Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 10161/25.0BELSB-S1 |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 09/18/2025 |
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Relator: | ANA CRISTINA CARVALHO |
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Descritores: | INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS CONVOLAÇÃO MEIO PROCESSUAL ADEQUADO ACÇÃO ADMINISTRATIVA |
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Sumário: | I – A utilização da acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias impõe que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito liberdade ou garantia sob pena de se considerar que não constitui o meio processual adequado. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - RELATÓRIO J…, M… e C…, Lda., inconformados com a decisão proferida em 15/07/2025 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou verificado erro na forma de processo e determinou a convolação da acção de intimação para direitos liberdades e garantias em acção administrativa, dela interpuseram recurso para o Supremo Tribunal Administrativo. Nas alegações de recurso apresentadas, os AA. formularam as seguintes conclusões: «1. A delimitação da questão e seu contexto, e a decisão do Tribunal a quo A) J…, 1.° recorrente, após cessar funções de 20 anos no grupo industrial português S…, prosseguiu em 2020 na vida activa, mas agora no exercício de uma actividade independente, empresarial, de consultoria, que elegeu exercer e desenvolver através de sociedade por si e seu cônjuge (2.a recorrente) constituída, a que foi dado o nome de C… Lda (3.a recorrente), e que teve por primeiro Cliente a S…, que tinha interesse em apoiar com os serviços de consultoria do seu ex-alto quadro a transição geracional em curso. B) A Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) entendeu porém que como tal actividade de consultoria poderia igualmente ser exercida a título individual, estaria vedado a J… eleger exercê-la através de sociedade, e vai daí imputa o rendimento da sociedade ao sócio e sujeita-o novamente a tributação, agora em sede de IRS. C) Contra a própria lei que dizia estar a aplicar (artigo 38.°, n.° 2, da LGT), fá-lo sem descontar/subtrair à nova tributação em IRS o IRC que esse mesmo rendimento tinha já suportado, e liquidando ainda juros punitivos à taxa de 19% ao ano sobre o montante de imposto assim já inflacionado, o que até ver permitiu já à AT/UGC a façanha de arrecadar em impostos e juros sobre esse rendimento montante superior a 100% do mesmo, montante correspondente a 106% do mesmo. D) Não satisfeita ainda com tudo isto, e o que se segue foi a gota de água que retirou este contribuinte do torpor passivo e submisso a que o sistema da justiça tributária o condenou (de longe o que, por falta de meios certamente, e deliberada falta de meios certamente também, pior funciona neste país, sendo o normal uma espera de 15 anos ou mais), a UGC acrescentou ainda a façanha mais que se segue. E) Perguntada pelo ingénuo contribuinte (1.° recorrente), conforme Doc. n.° 3 da PI, sobre se este podia então agarrar nos dinheiros na posse da sociedade (que a UGC tinha decretado ser afinal rendimento, não da sociedade, mas do sócio) sem temor de nova adição de tributação aos mesmos na sequência desse “agarrar” do mesmo, e utilizá-los na medida do que dessem para pagar a pesada conta de IRS e juros a 19% ao ano, F) a UGC recusou dar essa informação/confirmação (Doc. n.° 4 da PI) sobre o estatuto fiscal/consequência fiscal do agarrar nesses rendimentos (que ingenuamente pensava o contribuinte que só poderia ser nenhuma) para fazer face à conta fiscal que lhe foi apresentada pela UGC com respeito justamente a esses rendimentos. G) E com isso deixou a UGC (gratuitamente e sem explicação inteligível alguma) o contribuinte na incerteza e ignorância sobre se em continuação do saque fiscal a propósito destes rendimentos, não o elevaria ainda a UGC dos 106% actuais para uns ainda mais fantásticos 134% (o rendimento na totalidade + o equivalente a 34% do mesmo que o contribuinte teria ainda de arranjar para satisfazer o apetite tributário do Estado), inibindo fortemente com esta recusa de resposta (assustando, é a palavra) o contribuinte de mobilizar o valor dos rendimentos ainda na posse da sociedade para fazer face à pesada conta fiscal sobre os mesmos que lhe foi apresentada pela UGC em sede de IRS. H) Isto não é só um comportamento reprovável, imoral e amoral, sádico