Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:823/23.2BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:09/11/2025
Relator:LUÍS BORGES FREITAS
Descritores:ACIDENTE EM SERVIÇO
BONIFICAÇÃO DOS COEFICIENTES DE INCAPACIDADE
RECONVERSÃO EM RELAÇÃO AO POSTO DE TRABALHO
Sumário:Se, em consequência de acidente em serviço, as razões que determinaram a mudança de funções do agente da PSP – inicialmente de cunho marcadamente operacional, depois de natureza essencialmente administrativa e de apoio operacional - traduzem a impossibilidade de o mesmo ser reconvertível em relação ao posto de trabalho, ou seja, a impossibilidade de retomar as funções que tinha quando ocorreu o acidente, há lugar à aplicação da bonificação prevista no n.º 5/a) das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:


I
I......., agente da Polícia de Segurança Pública, intentou, em 15.12.2023, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, ação administrativa contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, I.P., pedindo a condenação desta a aplicar-lhe «o fator de bonificação previsto na alínea a) do n.º 5 das instruções gerais da tabela nacional de incapacidades».
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Por sentença proferida em 23.4.2025 o tribunal a quo julgou a ação procedente, decidindo
«reconhece[r] o direito do Autor à bonificação prevista na alínea a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI por acidentes de trabalho e doenças profissionais aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro».
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Inconformada, a Entidade Demandada interpôs recurso daquela decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1. Salvo o devido respeito, a sentença recorrida não interpreta nem aplica corretamente o disposto na alínea a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI por acidentes de trabalho e doenças profissionais aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro.
2. Em causa nos presentes autos, está o processo de reparação do acidente em serviço sofrido pelo Autor, ora Recorrido, em 2022-06-03, nos termos do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro, e o pedido, por este formulado, de aplicação da bonificação do coeficiente de incapacidade nos termos previsto no Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de outubro, nº 5, alínea a), do Anexo I, com a argumentação de que se encontra impedido de exercer a sua função à data do acidente e por não ser possível a reconversão em relação ao anterior posto de trabalho.
3. A aplicação do fator de bonificação de 1,5 a que se referem as instruções gerais da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, depende antes de mais da aplicação de critérios jurídicos, nem sempre claros e coerentes, como é designadamente o de reconversão profissional.
4. Certo é que, na presente situação, o Autor/Recorrido não se aposentou por incapacidade absoluta e permanente para o exercício das suas funções. Pelo contrário, foi reconvertido profissionalmente mantendo-se a exercer funções na mesma entidade empregadora de 1,5.
5. Com efeito, após o acidente o Autor/Recorrido passou a desempenhar funções na Brigada de Fiscalização Policial da Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial da Divisão Policial de Portimão da PSP relacionadas com a verificação de viaturas e tarefas de apoio àquela Esquadra.
6. Se é certo que o Autor/Recorrido não retomou as funções que anteriormente exercia, manteve-se a exercer o cargo de agente da PSP.
7. Deste modo, mantém a ora Recorrente que o Autor/Recorrido não tem direito à bonificação prevista na alínea a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro.
Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser julgado procedente o presente recurso jurisdicional e revogada a sentença recorrida, com as legais consequências.

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O Autor apresentou contra-alegações, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que igualmente se transcrevem:

