Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9780/24.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/11/2025
Relator:JOANA COSTA E NORA
Descritores:PEDIDO DE PROTECÇÃO INTERNACIONAL
DÉFICE DE INSTRUÇÃO
Sumário:Não alegando o autor factos concretos consubstanciadores das situações legalmente previstas como pressupostos para a concessão do direito de asilo e/ou de protecção subsidiária, não se impõe à Administração que, no âmbito do procedimento administrativo iniciado com o seu pedido de protecção internacional, adopte quaisquer diligências instrutórias adicionais.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

S… veio instaurar acção administrativa urgente contra a AIMA-AGÊNCIA PARA A INTEGRAÇÃO, MIGRAÇÕES E ASILO, I. P.. Pede a anulação da decisão proferida pelo Conselho Directivo da AIMA, de 17.06.2024, que considerou o seu pedido de protecção internacional inadmissível, bem como a emissão de decisão no sentido da sua concessão.
Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a julgar improcedente a acção e, em consequência, a absolver a entidade demandada do pedido.
O autor interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
“I - Só existe uma boa decisão da causa se o recorrente poder ter uma tutela jurisdicional efetiva, com a audição da testemunha por si indicada, sua mulher T… e bem assim a sua própria audição em declarações de parte, como oportunamente requerido.
II - Seria a prova bastante para demonstrar a veracidade, não só das suas declarações, como também para justificar a razão de ter feito o primeiro pedido de asilo e o subsequente, dando assim a possibilidade que o próprio procurou junto das autoridades.
III - O recorrente não podia refutar a "falta de credibilidade" perante um órgão jurisdicional, enquanto a sua mulher não se sentisse segura em Portugal.
IV - O mais certo é nem a sua mulher ter dito a verdade quando pediu asilo em Portugal, sofrendo da mesma pressão que o seu marido, ora Recorrente, havia sofrido aquando da chegada a Portugal.
V - O Tribunal a quo ao decidir pela não produção daquela prova, violou o princípio do beneficio da dúvida, assim como violou o princípio da mediação e oralidade.
VI - Consta erradamente da Decisão em crise que, "Das declarações prestadas pelo autor no âmbito do subsequente processo de proteção internacional não resulta que este disponha de novos elementos de prova quer relativamente aos fundamentos anteriormente invocados, quer quanto aos novos fundamentos ou que tenham cessado os motivos que fundamentaram a decisão administrativa proferida no âmbito do processo de proteção internacional anterior", quando na verdade o mesmo declarou que casou com T… no dia 02.07.2010, tendo inclusivamente indicado o local exato do Casamento e as circunstâncias em que o mesmo ocorreu.
VII - Reitera-se que, o Recorrente tomou a decisão de dizer a verdade, não por ter sido notificado para abandonar o país, mas porque ele e a sua mulher tomaram essa decisão, pelo facto de se sentirem capazes de o fazer.
VIII - A Sentença do Tribunal a quo deve ser alterada no sentido de se proceder à produção da prova requerida na Petição Inicial, injustificadamente omitida.
IX - É a lei que atribui a competência aos órgãos administrativos, falando-se, a tal propósito, num princípio da legalidade da competência, o ato administrativo em crise encontra-se viciado de incompetência pois foi praticado por autor que não tinha poderes para o praticar.
X - É a lei que atribui a competência aos órgãos administrativos, falando-se, a tal propósito, num princípio da legalidade da competência.
XI - A competência dos órgãos administrativos é irrenunciável e inalienável, sem prejuízo da possibilidade do seu exercício por órgãos diferentes, nos termos da delegação de poderes, da suplência ou da substituição (n.° 1 do artigo 36.° do Código do Procedimento Administrativo).
XII - Nos presentes autos, o ato administrativo está assinado pela vogal do Conselho Diretivo e o artigo 20.°, n.° 1 e o 33.° n.° 6, ambos da Lei n.° 27/2008, de 30-06, atribuem competência ao Conselho Diretivo da A1MA, não sendo feita qualquer menção à existência de delegação de poderes, suplência ou substituição:

XIII - O ato administrativo encontra-se viciado por preterição da regra de competência, pois foi praticado por autor que não tinha poderes para o praticar, embora se inscreva no contexto das atribuições da pessoa coletiva pública ou da unidade orgânica em que o autor se insere.
XIV - O ato administrativo sub judice está viciado de incompetência, razão pela qual é anulável, nos termos do artigo 163.° do Código do Procedimento Administrativo.