até, prepotente e próprio de quem é dono e senhora de uma máquina tributária repressiva que utiliza a seu bel prazer sem consequências de maior, e muitas vezes para não dizer a maior parte das vezes sem consequência alguma (são uma minoria os contribuintes capazes de suportar os custos de litigar impostos com uma espera de quinze anos e mais, e o processo de execução fiscal é um rolo compressor disruptor de qualquer actividade económica, designadamente quando penhora indiscriminadamente contas bancárias sem as quais nenhuma actividade empresarial ou a vida pessoal e familiar podem funcionar). I) Isto é, para além de tudo aquilo, um comportamento, uma actuação administrativa, que viola direitos, liberdades e garantias do administrado, e que viola de um modo intenso e preciso, fortemente caracterizado, por oposição a vago, genérico ou dubitativo. J) Donde a apresentação de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, com caracterização densificada dos factos do caso e das normas constitucionais e legais violadas, com demonstração da necessidade, nas circunstâncias concretas do caso, de uma célere decisão de mérito sobre a questão de saber se haverá ou não lugar a nova e adicional tributação na mobilização do rendimento na posse da sociedade, para a esfera e posse do sócio para que este possa assim utilizá-lo para suportar a conta de IRS e juros que recebeu em razão de tributação adicional sobre o mesmo, e com a demonstração de não se compadecer nem ser resolúvel a concreta situação em causa com o decretamento de uma providência cautelar. K) Assim não concluiu, porém, o Tribunal a quo, que começa por afirmar, com o que se discorda (mais sobre isso infra), que não teria sido identificado “qualquer direito, liberdade ou garantia ou direito fundamental de natureza análoga, cujo exercício pretendam ver assegurado mediante a prestação da referida informação”. L) Acrescenta o Tribunal a quo que “a eventual necessidade de mobilizar fundos para o 1.° e o 2.° Requerentes procederem ao pagamento da nota da cobrança de IRS não constitui um direito daquele tipo'’”, e os recorrentes concordam com esta conclusão mas têm de acrescentar que tal não defenderam também nem defendem (mais sobre isso infra). M) Mais acrescenta a decisão recorrida que não foi especificado porque necessitariam os Autores daqueles fundos/rendimento na posse da sociedade e se não disporiam de outros para acudir à necessidade de pagamento da liquidação de IRS resultante da tributação desse rendimento/fundos na posse da sociedade. N) Ao que se tem de responder que ainda que contra o expectável os cônjuges 1.° e 2.° Autores dispusessem de fundos à ordem dessa magnitude (cfr. Doc. n.° 2 da PI) - não rentabilizados portanto - mobilizáveis para o efeito, o ponto é que é censurável do ponto de vista de todas as garantias constitucionais e legais dos administrados face ao poder administrativo e à Administração Pública, e por conseguinte viola essas garantias, e bem assim o direito à informação, a UGC negar-se a precisar o estatuto fiscal de entrega de rendimento na posse da sociedade ao sócio, num contexto em que a transferência fiscal desse rendimento da sociedade para o sócio foi decretado pela própria UGC e é agora necessário suportar o IRS liquidado em consequência dessa transferência fiscal operada pela UGC. A má fé, a parcialidade, a ilegalidade, a iniquidade, desta recusa informativa da UGC, são de tal ordem conforme resulta do caso concreto, que é patente, mesmo perante a indeterminação de tais conceitos e garantias constitucionais referente à actuação da Administração Pública e respectiva utilização dos seus poderes, uma violação precisa, individualizada, inequívoca e fortemente caracterizada dos mesmos. O) Mais acrescenta o Tribunal a quo que nada impede a sociedade na posse desse rendimento de proceder a retenção na fonte quando da sua entrega aos sócios, e de seguida ir litigar essa retenção na fonte junto da AT e dos Tribunais. P) Pois não. Nada obsta a que os 1.° e 2.