1 - A Recorrente alega que, tendo o A./Recorrido sido reconvertido profissionalmente, mantendo-se a exercer funções na mesma entidade empregadora pública, não lhe deve ser aplicado o fator de 1,5 previsto na alínea a) do n° 5 das Instruções Gerais da TNI. Não lhe assiste qualquer razão.
2 - Uma das situações em que deve ser aplicado o fator de bonificação de 1,5 é quando a vítima não for reconvertível ao seu posto de trabalho, conceito que, ao contrário do que alega a Ré/Recorrente, está bem definido na legislação: "funções efetivamente exercidas pelo trabalhador numa concreta organização empresarial". Exemplos: os arts. 63°, n° 4, al. c) e 340°, al. e) ("despedimento por extinção do posto de trabalho"), 66°, n° 2, al. a) ("equipamento e organização do local e do posto de trabalho"), 68°, n° 1, 351, n° 2, al. d) 368°, n° 1, al. c) ("o despedimento por extinção de posto de trabalho só pode ter lugar desde que... não existam, na empresa, contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto"), 373° e 374, n° 1, al. b) ("despedimento por inadaptação" verificando-se "avarias repetidas nos meios afetos ao posto de trabalho"), todos do Código do Trabalho. Também na Lei 98/2009, «posto de trabalho» tem idêntico significado: Arts. 7.°, 44.°, n° 1, 155.°, n° 2, 159°, n°s 2 e 3 160.°, n° 1, 161.°, n° 2, 165.°, al. c), entre outros.
3 - O posto de trabalho não pode com o local de trabalho, que é muito mais abrangente e que pode comportar - geralmente, comporta - diversos postos de trabalho, pois que é todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo do empregador" (art. 8°, n° 2, al. a) da Lei 98/2009.
4 - Antes do acidente, o A. desempenhava funções operacionais nas Equipas de Intervenção Rápida do Comando Distrital da PSP de Faro, tendo passado a exercer funções na Brigada de Fiscalização Policial (BFP) por indicação da Junta Médica. Ou seja, o A./Recorrido, ainda que tenha regressado ao seu local de trabalho, não retomou funções no seu posto de trabalho.
5 - O posto de trabalho que o A./Recorrido ocupava antes do acidente é, portanto, distinto, do que viria a ocupar depois do acidente na sequência das sequelas deste, ainda que ao serviço da mesma entidade empregadora, devendo ser atribuída a bonificação estabelecida na al. a) do n° 5 das Instruções Gerais da TNI.
Neste sentido: Acs. do STA de 24.02.2022, Proc° 173/19.9BEFUN; de 11.07.2024, Proc° 0570/23.5BEALM, Ac. Do TCAS de 11.01.2024, Proc° 247/23.1.BEALM, Acs. do STJ: de 03.03.2016, Proc° 447/15.8T8VFX; de 28.05.2014, Proc° 1051/11.5TTSTB.E1.S1 (Acórdão para uniformização de jurisprudência); de 28.01.2015, Proc° 28/12.8TTCBR.C1.S1; de 28.01.2015, Proc° 22956/10.5T2SNT.L1.S1, todos em www.dgsi.pt
TERMOS EM QUE, IMPROCEDENDO O RECURSO INTERPOSTO PELA RÉ CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, SE FARÁ INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.

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Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso não deve merecer provimento.


II
Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, a questão que se encontra submetida à apreciação deste tribunal de apelação consiste em determinar se a sentença recorrida errou ao considerar que o Autor tem direito à bonificação prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro.


III
A matéria de facto constante da sentença recorrida – e não impugnada - é a seguinte:

