Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 3173/07.8BCLSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 09/11/2025 |
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Relator: | LUÍS BORGES FREITAS |
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Descritores: | EXECUÇÃO DE SENTENÇA ANULAÇÃO DE ATO DE HOMOLOGAÇÃO DA LISTA DE CLASSIFICAÇÃO FINAL DE CONCURSO EXTERNO DE INGRESSO CAUSA LEGÍTIMA DE INEXECUÇÃO |
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Sumário: | I - A passagem da Exequente à situação de reforma impossibilita em absoluto o cumprimento do acórdão exequendo pois existe uma impossibilidade jurídica de fazer incidir uma avaliação sobre quem já não reúne os requisitos de participação no concurso em que essa avaliação se integra. II - Essa absoluta impossibilidade jurídica de retomar o procedimento consubstancia causa legítima de inexecução do acórdão exequendo. III - Do regime previsto no artigo 178.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos resulta que no presente processo executivo o que se pode arbitrar é, apenas, a indemnização devida pelo facto da inexecução. IV - No caso dos autos o dano da perda do direito à execução do acórdão anulatório corresponderá apenas à perda de oportunidade; a oportunidade de obter a reconstituição do concurso e por via dela alcançar – eventualmente - um dos lugares que lhe dariam a pretendida nomeação como auxiliar de ação médica. V - Como vem sendo reafirmado na nossa jurisprudência, não podendo quantificar-se com exatidão essa perda, é de fixar a indemnização segundo um juízo de equidade, de acordo com a previsão do artigo 566.º/3 do Código Civil. VI - Ainda que não existam parâmetros rígidos de apreciação, estão disponíveis alguns elementos idóneos para a formulação do exigido juízo equitativo. VII - No caso dos autos decorreram cerca de 14 anos entre o trânsito em julgado do acórdão exequendo e a passagem da Exequente à situação de reforma, ou seja, em cerca de 14 anos a Executada nada fez no sentido de o concurso ser reconstituído. VIII - Essa omissão, ainda que de natureza ilícita, deve relevar na formulação do juízo de equidade tendente à fixação da indemnização pelo facto da inexecução. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Substituição processual: Considerando o disposto no Decreto-Lei n.º 54/2024, de 6 de setembro, declara-se a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P., substituída, na sua posição processual, pela ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, I.P.. * Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul: I V....... intentou, em 26.10.2007, a presente ação executiva, que tem atualmente como Executada a ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, I.P., e como Interveniente Principal a L......., S.A. (anteriormente designada H......., S.A.). Pediu a execução do acórdão anulatório de 3.5.2007, proferido em 1.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo Sul. Considerou que essa execução deveria consistir na sua nomeação na categoria de auxiliar de ação médica, em lugar fora do quadro de pessoal do Hospital Condes de Castro Guimarães, com efeitos à data em que foram efetuados os provimentos decorrentes do concurso em causa, e no pagamento das retribuições correspondentes, a que acrescem juros de mora à taxa legal. * Tendo chegado aos autos a informação de que a Exequente se reformou em 2.7.2021, por despacho de 28.5.2025 foi determinada a notificação da Exequente e da Executada para, no prazo de 20 dias, acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução, nos termos do disposto no artigo 166.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. * Em 24.6.2025 a Exequente pronunciou-se sobre os critérios que entende deverem presidir à fixação da indemnização, informando ainda que não obteve qualquer resposta da Executada quanto à tentativa de acordo que desencadeou. II Com interesse para a decisão mostram-se assentes os seguintes factos: A. Através de aviso publicado em 29.3.2001 foi aberto concurso externo de ingresso para provimento de 12 lugares de auxiliar de ação médica do quadro de pessoal do Hospital Condes de Castro Guimarães (processo apenso); B. Por despacho de 24.1.2002 foi homologada a lista de classificação final (processo apenso); C. O concorrente posicionado em 12.º lugar obteve a classificação de 15,01 valores (processo apenso); D. A Exequente ficou posicionada em 15.º lugar, com a classificação de 14,79 valores (processo apenso); E. Interposto recurso hierárquico do despacho referido em B), o mesmo foi indeferido por despacho de 14.5.2002 do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde (processo apenso); F. Por acórdão de 3.5.2007 o Tribunal Central Administrativo Sul anulou os atos referidos em B) e E) (processo apenso); G. A referida anulação assentou nos seguintes fundamentos (processo apenso): a) Violação do princípio da imparcialidade por ter intervindo no concurso, como membro do júri, a madrasta da concorrente classificada em 6.º lugar; b) Violação dos artigos 22.º/1 e 2/c), 26.º e 36.