° Autores deliberem que a sociedade lhes entregará o rendimento na sua posse, para com o que dele resta após a primeira tributação em IRC já sofrida, se pagar ou ajudar a pagar a conta adicional em IRS de impostos e juros relativa a esse rendimento que já vai agora em 106% dos mesmos conforme supra. E por cima disto, como indica a decisão de que se recorre, realmente nada obsta a que a sociedade, 3.a Autora/Requrente, ponha a cabeça dos sócios ainda mais fundo no cepo onde a colocou a UGC, retendo na fonte quando da entrega desses rendimentos aos sócios, e fazendo com isso subir a conta tributária dos actuais 106% para 134% do rendimento tributado, e depois disso como sugere a decisão recorrida, a sociedade/sócios só terão de ir pela via normal com duração de 15 anos ou mais para litigar essas retenções na fonte que a própria sociedade decidiu fazer. Q) Nada obsta de facto a tudo isso. Mas faz isto algum sentido? É isto exigível ao contribuinte nas circunstâncias do caso, e a AT/UGC podem ficar cinicamente e impunemente a assistir como se não fosse nada com elas, após recusa de informar perante direito de pedir uma muito concreta informação fiscal que era e é mais do que razoável, recusa esta de prestar essa informação que se não vê onde se possa ancorar, e violação esta do dever de informar (e de cooperação, boa fé, etc.) que é particularmente grave nas circunstâncias do caso, uma vez que foi a própria AT/UGC quem criou com a sua liquidação de IRS a necessidade de aceder ao rendimento assim tributado mas na posse da sociedade, e uma vez que a necessidade de definição do estatuto fiscal desta acessão ao rendimento é uma consequência directa e imediata da correcção e liquidação adicional de imposto/IRS sobre o mesmo pela UGC? R) Mais julga a decisão recorrida que o meio próprio e adequado a satisfazer a necessidade dos recorrentes seria o pedido de informação vinculativa, vulgo PIV, cuja decisão é susceptível de recurso contencioso. S) Ao que se tem de responder a isto que (i) o PIV é apenas um e não a totalidade das vias de inquirir ou pedir clarificações à AT, e nada na lei impõe a sua utilização neste caso, T) a isto se tem de responder ainda que (ii) o contribuinte teve o cuidado de pedir a informação aqui em causa à entidade da inspecção tributária, a UGC, cujas correcções justamente geraram a necessidade dessa informação e, mais ainda, a informação e definição fiscal aí implicada é um prolongamento consequencial directo e imediato das correcções feitas por essa entidade inspectiva, a UGC (que considerou ser o rendimento do sócio e não da sociedade, donde a legítima pergunta e pedido de confirmação do contribuinte à UGC sobre se nada mais será tributado quando o sócio for buscar o rendimento à sociedade para pagar com ele o seu IRS), U) a isto se tem de responder ainda que (iii) a acção administrativa para discutir a decisão do PIV não responde à necessidade de decisão célere das circunstâncias deste caso (mais sobre isso infra), V) e a isto se tem de responder ainda que (iv) porque a definição fiscal implicada no pedido de informação em causa está imbricada de forma inextricável na correcção inspectiva, é directamente consequencial da mesma, o PIV é o menos adequado de todos os meios, pois a opção legislativa seguida na delimitação do mesmo foi a de que “[a]s informações vinculativas não podem compreender factos abrangidos por procedimento de inspecção tributária cujo início tenha sido notificado ao contribuinte antes do pedido” - artigo 68.°, n.° 3, da LGT”. W) Faz ainda alusão a decisão de que se recorre à curteza do pedido de informação dirigido pelos recorrentes à UGC (informação esta que ela recusou prestar). X) Os ora recorrentes fizeram um pedido de informação muito sintético e curto à UGC, porque de nenhuma contextualização esta carecia (conhecia-a toda, era da sua inteira e exclusiva autoria). Y) Finalmente, no que respeita à convolação pela decisão recorrida do meio processual “intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias” numa acção administrativa, a intenção do Tribunal a quo é boa, mas não resolve o principal problema dos ora recorrentes, que é a de terem uma decisão de mérito em tempo útil. O tempo aqui é da essência do pedido e causa de pedir Z) Ainda assim, porque a convolação é melhor que absolutamente nada (algum caminho, por pouco que seja, se trilhou já), se o presente recurso porventura falhar, e se mantiver a decisão de recusar o direito de utilizar nas circunstâncias do caso a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, os recorrentes não se opõem à referida convolação. AA) Mas antes dessa “solução” subsidiária que de solução tem pouco nas circunstâncias do caso, os recorrentes são do entender que a permissividade cria impunidade, a AT sabe-o e vai qual autocrata experimentando cada vez mais novos terrenos, outrora proibidos mas que com a repetição sem consequência de maior criam a habituação e a resignação na comunidade jurídica e nos contribuintes de que é mesmo assim que é suposto ser e funcionar e não há nada a fazer, BB) e mais entendem que é preciso reagir a este estado de coisas, e que há sementes e ferramentas mais do que suficientes na Constituição e na Lei para travar em tempo útil os comportamentos e exercício de poder mais vincadamente ultrajantes da AT. 2. A verificação dos pressupostos da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, contrariamente ao concluído pelo Tribunal a quo CC) Em primeiro lugar note-se que a lei, o artigo 109.