Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. RELATÓRIO
A L… - Compra e Venda de Imóveis Lda., notificada da sentença proferida em 2024.09.06, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a reclamação de atos de órgão de execução fiscal por si deduzida, contra a decisão proferida pela Chefe do Serviços de Finanças de Lisboa – 7, que lhe indeferiu o pedido de declaração de caducidade da garantia e, consequentemente, o pedido de cancelamento das garantias prestadas no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3247201101005367, respeitante à liquidação de IRC do exercício de 2007, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.
Por acórdão de 2024.11.21, o recurso foi julgado parcialmente improcedente e mantida a decisão recorrida na parte em que indeferiu o pedido de declaração de caducidade da garantia e ordenada a baixa dos autos à primeira instância para instrução e para conhecer das questões atinentes à redução e (des)proporcionalidade da garantia prestada, questões que tinham sido julgadas prejudicadas na sentença recorrida.
Notificada da nova sentença proferida em 2025.06.23, que julgou a reclamação totalmente improcedente, dela veio interpor o presente recurso.
Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
a) «A RTE, em 2011, ofereceu como garantia duma dívida, cuja liquidação impugnou, a hipoteca sobre uma fração autónoma, sita na Rua R…, uma zona das mais nobres de Lisboa (certidão acessível pelo código PP-3...)
b) Entendeu a AT que a garantia era insuficiente, pelo que a RTE foi forçada a pedir a uma outra sociedade que constituísse uma segunda hipoteca para reforçar a garantia da dívida, o que foi feito. (certidão código PP-3...).
c) Nunca foi oferecida pelo SF Lisboa-2 uma justificação para este objetivo excesso de garantia, em que uma dívida originária de 216 000€ é garantida por prédios que, do ponto de vista comercial, valem entre 12 a 15 vezes mais que a dívida exequenda.
d) Em 2015 - quatro anos após a entrada da impugnação- foi efetuada a audiência de julgamento, mas a sentença só seria prolatada em 2922, ou seja quase 7 anos depois, por juiz que não teve contato anterior com o processo, em manifesta violação do art 605º do CPC.
e) Essa sentença era parcialmente favorável à RTE, mas a AT e a RTE recorreram da sentença;
f) O Venerando TCAS confirmou esta sentença, mas atenta a sua oposição a dois AUJ do STA a RTE interpôs recurso de revista que ainda corre,
g) além disso, foi invocada e provada a violação de normas constitucionais que não foram censuradas pelos Tribunais das duas instâncias.
h) A RTE não recorreu certamente porque as decisões da 1ª e da 2ª Instâncias, lhe eram desfavoráveis e não estão em oposição a qualquer AUJ do STA.
i) Consequentemente, a sentença e o acórdão que a confirmou transitaram em julgado e a dívida exequenda extinguiu-se parcialmente.
j) O requerimento de cancelamento das garantias é posterior ao trânsito em julgado das decisões da 1ª e da 2ª instâncias.
k) Impunha-se, se outras razões não existissem, que a garantia fosse proporcionalmente reduzida, em relação ao decaimento.
l) Em manifesto erro, o douto Tribunal a quo considera que não há lugar à redução proporcional da garantia porque as referidas decisões não transitaram em julgado, conclusão extraída sem fundamentação e contrariada pelo que consta do processo principal de que estes autos são apenso.
m) O douto Tribunal volta a errar a pronúncia quando considera que não são de cancelar as garantias porque, diz a sentença, o artigo 183-A do CPPT só seria aplicável após o decurso de 4 anos da entrada em vigor da Lei nº 7/2021, de 26/2.
n) Ora, o requerimento de cancelamento é posterior aos 4 anos contados desde a entrada em vigor da Lei 7/2021 de 26/2.
o) A tutela efetiva dos direitos prevista, entre outras leis, no artigo 20º da CRP, desaparece se a AT, com a anuência do douto Tribunal a quo, ignora o sentido de sentença anterior, confirmada em sede de recurso, conforme resulta dos autos principais para quais a RTE remeteu.
p) Incongruentemente, no caso presente, verificado o decurso do prazo de 4 anos sobre a entrada em vigor daquela lei, continua a não se aplicar o cancelamento das garantias.