XV - O Recorrente referiu expressamente na Petição inicial, nos seus artigos 9.° a 14.°, que "A Impugnada fez tudo à pressa, com atropelos sobre formalidades essenciais" (...) "violando o princípio geral da decisão".
XVI - O Tribunal a quo errou ou omitiu na sua pronúncia questão relevante, quando resulta do próprio ato uma coisa e exatamente o seu contrário, como seja (vide supra) o pedido é considerado inadmissível e notifique-se a decisão de admissão do pedido (!?).
XVII - A douta Sentença recorrida ao não se pronunciar sobre aquela questão invocada pelo Impugnante, ora Recorrente (de conhecimento oficioso) quando a devia ter apreciado, enferma de manifesta nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.°, n.° 1, al. d), do CPCiv., aplicável ex vi do artigo 1.° do CPTA..
XVIII - Sempre deverá a Decisão de 1a Instância, verificado e declarado vício de incompetência, ser substituída por outra que conduza à anulação do ato objeto de impugnação, ora recurso.
XIX - Do teor das declarações e esclarecimentos do Recorrente supra elencados e da petição inicial poder-se-á concluir que pelo menos as declarações do pedido subsequente não são falsas ou se levantassem dúvidas, como ressalta, pelo menos que se considerassem por beneficio da dúvida, no procedimento e fossem objeto de análise mais apurada.
XX - Compete à Impugnada/Recorrida alegar e demonstrar porque é que assentou a sua decisão, no art.° 19.° A da Lei do Asilo, especialmente quando, com elevado grau de probabilidade, as razões do Recorrente para o pedido de proteção internacional subsequente não foram apreendidas, analisadas e instruídas pela Impugnada, ora Recorrida, devido à inexistência de confirmação do alegado e/ou de obtenção de informação junto do país de origem e/ou junto de entidades acreditadas para o efeito.
XXI - A isso mesmo obriga o vertido no ponto 205 do Manual de Procedimentos da ACNUR, in https ://www. acnur. org/fileadmin/Documentos/BDL/2011 /33 91.pdf onde é dito que a Recorrida deve: (i) Assegurar que o requerente apresente o seu caso de forma tão completa quanto possível e com todos os elementos de prova disponíveis. (ii) Apreciar a credibilidade do requerente e avaliar os elementos de prova (se necessário, dando ao requerente o beneficio da dúvida) a fim de estabelecer os elementos objetivos e subjetivos do caso. (iii) Relacionar estes elementos com os critérios relevantes da Convenção de 1951, de modo a obter uma conclusão correta sobre a concessão da condição de refugiado ao requerente.
XXII - Torna-se saliente que o Tribunal a quo deveria concluir pela existência de um défice de instrução procedimental e pela ilegalidade do ato impugnado (art.° 115.° do CPA) pois assentou em pressupostos de facto que não estão (nem podem estar) devidamente esclarecidos e que se funda numa análise puramente subjetiva de apreciação por parte da Recorrida AIMA, que assim não decidindo erra no julgamento.
XXIII - Deve a Decisão sub judice ser revertida, no sentido da Recorrida ser condenada a apreciar e decidir do pedido formulado pelo Recorrente, após nova instrução procedimental, onde se tenha em conta informação atual e de fontes imparciais.
XXIV - Estamos perante a preterição de formalidade essencial, a qual conjugada com a falta de declarações de parte pelo Recorrente e a falta de audição da Testemunha sua mulher, em sede de julgamento, o coloca numa situação de indefesa inconcebível num Estado de Direito Democrático, cujo pilar fundamental é a dignidade da pessoa humana e o direito que tem a um julgamento onde se possa defender.
XXV - Na apreciação do pedido de protecção internacional ora em apreço, cumpre notar, quanto ao ónus da prova subjectivo, que é ao Recorrente que incumbe demonstrar a veracidade dos "(...) factos constitutivos das características e experiências pessoais [do interessado] que terão gerado o receio alegado e a consequente ausência de vontade de beneficiar da protecção das autoridades do país de origem."
XXVI - Sem prejuízo das regras gerais do ónus da prova objectivo, a ausência de elementos de prova, e consequente incapacidade do Impugnante/Recorrente demonstrar cabalmente a veracidade dos factos alegados, não deverá conduzir, necessariamente, a uma exclusão automática da existência da violação dos direitos humanos alegada, em atenção à particular incidência do Princípio do Beneficio da Dúvida no regime jurídico do asilo, conforme supra alegado e que se reforça.