° do CPTA, não restringe a individualização do direito, liberdade e garantia à Constituição, o que quer dizer, e a doutrina confirma-o, que pode resultar igualmente da lei (3- Cfr. Almeida, Mario Aroso de, e Cadilha, Carlos Alberto Fernandes, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4.a Edição, Almedina, págs. 882 e segs.; ou Almeida, Mario Aroso de, in Manual de Processo Administrativo, 2010, Almedina, págs. 138 e segs.). DD) Em todo o caso, como se verá em continuação, no caso resultam também da Constituição. EE) Em segundo lugar, o artigo 109.° do CPTA não restringe a sua aplicação apenas à violação de direitos (v.g., direito à informação e à cooperação no âmbito do vínculo jurídico-administrativo dirigido pela Administração Pública/Tributária), FF) mas estende-a também à violação de garantias (v.g., garantias de imparcialidade, boa fé, justiça, proporcionalidade, etc., na actuação da Administração Pública/Tributária perante os administrados). GG) Em terceiro lugar, não vale a pena pôr muita ênfase na distinção entre direitos e garantias, porque uma garantia pode facilmente ser perspectivada como um direito, e vice-versa (garantia/direito dos administrados a uma actuação da Administração Publica perante si respeitadora dos princípios constitucionalmente e legalmente previstos para o efeito). HH) Em quarto lugar, mesmo perante conceitos abertos, de tipo abrangente e indeterminado à partida, que impõem certos deveres comportamentais à Administração Pública na sua actuação perante os administrados, perante os destinatários da sua actividade, poder e autoridade, e por conseguinte conferem certas garantias aos destinatários dessa actividade, II) é possível no confronto com o caso concreto e as circunstâncias do mesmo, saber se há ou não violação suficientemente caracterizada ou nítida, suficientemente específica e individualizada, desses deveres e garantias constitucionais. JJ) Nos conceitos indeterminados, são os factos do caso que permitem o fechamento final da norma, permitindo com a sua luz, que ilumina o conceito legal, saber se o caso individual X cai ou não na protecção constitucional ou legal em causa - you konw it when you see it, o geral, abstracto e indeterminado da norma é compreendido concretizado (ou não) perante e à luz dos factos individuais e concretos do caso exterior à norma. KK) Há uma conformação constitucional da actuação da Administração Pública perante os administrados que consubstancia, no mínimo, garantias constitucionais destes perante a actuação do poder público-administrativo, que foram concretizadas pela nossa Constituição no seu artigo 266.°: LL) Ora, no caso concreto está-se perante uma situação suficientemente caracterizada e demonstrada de violação desses direitos e garantias dos administrados constitucionalmente impostos na relação e vínculo jurídico-administrativo entre a Administração Pública (incluindo a Tributária) e os administrados, incluindo os contribuintes ora recorrentes. MM) Com efeito, recorda-se que em sede de inspecção a UGC deu à relação jurídico tributária a seguinte conformação: o rendimento não é da sociedade, mas do sócio. E actuou em conformidade com esta conclusão, tributando em IRS o sócio (e também em desconformidade, abstendo-se de subtrair o IRC anteriormente liquidado sobre precisamente esse rendimento). NN) É apenas a continuação consequencial dessa actuação em conformidade com a conclusão de que o rendimento é do sócio e não da sociedade, retirar daí o corolário de que então a sua entrega pela sociedade ao sócio nenhuma tributação gera (pois se o rendimento é originariamente do sócio, a sua entrega nenhuma distribuição de dividendo pode configurar). OO) E por ser inextrincável este corolário, da correcção/conformação pela UGC de que o rendimento é originariamente do sócio e não da sociedade, porventura devia ele ter sido retirado por iniciativa da AT logo no seu Relatório de inspecção, sem necessidade de questionamento algum do contribuinte. PP) Não o fez porém a UGC, o que obrigou o contribuinte a perguntar por ele expressa e especificamente. A UGC recusou responder-lhe. QQ) Os factos e contexto factual deste caso revelam (mostram, iluminam) de modo suficientemente caracterizado e inequívoco, uma violação pela AT/UGC dos princípios constitucionais que conformam a actuação administrativa vertidos no artigo 266.