q) Tendo a Lei 7/2021, de 26/2, corrigido alguns dos efeitos das perniciosas morosidades da Justiça Tributária, é do mais elementar bom senso concluir que o objetivo do legislador foi fazer face imediatamente à inaceitável manutenção das garantias nos casos em que os processos tributários se prolongam por anos sem fim, sem que o contribuinte contribua para isso.
r) Surpreendentemente, alguma jurisprudência esqueceu-se da ratio da Lei 7/2021, concebida para fazer face às grandes morosidades das decisões judiciais e consequentes manutenções de garantias, para se ater ao elemento literal da do artigo 12º do Código Civil segundo o qual a lei só dispõe para o futuro e só aplicar o artigo 183-A do CPPT decorridos 4 anos sobre a sua entrada em vigor.
s) Estamos perante um atropelo de direitos fundamentais, resultantes da não aplicação da Justiça em tempo útil – no caso vão decorridos 14 anos e meio,
t) o que esvazia de conteúdo o princípio da tutela jurídica efetiva (art. 20º da CRP; art 2º do CPC; artigo VI da CEDH).
u) O purismo do entendimento de que a suspensão das garantias só é admissível depois de decorridos quatro anos da vigência do artigo 183-A, na redação da Lei nº7/2021, coloca esta esta norma em colisão com o princípio constitucional da tutela jurídica efetiva de direitos e interesses legalmente protegidos.
v) A prevalecer esta interpretação restritiva, o artigo 183-A do CPPT enfermaria de inconstitucionalidade material.
w) O douto Tribunal a quo foi mais longe ao não aplicar o preceito, mesmo depois de decorridos os quatro anos, sem prolação de decisão em 1ª instância. Preceitos violados os referidos nas conclusões
Termos em que deve ser provido o presente recurso e, em consequência revogada a douta sentença decretando-se o imediato cancelamento das garantias prestadas.
A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira, não apresentou contra-alegações.
O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Os autos foram com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Deste parecer transcreve-se:
«(…)
III – Do mérito do recurso
Compulsadas as doutas alegações apresentadas pela Recorrente e as conclusões formuladas afigura-se-nos que as questões suscitadas se resumem, no essencial, em saber-se
i. a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao considerar que não há lugar à redução proporcional da garantia porque a ação de impugnação ainda não transitou em julgado (artigo 183.º, n.º 2 do CPPT)
ii. a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao entender que não são de cancelar as garantias por hipoteca voluntária porque o artigo 183-A do CPPT só seria aplicável após o decurso do prazo de 4 anos após a entrada em vigor da Lei nº 7/2021, de 26/2.
1. Quanto à primeira questão
Da análise da matéria de facto vertida nos autos, entendemos que foi feita uma correta análise da mesma e correta foi a sua subsunção jurídica, não nos merecendo a douta sentença recorrida quaisquer reparos, sendo que se mostra bem fundamentada de facto e de direito, apoiada em jurisprudência ajustada e atualizada, que cita, inexistindo motivos para que a mesma não seja mantida na ordem jurídica.
2. Quanto à segunda questão
Com bem se refere na sentença recorrida, na sequência do douto Acórdão do TCAS proferido nestes autos, a única questão a dirimir limita-se à análise da eventual redução da garantia prestada no processo de execução fiscal em virtude da procedência parcial da ação de impugnação judicial.
Não foi, assim, objeto da sentença em recurso o cancelamento das garantias prestadas, matéria já objeto de apreciação por parte do referido Acórdão deste TCAS. Trata-se duma nova questão que a recorrente aduz agora em sede de recurso.
Ora, a figura do recurso exige, necessariamente, uma prévia decisão desfavorável. Só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido. Como escreve a propósito António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Novo Regime, 4ª. Edição, 2017, Almedina, pág.109 e seg), “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas”.
Como se refere no Ac. TCAS 13.07.2023 (Proc. 1827/21.5BELSB)
“I- Sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso, o tribunal superior serve para apreciar as questões decididas pelos tribunais inferiores e não para criar decisões sobre matéria nova.