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de julho, por ter sido utilizado apenas um único nível de valoração das habilitações académicas, por apenas ter sido considerado o tempo de serviço no fator experiência profissional e por este fator ter sido classificado numa escala de 5 a 12, não atingindo os 20 pontos; c) Violação do disposto no artigo 21.º/1 do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de julho, e do ponto 10.1/b) do aviso de abertura do concurso, por não terem sido aferidos os conhecimentos relativos aos direitos e deveres da função pública e deontologia profissional; H. O acórdão foi notificado às partes através cartas registadas enviadas em 4.5.2007 (processo apenso) I. e não foi objeto de recurso (processo apenso); J. A presente execução foi instaurada em 26.10.2007 (registo SITAF); K. A Exequente veio a reformar-se em 2.7.2021 (documento junto com o requerimento da Exequente de 28.3.2025); L. A Exequente não teve rendimentos nos anos de 2005, 2011 e 2014 (documentos juntos com o requerimento da Exequente de 24.7.2025), M. nem nos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018 (documentos juntos com o requerimento da Exequente de 24.6.2025). III 1. Como resulta da matéria de facto, por acórdão de 3.5.2007 o Tribunal Central Administrativo Sul anulou o ato de homologação da lista de classificação final do concurso externo de ingresso para provimento de 12 lugares de auxiliar de ação médica do quadro de pessoal do Hospital Condes de Castro Guimarães, bem como o ato de 14.5.2002 do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde através do qual indeferiu o recurso hierárquico interposto pela ora Exequente do ato homologatório. 2. A referida anulação assentou nos seguintes fundamentos: a) Violação do princípio da imparcialidade por ter intervindo no concurso, como membro do júri, a madrasta da concorrente classificada em 6.º lugar; b) Violação dos artigos 22.º/1 e 2/c), 26.º e 36.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de julho, por ter sido utilizado apenas um único nível de valoração das habilitações académicas, por apenas ter sido considerado o tempo de serviço no fator experiência profissional e por este fator ter sido classificado numa escala de 5 a 12, não atingindo os 20 pontos; c) Violação do disposto no artigo 21.º/1 do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de julho e do ponto 10.1/b) do aviso de abertura do concurso, por não terem sido aferidos os conhecimentos relativos aos direitos e deveres da função pública e deontologia profissional. 3. O invocado acórdão foi proferido em 1.ª instância e não foi objeto de recurso. Como decorre do disposto no artigo 173.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (versão original, à qual se reportarão todas as referências àquele código), «a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado», sendo que «o dever de executar deve ser integralmente cumprido no prazo de três meses» (artigo 175.º/1). 4. O que não sucedeu. Daí que em 26.10.2007 tenha sido instaurada a presente execução. 5. Ocorre que a Exequente veio a reformar-se em 2.7.2021. Esse facto impossibilita em absoluto o cumprimento do acórdão exequendo. Isto porque existe uma impossibilidade jurídica de fazer incidir uma avaliação sobre quem já não reúne os requisitos de participação no concurso em que essa avaliação se integra. Como se dizia no acórdão de 15.3.2019 do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 76/11.5BECBR, e que corresponde a jurisprudência consolidada, «os actos do procedimento não podem repetir-se apenas para se verificar se o Exequente seria provido (…), de forma a poder eventualmente reconstituir o que poderia ter sido a sua carreira até ao momento da aposentação». De facto, «para ser proferido um acto substitutivo do que foi anulado, necessário seria que o Exequente reunisse, à data da repetição, as condições pessoais para o efeito, quais sejam as de lhe ser possível ser candidato ao dito concurso, para aí ser avaliada a sua candidatura, o que não ocorre». 6. E essa absoluta impossibilidade jurídica de retomar o procedimento consubstancia causa legítima de inexecução do acórdão exequendo (vd. os artigos 163.º/1 e 175.º/ 1 e 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos). 7. Verificada a existência de causa legítima de inexecução, «o tribunal ordena a notificação da Administração e do requerente para, no prazo de 20 dias, acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução» (artigo 178.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos). O que foi feito, sem sucesso quanto à obtenção de tal acordo. Cabe, portanto, ao tribunal fixar esse montante (artigo 166.º/2, ex vi artigo 178.º/2 do referido código). 8. Do invocado regime previsto no artigo 178.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos resulta que no presente processo executivo o que se pode arbitrar é, apenas, a indemnização devida pelo facto da inexecução, pelo que – note-se - «“apenas poderão ser contemplados os danos que decorram de a sentença não poder ser executada”, ou seja, os danos pelo “facto da inexecução” e não os danos provocados pelo acto que tenha sido objecto de anulação (v. acórdãos deste STA de 20.11.2012, proc. 0949/12, de 07.05.2015, proc. 047307A e de 12.07.2017 proc. 0817/14)» (acórdão de 7.9.2023 do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 01327/06.3BCLSB). 