Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 288/25.4BESNT |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 09/11/2025 |
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Relator: | LUÍS BORGES FREITAS |
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Descritores: | INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS REGIME DE CONTRATAÇÃO DE DOUTORADOS ABERTURA DE PROCEDIMENTOS CONCURSAIS PARA A CARREIRA |
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Sumário: | I - De acordo com o disposto no artigo 6.º/5 do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, «[a] instituição, em função do seu interesse estratégico, procede à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, até seis meses antes do termo do prazo de seis anos referido no n.º 2». II - A abertura do referido procedimento consubstancia um dever da respetiva instituição. III - A escolha que a lei lhe confere é apenas entre o concurso para categoria da carreira de investigação científica ou para categoria da carreira de docente do ensino superior, escolha essa que terá de ser fundamentada no seu interesse estratégico. |
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Votação: | Voto de vencido |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul: I S........ intentou, em 29.3.2025, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra a Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, pedindo a condenação da «Ré a realizar todos os procedimentos adequados, previstos no n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, alterado pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, que se consubstanciam na abertura de procedimento concursal para ocupação de um posto de trabalho na carreira de investigação científica, de acordo com as funções desempenhadas pelo Autor». * Por sentença proferida em 18.6.2025 o tribunal a quo julgou a ação improcedente. * Inconformado, o Requerente interpôs recurso daquela decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1. Salvo o devido respeito, que é muito elevado, a douta sentença recorrida, julgando improcedente a presente intimação e, consequentemente, absolvendo a entidade demandada do pedido, não efetuou a melhor aplicação do Direito e da Justiça. 2. Não teve em conta que através da presente ação o Recorrente pretende que a Recorrida proceda à abertura do concurso que, na sua opinião, está obrigada a abrir. 3. A precariedade do Recorrente ao serviço da Recorrida remonta ao ano de 2015 (cfr. A) da fundamentação de facto da douta sentença recorrida). Por isso, não se entende que a violação do disposto no n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016 não configure a violação de qualquer direito, liberdade ou garantia do Recorrente ou outro de natureza análoga, conforme parece resultar da douta sentença recorrida. Nomeadamente de violação da liberdade de escolha de profissão e do direito de acesso à função pública, com consagração constitucional no artigo 47.º da nossa Lei Fundamental. 4. A condenação da Recorrida na abertura de um concurso que devia ter ocorrido até 6 meses do final do contrato de trabalho celebrado com o Recorrente não é compatível com as finalidades da ação administrativa, que não permite suster os prejuízos decorrentes da falta de abertura do concurso, e não pode ser objeto de uma providência cautelar. 5. Quanto à urgência e à repercussão do decurso do tempo na ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, este tipo de ação não está subordinada a prazo, mas só deve ser usada se for o único meio que em tempo útil permita evitar a lesão do direito do autor. Para efeitos de aferição da necessidade da intimação, o autor deve demonstrar que a intimação é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, no sentido de não poder voltar a exercer o direito cuja efetividade está comprometida. O acórdão proferido pelo STA em 16/05/2019, processo n.º 2762/17 e a doutrina ensinada por Rui Mesquita Guimarães em CJA n.º 135, págs. 3 a 8, ambos supra citados, sustentam esta posição aqui apresentada pelo Recorrente. 6. Como melhor descrito na petição inicial, ficou demonstrada a especial urgência na tomada de decisão judicial, mostrando-se provada a indispensabilidade do recurso a este meio processual de intimação para proteção do direito do Recorrente de acesso à função pública em condições de igualdade, consagrado no artigo 47.º n.º 2 da CRP, direito esse reforçado pelo Princípio da Igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP. 7. Este entendimento foi vertido na sentença proferida no processo n.º 14247/25.3BELSB, que corre termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que condenou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa por ter concluído que: “a norma do supracitado n.º 5 do artigo 6.º do DL n.º 57/2016, consagra uma estratégico”, mas que não pode servir de justificação para neutralizar por completo a abertura do procedimento, quando estejam em causa funções de caráter permanente.(…) O cumprimento formal da abertura de concursos em áreas genéricas não equivale, necessariamente, ao cumprimento substancial da obrigação legal imposta pelo n.º 5 do artigo 6.º do DL 57/2016. Tal interpretação desvirtuaria os objetivos da norma, comprometendo a proteção do direito de acesso à função pública e o princípio da segurança no emprego (art. 47.º e 53.º da CRP), além de abrir espaço à perpetuação da precariedade em violação da Diretiva 1999/70/CE. (…) entende este Tribunal, que a Entidade Demandada não deu integral cumprimento ao disposto no n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, com a redação dada pela Lei n.º 57/2017, por não ter promovido, até seis meses antes do termo do contrato, a abertura de procedimento concursal adequado e dirigido à categoria da carreira de investigação científica compatível com as funções efetivamente desempenhadas pela Autora.” 8. Quanto ao “interesse estratégico”, a douta sentença recorrida faz uma errada interpretação deste conceito, plasmado no n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016. Como abordado supra de forma mais alargada, este conceito aplica-se a todo o tipo de organização ou atividade humana. Através deles são definidos os objetivos e a necessidades de uma determinada organização. A investigação científica e o ensino superior, são interesses estratégicos porque, o primeiro sustenta o desenvolvimento económico e social; garante autonomia e soberania em setores-chave; projeta a influência de Portugal e das instituições de ensino superior no cenário global; e responde de forma qualificada aos grandes desafios do presente e do futuro que se colocam a Portugal e ao Mundo. Ao passo que o segundo fortalece a base científica, tecnológica, económica e social de Portugal, contribuindo de forma indispensável para o seu desenvolvimento sustentável, a sua soberania e a sua presença no palco Internacional. 9. A Recorrida integra uma Universidade com elevado prestígio em Portugal e no Mundo, tem um Plano Estratégico para 2023/2027, consultável em https://www.ulisboa.pt/documento/plano-estrategico-2023-2027, que assenta em três pilares fundamentais: Ensino, Investigação e Inovação e valorização do conhecimento, cujo conteúdo se encontra supra transcrito. É ainda de acrescentar que na página n.º 48 deste documento, nos objetivos elencados no âmbito dos recursos, é definido o combate “à precariedade dos vínculos laborais de docentes, investigadores e trabalhadores técnicos e administrativos”. 10. Quanto à interpretação a dar à expressão “em função do seu interesse estratégico”, contida no n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei 57/2016, o “Relatório da discussão e votação na especialidade, texto final da Comissão de Educação e Ciência e propostas de alteração apresentadas pelo PS, BE e PCP”, registado no Diário da Assembleia da República, de 1 de junho de 2017, II série B, n.º 48, págs. 7 e 8, consultável em https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/s2b/13/02/048/2017-06-01/7?pgs=6-35&org=PLC&plcdf=true e supra transcrito na íntegra, é um bom contributo neste domínio interpretativo. De acordo com este relatório, ao introduzir esta norma o legislador teve como objetivo dar resposta ao problema criado com “a separação entre investigação e docência, e que esta separação foi prejudicial ao conjunto do sistema do ensino superior e de ciência e tecnologia. Considera que é, portanto, necessário que haja uma melhor integração entre essas duas formas de participar no sistema de ensino superior e ciência, parecendo adequado ao seu Grupo Parlamentar o reforço da capacidade docente, uma vez que esta é vista como «primeira obrigação» das instituições, quando na verdade o reforço da capacidade docente vai a par com o reforço da capacidade de investigação, podendo estas funções ser trabalhadas lado a lado. A possibilidade que é dada na proposta de alteração do PS é necessária, pois permite ajudar as instituições a responderem à reorientação da sua forma de gestão. O Grupo Parlamentar do PS entende, assim, que uma melhor articulação entre a carreira de docente e a carreira de investigador é positiva para o sistema e para as pessoas que estão no sistema e por isso apelaram a esta abertura, reforçando que a ideia do diploma é a defesa do emprego científico digno e sustentável, tratando-se de um passo que pode ser dado, no sentido de ajudar as instituições a cumprir com o presente diploma”. 