II- Uma decisão proferida em 1ª instância não pode ser revista, em sede de recurso, com fundamento numa questão que seja nova e que não tenha sido suscitada e objecto de análise pela 1ª instância.
III- O recurso para o tribunal superior está, na sua génese, intrinsecamente ligado a uma decisão desfavorável e contrária ao pretendido pelo autor e emanada do tribunal recorrido”.
No mesmo sentido é unânime a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, como exemplarmente considerou recentemente o Ac. STA 11.9.2024 (Proc. 0231/18.7BELRS):
“O direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895), que não o modelo de reexame. Daí que o Tribunal "ad quem" deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal "a quo", baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes dos Tribunais Superiores, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal "ad quem" as preclusões ocorridas no Tribunal "a quo". Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição.”.
E não sendo a questão suscitada uma situação de conhecimento oficioso, não pode o tribunal de recurso apreciar uma questão nova, por pura ausência de objeto já que, em rigor, não existe, neste circunspeto, decisão de que recorrer (neste sentido, entre muitos, os recentes Acórdãos do TCAS 13.07.2023 (Proc. 1827/21.5BELSB) e do TCAN 7.3.2024 (Proc. 02998/14.2BEPRT).
IV. Em conclusão
A douta sentença encontra-se bem fundamentada de facto e de direito não sofrendo de qualquer vício e fazendo uma correta subsunção jurídica às normas legais aplicáveis. Termos em que, somos do parecer que o presente recurso deverá improceder.
(…)»
Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre decidir.
II – Fundamentação
Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso.
Assim, na falta de especificação no requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 635/3 do Código de Processo Civil, deve-se entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao Recorrente. O objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (artigo 635/4 CPC). Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões e devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.
Atento o exposto, e tendo presentes as conclusões de recurso apresentadas, importa decidir sobre se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, na interpretação dos factos e aplicação do direito, ou seja, apreciar se estão verificados os pressupostos para redução da garantia que a ora Recorrente prestou para suspensão da execução fiscal na pendência de impugnação judicial que tem por objeto a legalidade da dívida exequenda.
II.1- Dos Factos
O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:
A) «No ano de 2011, a Reclamante apresentou impugnação judicial, que correu termos neste Tribunal com o número de processo 505/11.8BELRS, do ato liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, referente ao exercício do ano de 2007 (cfr. conclusões da petição inicial e ato reclamado a fls. 1-23 dos autos, numeração do SITAF, assim como as posteriores referências aos autos [fls. 10 do pdf.]);
B) A 12/01/2011, o órgão de execução fiscal autuou em nome da Reclamante o processo de execução fiscal n.º 3247201101005367, para cobrança coerciva do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, referente ao exercício do ano de 2007, na quantia exequenda de € 216.924,30 (cfr. fls. 204-259 [fls. 2 a 4 do pdf.] do processo de execução fiscal junto aos autos);
C) A 14/03/2011, no âmbito do processo de execução fiscal identificado na alínea anterior, foi registada a hipoteca voluntária sobre o prédio urbano situado em S…, na Rua R…, … e …, com a matriz n.º 5… (cfr. conclusões da petição inicial, ato reclamado a fls. 1-23 dos autos [fls. 10 do pdf.] e certidão permanente online, consulta no site https://www.predialonline.pt, com o código PP-3…);
D) A 05/04/2011, no âmbito do processo de execução fiscal identificado na alínea B), foi registada a hipoteca voluntária sobre o prédio urbano situado em Alcântara, na Rua P…, …, …, … e …, com a matriz n.º 4… (cfr. conclusões da petição inicial, ato reclamado a fls. 1-23 dos autos [fls. 10 do pdf.] e certidão permanente a fls. 1-23 dos autos [fls. 12 e 13 do pdf.]);