1) O Autor nasceu em 19-08-1983;
2) O Autor é agente da PSP;
3) Em 03-06-2022, o Autor foi vítima de acidente, qualificado como ocorrido em serviço;
4) De tal acidente resultou o traumatismo do membro superior direito do Autor;
5) Em 16-05-2023, o Autor foi submetido a junta médica da Entidade Demandada, constando do teor do respetivo auto, além do mais, o seguinte:
“(…)
“(texto integral no original; imagem)”
;
6) Em 18-06-2023, a Direção da Entidade Demandada proferiu despacho de homologação do parecer da junta médica constante do auto a que se reporta o ponto antecedente;
7) Em 18-08-2023, o Autor foi submetido a junta de saúde distrital do Comando Distrital de Faro da PSP, na qual foi adotada deliberação no sentido da “atribuição de serviços compatíveis com a sua situação clínica, evitar esforços no braço e antebraço direito e não tem capacidade para a extensão completa do ombro direito”;
8) Em data não concretamente apurada, mas anterior a 03-10-2023, o Autor apresentou junto da Entidade Demandada requerimento com o seguinte teor:
“(…) Assunto: Bonificação coeficientes (incapacidade)
Venho por este meio informar V.ª Ex. que, no seguimento da junta médica a que fui submetido no passado dia 16 de maio de 2023 por parte desses serviços, junta esta onde me foi atribuída uma incapacidade permanente parcial de 20% de acordo com o Capítulo III n.º 6,1.2 da T.N.I.
Devo dar conhecimento a esses serviços que, uma vez que me encontro com incapacidade permanente a qual me impossibilita de exercer plenamente as suas anteriores funções, elemento de Equipa de Intervenção Rápida, visto que não me encontro com a capacidade física atual de 100%, requisito principal para o desempenho da função e, uma vez que existe perigo real de que no desempenho das mesmas, possa resultar o agravamento do meu estado de saúde, foi-me determinado através do art.º 23.º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 503/1999, de 20 de novembro pela junta distrital do Comando Distrital de Faro a requalificação profissional, com a atribuição de serviços compatíveis com a minha situação Clínica, conforme deliberação em anexo.
Por tais factos e uma vez que me encontro impedido de exercer a minha função a data do acidente, do qual resultou tal incapacidade, e não me é possível ser reconvertido em relação ao meu anterior posto de trabalho, solicito a V.ª Ex.ª a bonificação do meu coeficiente de incapacidade conforme previsto no Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro, no número 5, alínea a) do anexo I” – cfr. fls. 115 do PA;
9) Em 03-10-2023, a Coordenadora do Núcleo Médico da Entidade Demandada proferiu parecer com o seguinte teor:
“(…)
Assunto: Acidente em serviço: I....... 1……..
Acidente em serviço em 3/06/2022: trauma do membro superior direito com neuroprexia do plexo braquial.
Avaliado em 16 de maio de 2023 e atribuída IPP final de 20%, pelas sequelas neurológicas descritas. Decisão tomada por unanimidade, com o acordo da sua médica acompanhante.
Apesar das limitações físicas descritas, continua a ser Agente Principal da PSP e a exercer funções, aparentemente agora adaptadas, com atribuição de serviços compatíveis com a sua situação clínica, nomeadamente evitar esforços no braço e antebraço direitos.
A Junta Médica, não encontrou justificação para atribuição do fator 1,5, nem pela idade superior a 50 anos, nem a impossibilidade de reconversão ao posto de trabalho.
Os novos elementos enviados não alteram a apreciação da JM, pelo que se considera uma decisão correta.”;
10) Até ao acidente referido no ponto 3), o Autor exercia funções na Brigada de Intervenção Rápida da Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial da Divisão Policial de Portimão da PSP, nas quais se incluíam as seguintes:
- Reforçar a vigilância nas áreas de maior probabilidade de ocorrência de ilícitos criminais, designadamente, nas zonas comerciais e de serviços, nas zonas escolares, nos interfaces e locais de acesso aos transportes públicos, nos locais de lazer e recreio, tais como praças, jardins e zonas balneares e, em geral, nas áreas de maior movimento e circulação de pessoas;
- Intervir em situações de alteração da ordem pública, nomeadamente, nas zonas (bairros) onde os meios de policiamento normal com frequência se manifestam ineficazes, dada a violência, hostilidade e a forma como a mesma é demonstrada, em relação ao exercício da actividade policial (por exemplo, nos casos de agressões, ameaças ou injúrias a elementos da PSP, nas situações de apedrejamento a agentes e viaturas policiais), procurando identificar e deter os autores desses ilícitos;
- Reforçar o policiamento no isolamento de itinerários e contenção de multidões, em situações de escoltas e visitas de altas entidades;
- Reforçar o policiamento durante a realização de feiras tradicionais ou competições desportivas;
- Reforçar o policiamento durante a realização de manifestações públicas;
- Reforçar o policiamento nas áreas de concentração de estabelecimentos similares dos hoteleiros, de divertimento e recreio nocturno;
- Reforçar e apoiar as operações de prevenção criminal, as operações policiais tipo rusga, operações de fiscalização de trânsito, buscas domiciliárias ou outro tipo de operações;
11) Após o acidente referido no ponto 3) e em consequência das lesões ocasionadas por este, o Autor passou a exercer funções na Brigada de Fiscalização Policial da Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial da Divisão Policial de Portimão da PSP, mais concretamente, as atinentes à verificação de viaturas, armamento, elaboração de ofícios, gestão de correspondência e outras tarefas de apoio à Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial.


IV
1. O n.º 5/a) das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, estabelece que «[o]s coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula:IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor».