11. Tendo em conta o conceito de interesse estratégico e as razões que levaram o legislador a criar a norma constante do n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016, faz todo o sentido que esta norma seja interpretada do seguinte modo: Até seis meses antes do termo do prazo de seis anos do contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo celebrado com um investigador, ao abrigo deste diploma legal, a instituição é obrigada a abrir procedimento concursal de acordo com as funções desempenhadas por este trabalhador. Em função do interesse estratégico da instituição o procedimento concursal pode ser aberto para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior. 12. A Recorrida afirma solenemente que não é do seu interesse estratégico promover a abertura de procedimento concursal. Devemos questionar: Qual é, então, o interesse estratégico da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa? 13. Quer em sede de contestação, quer em sede de recurso a Recorrida não esclarece qual é o interesse estratégico que a leva a decidir não abrir concurso procedimental após largos anos de meritório serviço do Recorrente na Instituição. 14. Não consta da matéria de facto provada qualquer impedimento relacionado com o alegado – mas não provado – interesse estratégico que justifique a não abertura do procedimento concursal. 15. A alegação de interesse estratégico divergente da Recorrida tem de ser concretamente sindicável pelo Tribunal, não lhe bastando alegar um conceito indeterminado como justificação para a não abertura, neste caso concreto, do procedimento concursal. 16. O princípio da legalidade subordina a atividade administrativa à Lei, de forma vinculativa. A reserva de lei é a base legal da atividade administrativa. A lei assume-se não só como limite, mas também como pressuposto e fundamento da atividade administrativa. 17. Não podemos deixar de ter em conta que o contrato de trabalho a termo resolutivo certo foi celebrado para o exercício de atividades de investigação científica, de desenvolvimento tecnológico, de gestão e de comunicação de ciência e tecnologia em instituições do SCTN. A lei não obriga que o concurso seja aberto para a carreira de investigação científica. Permite que a instituição, em função do seu interesse estratégico, possa optar entre a abertura de um concurso para esta carreira ou para a carreira docente. 18. Quanto aos princípios e normas constitucionais violadas, o Direito do Trabalho é, na Constituição, antes de tudo, Direito dos Trabalhadores, em consonância com a sua génese e com a matriz do texto constitucional de 1976. A I Revisão Constitucional acentuou esta proteção dos trabalhadores, criando no domínio dos direitos, liberdades e garantias uma nova área, dedicada aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, de modo a aplicar diretamente a estes direitos a força jurídica dos direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º), sem dependência da equiparação casuística do artigo 17.º. 19. Não restam dúvidas de que estes regimes se aplicam a todos os trabalhadores, incluindo os que exercem funções públicas, por força dos artigos 18.º n.º 1 e 13.º n.º 1 da Constituição. Aliás, a evolução da legislação da Função Pública tem sido marcada por uma progressiva convergência entre os trabalhadores do Estado e os trabalhadores do "setor privado", no desenvolvimento deste programa constitucional. 20. A primeira e irrecusável dimensão da segurança no emprego é a proibição de despedimentos sem justa causa. Mas a segurança no emprego tem uma projeção mais ampla e exigente na legislação laboral que resulta da sua conjugação com a obrigação de executar políticas de pleno emprego atribuída ao Estado (e em especial ao Governo e à Assembleia da República, no âmbito das respetivas competências legislativas e executiva), pelo artigo 58.º n.º 2, alínea a), da Constituição. É desta dimensão normativa do direito ao trabalho e da segurança no emprego que resultam, conjugadamente, as limitações ao número de contratos a prazo ou os regimes de conversão em contrato de trabalho dos contratos de prestação de serviços fraudulentos. 21. O regime consagrado no n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei 57/2016, de 28 de agosto, deve ser compreendido a esta luz. As instituições públicas, ou dotadas de financiamento público, devem "em função do seu interesse estratégico, proceder à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, até seis meses antes do termo do prazo de seis anos (...)". Trata-se de um regime que pretende combater a precariedade resultante da sucessão infindável de contratos a prazo, assentando numa presunção iniludível de que a necessidade de prestação de trabalho (já) não é temporária. 22. Pode, na verdade, questionar-se o sentido da referência ao “interesse estratégico da instituição”, neste contexto. A abertura de concurso depende do interesse da instituição, rigorosamente insindicável, esvaziando a norma de sentido útil e retirando-a do enquadramento constitucional que lhe dá a razão de ser? Esta alternativa de interpretação não faz sentido. O argumento literal e, sobretudo, os elementos histórico (espelhado na exposição de motivos do diploma sub judice) e sistemático e teleológico, nos termos explicitados, conduzem a outra interpretação. O que depende do interesse estratégico da instituição é optar pela abertura de um concurso para docentes ou investigadores, mas não a abertura do próprio concurso. É esta a interpretação imposta pela consideração das regras contidas no artigo 9.º do Código Civil. 23. O entendimento alternativo, que faz depender a abertura de qualquer concurso do interesse estratégico da instituição, assenta numa interpretação inconstitucional do artigo 6.º n.º 5 do Decreto-Lei 57/2016, de 28 de agosto. 24. Tal interpretação viola, desde logo, o artigo 47.º n.ºs 1 e 2 da Constituição, na medida em que restringe de modo desnecessário e desproporcionado, em contradição com o disposto no artigo 18.º n.º 2 da Constituição, o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, por via de concurso e também o próprio direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade. 25. Por outro lado, a interpretação em crise viola o direito ao trabalho e a segurança no emprego, consagrados mos artigos 58.º n.º 1 e 53.º n.º 1, respetivamente, da Constituição. 26. Impõe-se, por conseguinte, como interpretação conforme à Constituição, o entendimento segundo o qual apenas depende do interesse estratégico da instituição optar pela abertura de um concurso para docentes ou investigadores, mas não a abertura do próprio concurso. Nestes termos e nos mais que doutamente serão supridos deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a decisão proferida no tribunal a quo e julgando-se procedente o pedido de intimação, tudo com as legais consequências, como é de JUSTIÇA. * A Entidade Requerida apresentou contra-alegações, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que igualmente se transcrevem: A) Conforme muito bem decidiu a douta sentença recorrida, a decisão de abertura de procedimento concursal para a carreira de investigação científica, prevista no artigo 6.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 57/2016, é um ato sujeito ao juízo discricionário da instituição, dependente do seu interesse estratégico. B) Tal decisão não é vinculada, mas sim uma prerrogativa de gestão interna dos órgãos competentes da instituição, insindicável pelo tribunal salvo erro manifesto de ponderação ou ilegalidade formal. C) O interesse estratégico é um conceito definido pela própria instituição, que pondera as suas necessidades, prioridades científicas e sustentabilidade financeira, não podendo ser substituído por juízos externos ou por interesses individuais dos trabalhadores. D) A interpretação sufragada pela sentença recorrida não viola os princípios constitucionais da igualdade, segurança no emprego e acesso à função pública. E) Quanto ao princípio da igualdade (artigo 13.º CRP), a comparação com concursos abertos por outras unidades orgânicas da Universidade de Lisboa é irrelevante, pois cada unidade tem autonomia de gestão e prioridades próprias, não havendo obrigação de atuação idêntica entre elas. F) No que respeita à segurança no emprego (artigo 53.º CRP), a proteção constitucional visa impedir despedimentos arbitrários, não garantindo a perpetuidade de contratos a termo celebrados ao abrigo de regimes legais especiais, como o Decreto-Lei n.º 57/2016, que prevê expressamente a caducidade dos contratos. G) Relativamente ao acesso à função pública (artigo 47.º CRP), o direito de acesso traduz-se na possibilidade de candidatura em condições de igualdade, não conferindo um direito subjetivo à abertura de procedimentos concursais ou à integração automática nos quadros. H) A expressão “em função do seu interesse estratégico” constante do artigo 6.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 57/2016, não pode ser ignorada ou esvaziada de sentido. I) O legislador optou conscientemente por conferir às instituições de ensino superior a liberdade de decidir sobre a abertura de concursos, equilibrando a necessidade de combater a precariedade com a autonomia institucional. J) A discricionariedade administrativa, como reconhecido pela melhor doutrina, implica liberdade de escolha dentro dos limites da lei, não podendo ser confundida com arbitrariedade, estando sempre sujeita aos princípios da legalidade, prossecução do interesse público e proporcionalidade. K) Mesmo que se admitisse, por mera hipótese, a obrigatoriedade da abertura do concurso, tal já não seria possível, pois o contrato do Recorrente cessou em 31 de março de 2025. L) A lei exige que o procedimento concursal seja aberto até seis meses antes do termo do contrato, sendo, por isso, juridicamente impossível a condenação da FMH à prática do ato pretendido nesta fase. M) O Recorrente não logrou demonstrar qualquer erro flagrante de ponderação, desvio de poder ou violação de critérios objetivos de gestão por parte da FMH. N) Sem prova de tais vícios, não pode o tribunal substituir-se à apreciação discricionária da instituição, nem condená-la à prática de ato diverso. O) A sentença recorrida fez correta aplicação do direito, reconhecendo a natureza discricionária da decisão de abertura do procedimento concursal e a inexistência de violação de direitos fundamentais. P) Deve, por isso, ser confirmada, julgando-se o recurso totalmente improcedente, com a consequente condenação do Recorrente em custas. Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente totalmente improcedente por não provado, confirmando-se integralmente a douta sentença recorrida proferida em 18 de junho de 2025, com a consequente condenação do Recorrente em custas. * Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público não emitiu parecer. II Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, a questão que se encontra submetida à apreciação deste tribunal de apelação consiste em determinar se a sentença recorrida errou ao considerar que o artigo 6.º/5 do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, permite que a instituição decida não abrir o procedimento concursal em função do seu interesse estratégico. III A matéria de facto constante da sentença recorrida – e que não foi impugnada - é a seguinte: A. Entre junho de 2015 e 31 de março de 2019, o Autor foi bolseiro de pós-doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa; B. No Diário da República n.° 163/2018, Série II de 24 de agosto, foi publicado o Aviso n.° 12154/2018 da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, de 9 de agosto, que procede à abertura de procedimento concursal de seleção internacional para a contratação de doutorado(a) ao abrigo do artigo 23.°, do Decreto-Lei n.° 57/2016, de 29 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 57/2017, de 19 de julho e legislação complementar, «exercício de atividades de investigação científica em Motricidade Humana na área científica de Sociologia, Estudos Culturais e Gestão das Atividades Físicas e do Desporto em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo pelo prazo de três anos, com vista ao estudo dos processos transculturais em dança em contextos coloniais e pós- coloniais da Lusofonia e nas respetivas diásporas, e no cruzamento entre artes performativas e multimédia, nomeadamente entre dança e cinema; o programa de trabalho comporta também o arquivamento de documentos focando a dança e as artes performativas, tanto em suportes físicos como digitais. (...) 9.2 - A candidatura é acompanhada dos documentos comprovativos das condições previstas no ponto 8 para admissão a este concurso, nomeadamente: (...) d) Projeto científico, que incida sobre processos transculturais em artes performativas incluindo modelos inovadores de arquivamento do património intangível e) Outros documentos que o (a) candidato(a) justifique serem pertinentes para a análise da sua candidatura.»; C. Em 26.02.2019, ao abrigo do n.° 1 do artigo 23.° do Decreto-Lei n.° 57/2016, de 29 de agosto, o Autor celebrou, com a Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, o «contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo», pelo prazo de três anos, com início em 01.04.2019, «renovando-se automaticamente por períodos de um ano, até à duração máxima de seis anos», para «desempenhar as funções correspondentes à categoria de Investigador Auxiliar, da carreira de Investigação cujo conteúdo funcional se encontra descrito no Estatuto da Carreira de Investigação Científica.» em regime de «dedicação exclusiva»; D. No âmbito dos contratos referidos nas alíneas anteriores o Autor lecionou na Faculdade de Motricidade Humana as seguintes disciplinas: “a) Desde janeiro 2016 que leciona o módulo de “Métodos de Análise Fílmica ” do Seminário de Doutoramento da especialidade Dança na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa; b) Desde setembro 2024 é regente da cadeira “Estudos Culturais em Dança I” do 1° ano da licenciatura em Dança na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, na qual leciona um módulo desde Setembro 2022; c) Desde fevereiro 2025 é regente da cadeira “Análise Estética da Dança” do 2° ano da licenciatura em Dança na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, na qual leciona um módulo; d) Desde fevereiro 2025 que leciona um módulo da cadeira “Estudos Culturais em Dança II” do 2° ano da licenciatura em Dança na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa;”; E. Em 01.05.2022, o contrato referido na alínea c) foi renovado pelo período de um ano; F. Em 01.05.2023, o contrato referido na alínea c) foi renovado pelo período de um ano; G. Em 01.05.2024, o contrato referido na alínea c) foi renovado pelo período de um ano; H. No Diário da República n.° 157/2024, Série II, de 14 de agosto, foi publicado o edital n.° 1150/2024 da Universidade de Lisboa - Faculdade de Ciências, que torna pública a abertura de concurso para recrutamento de um professor auxiliar na área disciplinar de Astronomia e Astrofísica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, constando do mesmo que «é dirigido a doutorados de elevado potencial e capacidade de investigação que pretendam ingressar na carreira docente universitária, informando-se ainda que dá cumprimento ao disposto no artigo 6.°, n.° 5, do Decreto-Lei n.° 57/2016, de 29 de agosto, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.° 57/2017, de 19 de julho, relativamente ao contrato de trabalho, referência DL57/2016/CP1479/CT0054, celebrado ao abrigo do referido decreto-lei»; I. No Diário da República n.° 167/2024, Série II, de 29 de agosto, foi publicado o edital n.° 1310/2024 da Faculdade de Motricidade Humana, que torna pública a abertura de concurso para recrutamento, na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas, de «um professor auxiliar na área disciplinar de Sociologia, Estudos Culturais e Gestão das Atividades Físicas e do Desporto, da Faculdade de Motricidade Humana»», constando do mesmo quanto aos parâmetros de avaliação que «É atribuída particular importância à relevância, qualidade e atualidade do curriculum vitae do candidato e às contribuições académicas mais relevantes e de maior impacto selecionadas pelo candidato e identificadas no curriculum vitae. Considera-se ainda a experiência relevante que permita a lecionação de unidades curriculares de Sociologia, Antropologia e História do Desporto da licenciatura em Ciências do Desporto); J. Em 10.10.2024 o Autor apresentou a sua candidatura ao concurso identificado na alínea i); K. No Diário da República n.° 3/2025, Série II, de 6 de janeiro, foi publicado o edital n.° 4/2025 da Universidade de Lisboa - Faculdade de Ciências, que torna pública a abertura de concurso para recrutamento de um professor auxiliar nas áreas disciplinares de Estratigrafia, Paleontologia e Geologia Sedimentar ou Geologia Marinha e Costeira ou Tectónica, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, constando do mesmo que «é dirigido a doutorados de elevado potencial e capacidade de investigação que pretendam ingressar na carreira docente universitária, informando-se ainda que dá cumprimento ao disposto no Artigo 6.°, n.° 5, do Decreto-Lei n.° 57/2016, de 29 de agosto, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.° 57/2017, de 19 de julho, relativamente ao contrato de trabalho, referência DL57/2016/CP1479/CT0079, celebrado ao abrigo do referido decreto-lei»; L. No Diário da República n.° 3/2025, Série II, de 6 de janeiro, foi publicado o edital n.° 5/2025 da Universidade de Lisboa - Faculdade de Ciências, que torna pública a abertura de concurso para recrutamento de um professor auxiliar na área disciplinar de Estratigrafia, Paleontologia e Geologia Sedimentar ou Geologia Marinha e Costeira ou Ciências Mineralógicas, Petrologia e Geoquímica, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, constando do mesmo que «é dirigido a doutorados de elevado potencial e capacidade de investigação que pretendam ingressar na carreira docente universitária, informando-se ainda que dá cumprimento ao disposto no Artigo 6.°, n.° 5, do Decreto-Lei n.° 57/2016, de 29 de agosto, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.° 57/2017, de 19 de julho, relativamente ao contrato de trabalho, referência DL57/2016/CP1479/CT0073, celebrado ao abrigo do referido decreto-lei»; M. Em 24.03.2025 o Júri do procedimento concursal identificado na alínea i) aprovou a lista de ordenação final, tendo o Autor ficado ordenado em 4.° lugar; N. A presente ação foi apresentada em 29.03.2025. IV 1. Por acórdão da mesma data do presente, proferido no processo n.º 18982/25.8BELSB, do mesmo relator, foi apreciada a questão que aqui igualmente se coloca. Segue-se, portanto, o que ali já se escreveu. 2. O Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, aprovou um regime de contratação de doutorados destinado a estimular o emprego científico e tecnológico em todas as áreas do conhecimento, a promover o rejuvenescimento das instituições que integram o Sistema Científico e Tecnológico Nacional, bem como a valorizar as atividades de investigação científica, de desenvolvimento tecnológico, de gestão e de comunicação de ciência e tecnologia nessas instituições (vd. o seu artigo 1.º). 3. Tal contratação – diz-nos o artigo 6.º/1 - efetua-se através de: a) Contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, nos termos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, no caso de contratos a celebrar por entidades sujeitas ao regime de direito público; b) Contrato de trabalho a termo incerto, nos termos do Código do Trabalho, no caso de contratos a celebrar por entidades abrangidas pelo regime de direito privado. 