E) No ano de 2022, foi proferida sentença nos autos de impugnação n.º 505/11.8BELRS, julgada parcialmente procedente (cfr. conclusões da petição inicial e ato reclamado a fls. 1-23 dos autos [fls. 10 do pdf.]);
F) Ambas as partes interpuseram recurso da sentença (cfr. conclusões da petição inicial e ato reclamado a fls. 1-23 dos autos [fls. 10 do pdf.]);
G) A 09/04/2024, a Reclamante, no âmbito do processo de execução fiscal identificado na alínea B), requereu junto do órgão de execução fiscal o cancelamento das garantias e a consequente notificação à Conservatória do Registo Predial (cfr. fls. 24-29 dos autos);
H) A 13/05/2024, na sequência do pedido da Reclamante, o órgão de execução fiscal elaborou a seguinte informação:
Juntada o requerimento que teve entrada n.º 2024E1046427 enviado pela comunicação 32472024C153515 e que foi substituída pela entrada n.º 2024E001387732 que requer sucintamente o seguinte:
Com a apresentação da impugnação da liquidação adicional relativa a 2007 a requerente ofereceu como garantia para efeitos de suspensão, hipoteca da fracção autónoma dita na Rua R… inscrita na matriz predial da freguesia de Santo António sob o nº 5…e que ficou registada sob a ap.1… de 2011/03/14 hipoteca para garantia no processo de execução fiscal 3247201101005367 e hipoteca constituída pela O.. Compra e Venda de Imóveis, Lda nif 5… do imóvel sito na freguesia da Estrela inscrito na matriz sob o artigo 1… registada sob a ap.1… de 2011/04/07 para garantia de pagamento no âmbito do processo de execução fiscal 3247201101005367.
A impugnação que deu entrada em juízo em 2011 foi parcialmente procedente o que provocou recurso da Fazenda Pública e da impugnante ao ser-lhe negado provimento parcial.
A impossibilidade de poder dispor dos imóveis em causa tem provocado graves prejuízos a dois contribuintes que foram e são cumpridores das suas obrigações fiscais.
Os imóveis têm valores de mercado muito superiores aos atribuídos pela AT que já podia ter reavaliado os imóveis. Prevê o artigo 183°-A do CPPT que a garantia caduca se não tiver sido proferida sentença em 1a instância no prazo de quatro anos após a apresentação da impugnação.
Notificada da sentença em parte favorável à Impugnante impunha-se que o Serviço de Finanças tivesse cancelado pelo menos, uma das hipotecas o que não foi feito.
No recurso da sentença na parte que não foi favorável à impugnante foi requerida expressamente o cancelamento da garantia. Nem o epresentante da FP nem o Mmº Juiz emitiram qualquer pronúncia sobre o requerimento de suspensão da garantia.
A Veneranda Desembargadora Relatora do processo de recurso jurisdicional para o TCA ordenou a descida do processo à 1ª Instância para ser decidida a suspensão das garantias.
O Ministério Pública pronunciou-se a favor e o Representante da FP opôs-se.
O Mmº Juiz determinou que a competência para cancelar a garantia era da entidade impugnada, ou seja, do Serviço de Finanças.
Termos em que, atento o disposto nos artigos 183° e 183°-A do CPPT, o imediato cancelamento das garantias dadas através de hipotecas com a consequente notificação da Conservatória do Registo Predial de Lisboa.
A avaliação das garantias está prevista no artigo 199°-A do CPPT que dispõe que na avaliação da garantia deve atender-se ao valor dos bens ou do património apurado nos termos dos artigos 13.° a 17.° do Código do Imposto do Selo.
Por consulta à Gestão de garantias no SEFWEB verifica-se que estão registadas duas garantias: -3247.2011.61 em 2011/04/110 - 32472020.122 em 2011/03/14
Que foram consideradas idóneas e suficiente para suspender o presente processo de execução fiscal nos termos do artigo 169° do CPPÒ.
Por consulta ao sistema do património verifica-se:
O imóvel sito na Rua R… inscrito na matriz da freguesia de Santo António sob o artigo 5… fracção … tem o valor patrimonial de 147.435,30 € determinado em 2023.
O imóvel sito na rua P… (L…. tem o valor patrimonial actual de 175.870,00 EUR avaliado em 2022/02/13.
O valor patrimonial dos imóveis é avaliado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre bens Imóveis (CIMI). Nos termos do artigo 75° do CIMI quando o sujeito passivo ou o chefe de finanças não concordarem com o resultado da avaliação directa de prédios rústicos podem, respectivamente, requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado.