2. A questão que se coloca nos presentes passa apenas por saber o Autor, ora Recorrido, é ou não reconvertível em relação ao posto de trabalho. A sentença recorrida respondeu negativamente e, em consequência, reconheceu o direito à bonificação em causa. Para aí chegar teve em conta o seguinte:

«In casu, para dilucidar a questão decidenda, importa aquilatar se o Autor preenche o pressuposto da irreconvertibilidade em relação ao posto de trabalho a que alude o citado preceito legal, dado que não preenche o pressuposto alternativo atinente à idade igual ou superior a 50 anos (cfr. ponto 1) do probatório).
A norma em causa foi interpretada pelo STJ no seu acórdão de uniformização de jurisprudência (AUJ) n.º 10/2014, de 28-05-2014 (in Diário da República, 1ª Série, de 30-06- 2014), nos seguintes termos: “A expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente”.
Para fundamentar tal entendimento, discorreu o STJ:

O conceito de posto de trabalho tem uma utilização frequente no âmbito do Direito do Trabalho, nomeadamente, no domínio dos contratos a termo, onde tem sido entendido como “o conjunto de funções atribuídas ao trabalhador no seio de uma dada organização do empregador. A expressão não deve ser entendida no sentido meramente formal, como mera “job description” prevista no contrato, mas antes correspondendo às funções efectivamente exercidas pelo trabalhador numa concreta organização empresarial”. Está em causa, deste modo, o conjunto de tarefas atribuídas em concreto a um trabalhador (…).
(…) De facto, o segmento «em relação ao posto de trabalho» ao qual se refere a reconvertibilidade aponta para as tarefas executadas pelo sinistrado no posto de trabalho com o qual o acidente se mostra conexionado (…).
(…) A reconversão em relação ao posto de trabalho prevista naquela norma materializa-se no regresso do sinistrado ao desempenho das funções que tinha quando ocorreu o acidente, apesar das limitações em termos de capacidade de trabalho que do mesmo decorreram”.

Com interesse para esta temática, traz-se ainda à colação o acórdão do STJ de 03-03- 2016, processo n.º 447/15.8T8VFX.S1 (disponível emwww.dgsi.pt), na parte em que opera a distinção entre “local de trabalho” e “posto de trabalho”:

“O local de trabalho não se confunde com o posto de trabalho, sendo que é a este que, nos termos legais, se tem que atender para efeitos de atribuição ou não do fator de bonificação: “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”.
O local de trabalho é mais abrangente e pode comportar diversos postos de trabalho. Já o posto de trabalho corresponde “às funções efectivamente exercidas pelo trabalhador numa concreta organização empresarial”, ou seja num determinado local de trabalho.
Aliás, tanto o Código do Trabalho como a Lei nº 98/2009 de 4/09 (Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais), utilizam de forma bem distinta os conceitos de «local de trabalho» e de «posto de trabalho».
O local de trabalho em sentido amplo corresponderá a toda a zona de laboração da empresa, sendo, em sentido estrito, “o centro estável (ou permanente) de actividade de certo trabalhador e a sua determinação obedece essencialmente ao intuito de se dimensionarem no espaço as obrigações e os direitos e garantias qua a lei lhe reconhece” ([7]).
Para efeitos de acidente de trabalho, «local de trabalho» é «todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador» (art. 8º, nº 2, al. a) da Lei 98/2009.
Já relativamente ao «posto de trabalho» reportou-se o legislador às funções concretamente exercidas pelo trabalhador.
Vejam-se como exemplo os arts. 63º, nº 4, al. c) e 340º, al. e) (“despedimento por extinção do posto de trabalho”), 66º, nº 2, al. a) (“equipamento e organização do local e do posto de trabalho”), 68º, nº 1 (admissão de menor condicionada à disposição por este “de capacidades físicas e psíquicas adequadas ao posto de trabalho”), 351, nº 2, al. d) (constitui justa causa de despedimento o “desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto”), 368º, nº 1, al. c) (“o despedimento por extinção de posto de trabalho só pode ter lugar desde que… não existam, na empresa, contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto”), 373º e 374, nº 1, al. b) (“despedimento por inadaptação” verificando-se “avarias repetidas nos meios afectos ao posto de trabalho”), todos do Código do Trabalho. E poderíamos prosseguir analisando as mais de 65 referências constantes neste diploma a «posto de trabalho», todas elas com o significado implícito de funções concretas exercidas pelo trabalhador.”