4. Relativamente aos primeiros - contratos de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo -, os mesmos são celebrados pelo prazo de três anos, automaticamente renováveis por períodos de um ano até à duração máxima de seis anos. Quanto aos segundos – os referidos contratos de trabalho a termo incerto -, são celebrados pelo prazo máximo de seis anos, com fundamento na execução de serviço determinado, precisamente definido e não duradouro (cf. o artigo 6.º/2 e 3). 5. Por outro lado, e com interesse decisivo para o presente litígio, o n.º 5 do artigo 6.º, na redação dada pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, estabelece o seguinte: «A instituição, em função do seu interesse estratégico, procede à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, até seis meses antes do termo do prazo de seis anos referido no n.º 2». 6. À luz desta norma, a questão que se coloca, e que importa resolver, é a de saber se é obrigatória a abertura do procedimento concursal ali prevista. A sentença recorrida respondeu negativamente, discorrendo do seguinte modo: «Como acima se disse, importa agora decidir se a Entidade Demandada deve ser condenada a abrir um procedimento concursal para ocupação de um posto de trabalho na carreira de investigação científica de acordo com as funções que o Autor desempenha concretamente, em cumprimento do n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, alterado pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho. Com efeito, o n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016 prevê expressamente que a abertura de procedimento concursal para categoria da carreira em questão, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado, dá-se em função do "interesse estratégico" da instituição. A interpretação que se faz da norma, tendo como base o seu elemento literal, é que a abertura do procedimento concursal e subsequente contratação (para a categoria da carreira em questão é efetuada «de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado», mas fica dependente de corresponder a um interesse estratégico da instituição de ensino superior. O interesse estratégico é um conceito definido pelos órgãos de gestão da instituição e constitui uma decisão de gestão interna que consubstancia um juízo discricionário. Juízo esse que, por natureza, é insindicável pelo tribunal, salvo erro manifesto de ponderação ou ilegalidades formais, o que no caso não vem alegado. Desta forma, não sendo a abertura do referido procedimento um ato vinculado, estando antes dependente de um ato gestionário discricionário da instituição de ensino superior, não pode o tribunal condenar na prática do ato pretendido». 7. Julga-se que esta não será a interpretação correta. É certo que existe uma subordinação a um interesse estratégico. No entanto, essa subordinação respeitará, não à decisão de abrir ou não o procedimento, mas sim, e apenas, para a escolha da carreira a que o mesmo se destinará: carreira de investigação científica ou carreira de docente do ensino superior. 8. Vejamos melhor porquê. A Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, teve na sua origem dois requerimentos de apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto. Um deles apresentado pelo grupo parlamentar do Bloco de Esquerda (Apreciação Parlamentar n.º 23/XIII/2.ª, de 16.9.2016), o outro apresentado pelo grupo parlamentar do Partido Comunista Português (Apreciação Parlamentar n.º 25/XIII/2.ª, de 7.10.2016). 9. Relativamente ao primeiro (do Bloco de Esquerda), pode ler-se o seguinte na sua exposição de motivos (todos os documentos relativos ao processo legislativo que conduziu à Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, e que serão referenciados, podem ser consultados no sítio da Internet da Assembleia da República – www.parlamento.pt): «O Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, aprova um regime de contratação de doutorados destinado a estimular o emprego científico e tecnológico. É com consternação que o Bloco de Esquerda observa que o diploma agora publicado não cumpre os objetivos que enuncia. Na verdade, o que o diploma estipula é a troca da precariedade das bolsas por mais precariedade, não criando nenhum horizonte de estabilidade aos investigadores, podendo até constituir uma porta aberta para mais fáceis despedimentos. A contratação a termo resolutivo (para organismos da administração pública) ou a termo incerto (para organismos abrangidos pelo direito privado), pelo prazo de três anos, renováveis até um máximo de seis, não promove a necessária estabilidade e dignidade dos investigadores. Deixa de fora do regime de emprego científico todos os investigadores sem o grau de doutor, como por exemplo muitos dos gestores de ciência. Mesmo em relação à transição da figura de bolseiro para a de contratado a termo certo só vai abranger cerca de 14% dos atuais bolseiros. É certo que, com contratos de trabalho, os investigadores ficam com alguns dos direitos laborais e sociais que hoje lhes são negados, mas tal não pode ser conseguido com um quadro de tão grande precariedade para que são remetidos. (…) Na verdade, o espírito deste regime de contratação de doutorados não é passível de ser enquadrado numa lógica de combate à precariedade, incluída no acordo entre o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista, que viabilizou o atual Governo. Nestes termos, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 162º e do artigo 169º da Constituição e do artigo 189º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, as deputadas e os deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, requerem a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei nº 57/2016, de 29 de agosto, que “aprova um regime de contratação de doutorados destinado a estimular o emprego científico e tecnológico em todas as áreas do conhecimento”, publicado no Diário da República, a 29 de agosto de 2016». 10. Já no que se refere à iniciativa do grupo parlamentar do Partido Comunista Português, retira-se o seguinte do respetivo requerimento de apreciação parlamentar: «Com a publicação do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, o Governo procede à aprovação de um regime de contratação de doutorados com vista ao incentivo do emprego científico e tecnológico. Este Decreto-Lei deveria ser, no nosso entender, um instrumento para contribuir para a integração dos investigadores doutorados em laboratórios e outros organismos públicos e substituição progressiva da atribuição de bolsas pós-doutoramento por contratos de investigador. Infelizmente, o Decreto-Lei n.º 57/2016 inclui um conjunto de disposições que não só limitam o seu alcance na preferência de contratos de investigador em detrimento de bolsas, como podem contribuir para o aumento da desregulação e da precariedade do emprego científico. Mais ainda, fica gorada uma oportunidade para se iniciar uma alteração estrutural com o objetivo de integrar todos os trabalhadores científicos na carreira de investigação e para se contrariar o rumo de degradação do sistema científico nacional. Ao contrário do anunciado no preâmbulo, o diploma em questão cria uma espécie desvirtuada de carreira de investigação paralela, desregulada e sem vínculos estáveis, não incluindo uma única disposição sobre a integração dos doutorados no Estatuto da Carreira de Investigação Científica atualmente (ainda) em vigor. Ao mesmo tempo que revoga, e bem, o programa Investigador FCT, este diploma vem, todavia, consagrar a existência de contratos de investigação à margem do Estatuto da Carreira da Investigação Científica, como são os celebrados à luz desse programa, tornando-os regra para todas as instituições do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN). O Decreto-Lei n.º 57/2016 não combate de forma séria a precariedade do emprego científico, limitando-se a aumentar para seis anos o horizonte temporal dos contratos, face aos cinco do Investigador FCT. Além disso, mantém a atribuição de bolsas de pós-doutoramento. Apesar de indicar que devem ser exclusivamente para formação avançada, não concretiza este significado, permitindo que as instituições continuem a optar por esta modalidade de emprego científico por razões exclusivamente financeiras. Do ponto de vista da substituição de bolsas pós-doutoramento por contratos, na sua redação atual, o Decreto-Lei n.º 57/2016 terá, durante esta legislatura, um universo de aplicação muito limitado, não estando assegurados mecanismos de transição a não ser para os doutorados com bolsas financiadas diretamente pela FCT há mais de três anos. Além disso, as entidades acolhedoras dos bolseiros de pós-doutoramento eram, no essencial, as unidades de investigação FCT. Como estas unidades hoje vivem sem contratos de financiamento estratégico plurianual e com financiamento suportado sob o regulamento dos projetos de investigação FCT, de 3 anos, o carácter precário dos contratos a prazo em que as bolsas são convertidas é ainda mais sublinhado. O PCP defende a existência de um vínculo laboral não precário para todos os trabalhadores científicos, ferramenta essencial para valorizar o Sistema Científico e Tecnológico Nacional e combater as situações de incerteza, precariedade, instabilidade, privação de direitos e de dignidade dos trabalhadores científicos. Por estas razões, entende o PCP que o Decreto-Lei n.