A Fazenda Pública foi notificada em 02/02/2022 com ofício referência 7321464 da sentença no processo 505/11.8BELRS (3247201103000184), que foi julgada parcialmente procedente, por só parcialmente provada.
Em 2022/03/04 está averbado o requerimento de interposição do recurso da AT.
Nos termos do artigo 183°-B A garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal caduca se na ação de impugnação judicial ou de oposição o garantido obtiver decisão integralmente favorável em 1.ª instância, o que não foi o caso da decisão no processo de impugnação 505/11.8BELRS/3247201103000184.
Pelo exposto parece-me que se deverá indeferir o solicitado.” (cfr. fls. 1-23 [fls. 10 e 11 do pdf] dos autos);
I) A 14/05/2024, com base na informação transcrita na alínea anterior, a Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Lisboa 7 indeferiu o pedido da Reclamante (cfr. fls. 1-23 [fls. 9 do pdf.] dos autos).»
Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:
«Não ficaram por provar outros factos com relevância para a decisão.»
E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:
«Para a fixação da matéria de facto provada, a convicção do Tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, nas alegações das partes, nos documentos juntos, não impugnados, e consulta do site https://www.predialonline.pt, conforme remissão feita em cada uma das alíneas do probatório.»
II.2 Do Direito
A Reclamante e ora Recorrente tinha já recorrido da sentença proferida em 2024.09.06, pelo mesmo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a reclamação de atos de órgão de execução fiscal apresentada contra a decisão proferida pela Chefe do Serviços de Finanças de Lisboa – 7, que lhe indeferiu o pedido de declaração de caducidade da garantia e, consequentemente, o pedido de cancelamento das garantias prestadas no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3247201101005367, instaurado para cobrança coerciva da liquidação de IRC do exercício de 2007.
Por acórdão de 2024.11.21, o recurso foi julgado parcialmente procedente e mantida a decisão recorrida na parte em que indeferiu o pedido de declaração de caducidade da garantia e ordenada a baixa dos autos à primeira instância para instrução e subsequente conhecimento das questões atinentes à redução e (des)proporcionalidade da garantia prestada, questões que tinham sido julgadas prejudicadas na sentença recorrida.
Notificada da nova sentença proferida em 2025.06.23, que julgou a reclamação totalmente improcedente, dela vem interposto o presente recurso.
No recurso apresentado, e na assertiva sumula constante do parecer do Ministério Público parcialmente transcrito supra, alega a ora Recorrente, que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao considerar que não há lugar à redução proporcional da garantia porquanto a decisão da ação de impugnação ainda não transitou em julgado (artigo 183.º, n.º 2 do CPPT), e ao entender que não são de cancelar as garantias constituídas por hipoteca voluntária porquanto decorreram já 4 anos desde a data de apresentação da impugnação judicial (artigo 183-A do CPPT).
Iniciemos a análise por esta segunda questão suscitada no presente recurso, respeitante à caducidade da garantia prestada para suspender a execução por ter sido apresentada impugnação judicial da liquidação e ter decorrido já mais de 4 anos desde a data da apresentação da respetiva impugnação judicial.
Trata-se de questão que foi já apreciada e decidida naquela primeira sentença proferida, embora a descontento da ora Recorrente, decisão essa que transitou em julgado e sobre a qual a sentença sob recurso, naturalmente, se não pronunciou e que não pode, por esse motivo, ser agora novamente apreciada.
Na sentença recorrida, nas questões a decidir, está bem patente que a única questão a dirimir respeitava a apreciar a questão sobre a eventual redução e (des)proporcionalidade da garantia prestada no processo de execução fiscal.
A ser entendido de outro modo, e na senda do constante do referido parecer do Ministério Público, tal acarretaria que nos pronunciássemos sobre questão não apreciada pela 1ª Instância na sentença recorrida, e nesse sentido, sobre questão «nova» que, por não ser de conhecimento oficioso, não pode, pois, ser conhecida no presente recurso.
E, como é de jurisprudência reiterada e uniforme, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, e por essa razão, regra geral, em sede de recurso, não se pode tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado [nesse mesmo sentido além da jurisprudência citada no parecer do Ministério Público supra transcrito, citamos também a título meramente exemplificativo os acórdãos do STA de 2021.10.06, Proc. n.º 01235/09.6BESNT, e o Ac. do STA de 2014.11.05, Proc. n.º 01508/12].