° da Constituição, quando se recusa a responder ao pedido de informação/confirmação sobre este corolário das suas correcções/conclusões/actuação precedente. RR) Com efeito, esta gratuita e maldosa recusa de resposta significa que a AT se reserva o direito de nada definir a esse propósito deixando o contribuinte na incerteza e o seu legítimo interesse na clarificação desse ponto por satisfazer, não obstante esse ponto ser matéria inextrincável da actuação e conclusões precedentes da UGC (atribuir o rendimento originariamente ao sócio e não à sociedade) e não obstante a necessidade de definição do mesmo ser consequência directa e inextrincável dessa sua actuação e conclusões precedentes. SS) Estamos perante um dano gratuito e prepotente aos interesses e necessidades do contribuinte/administrado, e ao uso esclarecido por este do seu património, que legitimamente quer e carece para o efeito de uma definição para esse ponto-corolário da actuação precedente da AT, uma vez que essa actuação precedente lhe criou uma pesada dívida de imposto que agora tem de pagar e nada mais natural (e legítimo) que o faça com recurso ao rendimento de que resultou essa tributação mas que ainda se encontra na posse da sociedade (desconsiderada pela AT relativamente a esse rendimento). TT) Esta recusa de resposta da AT, com esta criação e manutenção artificial e injustificada de incerteza e de reserva para si da possibilidade de agir mais tarde em sentido diferente ao expectável em face da lógica dos factos, viola de forma suficientemente individualizada e reconhecível os direitos e garantias do administrado constitucionalmente conformadores da actuação da Administração Pública, vertidos no artigo 266.° da Constituição. UU) A começar pela exigência constitucional de respeito pelos direitos e interesses dos administrados legalmente protegidos (desde logo o direito à informação, sobretudo num caso destes, em que a necessidade da mesma foi causada pela actuação da AT, e que nenhum fundamento legítimo se vislumbra para adiar a sua satisfação). VV) E a acabar na exigência constitucional de respeito quando do exercício das funções de poder administrativas, pelos princípios da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé. WW) Com efeito, no contexto factual do caso constitui violação inequívoca e bem definida dos princípios conformadores da actuação da Administração Pública que constituem os direitos e garantias dos administrados destinatários da mesma, que são os princípios da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé, XX) a UGC/AT manter deliberadamente incompleta, parcial, a definição das consequências fiscais da sua actuação, omitindo aquilo que era do interesse e necessidade do contribuinte e consequencial à actuação da UGC, mesmo depois de lhe ter sido expressamente solicitado que preenchesse a definição em falta desse corolário inextrincável da sua precedente actuação e correcção tributária por si efectuada. YY) E viola também os princípios legais da razoabilidade, da colaboração recíproca e do direito à informação. ZZ) A violação de direitos e garantias constitucionais é, pois, marcada, de contornos fortemente caracterizados e inequívocos, a ponto de não poder haver dúvida sobre a existência no caso de uma violação de direitos liberdades e garantias previstos na Constituição, a carecer de protecção, para efeitos do artigo 109.° do CPTA, contrariamente ao concluído na decisão recorrida. AAA) E contrariamente também ao que algo conclusivamente julgou a decisão recorrida, a celeridade na emissão de uma decisão de mérito revela-se indispensável para assegurar em tempo útil o exercício/preservação/protecção desse direito ou garantia constitucionais. BBB) Com efeito, o contribuinte tem interesse legítimo em obter de imediato (e não daqui por 15 anos) a entrega desse rendimento na posse da sociedade, para com ele pagar o IRS que sobre ele (e nenhum outro rendimento) foi liquidado (cfr. a liquidação do IRS, valores a pagar por ela gerados e prazo de pagamento, no Doc. n.