º 57/2016 deve ser apreciado pela Assembleia da República, com vista a que possa ser, de facto, um instrumento para a contratação efetiva de investigadores doutorados, reforçando o emprego científico e potenciando o impacto da investigação científica no ensino superior, e para que possa promover uma estreita articulação entre as atividades de investigação e desenvolvimento e as atividades de ensino, de promoção do conhecimento e de divulgação de ciência. Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo da alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição e ainda dos artigos 189.º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, requerem a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, que “Aprova um regime de contratação de doutorados destinado a estimular o emprego científico e tecnológico em todas as áreas do conhecimento”, publicado no Diário da República, 1.ª série — N.º 165 — 29 de agosto de 2016». 11. Vistos os dois requerimentos de apreciação parlamentar, há um elemento comum evidente: o objetivo de combate à precariedade do emprego científico e tecnológico, substituindo-a pela criação de um «horizonte de estabilidade,» combate aquele, aliás, que estaria, inclusivamente, «incluída no acordo entre o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista, que viabilizou o atual Governo». O Partido Comunista Português aludia, até, ao «objetivo de integrar todos os trabalhadores científicos na carreira de investigação» e manifestava a defesa da «existência de um vínculo laboral não precário para todos os trabalhadores científicos, ferramenta essencial para valorizar o Sistema Científico e Tecnológico Nacional e combater as situações de incerteza, precariedade, instabilidade, privação de direitos e de dignidade dos trabalhadores científicos». 12. Portanto, o que sabemos até ao momento já indicia que a discricionariedade na abertura dos concursos, em função do interesse estratégico a que a lei se refere, consubstanciaria elemento que neutralizaria os objetivos manifestados naqueles requerimentos. E esses objetivos, no contexto em apreciação, são especialmente relevantes pois, e como adiante melhor veremos, o essencial da solução final foi acolhida pelos grupos parlamentares que desencadearam as apreciações parlamentares. 13. Vejamos, no entanto, os demais elementos relevantes. E a primeira referência deverá ser dada às quatro propostas que vieram a ser apresentadas pelos grupos parlamentares do Partido Socialista, do Bloco de Esquerda, do CDS – Partido Popular e do Partido Comunista Português. Relativamente ao artigo 6.º, relevam três dessas propostas, a saber: Partido Socialista (proposta de 18.1.2017): «Artigo 6.º 1 – (…) a) (...) b) (...) 2 - (...) 3 - (...) 4 - A instituição procede à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, em função do interesse estratégico daquela e de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, seis meses antes do termo do prazo de seis anos referido no n.º 2 do presente artigo. 5 - Independentemente do prazo a que alude o número anterior, as instituições podem, a todo o tempo, proceder à abertura de procedimento concursal nos termos legais. 6 - Os procedimentos concursais referidos nos números anteriores devem assegurar o cumprimento das regras de recrutamento aplicáveis à instituição e à categoria da carreira em causa. 7- O tempo de vigência dos contratos de trabalho a termo resolutivo ao abrigo do presente diploma não é contabilizado para o preenchimento do período experimental ou probatório previstas nas carreiras de investigação científica ou docentes do ensino superior». Bloco de Esquerda (proposta de 18.1.2017): «Artigo 6.º Modalidades de contratação 1 - A contratação de investigadores, doutorados e não doutorados, ao abrigo do presente decreto-lei realiza-se através de: a) Contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, nos termos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP], aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e alterada pelas Leis n.ºs 82-B/2014, de 31 de dezembro, 84/2015, de 7 de agosto, e 18/2016, de 20 de junho, no caso de contratos a celebrar por entidades sujeitas ao regime de direito público, incluindo as de natureza fundacional, a que se refere o artigo 129.º da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro; b) Contrato de trabalho a termo certo, nos termos do Código do Trabalho, no caso de contratos a celebrar por entidades abrangidas exclusivamente pelo regime de direito privado. 2 - Os contratos a que alude o número anterior são celebrados pelo prazo de três anos, automaticamente renováveis por períodos de um ano até à duração máxima de seis anos, salvo se, e sem prejuízo de outras causas de cessação ou extinção legalmente previstas, o órgão científico da instituição contratante propuser a sua cessação com fundamento em avaliação desfavorável do trabalho desenvolvido pelo investigador, realizada nos termos do regulamento em vigor na instituição contratante, a qual deve ser comunicada ao interessado até 90 dias antes do termo do contrato. 3 - [...]. 4 - Sempre que os investigadores, doutorados e não doutorados, completem seis anos no exercício de funções em instituições do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) mediante contrato a termo resolutivo certo, são contratados por tempo indeterminado nas categorias e normas previstas no Estatuto de Carreira de Investigação Científica aprovado pelo Decreto-Lei n.º 124/99, de 20 de abril, alterado pela Lei n.º 157/99, de 14 de setembro e pelo Decreto-Lei n.º 373/99, de 18 de setembro. 5 - O tempo de vigência dos contratos de trabalho celebrados ao abrigo do presente diploma é contabilizado para o preenchimento do período experimental exigido para a contratação por tempo indeterminado com vista ao exercício de funções de investigador ou docente em qualquer entidade do setor público. 6 - [Anterior n.º 4]. 7 - [Anterior n.º 5]». Partido Comunista Português (proposta de 18.1.2017): «Artigo 6.º Modalidades de contratação 1- […]: a) Contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, nos termos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e alterada pelas Leis n.ºs 82-B/2014, de 31 de dezembro, 84/2015, de 7 de agosto, e 18/2016, de 20 de junho, no caso de contratos a celebrar por entidades sujeitas ao regime de direito público e no caso das entidades de natureza fundacional previstas no artigo 129.º da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro. b) Contrato a termo certo, nos termos do Código do Trabalho, no caso de contratos a celebrar por entidades exclusivamente abrangidas pelo regime de direito privado. 2- […]. 3- Os contratos de trabalho a que alude a alínea b) do n.º 1 são celebrados pelo prazo de máximo de seis anos. 4- […]. 5- […]. 6- No final dos prazos previstos no n.º 2 e 3, os doutorados são integrados na Carreira de Investigação Científica, na respetiva categoria prevista no Estatuto da Carreira de Investigação Científica, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 124/99, de 20 de abril, alterado pela Lei n.º 57/97, de 14 de setembro e pelo Decreto-Lei n.º 373/99, de 18 de setembro». 14. Temos, portanto, que a referência ao interesse estratégico já consta da proposta do grupo parlamentar do Partido Socialista. E o que dela parece resultar é um imperativo sem qualquer condição. É com esse imperativo que a norma abre: «A instituição procede à abertura de procedimento concursal (…)». 15. Sucede que a proposta do grupo parlamentar do Partido Socialista não tem a limitação que marca as duas outras propostas já referenciadas. Ou seja, vê o concurso como bidirecional, isto é, tanto pode ter em vista a carreira de investigação científica como a carreira de docente do ensino superior. Portanto, surge natural a referência ao interesse estratégico, na medida em que ele será o elemento que determinará aquela escolha. 16. O próprio Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas não teve dúvidas quanto a essa imperatividade. Por isso escreveu o seguinte, no parecer enviado em 22.2.2017: «O CRUP considera que este problema agravar-se-á ainda mais se for aprovada a proposta de alteração do PS ao nº 4 do artigo 6º do DL57, que obriga ao fim dos seis anos do contrato de investigador à abertura de um concurso para um lugar de carreira. Isto é, a partir do financiamento de um projeto que pode até demorar só um ano ou dois, as universidades não fundação (e as que são fundação se contratarem em regime público) ficam com a obrigação de pagar um salário até ao fim da carreira, o que é totalmente impossível do ponto de vista financeiro, a menos que o Estado dê garantia plena de cobrir todos os custos adicionais daí resultantes. Mesmo nessa circunstância tratar-se-ia de uma gravíssima restrição à autonomia das instituições, pois as respetivas estratégias de contratação ficariam inteiramente dependentes da lotaria da aprovação de projetos de investigação, e das suas transitórias necessidades de investigadores doutorados. Num projeto exploratório pode fazer sentido contratar um investigador para uma área muito especializada, mas pode não fazer qualquer sentido contratar alguém para uma carreira inteira nesse tópico. As universidades têm de ter liberdade para decidir quais são as áreas em que se pretendem desenvolver a longo prazo, porque ninguém consegue distinguir-se em todas as áreas, e os recursos não são infinitos. Total oposição do CRUP merecem as propostas do PCP e do BE de integração automática na carreira dos investigadores ao abrigo do DL 57/2016 que cheguem ao final dos seis anos. Para além das razões expressas nos parágrafos anteriores, acresce que estas propostas violam o princípio de que na função pública só entram pessoas por concurso, nos termos do artigo 47º da Constituição da República Portuguesa. O concurso para um contrato a termo em que os investigadores do DL 57/2016 já participaram não tem obviamente os mesmos parâmetros e a mesma exigência de um concurso para um contrato sem termo. Um concurso para selecionar um investigador para um projeto tem em conta os objetivos, limitados no âmbito e no tempo, desse projeto. Um concurso para um contrato sem termo é um concurso para uma carreira, com âmbito científico e temporal muitíssimo mais lato. São procedimentos profundamente distintos. Não pode haver qualquer tipo de integração automática nas carreiras. Só se pode entrar por concurso com esse fim». 