XXVII - Ainda que se entenda que o Recorrente carreou para o processo escassos novos elementos ou dados relacionados com a análise do cumprimento das condições para beneficiar de proteção internacional (e não mais, por indeferimento do requerido junto do Tribunal a quo), que ajudem a determinar a veracidade dos factos declarados, convém relembrar que na apreciação da credibilidade desses factos, à entidade instrutora é cometido, contudo, por força do princípio do inquisitório, "(...) um papel activo na busca da prova e na direcção do procedimento, gozando de ampla liberdade na determinação dos actos de instrução tidos por necessários, em função das circunstâncias de cada caso".
XXVIII - Mas a liberdade instrutória da Recorrida já não relevará sempre que leis procedimentais especiais prevejam diligências probatórias de verificação obrigatória, como é o caso da obrigatoriedade legal da AIMA considerar especialmente, na apreciação dos pedidos de protecção internacional, não só à avaliação das declarações e documentos que comprovariam a limitação do Recorrente, por força das circunstâncias pessoais, da capacidade de exercer direitos e cumprir obrigações, designadamente relativamente ao casamento com T… no dia 02.07.2010, a sua inquirição e o facto de serem cristãos, assim como "os factos pertinentes respeitantes ao país de origem obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em Matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido de asilo, incluindo a respectiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação", sob pena de violação de formalidade essencial à validade da apreciação dos pedidos de protecção internacional ou de erros sobre os pressupostos de facto da mesma.
XXIX - Procede a Lei do Asilo, nos artigos 19.° e 19.°-A, a uma enumeração taxativa das cláusulas de tramitação acelerada e de inadmissibilidade cuja verificação determina, respectivamente, o indeferimento liminar do pedido de protecção internacional, por manifestamente infundado, ou, em alternativa, a inadmissibilidade do mesmo, com o consequente prescindir da análise do mérito ou das condições de reconhecimento do estatuto de refugiados/concessão de protecção subsidiária.
XXX - Por oposição à fase de concessão, trata-se aqui de verificar se a decisão ora em crise sopesou adequadamente a subsunção da situação em apreço numa das cláusulas de tramitação acelerada ou de inadmissibilidade consagradas nos artigos supra citados.
XXXI - As cláusulas de tramitação acelerada comportam riscos acrescidos em matéria de eventual violação do princípio de non-refoulement.
XXXII - Consequentemente, a sua interpretação deve ser restritiva e particularmente cautelosa, limitando o seu escopo de aplicação, em conformidade com as relevantes Conclusões do Comité Executivo do ACNUR, aos casos "claramente fraudulentos ou não relacionados com os critérios para a concessão do estatuto de refugiado consagrados na Convenção de Genebra de 1951 das Nações Unidas relativa ao estatuto dos refugiados".
XXXIII - Neste sentido, a recusa acelerada do mérito dos pedidos de protecção internacional, bem como dos subsequentes, deverá ser excluída em que seja feito início de prova do preenchimento dos critérios tendentes ao reconhecimento do estatuto de refugiado, ou à concessão da protecção subsidiária.
XXXIV - Sobre os requisitos do reconhecimento do estatuto de refugiado, determina o n.° 2 do artigo 3.° da Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho, alterada e republicada pela Lei n.° 26/2014, de 5 de Maio, em sintonia com a definição constante do artigo 1-A (2) da Convenção de Genebra relativa ao estatuto dos refugiados e pelo artigo 1 (2) do seu Protocolo de Nova Iorque de 1967: "Têm ainda direito à concessão do asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em razão da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.", no caso por ser casado com T… e serem cristãos, tendo sido violada a sua mulher, por guerrilhas armadas, correndo um risco sério de reviver traumas psicológicos, colocando em causa a sua integridade, dignidade e vida.
XXXV - A Lei do Asilo nacional prevê igualmente a protecção subsidiária, nos termos do artigo 7.° da Lei do Asilo: "1 É concedida autorização de residência por razões humanitárias aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3. ° e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave. 2 Para efeitos do número anterior, considera — se ofensa grave, nomeadamente (...) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos. (...)"