Sobre a interpretação e aplicação da alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI, pronunciou-se também o STA nos acórdãos de 22-04-2022, processo n.º 0173/19.9BEFUN e 11-07-2014, processo n.º 0570/23.5BEALM (disponíveis em www.dgsi.pt), seguindo a jurisprudência vertida no AUJ.
No sumário do primeiro dos referidos arestos pode ler-se: “I – Um agente da PSP que exercia funções operacionais e que, em consequência de lesões sofridas em acidente em serviço, que lhe determinaram uma IPP de 55%, passou a poder apenas desempenhar funções administrativas, de secretaria, tem direito a que lhe seja aplicado o fator de bonificação previsto na alínea a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI (Tabela Nacional de Incapacidades) constante do DL nº 352/2007, de 23/10, por não ser reconvertível em relação ao seu posto de trabalho (cfr. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 10/2014, de 28/5/2014, in DR 1ª Série de 30/6/2014). (…)”.
Do discurso fundamentador do mesmo aresto, extrai-se, nomeadamente, o seguinte:

“Assim sendo, não tem razão a Ré/Recorrente quando defende que o Autor não tem direito à bonificação em questão, alegando que foi "reconvertido" por, após o acidente, ter voltado a desempenhar funções próprias de um agente da P.S.P., ainda que administrativas, de secretária.
Na verdade, a Ré/Recorrente atem-se à mencionada "job description" das funções genericamente desempenháveis por um qualquer agente da P.S.P., quando o que releva são as funções antes "efetivamente exercidas" pelo acidentado, isto é, por ele concretamente desempenhadas. Se, antes do acidente em serviço, o Autor desempenhava funções operacionais que, depois, em consequência desse acidente, deixou de poder desempenhar, ficando limitado - segundo reconhecimento da própria Junta Médica da Ré/Recorrente - a funções internas, administrativas, de secretária, não pode considerar-se o Autor, para efeitos da norma em análise, "reconvertível em relação ao posto de trabalho".
Consequentemente, tem o Autor direito à bonificação prevista na aludida alínea a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI por acidentes de trabalho e doenças profissionais constante do DL n.º 352/2007, de 23/10, pelo que nada há a censurar ao julgamento das instâncias nesta parte.”

Volvendo ao caso concreto.
Resultou provado que, até ao acidente em serviço de que o Autor foi vítima em 03- 06-2022, o mesmo, enquanto agente da PSP, exercia funções na Brigada de Intervenção Rápida da Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial da Divisão Policial de Portimão da PSP, melhor descritas no ponto 10) do probatório. Tais funções tinham um cunho marcadamente operacional, traduzindo-se, essencialmente, em “diligências de rua”.
Em consequência do antedito acidente em serviço, o Autor ficou a padecer de lesões que lhe determinaram limitações funcionais na mobilidade do ombro e membro superior direitos e uma IPP de 20%, conforme decorre da junta médica da Entidade Demandada e da junta de saúde distrital do Comando Distrital de Faro da PSP a que o Autor foi sujeito (cfr. pontos 5) e 7) do probatório). Por tal motivo, a referida junta de saúde distrital deliberou a atribuição ao Autor de serviços compatíveis com a sua situação clínica (cfr. ponto 7) do probatório), o que se traduziu na mudança de funções do Autor, passando este a desempenhar funções na Brigada de Fiscalização Policial da Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial da Divisão Policial de Portimão da PSP, mais concretamente, relacionadas com a verificação de viaturas, armamento, elaboração de ofícios, gestão de correspondência e outras tarefas de apoio à Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial (cfr. ponto 11) do probatório).
Resulta evidente que o conteúdo funcional de tais tarefas é claramente diverso das que o Autor exercia anteriormente ao acidente, assumindo aquelas um carácter essencialmente administrativo e de apoio operacional (tal como reconhecido na informação do Comando Distrital de Faro da PSP junta aos autos a fls. 303/304 do Sitaf), a que está associada uma interação com o publico caracterizada por uma menor conflitualidade e confrontação comparativamente às funções exercidas na Brigada de Intervenção Rápida (tal como reconhecido na informação do Comando Distrital de Faro da PSP junta aos autos a fls. 269/210 do Sitaf).
Refira-se, aliás, que parte das tarefas desempenhadas pelo Autor após o acidente, tais como a “elaboração de ofícios, gestão de correspondência e outras tarefas de apoio à Esquadra”, aproximam-se mais das funções previstas para as “Equipas de Apoio” das Esquadras de Intervenção e Fiscalização Policial do que das previstas para as “Brigadas de Fiscalização Policial” dessas mesmas Esquadras, tal como definidas no anexo do despacho n.º 20/GDN/2009 do Diretor Nacional da PSP, que fixou a estrutura orgânica dos serviços e respetivas subunidades das Divisões Policiais Destacadas da PSP, junto aos autos a fls. 284/289 do Sitaf (cfr. pontos 4. e 8., em especial as alíneas b) e r) do referido anexo).
Em face do exposto e fazendo apelo à citada jurisprudência, a qual inteiramente sufragamos, conclui-se que, após o acidente e a IPP de que ficou a padecer, o Autor não retomou as funções que anteriormente exercia, não obstante ter continuado a ser agente da PSP, pelo que não pode considerar-se ter sido reconvertido em relação ao seu posto de trabalho.
Decorrentemente, o Autor tem direito à bonificação prevista na alínea a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI por acidentes de trabalho e doenças profissionais constante do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23/10».