17. Também o Sindicato Nacional do Ensino Superior tomou como pressuposto a inexistência de qualquer poder discricionário na decisão de abertura ou não de concurso, dando nota, aliás, do facto de ser «fundamental que se reverta a situação de profunda instabilidade contratual existente no sistema», pelo que disse ser «com agrado que verificamos que relativamente às matérias de contratação se passou a contemplar a integração nas carreiras (n.º 4, 5 e 6 do art.º 6.º)». 18. Igualmente ilustrativa é a pronúncia do Instituto Superior Técnico, de 20.2.2017, na qual se pode ler o seguinte: «O PS propõe a instituição de um mecanismo nos termos do qual, em todos os casos em que o contrato a termo atinja o sexto ano de duração, é obrigatoriamente (é esta a interpretação que resulta da redacção proposta para o novo n.º 4) aberto um concurso para a carreira de investigação ou para a carreira docente universitária. Esta obrigatoriedade parece totalmente desadequada uma vez que não tem em consideração que o trabalho desenvolvido pelo contratado, ao abrigo do regime previsto no Decreto-Lei n.º 57/2016, será sempre realizado no âmbito de um projecto concreto e com um financiamento específico pelo que a instituição de um mecanismo obrigatório como o agora proposto, desligado da verificação de condições financeiras para a abertura de um lugar permanente em carreira, apenas terá como consequência necessária que nenhum contrato a termo atingirá o sexto ano de duração. 19. Na sequência das pronúncias recebidas vêm a ser apresentadas sete novas propostas de alteração (três do grupo parlamentar do Partido Socialista, duas do grupo parlamentar do Bolco de Esquerda e duas do grupo parlamentar do Partido Comunista Português). Apenas três delas incidem sobre o artigo 6.º. 20. Na proposta de 21.3.2017 do grupo parlamentar do Partido Socialista consta, quanto ao artigo 6.º, o seguinte: «Artigo 6.º (…) 1- (…) a) (...) b) (...) 2 - (…) 3 - (...) 4 - Nos casos em que na entidade contratante não exista órgão científico, o órgão executivo da instituição é competente para emitir a proposta prevista no n.º 2. 5 - Independentemente do prazo a que alude o número anterior, as instituições podem, a todo o tempo, proceder à abertura de procedimento concursal nos termos legais. 6 - Os procedimentos concursais referidos nos números anteriores devem assegurar o cumprimento das regras de recrutamento aplicáveis à instituição e à categoria da carreira em causa. 7 - A instituição, em função do seu interesse estratégico, procede à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, até seis meses antes do termo do prazo de seis anos referido no n.º 2 do presente artigo. 8 - O tempo de vigência dos contratos a termo resolutivo celebrados ao abrigo do presente diploma será contabilizado, no todo ou em parte, para o preenchimento do período experimental ou probatório previstos nas carreiras científicas ou docentes do ensino superior, de acordo com deliberação favorável e fundamentada do conselho científico da instituição, quando o contratado já exercesse funções na mesma área científica, naquela instituição». 21. Em 12.4.2017 o grupo parlamentar do Partido Socialista apresenta nova proposta, da qual consta, quanto ao artigo 6.º, o seguinte: «Artigo 6.º (…) 1- (…) a) (...) b) (...) 2 - (…) 3 - (...) 4 – (...) 5 - A instituição, em função do seu interesse estratégico, procede à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, até seis meses antes do termo do prazo de seis anos referido no n.º 2 do presente artigo. 6 - Independentemente do prazo a que alude o número anterior, as instituições podem, a todo o tempo, proceder à abertura de procedimento concursal nos termos legais. 7 - Os procedimentos concursais referidos nos números anteriores devem assegurar o cumprimento das regras de recrutamento aplicáveis à instituição e à categoria da carreira em causa. 8 - O tempo de vigência dos contratos celebrados ao abrigo do presente diploma será contabilizado em 50% para o preenchimento do período probatório ou experimental previstos nas carreiras científicas ou docentes do ensino superior quando o contratado já exercesse funções na mesma área científica, naquela instituição». 22. Por fim, também a proposta de 21.3.2017 do grupo parlamentar do Partido Comunista Português contempla uma alteração ao artigo 6.º, do seguinte modo: «Artigo 6.º Modalidades de contratação 1- […]: a) Contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, nos termos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e alterada pelas Leis n.ºs 82-B/2014, de 31 de dezembro, 84/2015, de 7 de agosto, e 18/2016, de 20 de junho, no caso de contratos a celebrar por entidades sujeitas ao regime de direito público e no caso das entidades de natureza fundacional previstas no artigo 129.º da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro. b) Contrato a termo certo, nos termos do Código do Trabalho, no caso de contratos a celebrar por entidades exclusivamente abrangidas pelo regime de direito privado. 2- [...]. 3- Os contratos de trabalho a que alude a alínea b) do n.º 1 são celebrados pelo prazo de máximo de seis anos. 4- […]. 5- [...]. 6- No final dos prazos previstos no n.º 2 os doutorados são integrados na Carreira de Investigação Científica, na respetiva categoria prevista no Estatuto da Carreira de Investigação Científica, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 124/99, de 20 de abril, alterado pela Lei n.º 57/97, de 14 de setembro e pelo Decreto-Lei n.º 373/99, de 18 de setembro. 7- Para efeitos do previsto no número anterior, os prazos previstos no número 2 são contabilizados para o preenchimento do tempo do período experimental previsto na carreira de investigação científica». 23. Em face destas novas propostas conclui-se que o texto das novas propostas do grupo parlamentar do Partido Socialista corresponde à redação do atual n.º 5 do artigo 6.º (apenas foi eliminado o trecho final, o que se explica por óbvias razões de técnica legislativa). Apresenta, no entanto, uma evolução relativamente à proposta antecedente. Assim, enquanto na proposta de 18.1.2017 se escrevia 4 - A instituição procede à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, em função do interesse estratégico daquela e de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, seis meses antes do termo do prazo de seis anos referido no n.º 2 do presente artigo. 24. na proposta de 12.4.2017 o texto é o seguinte: 5 - A instituição, em função do seu interesse estratégico, procede à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, até seis meses antes do termo do prazo de seis anos referido no n.º 2 do presente artigo. 25. A diferença de redação – em especial a referência ao interesse estratégico – nada trouxe de substancial. Isso mesmo é confirmado pelas intervenções dos deputados da Comissão de Educação e Ciência. 26. Exemplo disso é a intervenção do deputado P…, do grupo parlamentar do Partido Socialista, o qual, na reunião de 12.4.2017, reiterava a preocupação relativa ao «combate à precariedade» no «campo do emprego científico» (27´41”) e dava conta da necessidade que se tinha verificado de «clarificar que não podia haver uma sucessão de períodos de seis anos, uns atrás dos outros, fora da carreira, ou seja, não poderia haver condições para uma instituição, pegando na menor clareza do texto, poder repetir doses de seis anos fora da carreira (…), para que um destes contratados continue para além dos seis anos a trabalhar num determinado contexto ele tem de ter a oportunidade de entrar na carreira» (29´40”). E mais adiante recuperava o «combate à precariedade no emprego científico» (31´30”), que se pretende «digno e sustentável» (31´59”), algo que «não é importante só para as pessoas (…) mas é importante também para as instituições, para a economia, para o país» (32´41”), sendo necessário «um reforço dos direitos do trabalho e das pessoas que dão a contribuição essencial para esse desenvolvimento» (32´59”). Portanto, considerava-se estar em causa a «estabilização do emprego científico» (43´57”), embora «[não seja] aceitável que haja transições automáticas de contratado para a carreira» [44´20”) pois «ninguém pode agradecer que a imagem justa, de exigência, de qualificação, de competição, tanto quanto ela é justa e necessária no trabalho científico, seja substituída por transições automáticas que só iriam deslegitimar socialmente a imagem que justamente a sociedade portuguesa tem destas pessoas e destes trabalhadores científicos» (44´35”). Em suma, pretende-se «melhorar a ideia de que estes contratos de seis anos são transições para a carreira e devem estar ligados a uma integração na carreira, mas estes contratos de seis anos ainda não são a carreira, e portanto a equiparação automática destes contratos de seis anos àquilo que acontece depois de entrar na carreira do nosso ponto de vista é uma forma de desvirtuar este instrumento que pretende aproximar estas pessoas que já são trabalhadores científicos de uma integração harmoniosa da carreira» (45´13”). 