XXXVI - Na presente análise, ainda que algumas afirmações do Recorrente tenham natureza hesitante (sendo que o primeiro pedido foi assumidamente pelo mesmo como tendo sido falso), nomeadamente as relativas ao enquadramento das suas vivências e da sua família no país de origem, o então requerente conseguiu amplamente transmitir, naquela fase processual subsequente, o que efetivamente se passou e a insegurança política e social, a limitação ao exercício de direitos pelos cidadãos naquele país, concretizando, com o detalhe possível, episódios relevantes e específicos.
XXXVII - Tal insegurança e limitações, ainda que tenham ocorrido e sejam descritas num período temporal, permanecem actuais, atentos à Informação do País de Origem constante das notícias (que foi apresentada na Petição Inicial) e que podemos dizer com acutilância, se têm agravado exponencialmente.
XXXVIII - Tendo em conta o descrito pelo Recorrente, relativamente ao seu país de origem, parece-nos não existirem dúvidas que aquele país não possa ser caracterizado como país seguro, nos termos e para os efeitos previstos na alínea q) do n.° 1, do artigo 2° da Lei 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei 26/2014, de 5 de Maio.
XXXIX - Face a todo o exposto, perante a eventual possibilidade de subsistir um risco sério e real da Recorrente (e as suas filhas menores) sofrerem tratamento desumano e degradante na aceção do consagrado no art.° 3.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no art.° 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, impunha-se, em termos de exigência mínima, que a Recorrida procedesse a uma indagação aprofundada das razões pelas quais a Recorrente declarou não querer voltar para a Alemanha, mormente através da solicitação de informações sobre o procedimento de asilo a que foi sujeita (cfr. art.° 34.°, n.°s 1, 2, 3 e 4 do Regulamento Dublin), bem como da solicitação de maiores detalhes sobre o percurso de vida enquanto esteve na Alemanha e da assistência que lhe foi propiciada.
XL - É que, subsiste no Direito da União Europeia um princípio de nonrefoulement, derivado do art.° 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do art.° 3.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que constitui uma barreira de absoluta intransponibilidade, e da qual resulta a proibição de transferência de qualquer pessoa para outro Estado se essa transferência acarreta o risco de tortura, ou de tratamento desumano ou degradante.
XLI - Quer isto significar que, não pode deixar de ser equacionada a possibilidade de ocorrer uma situação de proibição de refoulement, entendida no sentido de que a transferência do Recorrente para o seu país de origem pode acarretar um sério risco de o colocar na posição de ser sujeito atratamento desumano ou degradante, nos moldes configurados pelos art.°s 33.°, n.° 1 da Convenção de Genebra e 19.°, n.° 2 da CDFUE.
XLII - Sopesando o manancial informativo exposto, impera concluir que o retorno do Recorrente para a RDC pode, efetivamente, constituir um sério risco de o colocar em situação de sujeição a tratamento desumano ou degradante, ou de ameaça à sua vida ou integridade física, não estando, sequer, afastado o risco de vir a sofrer tortura ou mesmo a morte, sendo o Recorrente perseguido por ser Cristão e por ter sido vítima da violação da sua própria mulher à sua frente...
XLIII - Tomando em conta todas as considerações realizadas antecedentemente sobre a situação no Congo, constata-se que os elementos factuais disponibilizados no processo administrativo não permitem averiguar da possibilidade de retorno do Recorrente, para efeitos de avaliação do grau do risco do Recorrente poder vir a ser sujeito a tratamentos desumanos ou degradantes, ou avaliar, até, se poderá sofrer risco de morte.
XLIV - Tal avaliação implica um conhecimento aprofundado, tanto quanto possível, do perfil pessoal do Recorrente, mormente, em termos geográficos, políticos, económicos e sociais, incluindo background familiar, apoio familiar existente na RDC, competências profissionais, estado de saúde física e psíquica, etc.
XLV - O processo administrativo, é parco no que concerne a outra informação (em momento algum foi esta pessoa ouvida na presença de um psicólogo e/ou psiquiatra) que não seja à tramitação essencial para ser proferida decisão de transferência do Recorrente para a RDC.
XLVI - Significa isto que, o intencional déficit de instrução por parte da Recorrida impede uma avaliação da subsistência, ou não, de uma proibição de repulsão do Recorrente para o Congo, seu país de origem, no qual já não está há 3 anos.
