais, tecnológicos e informáticos que sejam necessários e adequados à prestação do serviço, bem como ao estabelecimento do sistema de organização necessário à perfeita e completa execução das tarefas a seu cargo.
12. Os serviços serão prestados a partir do domicílio profissional do prestador, sem prejuízo das reuniões presenciais, nas instalações da entidade adjudicante ou outras que esta venha a definir, com a regularidade imposta ou sempre que seja notificado para estar presente, em data, hora, local e pelo tempo necessário, convocadas com uma antecedência mínima de 3 (três) dias úteis.
13. Para o acompanhamento da execução do contrato, o prestador de serviços fica obrigado a manter reuniões presenciais semanais recorrentes, nas instalações da entidade adjudicante ou outras que esta venha a definir, de coordenação com os representantes do Município do Barreiro, das quais deve ser lavrada ata a assinar por todos os intervenientes na reunião, a duração das reuniões será pelo tempo que se considerar necessário.
14. As reuniões não recorrentes devem ser alvo de uma convocação prévia escrita, de 3 (três) dias, por parte da entidade adjudicante. A não comparência deverá sempre ser justificada de forma fundamentada com motivo atendível. A ausência seguida ou interpolada a 2 ou mais reuniões formalmente convocadas, é considerado como incumprimento.
15. O prestador de serviços fica também obrigado a apresentar ao Município de Barreiro, um relatório com a evolução de todas as operações objeto dos serviços e com o cumprimento de todas as obrigações emergentes do contrato, mensalmente.
16. No final da execução do contrato, o prestador de serviços deve ainda elaborar um relatório final, discriminando os principais acontecimentos e atividades ocorridos em cada fase de execução do contrato.
17. Todos os relatórios, registos, comunicações, atas e demais documentos elaborados pelo prestador de serviços devem ser integralmente redigidos em português.
18. Os serviços a prestar, objeto do contrato, deverão obedecer às características técnicas, ou funcionais, especificações técnicas e características dos serviços, inerentes ao serviço a prestar" – cfr. ponto 7 do probatório.
Ora, o objeto do procedimento em causa nestes autos definido na cláusula 2.ª do Programa de Procedimento (facto provado 5), consubstancia-se em serviços jurídicos nas diversas áreas do Direito em que o Município do Barreiro tenha necessidades de serviços jurídicos, contencioso, patrocínio, consultadoria e assessoria jurídica, no qual se inclui o patrocínio dos processos judiciais, nos Tribunais, qualquer que seja a Jurisdição, Cível, Criminal e ou Administrativa, que envolvam o Município do Barreiro, participação em reuniões presenciais semanais ou sempre que necessário, assim como a elaboração de estudos, pareceres, informações e documentos jurídicos quando solicitados pelo Gabinete de Apoio à Presidência.
A exigência de inscrição na Ordem dos Advogados há mais de 20 anos, só por si não permite concluir no sentido de que se está perante “um prestador com uma atividade contínua na prestação de serviços jurídicos e patrocínio forense”, como defendeu o recorrente.
Sendo certo que a legalidade desta exigência não encontra justificação na circunstância de a experiência em exercício continuado de advocacia por um período mínimo de 20 anos poder ser “cumprida pela Autora e por muitas outras sociedades de advogados e advogados”, como defendeu o recorrente. Tal como não encontra justificação na alegação de que as impugnações das decisões de um município, como o do Barreiro, excedem, frequentemente, a alçada dos tribunais de primeira e segunda instância. Na verdade, a lei não exige nenhum período mínimo de inscrição na Ordem dos Advogados para um advogado poder exercer o patrocínio judiciário nos tribunais superiores, diferentemente dos requisitos que estabelece para acesso dos magistrados aos tribunais superiores.
Assim, a exigência de cédula profissional de advocacia, emitida pela Ordem dos Advogados em Portugal, ativa pelo menos há 20 anos, não encontra justificação no objeto do procedimento concursal, nem no elenco de obrigações que do mesmo decorrem para o prestador de serviços e que se acabaram de enunciar. Com efeito, em face do objeto do procedimento concursal, assim como das obrigações que do mesmo decorrem para o prestador de serviços, não se extrai uma particular especificidade, complexidade ou exigência que justifique definir como requisito mínimo o exercício de advocacia há pelo menos 20 anos. Em regra, o exercício de uma profissão por um maior período temporal confere uma maior experiência, mas não existe uma relação direta e necessária entre o período temporal e a maior abrangência de conhecimentos. Assim, não se pode inferir uma relação direta entre a inscrição na Ordem dos Advogados há mais de 20 anos e “um perfil com competências técnicas transversais a diversas áreas do direito”. Sendo certo que a exigência do cumprimento deste requisito é suscetível de afastar do universo de candidatos um elevado número de advogados com conhecimentos e experiência nas diversas áreas do direito, restringindo, assim, sem justificação plausível a concorrência.