27. A recusa de uma transição automática foi secundada pelo deputado D........, do grupo parlamentar do Partido Social Democrata (59´05”), ao passo que o deputado L........, do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda, deu conta de que viam «com bons olhos as propostas de alteração que dizem que ao fim de seis anos há uma possibilidade de ingresso na carreira, esse era um dos nossos objetivos e uma das nossas lutas» (13´55”), pois «a entrada na carreira é fundamental» (14´20”). Na mesma linha posicionou-se a intervenção da deputada A……., do grupo parlamentar do Partido Comunista Português, que aludiu a «uma maior garantia no acesso à carreira, de um combate efetivo à precariedade» (21´04”). 28. Na reunião de 12.4.2017 da Comissão de Educação e Ciência mantém-se o sentido das intervenções anteriores, com particular destaque para a intervenção do deputado P……., do grupo parlamentar do Partido Socialista (26´44” a 27´17”). 29. O mesmo se diga da reunião de 23.5.2017, merecendo uma referência especial a intervenção do referido deputado, a propósito do trecho – agora legal - «de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado». Dizia o mesmo o seguinte: «em nosso entender essa expressão deve ficar porque essa expressão se destina a proteger o contratado, ou seja, o que é que poderia acontecer se essa expressão não estivesse lá, vamos supor que eu estou contratado, e a minha área de trabalho é Física Teórica, sem essa expressão nada impede que a instituição abra um concurso em Filosofia da Arte e diga bom, o senhor está aqui, nós abrimos, concorra se quiser» (8´40”) (…) a outra questão é a proteção dos contratados que dão origem a uma vaga, e essa proteção é feita garantindo que o concurso é aberto atendendo àquilo que os contratados lá estão a fazer, essa expressão (…) não deve ser retirada» (9´40”). 30. Como resulta do Relatório de discussão e votação na especialidade, «[l]evada a votação a redação da proposta de substituição do Grupo Parlamentar do PS, para o n.º 5 do artigo 6.º, apresentada na reunião de 12 de abril, a mesma foi aprovada com os votos a favor do PS, BE e PCP, e abstenção do PSD e CDS-PP, uma vez que os Grupos Parlamentares concordam com a interpretação que deve ser dada à norma em causa, ou seja, que ela não visa constituir um precedente para o esvaziamento da carreira de investigação científica». 31. Visto o que de mais relevante se identificou no âmbito dos trabalhos preparatórios, julga-se que não poderão existir dúvidas quanto ao facto de não se ter pretendido atribuir qualquer poder discricionário à instituição quanto à decisão de abrir ou não o procedimento concursal. A interpretação que o admitisse significaria a negação do objetivo que marca os dois requerimentos de apreciação parlamentar, apresentados por partidos (Bloco de Esquerda e Partido Comunista Português) que, como se viu, vieram a votar a favor a redação da proposta de substituição do Grupo Parlamentar do Partido Socialista para o n.º 5 do artigo 6.º, apresentada na reunião de 12.4.2017. A referência legal ao interesse estratégico assume relevância, apenas, para a decisão relativa ao objeto do concurso: preenchimento de lugar de categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior. 32. Aí sim, a discricionariedade compreende-se. E é confinada a esses limites – e apenas assim - que se respeita um dos pilares essenciais do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, nos termos acima demonstrados. 33. De resto, o próprio elemento literal respeita a intenção manifestada em todos os elementos que vimos integrarem os trabalhos preparatórios. Se o legislador pretendesse consagrar um poder discricionário quanto à própria decisão de abrir ou não o procedimento concursal, natural seria que se expressasse nos termos que habitualmente correspondem a tal figura. Ou seja, diria que a instituição, em função do seu interesse estratégico, pode proceder à abertura de procedimento concursal. Mas não. Foi incisivo e determinou que a instituição procede à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior. 34. Consagrando duas possibilidades, igualmente se compreende o indirizzo legislativo, fechando portas a outras ordens de razões que as instituições poderiam considerar. Ou seja, a alternativa, de acordo com a vontade legislativa, será encontrada sempre, e apenas, em função do interesse estratégico da instituição. 35. É oportuno, aliás, recordar algo que, por desnecessário, não foi destacado até ao momento: as propostas dos grupos parlamentares do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda contemplavam apenas a investigação científica. É apenas a proposta do grupo parlamentar do Partido Socialista que apresenta as duas vias. O que é algo que assume relevância. Isso mesmo se deteta no Relatório da discussão e votação na especialidade, no qual se pode ler o seguinte: «Em sede do debate da especialidade, a Senhora Deputada A…… (PCP) manifestou preocupação quanto à colocação da função de docente por poder constituir um precedente de esvaziamento da carreira de investigação científica, que pode ter consequências difíceis de prever, considerando ser mais confortável para o Grupo Parlamentar do PCP não ter de colocar as coisas nesta duplicidade, porque consideram que há aqui riscos que não estão verdadeiramente avaliados. O Senhor Deputado P…… (PS) manifestou compreender a preocupação da Senhora Deputada A…… (PCP). Para o Grupo Parlamentar do PS, o interesse das instituições responderem positivamente ao emprego científico, para que este corresponda a um efetivo reforço das próprias instituições, carece de ser equilibrado tendo em vista a consolidação das carreiras. Com efeito, referiu que houve uma separação entre investigação e docência, e que esta separação foi prejudicial ao conjunto do sistema do ensino superior e de ciência e tecnologia. Considera que é, portanto, necessário que haja uma melhor integração entre essas duas formas de participar no sistema de ensino superior e ciência, parecendo adequado ao seu Grupo Parlamentar o reforço da capacidade docente, uma vez que esta é vista como «primeira obrigação» das instituições, quando na verdade o reforço da capacidade docente vai a par com o reforço da capacidade de investigação, podendo estas funções ser trabalhadas lado a lado. A possibilidade que é dada na proposta de alteração do PS é necessária, pois permite ajudar as instituições a responderem à reorientação da sua forma de gestão. O Grupo Parlamentar do PS entende, assim, que uma melhor articulação entre a carreira de docente e a carreira de investigador é positiva para o sistema e para as pessoas que estão no sistema e por isso apelaram a esta abertura, reforçando que a ideia do diploma é a defesa do emprego científico digno e sustentável, tratando-se de um passo que pode ser dado, no sentido de ajudar as instituições a cumprir com o presente diploma». 36. O texto legal - «feito a muitas mãos», como dizia a deputada do grupo parlamentar do CDS – Partido Popular, na reunião de 23.5.2017 (26´45”) -, na interpretação que se julga ser a correta, faz a simbiose adequada das principais posições manifestadas. Reconhece a existência de uma «espécie desvirtuada de carreira de investigação paralela, (…) sem vínculos estáveis», a que aludia o grupo parlamentar do Partido Comunista Português, abre o «horizonte de estabilidade» pretendido pelo grupo parlamentar do Bloco de Esquerda, mas sem uma «integração automática» que, como defendeu o grupo parlamentar do Partido Socialista, seria incompatível com os necessários critérios de «exigência, de qualificação [e] de competição» inerentes ao trabalho científico e tecnológico. 37. Em suma, a abertura de procedimento prevista no artigo 6.º/5 do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, consubstancia um dever da respetiva instituição. A escolha que a lei lhe confere é apenas entre o concurso para categoria da carreira de investigação científica ou para categoria da carreira de docente do ensino superior, escolha essa, no entanto, que terá de ser fundamentada no seu interesse estratégico. V Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, julgando a intimação procedente, condenar a Entidade Requerida a abrir, no prazo de 20 dias, procedimento concursal, de acordo com as funções desempenhadas pelo Requerente, nos termos do disposto no artigo 6.º/5 do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho. Sem custas, por isenção objetiva (artigo 4.º/2/b) do Regulamento das Custas Processuais). Lisboa, 11 de setembro de 2025. Luís Borges Freitas (relator) Ilda Côco Rui Fernando Belfo Pereira (vencido, conforme declaração junta) VOTO DE VENCIDO Discordo da solução que fez vencimento, pelas razões que passo a enunciar. 1. O DL nº 57/2016, de 29/8, teve como objectivo estimular o emprego científico e tecnológico de doutorados em Portugal, reflectindo a relevância que o emprego científico assume na sociedade portuguesa. Conforme consta do respectivo preâmbulo, entre os objectivos visados com a sua aprovação, contam-se os seguintes: – O reconhecimento de que o investimento em recursos humanos dedicados à actividade científica é fundamental para garantir o aumento da qualificação da população e do emprego científico em Portugal, de modo a retomar um processo de convergência progressiva com a Europa; – O de que são propósitos fundamentais do compromisso de Portugal com o conhecimento a atracção e a fixação de recursos humanos qualificados, incluindo o estímulo à abertura de oportunidades de emprego e o desenvolvimento de percursos profissionais de doutorados, juntamente com a promoção do rejuvenescimento dos recursos humanos das entidades que integram o Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN); – A adopção de um regime jurídico de estímulo à contratação de investigadores doutorados, que visa reforçar o emprego científico, bem como potenciar o impacto da investigação científica no ensino superior e promover uma estreita articulação entre as actividades de investigação e desenvolvimento e as actividades de ensino, de promoção do conhecimento e de divulgação de ciência; e, – O estabelecimento da obrigatoriedade de abertura de procedimentos concursais para a contratação de doutorados nas instituições públicas, ou dotadas de financiamento público, em que os bolseiros de pós-doutoramento exerçam funções há mais de três anos, seguidos ou interpolados. 