Tal questão não pode, pois, ser agora aqui apreciada.
Termos em que improcede o recurso nesta parte.
Prosseguindo:
Vejamos agora quanto à primeira questão suscitada nas presentes alegações de recurso e que diz respeito à apreciação do alegado erro de julgamento por ter sido decidido que não há lugar à redução proporcional da garantia prestada para suspensão do processo de execução fiscal porquanto a decisão proferida na ação de impugnação ainda não transitou em julgado.
Atentemos ao decidido na sentença recorrida.
A sentença recorrida começa por discorrer assertivamente sobre o quadro legal aplicável, respeitante à prestação da garantia para suspensão do processo de execução fiscal.
Após transcrever parcialmente o disposto no artigo 52º da Lei Geral Tributária (LGT) e nos artigos 199/6, 169/1 e 183 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) prossegue a decisão recorrida no segmento que seguidamente se transcreve:
«(…)
No caso em apreço, a Reclamante entende que, como a ação de impugnação foi julgada parcialmente procedente, a garantia devia ser reduzida na proporção do decaimento da Fazenda Pública.
A propósito da possibilidade da redução da garantia, o artigo 52.º, n.º 8 da LGT prevê que [a] garantia só pode ser reduzida após a sua prestação nos casos de anulação parcial da dívida exequenda, pagamento parcial da dívida no âmbito de regime prestacional legalmente autorizado ou se se verificar, posteriormente, qualquer das circunstâncias referidas no n.º 4”.
Assim como o artigo 199.º, n.º 11 do CPPT permite a redução da garantia “(…) à medida que os pagamentos forem efectuados e se tornar manifesta a desproporção entre o montante daquela e a dívida restante.”.
Ora, o alegado pela Reclamante assenta na circunstância de a ação de impugnação ter sido julgada parcialmente procedente e, como tal, defende que a garantia devia ser reduzida em conformidade com a proporção do seu vencimento. Contudo, esta decisão não transitou em julgado, tendo sido interposto recurso por ambas as partes (cfr. alínea E) e F) do probatório).
Assim, concatenados os artigos 52.º, n.º 1 e n.º 2 da LGT, n.º 1 do artigo 169.º, 183.º, n.º 2 e n.º 1 do artigo 199, n.º 6, ambos do CPPT, acima transcritos, a cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal nas situações em que haja impugnação judicial e seja prestada garantia idónea, pelo valor legalmente determinado (artigo 199.º, n.º 6), até à decisão do pleito.
Ou seja, no caso em apreço, independentemente do sentido da decisão na primeira instância, a redução da garantia não pode ser equacionada pois a ação de impugnação em que se discute a legalidade da liquidação ainda não transitou em julgado, como já foi dito.
Apenas com o trânsito em julgado do Acórdão que vier a ser proferido no âmbito do processo de impugnação é que a garantia pode, eventualmente, ser levantada (cfr. artigo 183.º, n.º 2 do CPPT).
Neste sentido, ainda que a propósito de um processo de oposição, mas cujo entendimento é perfeitamente transponível para as situações em que é interposto recurso de uma sentença num processo de impugnação, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que se acompanha, no processo n.º 0169/17, de 2402-2016 (disponível para consulta em www.dgsi.pt).
“Em 17.07.2009, a Reclamante deduziu oposição à execução fiscal que lhe foi instaurada pelo IGFSS (cfr. alínea D dos factos provados) da qual, tendo sido proferida sentença no sentido da improcedência, foi interposto recurso para o TCAS (cfr. alíneas E. e F dos factos provados).
Como refere Jorge Lopes de Sousa “prestada a garantia ou garantida a dívida por penhora, a suspensão manter-se-á até haver uma decisão definitiva sobre a questão suscitada (n.º 1 deste artigo). (...) Assim, a suspensão só terminará quando não houver possibilidade de impugnação administrativa ou contenciosa da decisão que for proferida nos processos referidos. Isso sucederá, no caso de processos judiciais com o trânsito em julgado da decisão, que ocorre logo que ela não seja susceptível de recurso ordinário, ou de reclamação nos termos dos artigos 668.° e 669.° do CPC (art. 677.° do mesmo Código). (...) “. (cfr. “CPPT Anotado”, Vol. III, Áreas Editora, 2010, p. 220).