3. Vistas as alegações de recurso, uma conclusão se impõe: a Recorrente optou por ignorar os fundamentos da sentença e desprezou igualmente a jurisprudência nela invocada, nomeadamente do Supremo Tribunal Administrativo.

4. Limitou-se, no essencial, a reiterar que o Recorrido «foi reconvertido profissionalmente mantendo-se a exercer funções na mesma entidade empregadora pública, a Polícia de Segurança Pública, razão pela qual não lhe deve ser aplicado o fator de 1,5». O que não exige mais do que lembrar o que já se fez constar da sentença recorrida, ou seja, que o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 24.2.2022, processo n.º 0173/19.9BEFUN, já esclareceu que essa tese não merece acolhimento, afirmando que «não tem razão a Ré/Recorrente [a Caixa Geral de Aposentações, I.P.] quando defende que o Autor não tem direito à bonificação em questão, alegando que foi “reconvertido” por, após o acidente, ter voltado a desempenhar funções próprias de um agente da P.S.P., ainda que administrativas, de secretária. Na verdade, a Ré/Recorrente atem-se à mencionada “job description” das funções genericamente desempenháveis por um qualquer agente da P.S.P., quando o que releva são as funções antes “efetivamente exercidas” pelo acidentado, isto é, por ele concretamente desempenhadas. Se, antes do acidente em serviço, o Autor desempenhava funções operacionais que, depois, em consequência desse acidente, deixou de poder desempenhar, ficando limitado – segundo reconhecimento da própria Junta Médica da Ré/Recorrente – a funções internas, administrativas, de secretária, não pode considerar-se o Autor, para efeitos da norma em análise, “reconvertível em relação ao posto de trabalho”». Esta linha de entendimento foi reiterada pelo Supremo Tribunal Administrativo no seu acórdão de 11.7.2024, processo n.º 0570/23.5BEALM, afastando-se, novamente, a posição que a Caixa Geral de Aposentações, I.P., também ali Recorrente, agora recupera.

5. Concluindo:

a) As razões que determinaram a mudança de funções do Autor/Recorrido – inicialmente de cunho marcadamente operacional, depois de natureza essencialmente administrativa e de apoio operacional - traduzem a impossibilidade de o mesmo ser reconvertível em relação ao posto de trabalho, ou seja, a impossibilidade de retomar as funções que tinha quando ocorreu o acidente;
b) Tem, por isso, direito à bonificação prevista no n.º 5/a) das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro.


V
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas da apelação a cargo da Recorrente (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil).


Lisboa, 11 de setembro de 2025.

Luís Borges Freitas (relator)
Maria Helena Filipe
Ilda Côco