2. Na concretização destes objectivos, o nº 1 do artigo 2º do citado diploma estabelece que o regime assim aprovado se aplica à contratação a termo resolutivo de doutorados para o exercício de actividades de investigação científica, de desenvolvimento tecnológico, de gestão e de comunicação de ciência e tecnologia em instituições do SCTN, tendo em vista o desenvolvimento estratégico das mesmas e o reforço do investimento em ciência e tecnologia. 3. E, de acordo com o disposto no artigo 6º do aludido diploma legal, a contratação de doutorados nele prevista realiza-se através de (i) contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, nos termos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada em anexo à Lei nº 35/2014, de 20/6, e alterada pelas Leis nºs 82-B/2014, de 31/12, 84/2015, de 7/8, e 18/2016, de 20/6, no caso de contratos a celebrar por entidades sujeitas ao regime de direito público (cfr. artigo 6º, nº 1, alínea a) do DL nº 57/2016), ou através de (ii) contrato de trabalho a termo incerto, nos termos do Código do Trabalho, no caso de contratos a celebrar por entidades abrangidas pelo regime de direito privado (cfr. artigo 6º, nº 1, alínea b) do DL nº 57/2016). 4. De acordo com o estabelecido no artigo 6º, nº 2 do DL nº 57/2016, os contratos referidos na alínea a) do seu nº 1 são celebrados pelo prazo de três anos, automaticamente renováveis por períodos de um ano até à duração máxima de seis anos, salvo se, e sem prejuízo de outras causas de cessação ou extinção legalmente previstas, o órgão científico da instituição contratante propuser a sua cessação com fundamento em avaliação desfavorável do trabalho desenvolvido pelo doutorado, realizada nos termos do regulamento em vigor na instituição contratante, a qual deve ser comunicada ao interessado até 90 dias antes do termo do contrato. 5. Porém, menos de um ano após a sua entrada em vigor (que ocorreu no dia 1 de Setembro de 2016, de acordo com o respectivo artigo 26º), foi publicada a Lei nº 57/2017, de 19/7, que veio introduzir uma alteração significativa ao regime previsto no artigo 6º do DL nº 57/2016, aditando-lhe três números, com o seguinte teor: “(…) 5 – A instituição, em função do seu interesse estratégico, procede à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, até seis meses antes do termo do prazo de seis anos referido no nº 2. 6 – Independentemente do prazo a que alude o número anterior, as instituições podem, a todo o tempo, proceder à abertura de procedimento concursal nos termos legais. 7 – O tempo de vigência dos contratos de trabalho celebrados ao abrigo do presente diploma é contabilizado para o preenchimento do período experimental exigido para a contratação por tempo indeterminado com vista ao exercício de funções de investigador ou docente, desde que cumprido na mesma área científica e instituição.”. 6. Temos para nós que a alteração introduzida pelo nº 5 do artigo 6º (na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 57/2017, de 19/7) se destinou a permitir uma flexibilização dirigida às instituições por aquele abrangidas: em vez de abrir um procedimento concursal para contratar directamente um doutorado, a instituição pode abrir um concurso de ingresso nas carreiras de docente ou investigador, desde que o concurso seja na mesma área científica em que o doutorado exerça funções. 7. Porém, porque não estamos perante um mecanismo destinado a regularizar vínculos – como parece pressupor o recorrente –, a abertura do procedimento concursal previsto no nº 5 do artigo 6º do DL nº 57/2016, de 29/8 (com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 57/2017, de 19/7), está dependente do interesse estratégico da instituição em abrir ou não o dito procedimento. 8. Com efeito, um interesse estratégico para uma instituição consiste num objectivo fundamental e de longo prazo que é essencial para a sua sobrevivência, sucesso e crescimento. Não se trata apenas de uma meta operacional diária, mas sim de algo que define a direcção da instituição, guia a tomada de decisões e direcciona a alocação de recursos. Esses interesses estão directamente ligados à missão e visão da instituição e geralmente são amplos e abrangentes, podendo variar dependendo do tipo de organização (governo, empresa, universidade, etc.), mas concentram-se sempre em garantir a relevância e a competitividade no cenário em que a instituição actua. 9. Ora, no caso da recorrida, o seu interesse estratégico consistirá em atrair os melhores talentos (alunos e professores), produzir pesquisa de ponta, garantir a excelência académica e reputação ou assegurar o financiamento para as suas actividades, de acordo com os objectivos de longo prazo que definiu como essenciais para a sua sobrevivência, sucesso e crescimento. 10. E, sendo assim, não tem qualquer respaldo na letra e no espírito do nº 5 do artigo 6º do DL nº 57/2016, a interpretação que a recorrente preconiza, ou seja, a de que em função do interesse estratégico da instituição o procedimento concursal pode ser aberto para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior. 11. Deste modo, a recorrida não está vinculada à obrigação de abrir concurso, nos termos do artigo 6º, nº 5 do DL nº 57/2016, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 57/2017, de 19/7, nomeadamente para a contratação do doutorado cujo contrato atinge os 6 anos, se nisso não tiver interesse estratégico, tal como acima definido. 12. E, não decorrendo da norma a obrigatoriedade da abertura de procedimento concursal (essa obrigatoriedade só ocorre quando estiver em causa a abertura de procedimentos concursais para a contratação de doutorados nas instituições públicas, ou dotadas de financiamento público, em que os bolseiros de pós-doutoramento exerçam funções há mais de três anos, seguidos ou interpolados, como decorre do preâmbulo do diploma e do artigo 23º do diploma em causa, o que não é manifestamente o caso), já que, como se viu, a abertura desse procedimento depende da existência de interesse estratégico da instituição, não pode o tribunal substituir-se àquela, definindo em sua substituição o que entende ser esse interesse estratégico, por tal envolver a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa que só à recorrida caberá fazer. 13. Finalmente, sempre se dirá que a não abertura do concurso peticionado não viola a liberdade de escolha de profissão, prevista no nº 1 do 47º da CRP, uma vez que a norma em causa apenas impede que sejam impostas proibições ao exercício de determinadas profissões por determinadas pessoas. Porém, na situação retratada nos autos, essa norma não garante que, estando em causa o exercício de uma função pública, tenha necessariamente de ser aberto um procedimento de recrutamento independentemente da concreta necessidade dos serviços públicos. Relembra-se o que acima se afirmou, no sentido do nº 5 do artigo 6º do DL nº 57/2016, de 29/8, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 57/2017, de 19/7, não ter por escopo a regularização de vínculos precários. 14. E o mesmo se diga no tocante à violação do direito de acesso à função pública, previsto no nº 2 do mesmo preceito, o qual não impõe a abertura de recrutamento para determinada carreira independentemente da necessidade desse recrutamento, limitando-se tão somente a impedir que sejam colocados entraves à possibilidade de candidatura a procedimentos abertos com vista ao recrutamento para a função pública. Ou seja, o que a Constituição garante é o direito de os cidadãos se candidatarem ao ingresso na Administração Pública, em condições de liberdade e igualdade, sem prejuízo dos requisitos próprios para o desempenho de funções em determinadas carreiras. 15. Finalmente, também não ocorre a violação da garantia da segurança no emprego, consignada no artigo 53º da CRP, segundo o qual “é garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos”, e também o disposto na Directiva nº 1999/70/CE. 16. Reitera-se o que o Tribunal Constitucional já dissertou sobre a questão, no seu acórdão nº 318/2021, onde se concluiu que “o artigo 53º da CRP impõe a proibição de despedimentos sem justa causa ou por motivos arbitrários. Comporta a "evitação" de contratação precária, nomeadamente a prazo, mas não a proíbe e, muito menos, impede que os contratos celebrados com prazo caduquem quando seja atingido o seu termo certo, designadamente numa situação em que o seu período de vigência máximo vem consignado na lei e é transposto para o contrato”. Por conseguinte, a interpretação que o TAC de Lisboa fez do nº 5 do artigo 6º do DL nº 57/2016, não impondo a abertura do procedimento concursal nela referido, não viola a garantia constitucional da segurança no emprego. 17. No mesmo sentido, embora com fundamentação não inteiramente coincidente, já se pronunciaram os acórdãos deste TCA Sul, de 15-7-2025, proferido no âmbito do processo nº 14.886/25.2BELSB, e de 13-8-2025, proferido no âmbito do processo nº 14247/25.3BELSB. 18. Por conseguinte, teria confirmado a sentença recorrida, embora com a presente fundamentação. Rui Fernando Belfo Pereira |