° 2 da PI). CCC) Com esta recusa de informação/clarificação por parte da AT dos efeitos fiscais dessa entrega do rendimento ao sócio por ele tributado, o pagamento do IRS sobre esse rendimento que ele faça com recurso a esse rendimento sem que esteja concretizada a definição da consequência fiscal da sua entrega ao sócio para esse efeito, cria uma situação de irreversibilidade fáctica susceptível de trazer pesadas consequências tributárias e contra-ordenacionais aos ora recorrentes, DDD) seja porque à cautela e na ignorância deliberadamente mantida pela AT sobre esses efeitos fiscais (sinal claro de que se reserva o direito de aumentar a expropriação fiscal), os recorrentes resolvem proceder a retenção na fonte sobre esse rendimento na sua entrega ao sócio diminuindo o montante disponível para fazer face ao IRS sob pagamento, quinze anos ou mais se passarão até que finalmente consigam eventualmente desfazer o aumento da expropriação desse rendimento dos actuais 106% para 134% (ver quadros supra), e gere-se a irreversibilidade fáctica de se tonar impossível usar tal parte do rendimento para pagar o IRS. EEE) Seja porque decidem nada reter na fonte sobre essa entrega do rendimento ao sócio tributado pela AT em IRS na sua esfera (preservando assim no máximo possível o montante disponível para pagar a liquidação de IRS sobre o mesmo), e criam irreversivelmente o risco de sanções contraordenacionais, imposto adicional e juros, quando finalmente a AT/UGC vier fazer cessar depois dos factos consumados (entrega do rendimento) a indefinição (o vazio informativo) que deliberadamente vem impondo até à data. FFF) Seja porque perante esta incerteza deliberadamente criada pela AT decidem não mexer por enquanto no rendimento que se encontra na posse da sociedade, não pagando em grande parte a liquidação de IRS e apresentando como garantia (hipoteca legal) para sustar a execução fiscal a sua casa de morada de família, como fizeram até à data (e é evidentemente do conhecimento da AT, que promoveu essa hipoteca legal, o que aqui se invoca nos termos e para os efeitos do artigo 74.°, n.° 2, da LGT), enquanto aguardam a clarificação pedida e até à data negada pela AT, criando-se com isso irreversivelmente o risco de terem de pagar a acrescer à dívida de imposto garantida, juros de mora que se vão acumulando a cada dia à taxa anual actualmente de 4,1545%. GGG) Dito de outro modo, pelos meios normais, isto é, não urgentes, uma condenação que fizesse cessar a violação pela AT dos direitos e garantias do administrado aqui em causa só seria possível daqui por dez ou quinze anos. Ou mais. HHH) Nessa altura será inútil aos recorrentes, virá tarde demais (se ainda cá estiverem), a posição que AT venha a exprimir relativamente à consequência fiscal da retirada do rendimento em causa (transferido pela AT da esfera fiscal da sociedade para a esfera fiscal do sócio), porquanto é agora, e não daqui por dez ou quinze anos, que os 1.° e 2.° Autores têm de pagar a nota de liquidação de IRS (cfr. o Doc. n.° 2 da PI) cuja dívida de imposto goza de privilégio de execução prévia (como todas as dívidas de imposto - cfr. artigos 148.° e segs. do CPPT). III) E por conseguinte é agora (e com urgência de que a AT cinicamente se desinteressa por completo) que precisam que a AT clarifique a consequência fiscal de usarem o rendimento tributado pela AT em IRS mas que se encontra na posse da sociedade, para fazer face ao pagamento do IRS que sobre esse rendimento a AT fez incidir. JJJ) A não-resposta da AT a este pedido de clarificação consequente à sua (AT) liquidação do IRS aqui em causa, é deplorável e intolerável, e está carregado de deslealdade e de deliberada criação de insanável insegurança, violando agressiva e intensamente, com muita nitidez, a lei conformadora da actividade da Administração Pública nos seus princípios e regras e fundamentais, vertidos no artigo 266.° da Constituição. KKK) E também se não vê que providência cautelar (artigo 112.