Como se decidiu em acórdão deste TCA Sul, ainda que a propósito de um procedimento para “aquisição de serviços de apoio jurídico especializado”, na área da saúde “tratando-se da delicada (para o Direito da livre e sã concorrência) zona da “experiência profissional” (aqui nas áreas do Direito laboral público e privado e da contratação pública), o número de 3 anos é normalmente compreensível e justificável à luz da aquisição de um mínimo de experiência e acumulação de saberes correntes, de “experiência feitos”, por forma a que a entidade adjudicante não se veja “assessorada” por iniciados, pois estamos numa área muito importante e dispendiosa da Administração Pública, a administração pública de saúde (no caso, de tipo empresarial). (3-Cfr. acórdão de 02/06/2016, proferido no processo n.º 13187/16, também referido pelo recorrente, do qual se cita, ainda, o respetivo sumário, na parte considerada útil “II - Por força do preceituado nos artigos 164º e 165º do Código dos Contratos Públicos, a entidade adjudicante tem, no âmbito da sua margem de livre decisão, de estabelecer quais os requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira para a boa execução do contrato a celebrar, estando, no entanto, sempre vinculada aos limites decorrentes da proporcionalidade, da concorrência e da igualdade. III - É da Administração o ónus da prova dos factos constitutivos ou fundamentadores da adequação exigida pela norma que lhe atribui a margem de livre decisão administrativa).”.
Ora, não competindo ao tribunal a quo – nem a este tribunal – fixar o período temporal mínimo de inscrição na Ordem dos Advogados de que deveria ser detentor um candidato à prestação de tais serviços que a entidade recorrida pretendia contratar, não pode deixar de concluir-se que não está demonstrada a necessidade de fixação de um período tão longo – 20 anos – de inscrição na Ordem dos Advogados para um proficiente cumprimento do contrato a celebrar, ónus que competia à entidade demandada. Portanto, em face do interesse público em causa – contratação de um perfil com competências técnicas transversais a diversas áreas do direito para prestação de serviços jurídicos nas diversas áreas do Direito em que o Município do Barreiro tenha necessidades de serviços jurídicos, contencioso, patrocínio, consultadoria e assessoria jurídica, -, não se mostra justificada a exigência deste requisito temporal para obter conhecimentos e experiência profissional nas diversas áreas do direito.
Em suma e como se concluiu na decisão recorrida a fixação deste requisito – exigência de titularidade de “cédula profissional de advocacia, emitida pela Ordem dos Advogados em Portugal, ativa no mínimo há 20 anos” -, configura uma violação do artigo 165.º n.º 1 do CCP, por não se revelar adequado, nem justificável face à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar, e por violar o princípio da concorrência e da proporcionalidade, ao restringir de forma desproporcionada e injustificada o número de potenciais concorrentes.
No que respeita ao requisito “Possuir um mínimo de 2 Cursos de pós-graduação, emitida ou reconhecida por entidades oficiais portuguesas, com relevância nas áreas âmbito do presente procedimento: Direito Administrativo, Direito do Urbanismo e Direito Fiscal e Tributário, todos do ordenamento jurídico português”, defendeu o recorrente que esta exigência decorre “da perceção que tais cursos são um meio idóneo de demonstrar se o candidato acedeu a programas pedagógicos e científicos vocacionados para assimilar uma especialização em determinada área do direito, que o habilitem, preferencialmente, a trabalhar nesse domínio”.
É certo que a frequência de cursos de pós-graduação, ou ciclos de estudos conducentes à atribuição dos graus de mestre e de doutor permitem a aquisição/aprofundamento de conhecimentos nas matérias sobre que incidem os respetivos programas curriculares, todavia, visando a prestação de serviços no procedimento em causa nos autos as diversas áreas do direito, incluindo direito civil e criminal, ainda que seja evidente que muitos dos litígios que envolvem as autarquias locais respeitem a matérias que envolvem direito administrativo, direito do urbanismo, direito tributário, ou como refere o recorrente “decorrem de áreas nucleares de atuação do Município do Barreiro”, esta exigência não encontra justificação no objeto do contrato para o qual foi desencadeado este concurso limitado por prévia qualificação.