9. Deste modo, o dano da perda do direito à execução do acórdão anulatório não compreende os alegados danos não patrimoniais, que a Exequente também reclama, «decorrentes da angústia e sofrimento por se ver desprovida de meios de sustento, para si e sua família» nos anos de 2005, 2011, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018, em que «esteve desempregada e sem direito a subsídio de desemprego». Isso mesmo, aliás, se entendeu no acórdão de 24.10.2013 do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 09220/12, tendo-se aí afirmado que os danos morais «não podem ser incluídos na indemnização aqui em causa, visto não se tratar de danos resultantes da perda do direito à execução». 10. No caso dos autos o dano da perda do direito à execução do acórdão anulatório corresponderá apenas à perda de oportunidade. A oportunidade de obter a reconstituição do concurso e por via dela alcançar – eventualmente - um dos lugares que lhe dariam a pretendida nomeação como auxiliar de ação médica. 11. Como vem sendo reafirmado na nossa jurisprudência, «não podendo quantificar-se com exactidão essa perda, é de fixar a indemnização segundo um juízo de equidade, de acordo com a previsão do art. 566, nº 3, do CCivil» (acórdão de 26.9.2012 do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0429A/03), norma essa na qual se dispõe que «[s]e não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados». 12. Ainda que não existam parâmetros rígidos de apreciação, estão disponíveis alguns elementos idóneos para a formulação do exigido juízo equitativo. 13. Vejamos as condições de êxito da ação executiva caso não se tivesse vindo a verificar a causa legítima de inexecução do acórdão anulatório. Era real a possibilidade de a Exequente vir a ser provida numa das vagas postas a concurso? A resposta terá de ser afirmativa. Na verdade, são diversos os vícios identificados no acórdão exequendo. A reconstituição do concurso exigiria, nomeadamente, a substituição de um dos membros do júri do concurso, uma nova forma de avaliação da experiência profissional e o alargamento da prova de conhecimentos aos temas relativos aos direitos e deveres da função pública e à deontologia profissional. 14. Em face das alterações procedimentais que o concurso reconstituído teria de registar face ao concurso realizado é evidente a possibilidade de virem a ocorrer alterações relevantes na lista de classificação final, nomeadamente, e como se disse, a entrada da Exequente nos primeiros 12 lugares. 15. Note-se, ainda, que a Exequente ficou classificada em 15.º lugar, com 14,79 valores, sendo que o classificado em 12.º lugar obteve 15,01 valores. A diferença é, pois, curtíssima. Portanto, a impossibilidade de executar o acórdão determinou, para a Exequente, a perda de uma oportunidade real. 16. Reconhecendo-se a possibilidade de êxito, qual a probabilidade de tal ocorrer? Desconhece-se em absoluto. Na verdade, não se poderá dizer que seria provável que a Exequente viesse a obter uma classificação que lhe conferisse o direito a ser nomeada, como não se poderá afirmar o contrário. Em suma, apenas poderemos dar como assente que existia a possibilidade de vir a ser nomeada para uma das 12 vagas postas a concurso. 17. Por outro lado, e como já foi reconhecido na nossa jurisprudência, o tempo decorrido também poderá ser elemento a ponderar no juízo de equidade tendente à fixação do montante indemnizatório (vd., entre outros, o acórdão de 25.9.2014 do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 01710/13). 18. No caso dos autos decorreram cerca de 14 anos entre o trânsito em julgado do acórdão exequendo e a passagem da Exequente à situação de reforma. Ou seja, em cerca de 14 anos a Executada nada fez no sentido de o concurso ser reconstituído. E dúvidas inexistiam sobre a necessidade de o fazer. Resta lembrar, aliás, que na contestação apresentada na presente execução a Entidade Executada reconhecia que deveria haver lugar à «reinstrução do processo de concurso pelo júri, por forma a colmatar os vícios que determinaram a anulação do acto recorrido, com posterior elaboração de nova lista de classificação final a sujeitar a homologação». No entanto, nada fez nesse sentido. 19. Essa omissão, como se disse, e ainda que de natureza ilícita, deve relevar na formulação do juízo de equidade tendente à fixação da indemnização pelo facto da inexecução. 20. Por outro lado, tenha-se presente que a Exequente não teve quaisquer rendimentos nos anos de 2011, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018, o que torna mais significativo o dano da perda do direito à execução do acórdão de 3.5.2007 do Tribunal Central Administrativo Sul. 21. Tudo ponderado, e segundo critérios de equidade, fixa-se em € 20.000 euros a indemnização a atribuir à Exequente pelo facto da inexecução do referido acórdão. IV Em face do exposto acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em fixar a indemnização devida pelo facto da inexecução no valor de € 20.000 (vinte mil euros), a pagar no prazo de 30 dias. Custas a cargo da Executada (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil). Lisboa, 11 de setembro de 2025. Luís Borges Freitas (relator) Rui Fernando Belfo Pereira Maria Helena Filipe |