XLVII - Ao contrário do que resulta do fundamento constante da Decisão em crise proferida pelo Tribunal a quo (a qual se bastou factualmente pela insípida alegação da Recorrida), uma adequada instrução implica adquirir toda a informação relevante sobre a situação e perfil pessoal do Recorrente, bem como sobre a situação vivenciada na República Democrática do Congo, também com destaque e relevância para a informação e orientação fornecida pelas agências internacionais na matéria, incluindo a agência europeia vocacionada para esta matéria - o Gabinete Europeu de Apoio em Matéria de Asilo (EASO- European Asylum Support Office), e que constitui uma agência europeia, que atua como um centro de conhecimento especializado em matéria de asilo, prestando igualmente apoio aos Estados Membros, bem como o Conselho Português para os Refugiados que, entre outras entidades, coopera com o ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, e que é membro do Conselho Europeu para os Refugiados e Exilados (ECRE- European Council on Refugees and Exiles).
XLVIII - Importa salientar que o direito europeu consagra, em matéria de asilo, a garantia a um procedimento justo, que inclui o direito a uma análise individualizada e atualizada do pedido de proteção internacional, em conformidade com a Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013.
XLIX - O direito a um procedimento justo constitui uma garantia de efetivação do direito de asilo, encarado este como um direito fundamental internacional ao acolhimento, titulado por todos os que reúnam determinadas condições.
L - A ausência de procedimento justo e individualizado para efeitos de concessão de asilo, ou o impedimento de acesso ao mesmo, pode acabar por constituir também uma infração ao art.° 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ou ao art.° 3.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, conduzindo à anulação da decisão de afastamento de um requerente de asilo.
LI - O risco de violação do art.° 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser avaliado de modo completo e individual.
LII - Deve ser revogada a decisão recorrida e anulado o acto impugnado, devendo o procedimento administrativo ser retomado nos termos sobreditos, sob pena de violação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, nos seus artigos 1.°, 4.°, 6.°,18.°, 19.°, n.° 2, 21.°, 22.° e 47.°, da Lei do Asilo, nos seus art. 33.° (designadamente o seu n.° 6) e 47.°, da Convenção de Genebra relativa ao estatuto dos refugiados (1951), no seu art. 33.°, bem como do art.° 3.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
LIII - A Constituição da República Portuguesa consagra, enquanto Princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático, os plasmados nos seus artigos 8.°, 13.°, 20.° e 267.°, n.° 5 e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia o plasmado no seu art. 41°, cuja violação, constituindo em si próprias inconstitucionalidades, ora se invocam.
LIV - O Artigo 20.° da CRP com a epígrafe Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, cuja projeção sobre o caso sub judice reflecte a violação do acesso do recorrente ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos, por intermédio de um processo equitativo, com todas as suas dimensões garantísticas, como sejam o direito de acção, o direito ao processo perante os tribunais, o direito à decisão da causa pelos tribunais e ainda a violação do direito à tutela efectiva, com a criação de dificuldades excessivas e materialmente injustificadas e com a criação de situações de indefesa originadas por manobras, conflitos de competência, expedientes e actos puramente formais, que mais não pretendem do que denegar justiça ao recorrente, tendo por consequência, nos termos do normativo constante dos n.os 1, 4 e 5 do artigo 20.° da CRP, a invalidade de todos os actos e omissões que detalhadamente supra se enumeraram e cuja anulabilidade se invoca, para o efeito de revogação da decisão sub judice.”
Notificada das alegações apresentadas, a entidade demandada não apresentou contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, as questões que ao Tribunal cumpre solucionar são as de saber se a sentença recorrida padece de:
a) Nulidade por não se ter pronunciado sobre a invocada violação do princípio geral da decisão;
b) Erro de julgamento de direito.



III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Considerando que não foi impugnada, nem há lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria, nos termos do n.º 6 do artigo 663.º do CPC.


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A. Da nulidade da decisão recorrida

Alega o recorrente que a sentença recorrida é nula por não se ter pronunciado sobre a invocada violação do princípio geral da decisão.
Nos termos da primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se [total ou parcialmente] sobre questões que devesse apreciar”, devendo ser decididas na sentença “todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” (artigo 95.º, n.º 1, primeira parte, do CPTA), aqui se incluindo todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções (invocadas e de conhecimento oficioso), “cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes)”, não se confundindo “questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes.” – cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida (in Direito Processual Civil, Volume II, 2.ª Edição, Almedina, 2015, p. 371).
Nos presentes autos, o autor pede a anulação da decisão proferida pelo Conselho Directivo da AIMA, de 17.06.2024, que considerou o seu pedido de protecção internacional inadmissível, bem como a emissão de decisão no sentido da sua concessão.