° do CPTA) poderia ser decretada para sustar o dano que esta recusa de clarificação por parte da AT faz ao contribuinte. De suspensão de eficácia da sua não-resposta? Deixa tudo pior que na mesma. De condenação a que clarifique o que o contribuinte lhe pediu? Mas essa é justamente a questão, pelo que não é susceptível de resolução senão justamente através de uma acção a tanto dirigida. LLL) Dito de outro modo, como se expressa a doutrina acima citada este é um caso que não se compadece com uma regulação meramente provisória como é próprio das providências cautelares, do mesmo modo que discutir se uma manifestação marcada para a semana é ou não legal e admissível se não compadece com uma regulação provisória, uma vez que uma vez realizada (e no nosso caso, uma vez entregue o rendimento ao sócio), temos um facto consumado que é ele próprio o objecto principal da contenda (sobre o qual é urgente obter uma pronúncia definitiva sobe o mérito da questão que em seu redor se discute). MMM) Donde a necessidade/indispensabilidade da acção destes autos, de tramitação urgente, para protecção de direitos, liberdades e garantias, contrariamente ao concluído na decisão recorrida. NNN) Acção esta cujo atendimento do seu segundo pedido em especial, não é passível de discricionariedade alguma, está em causa matéria estritamente vinculada como se demonstrou supra no desenvolvimento das alegações, donde a admissibilidade nos termos do artigo 109.°, n.° 3, do CPTA, de sentença ou acórdão que produza os efeitos do ato devido. NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, CONSEQUENTEMENTE, SER ANULADA A DECISÃO RECORRIDA E JULGADA PROCEDENTE A INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS, E EM CONSEQUÊNCIA SER INTIMADO, E CONDENADO, O MINISTÉRIOS DAS FINANÇAS, E O ÓRGÃO AT NELE INTEGRADO: A) A RESPONDEREM CONCRETAMENTE, SEM EVASIVA, AO PEDIDO DE CLARIFICAÇÃO SOBRE O REGIME TRIBUTÁRIO A QUE SERÁ SUJEITA A RETIRADA DE RENDIMENTO NO MONTANTE DE € 900.000,00 OBTIDO EM 2020 E HOJE AINDA NA POSSE DA SOCIEDADE C… Lda, NIF 5… (3.° AUTOR), QUE FOI RETIRADO PELA AT DA ESFERA FISCAL DA IDENTIFICADA SOCIEDADE E TRANSFERIDO PARA A ESFERA DO SÓCIO J…, NIF 1… (1.° AUTOR), E AÍ TRIBUTADO EM SEDE DE IRS NA ESFERA DESTE E DO CÔNJUGE (2.° AUTOR); B) A EMITIREM RESPOSTA CONCRETA COM O SENTIDO E CONTEÚDO DE QUE NÃO PODE HAVER TRIBUTAÇÃO SOBRE O RENDIMENTO NA E PELA RETIRADA DESSE RENDIMENTO NA POSSE DA SOCIEDADE, UMA VEZ QUE RESULTOU DA CORRECÇÃO DA AT QUE NO PLANO TRIBUTÁRIO ELE NÃO É RENDIMENTO DA SOCIEDADE, ANTES É RENDIMENTO DIRECTAMENTE AUFERIDO, E TRIBUTADO PELA AT COMO TAL (LIQUIDAÇÃO DE IRS AO SÓCIO E SEU CÔNJUGE), PELO SÓCIO J…, OU EM ALTERNATIVA DECLARAR A SENTENÇA ISSO MESMO NOS TERMOS ADMITIDOS NO ARTIGO 109.°, N.° 3, DO CPTA. SE FOR ESSE O CASO, MAIS DEVE SER FIXADO UM PRAZO NÃO SUPERIOR A 10 DIAS PARA CUMPRIMENTO DO DETERMINADO PELO TRIBUNAL E O RESPONSÁVEL PELO MESMO, QUE SE PROPÕE SEJA O DIRECTOR DA UGC, NOS TERMOS DO ARTIGO 111.° DO CPTA E, EM CASO DE INCUMPRIMENTO, COMINAR-SE A APLICAÇÃO DE SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA, NOS TERMOS DO ARTIGO 169.°, TAMBÉM DO CPTA.» * A Recorrida Fazenda Pública optou por não contra-alegar. * Os requerentes, não se conformando com tal despacho, vieram O recurso foi dirigido ao Supremo Tribunal Administrativoe interposto como recurso ordinário de apelação, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 140.º e segs. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e do artigo 142.º, n.º 3, alínea a), para o Supremo Tribunal Administrativo. Foi admitido como recurso de apelação em processo civil, com efeito devolutivo e subida imediata e em separado, uma vez que o processo não foi findo por força do despacho recorrido, em conformidade com o disposto no artigo 143.º, n.º 2, al. a), e 147.º, n.º 1, in fine, do CPTA, aplicáveis ex vi do artigo 146.º, n.º 1, do CPPT, vindo o STA, por decisão sumária de 11/08/2025, a declarar-se hierarquicamente incompetente para conhecer do recurso declarando competente para o seu conhecimento a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, ao qual o processo foi remetido. * Neste TCA Sul, foram os autos com vista ao Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do artigo 288.º, n.º 1 do CPPT, tendo o Exmo. Procurador Geral Adjunto emitido parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. * Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Importa assim, decidir se a decisão recorrida: i) Incorreu em erro de julgamento ao julgar que não estão reunidos os pressupostos da admissibilidade da acção enquanto intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias; ii) Sendo a resposta negativa se é de convolar a acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias em acção administrativa. * III - FUNDAMENTAÇÃO Colhe-se dos autos o seguinte circunstancialismo processual: 1. Os requerentes apresentaram acção de intimação para prot4cção de direitos liberdades e garantias; 2. Por despacho de 15/07/2025 a acção foi convolada em acção administrativa. * Verificando que não estão reunidos os pressupostos para a admissão daquele meio processual, o Tribunal expressou o entendimento de que «existe um outro meio de defesa que se revela mais adequado à satisfação da pretensão dos Requerentes que constitui o pedido de informação vinculativa, dirigido ao dirigente máximo dos serviços da administração tributária, com carácter de urgência, ao abrigo do disposto no artigo 68.