Ou seja: com decorre da previsão do art. 169°, n.º 1 do CPPT, o processo de execução fiscal fica suspenso até decisão (leia-se, decisão definitiva), neste caso, da oposição à execução deduzida pela ora Reclamante. Essa decisão definitiva só ocorre com o trânsito em julgado da decisão proferida pelo TCAS (cfr. actuais arts. 628°, 615.° e 616.° do CPC), independentemente do efeito que foi fixado ao recurso.”.
Pelo exposto, ao contrário do defendido pela Reclamante, não é pelo facto de a sua pretensão, na ação de impugnação, ter sido julgada parcialmente procedente na primeira instância que a garantia constituída no processo de execução fiscal pode ser diminuída na proporção do decaimento da Fazenda Pública, pois esta decisão não transitou em julgado, mantendo-se ainda em aberto a discussão sobre a legalidade da liquidação e, deste modo, a garantia prestada tem que se manter até à decisão do pleito.
Desde já adiantaremos que a sentença recorrida não merece a crítica que lhe foi feita pela Recorrente.
A ora Recorrente insurge-se contra a decisão de manutenção da garantia prestada requerendo a sua redução, porquanto na impugnação judicial obteve vencimento parcial, pelo que, argumenta, o valor a garantir será agora menor que a garantia prestada e que o valor real ou de mercado dos prédios é muito superior ao seu valor tributário.
Para a redução da garantia prestada, alicerça a sua argumentação em ter obtido ganho de causa na ação em que se discute a legalidade da liquidação, embora parcial, na primeira instância e no recurso interposto e, logo, que o valor da dívida a garantir será agora menor.
Como referido na decisão recorrida, aquele processo de impugnação, porém, não tem ainda decisão definitiva, com transito em julgado, por ter sido interposto recurso. Anote-se que contrariamente ao que alega, os presentes autos não correm por apenso aquele processo de impugnação.
Argumenta ainda que o valor de mercado dos bens é muito superior ao valor da dívida a garantir. Trata-se, todavia de uma mera alegação, nada tendo demonstrado nesse sentido, ou seja, quanto ao real valor de mercado dos bens oferecidos em garantia, não tendo comprovado o excesso.
Nos termos do nº 2 do artigo 183º CPPT, a garantia pode ser levantada logo que no processo de impugnação em que se discute a legalidade da liquidação tenha decisão favorável ao garantido, com transito em julgado.
A lei no sentido de se exigir decisão definitiva é clara, dispensando mais esclarecimentos e explicações. Não merece, assim, censura a decisão recorrida na qual como vimos se decidiu: (…) «no caso em apreço, independentemente do sentido da decisão na primeira instância, a redução da garantia não pode ser equacionada pois a ação de impugnação em que se discute a legalidade da liquidação ainda não transitou em julgado, como já foi dito.
Apenas com o trânsito em julgado do Acórdão que vier a ser proferido no âmbito do processo de impugnação é que a garantia pode, eventualmente, ser levantada (cfr. artigo 183.º, n.º 2 do CPPT)».
Assim se concluindo que no caso dos autos e tal como decidido, a garantia prestada, só poderá ser levantada ou reduzida quando no processo que a determinou tenha transitado decisão favorável ao garantido nos termos do n.º 2 do artigo 183.º do CPPT.
Nada há, pois, a censurar à sentença recorrida que assim decidiu.
Termos em que o recurso interposto só pode improceder.
Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).
Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pela Recorrente, que ficou vencida.
Sumário/Conclusões:
No caso dos autos, a garantia prestada, só poderá ser levantada ou reduzida quando no processo que a determinou tenha transitado decisão favorável ao garantido nos termos do n.º 2 do artigo 183.º do CPPT.
III - Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente, que decaiu.
Lisboa, 18 de setembro de 2025
Susana Barreto
Lurdes Toscano
Luísa Soares
(em substituição) |