A sentença recorrida julgou a acção improcedente, tendo considerado que, como se refere na decisão impugnada, a versão nos factos apresentada pelo autor no âmbito do pedido de protecção internacional não revela credibilidade, sem que se extraia das declarações prestadas pelo autor perante a AIMA que o mesmo desenvolva ou tenha desenvolvido qualquer actividade a favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana ou que receie vir a ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, pelo que a factualidade alegada pelo autor não seria suscetível de se enquadrar na previsão do artigo 3.º, n.ºs 1 ou 2 da Lei do Asilo. No que concerne à proteção subsidiária, considerou-se que nada foi alegado pelo autor que permita concluir pela incapacidade de o seu país de origem lhe assegurar a protecção necessária, não se enquadrando a situação descrita no âmbito de aplicação do artigo 7.º, n.ºs 1 e 2 da Lei do Asilo e não sendo, consequentemente, susceptível de determinar a concessão de autorização de residência por proteção subsidiária.
Ora, para além de o autor não ter invocado a violação do princípio da decisão, foi apreciado o seu pedido de condenação à prática do acto devido de concessão de protecção internacional, tendo sido apreciada a sua pretensão material, que constitui o objecto da acção.
Assim sendo, não há dúvidas de que a sentença recorrida se pronunciou sobre a pretensão do requerente de beneficiar de protecção subsidiária, o que fez considerando não terem sido alegados nem provados factos aptos a alcançar tal desiderato.
Deste modo, não se mostra verificada a invocada nulidade da sentença.


B. Do erro de julgamento de direito

Começa o recorrente por alegar que a falta de audição da testemunha por si indicada e de prestação das declarações de parte por si requeridas, o impediu de provar os factos alegados.
Tendo o autor requerido, na p.i., a produção de prova testemunhal e por declarações de parte, o Tribunal a quo julgou-a desnecessária, considerando a factualidade alegada e a prova documental carreada para os autos, inexistindo matéria de facto controvertida com relevância para a decisão da causa.
Ora, para além de o recorrente não indicar os factos alegados e que não constam da matéria de facto provada que entende relevarem para a decisão da causa, a decisão recorrida não assentou na falta de prova de factos. Diferentemente, a improcedência da acção resultou da falta de alegação de factos constitutivos dos pressupostos de concessão de protecção internacional.
Por tais razões, não se pode concluir que o Tribunal a quo tenha incorrido em erro de julgamento de direito por não ter havido lugar à produção de prova requerida pelo autor.
Mais alega o recorrente que o acto impugnado se encontra viciado de incompetência, dado que foi praticado pela vogal do Conselho Directivo, e não pelo órgão legalmente competente, nos termos dos artigos 20.º, n.º 1 e o 33.º n.º 6, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, que atribuem competência para a prática do acto ao Conselho Directivo da A1MA, não sendo feita qualquer menção à existência de delegação de poderes, suplência ou substituição.
Todavia, não tendo tal questão sido invocada na p.i. – e, portanto, submetida à apreciação do Tribunal recorrido -, estamos perante uma questão nova, que logicamente que não foi apreciada pelo Tribunal a quo. E, assim sendo, não pode ser apreciada por este Tribunal de recurso, que não pode conhecer de questões novas, exceptuadas as que sejam de conhecimento oficioso, não sendo o caso. Com efeito, como anota pertinentemente ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES (Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição, Almedina, 2022, p. 133, nota de rodapé 231), “O objeto do recurso está dependente do objeto da ação, sendo este definido essencialmente a partir da conjugação entre o pedido e a causa de pedir, elementos que, por seu lado, são submetidos a apertadas regras a respeito da sua alteração, nos termos dos arts. 264.º e 265.º. Por conseguinte, salvo nos casos em que se estabeleça acordo das partes, está afastada a possibilidade de alterar ou ampliar o pedido ou a causa de pedir em sede de recurso. Alguma iniciativa do recorrente, fora do caso previsto no art. 264.º, deve motivar a rejeição do recurso nessa parte (…).” Assim sendo, o recurso jurisdicional apenas pode ter por objecto questões que tenham sido anteriormente suscitadas, e não questões novas, salvo se forem de conhecimento oficioso – idem, ibidem, pp. 139 e 140.