E, também, não pode essa pretendida especialização encontrar justificação na especialização desta jurisdição, como parece defender o recorrente, ou até na especialização da jurisdição comum. Essa exigência tem de resultar das peças do procedimento, devendo os requisitos mínimos de capacidade técnica ser adequados à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar (cfr. artigo 165.º, n.º 1 do CCP).
Assim, como se decidiu na decisão recorrida: “concluindo-se que a ED pretendia assegurar a representação judiciária e a assessoria jurídica em diversas áreas do Direito, isto é, em termos amplos (administrativo, civil, penal), não é possível estabelecer uma relação causal entre o objeto contratual definido e a necessidade de exigir aos potenciais candidatos a detenção de formação pós-graduada nas áreas do "Direito Administrativo, Direito do Urbanismo e Direito Fiscal e Tributário", não se retirando do procedimento adjudicatório a justificação para a exigência fixada, ónus que competia à ED demonstrar nas peças concursais.
Note-se que a ED não delimitou o objeto contratual à prática forense numa específica área do Direito, mas sim que os serviços englobariam "diversas áreas do Direito" e em "qualquer que seja a Jurisdição". Logo, a exigência de formação pós-graduada nas áreas do "Direito Administrativo, Direito do Urbanismo e Direito Fiscal e Tributário", restringe necessariamente o universo de potenciais interessados, sem que tenha sido apresentada justificação atendível para essa exigência, desfavorecendo os advogados que não tenham essas formações e prejudicando a possibilidade da apresentação de propostas mais competitivas.
Ante o exposto, conclui-se que o requisito em causa configura uma violação do artigo 165.° n.° 1 do CCP, por não se revelar adequado nem justificável face à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar, e por violar o princípio da concorrência, ao restringir de forma injustificada o número de potenciais concorrentes.”.
Nestes termos, também, não assiste razão ao recorrente quanto a este fundamento do recurso.
Quanto ao requisito de “ter em acompanhamento jurídico, um volume processual superior a 40 processos judiciais, a decorrer em Tribunais Administrativo e Fiscais portugueses”, defendeu o recorrente que o mesmo “decorre da exigência litigância de interesses com valores, frequentemente, superiores a centenas de milhares de euros, seja em processos de contencioso pré-contratual ou contratual, seja em impugnações de atos administrativos ablativos ou condenação à prática de atos devidos e corresponde ao histórico de pendências do Município e para um período estimado de 3 anos.”, e que “esta especificação se revela proporcional e adequada às necessidades do Município, que não pode correr o risco de contratar alguém sem a noção deste potencial volume processual ou capacidade de se organizar para lhe responder”.
A sentença recorrida quanto a este requisito decidiu que “concluindo-se que a ED pretendia assegurar a representação judiciária e a assessoria jurídica em diversas áreas do Direito, isto é, em termos amplos (administrativo, civil, penal), também aqui não é possível estabelecer uma relação causal entre o objeto contratual definido e a necessidade de exigir aos potenciais candidatos "Ter em acompanhamento jurídico, um volume processual superior a 40 processos judiciais, a decorrer em Tribunais Administrativo e Fiscais portugueses", não se retirando do procedimento adjudicatório a justificação para a exigência fixada, ónus que competia à ED demonstrar nas peças concursais.
Assim sendo, a exigência em causa restringe necessariamente o universo de potenciais interessados, sem que tenha sido apresentada justificação atendível para essa exigência, desfavorecendo os advogados que não cumpram esse requisito e prejudicando a possibilidade da apresentação de propostas mais competitivas.
Ante o exposto, conclui-se que o requisito mínimo em causa configura uma violação do artigo 165.° n.° 1 do CCP, por não se revelar adequado nem justificável face à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar, e por violar o princípio da concorrência e da proporcionalidade, ao restringir de forma desproporcionada e injustificada o número de potenciais concorrentes”.
E este entendimento não merece a censura que lhe dirige o recorrente.
Pois, como se provou, e já anteriormente se concluiu, pretendendo a entidade adjudicante assegurar a representação judiciária e a assessoria jurídica em diversas áreas do Direito, isto é, em termos amplos (administrativo, civil, penal), não está demonstrada a necessidade desta exigência de circunscrever este requisito apenas a processos a “decorrer em Tribunais Administrativo e Fiscais portugueses” e por outro fixa um número de processos que não aparenta uma qualquer justificação racional, sendo, no entanto, apto a restringir a concorrência. Sucede que a explicação avançada pelo recorrente em sede de recurso “que não pode correr o risco de contratar alguém sem a noção deste potencial volume processual ou capacidade de se organizar para lhe responder”, não encontra justificação no objeto do contrato a celebrar.