Nestes termos, a invocação da questão referente ao vício de incompetência do acto impugnado consubstancia uma ampliação da causa de pedir, possibilidade esta que carece de fundamento legal, pelo que se impõe a rejeição do recurso nesta parte, o que se determina.
Alega ainda o recorrente que, tendo invocado a insegurança do seu país de origem, com um risco sério e real de sofrer tratamento desumano e degradante, nos termos dos artigos 3.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, impunha-se à recorrida que, em face do princípio do benefício da dúvida, cumprisse o determinado no ponto 205 do Manual de Procedimentos da ACNUR, indagando aprofundadamente as razões pelas quais o recorrente declarou não querer voltar para a Alemanha, mormente através da solicitação de informações sobre o procedimento de asilo a que foi sujeito, nos termos do artigo 34.º do Regulamento Dublin, bem como solicitando maiores detalhes sobre o percurso de vida do recorrente enquanto esteve na Alemanha e da assistência que lhe foi propiciada, considerando o princípio de non refoulement, do qual resulta a proibição de transferência de qualquer pessoa para outro Estado se essa transferência acarretar o risco de tortura ou de tratamento desumano ou degradante, concluindo por um défice de instrução do procedimento administrativo que culminou com a decisão impugnada.
A sentença recorrida considerou que, como se refere na decisão impugnada, a versão nos factos apresentada pelo autor no âmbito do pedido de protecção internacional não revela credibilidade, atendendo a que: (i) Apesar de referir que, antes da apresentação do primeiro pedido de protecção internacional, tinha sido instruído a relatar uma situação de facto falsa pela pessoa que o ajudou a fugir, nada descreve que permita concluir que, uma vez chegado a Portugal, algo o impedia de descrever a verdadeira realidade fática (cf. alínea K. do probatório); (ii) Refere que apenas pôde repor a verdade quando a sua mulher chegou a Portugal, mas passou-se mais de um ano desde a sua chegada sem que se tenha dirigido à AIMA (cf. alíneas H. e J. do probatório); (iii) A pessoa que alega agora ser sua mulher, quando chegou a Portugal, indicou ser viúva e não ter quaisquer conhecidos ou familiares a residir em Portugal, nada tendo sido relatado que permita vislumbrar que tal informação fosse falsa (cf. alíneas H. e K. do probatório); (iv) O autor alega que fugiu do seu país de origem por a sua mulher ter sido violada em 2021, mas não é explicado por que motivo viajou sozinho para Portugal, deixando ficar a sua mulher, após ter sido violada, num país que considera perigoso; (v) Apenas após ter sido notificado de que dispunha de 20 dias para abandonar o país, na sequência do indeferimento do primeiro pedido de protecção internacional, apresentou novo pedido (cf. alíneas I e J. do probatório). Mais se entendeu na sentença recorrida que a factualidade alegada pelo autor não seria susceptível de se enquadrar na previsão do artigo 3.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, referente ao direito de asilo, pois que, das declarações pelo mesmo prestadas perante a AIMA não se extrai que o autor desenvolva ou tenha desenvolvido qualquer actividade a favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana ou que receie vir a ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social. No que concerne à protecção subsidiária, das declarações do autor não resulta que este se sinta impossibilitado de regressar ao país de origem, por força da sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, nada sendo igualmente relatado que que permita concluir que exista risco de vida ou de sofrer ofensa grave se voltar ao Congo, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 7.º da referida lei. Com o efeito, não só resulta das alegações do autor que este se deslocou para outras cidades no país de origem onde não teve quaisquer problemas com mencionado grupo de rebeldes – e de onde saiu apenas por sentir vergonha -, como não foram alegados factos que permitam concluir que tenha apresentado queixa às autoridades policiais locais do país de origem e que estas se tenham revelado incapazes de proporcionar protecção ao autor e à sua mulher em relação aos membros do mencionado grupo rebelde.
E o assim decidido, por ser acertado, é para manter.
No n.º 8 do artigo 33.º da Constituição da República Portuguesa, “É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.”
Tal direito de asilo mostra-se concretizado na Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Directivas n.ºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro.
Sob a epígrafe “Concessão do direito de asilo”, dispõe o artigo 3.º, nos seus n.ºs 1 e 2, que têm direito à concessão de asilo os estrangeiros e apátridas (i) perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana; (ii) e os que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.