Tal como não se compreende como a alegação do recorrente que o “volume processual mínimo de 40 processos, a decorrer em Tribunais Administrativo e Fiscais portugueses, corresponde à ponderação das necessidades do Município do Barreiro.
A qual se baseou no histórico de pendências nestas jurisdições, nomeadamente numa estimativa de 40 processos, face às atribuições e competências cometidas legalmente ao Réu.”, quando o número de processos a que se refere o requisito respeita a processos que o candidato – enquanto mandatário – deve ter em acompanhamento jurídico e não a entidade adjudicante.
No que respeita ao requisito “Ter representado um Município junto do Tribunal Constitucional, em sede de recurso jurisdicional em matérias de Direito Administrativo e ou Direito Tributário, num mínimo de 2 processos”, referiu o recorrente que “corresponde à prática judiciária da entidade adjudicante, nomeadamente em matéria tributária revelando a gestão processual que é necessária uma especialização processual de modo a salvaguardar interesses patrimoniais relevantes.”, que referiu “a Autora, na sua informação promocional, que estaria igualmente capacitada para este tipo de representação – “o contencioso constitucional”., e que “na mesma condição estariam muitos outros advogados e sociedades de advogados”.
Sucede que a circunstância de a autora, ora recorrida, muitos outros advogados e sociedades de advogados estarem capacitados para cumprir tal requisito nada permite concluir sobre a legalidade do mesmo, atento o previsto no artigo 165.º, n.º 1, do CCP.
Sendo que para efeitos de patrocinar o Município do Barreiro em processos judiciais no Tribunal Constitucional, e em nome da especialização, nomeadamente, em matéria tributária “de modo a salvaguardar interesses patrimoniais relevantes”, este requisito não se afigura adequado, nem necessário em face do objeto do procedimento concursal. Na verdade, para interpor recurso para o Tribunal Constitucional num qualquer processo judicial em que seja parte o recorrente, nomeadamente, para efeitos de fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade importa o conhecimento das normas substantivas e processuais pertinentes, designadamente, da Constituição da República Portuguesa e da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional. É certo que a entidade adjudicante é um município, no entanto esta exigência de patrocínio de um “Município junto do Tribunal Constitucional, em sede de recurso jurisdicional em matérias de Direito Administrativo e ou Direito Tributário, num mínimo de 2 processos”, não deixa de configurar uma restrição injustificada da concorrência. Pois, admitindo-se que a exigência de patrocínio no Tribunal Constitucional possa ser um requisito determinante para o cumprimento do objeto do contrato, a restrição que é feita de se exigir o patrocínio, em particular, de um Município configura-se como uma restrição, desproporcional, da concorrência. Na medida em que a interposição de um recurso para o Tribunal Constitucional por um Município não apresenta especificidades relativamente à interposição de um recurso por uma qualquer outra entidade pública, ou privada, para além das decorrentes do direito substantivo aplicável às autarquias locais.
Assim e como se decidiu na sentença recorrida, concluindo-se que a ED pretendia assegurar a representação judiciária e a assessoria jurídica em diversas áreas do Direito, isto é, em termos amplos (administrativo, civil, penal), também aqui não é possível estabelecer uma relação causal entre o objeto contratual definido e este requisito mínimo de capacidade técnica que os candidatos devem preencher, não se retirando do procedimento adjudicatório a justificação para a exigência fixada, ónus que competia à ED demonstrar. Sendo esta exigência suscetível de restringir o universo de potenciais interessados, sem que tenha sido apresentada justificação atendível para a mesma, viola o disposto no artigo 165.º, n.º 1 do CCP e o princípio da proporcionalidade, na vertente da necessidade.
Deve, assim, como se concluiu na decisão recorrida, o saneador-sentença recorrido ser confirmado, atenta a ilegalidade das disposições constantes do anexo II do PP e do n.º 3 da cláusula 2.ª da Parte II do CE, por violação do artigo 165.º n.º 1 do CCP e dos princípios da concorrência e da proporcionalidade, ínsitos no artigo 1.º-A do CCP, com a consequente anulação dos atos administrativos que tenham sido praticados no âmbito do referido procedimento.
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Em face do exposto, deve ser negado provimento ao recurso e confirmado o saneador-sentença recorrido.

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As custas serão suportadas pelo recorrente – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, todos do Regulamento das Custas Processuais.

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IV. Decisão:
Pelo exposto, acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da Subsecção de Contratos Públicos, da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar o saneador-sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 11 de setembro de 2025.

(Helena Telo Afonso – relatora)

(Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro)

(Ana Carla Teles Duarte Palma)