Para o efeito, estabelecem os n.ºs 1 e 2 do artigo 5.º que “os atos de perseguição suscetíveis de fundamentar o direito de asilo devem constituir, pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afetem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais.”, podendo assumir, nomeadamente, as seguintes formas: “a) Atos de violência física ou mental, inclusive de natureza sexual; b) Medidas legais, administrativas, policiais ou judiciais, quando forem discriminatórias ou aplicadas de forma discriminatória; c) Ações judiciais ou sanções desproporcionadas ou discriminatórias; d) Recusa de acesso a recurso judicial que se traduza em sanção desproporcionada ou discriminatória; e) Ações judiciais ou sanções por recusa de cumprir o serviço militar numa situação de conflito na qual o cumprimento do serviço militar implicasse a prática de crime ou ato suscetível de provocar a exclusão do estatuto de refugiado, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º; f) Atos cometidos especificamente em razão do género ou contra menores.” São agentes de perseguição “a) O Estado; b) Os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território; c) Os agentes não estatais, se ficar provado que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) são incapazes ou não querem proporcionar proteção contra a perseguição”, considerando-se “que existe proteção sempre que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) do número anterior adotem medidas adequadas para impedir, de forma efetiva e não temporária, a prática de atos de perseguição por via, nomeadamente, da introdução de um sistema jurídico eficaz para detetar, proceder judicialmente e punir esses atos, desde que o requerente tenha acesso a proteção efetiva.” – cfr. artigo 6.º.
Sob a epígrafe “Protecção subsidiária”, dispõe o artigo 7.º, nos seus n.ºs 1 e 2, que “É concedida autorização de residência por proteção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.” E que, para o efeito, “considera-se ofensa grave, nomeadamente: a) A pena de morte ou execução; b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do autor no seu País de origem; ou c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do autor, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.”
Na p.i., o autor (ora recorrente) remete a sua alegação para as declarações que prestou no âmbito do procedimento em que pediu protecção internacional, nos seguintes termos: membros do grupo armado Bakata Katanga entraram pela Igreja, em final de 2021, e violaram mulheres, incluindo a sua esposa, e agrediram fisicamente o autor, ameaçando-o de morte, o que levou o autor e a sua família a fugirem para Mabenga e depois para Goma; o conflito armado no país de origem do autor é do conhecimento geral, e o autor tem vergonha de ali viver.
Antes de mais, não se mostra minimamente concretizada nem fundamentada a conclusão a que chega o autor de que os alegados agressores seriam membros de um grupo armado, que nem sequer caracteriza, limitando-se a indicar a sua designação. Ademais, o autor não faz referência a qualquer pedido de ajuda que tenha dirigido ao Estado congolês para obter protecção em face dos supostos agressores.
Para efeitos de concessão de asilo, a situação de perseguição que o recorrente invoca reduz-se a um episódio, nada sendo alegado que o mesmo se relacione com qualquer actividade exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, nem sequer com a raça, religião ou opinião política do autor, e a ligação dos supostos agressores a um grupo armado não se mostra segura, decorrendo de uma conjectura do autor. Deste modo, tal como se concluiu na sentença recorrida, não se mostram verificados os requisitos legais para a concessão de asilo.
Quanto à também requerida protecção subsidiária, o autor não alegou qualquer factualidade apta a concluir pela impossibilidade de regresso à República Democrática do Congo, desde logo porque não descreve qualquer situação de sistemática violação dos direitos humanos.
De resto, não é aplicável ao caso o benefício da dúvida, nos termos do n.º 4 do artigo 18.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, dado que o mesmo pressupõe a relevância da alegação do requerente de protecção internacional, a qual não ocorre no caso, pelas razões acima enunciadas.
Aqui chegados, concluímos que o autor não logrou sequer alegar – muito menos provar – factos concretos consubstanciadores das situações legalmente previstas como pressupostos para a concessão do direito de asilo e/ou de protecção subsidiária, pelo que não se impunha que, no âmbito do procedimento administrativo iniciado com o seu pedido de protecção internacional, fossem adoptadas quaisquer diligências instrutórias adicionais.

Termos em que se impõe julgar o presente recurso improcedente.
*
Sem custas, nos termos do artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho.

V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em:
a) Rejeitar o recurso na parte relativa à invocação do vício de incompetência do acto impugnado;
b) Negar provimento ao recurso interposto.

Sem custas.

Lisboa, 11 de Setembro de 2025

Joana Costa e Nora (Relatora)
Marcelo Mendonça
Ana Lameira (em substituição de Lina Costa)