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, cuja decisão é susceptível de recurso contencioso autónomo, de acordo com o que se encontra expressamente previsto no artigo 68.º, n.º 20, da LGT, vulgo a acção administrativa, prevista nos artigo 35.º e seguintes do CPTA, de harmonia com o estatuído no artigo 191.º do CPTA, aplicável ex vi do artigo 146.º, n.º 1, do CPPT.» Sublinha que a informação vinculativa apenas se impõe à administração tributária, que não pode, em relação ao objecto do pedido, proceder em sentido diverso da informação que prestou, salvo em cumprimento de decisão judicial, nos termos do artigo 68.º, n.º 14, da LGT podendo os contribuintes visados proceder no sentido que entenderem ser legalmente devido, para além de lhes assistir ainda o direito de impugnar judicialmente os actos tributários que, entretanto, sejam emitidos, sobre a matéria em questão, nos termos dos artigos 99.º e seguintes do CPPT. Não obstante, conclui que não é possível convolar a acção num pedido de informação vinculativa dirigido ao dirigente máximo dos serviços da administração tributária, ao abrigo do disposto no art. 68.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, porquanto não é legalmente permitida aos tribunais a convolação de um processo judicial num procedimento administrativo, mas apenas noutro processo judicial. Ainda assim, pondera que «previamente à presente acção, os Requerentes dirigiram ao Director da Unidade dos Grandes Contribuintes um pedido de informação onde requereram, com urgência, a confirmação do enquadramento jurídico tributário que propuseram, relativamente aos factos que ali expuseram, ainda que o tenham feito de um modo muito sintético e imperfeito, já que não invocaram quaisquer disposições legais (cfr. pedido de informação, de fls. 260 a 262 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). Para além disso, constata-se que os serviços da administração tributária recusaram-se a proceder à referida confirmação, por considerarem, sem mais, que tal não se enquadra em nenhum mecanismo previsto nas normas tributárias e que a mesma poderia colocar em causa a indisponibilidade do crédito tributário e o princípio da descoberta da verdade material, disso notificando o 1.º e o 2.º Requerentes (cfr. ofício, de fls. 271 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido) (…) que foi na sequência dessa notificação que os Requerentes vieram intentar a presente acção, apresentando os mesmos factos e o mesmo enquadramento jurídico tributário desses factos, desta feita de uma forma mais desenvolvida e com o propósito de preencher os pressupostos da acção de protecção de direitos, liberdades e garantias, muito embora, quanto a este último aspecto, sem sucesso, como já se viu. (…) recai sobre os serviços da administração tributária o dever de colaboração ou de cooperação com os contribuintes, nos termos do art. 59.º, n.º 1, da LGT e do art. 48.º, n.º 1, do CPPT, impunha-se que esses serviços tivessem enquadrado o pedido dos Requerentes como um pedido de informação vinculativa, com carácter de urgência, ao abrigo do disposto no art. 68.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, ao invés de considerarem que o mesmo não se enquadrava em nenhum mecanismo previsto nas normas tributárias. Do mesmo modo, impõe-se a este Tribunal enquadrar aquele pedido como um pedido de informação vinculativa, com carácter de urgência, ao abrigo do disposto no art. 68.º da LGT e, concomitantemente, convolar a presente acção em acção administrativa, em observância do art. 97.º, n.º 3, da LGT e do art. 98.º, n.º 4, do CPPT, uma vez que nada obsta a essa convolação (…), a presente acção é tempestiva enquanto acção administrativa, já que foi intentada dentro do prazo mais curto, previsto para a acção administrativa de condenação à prática de acto administrativo devido (…)» Os requerentes, não se conformando com tal despacho, vieram interpor o presente recurso. Vejamos. Os recorrentes formularam os seguintes pedidos: a) Condenar o Ministério das Finanças, e o órgão AT que nele se integra, a responderem concretamente, sem evasiva, ao pedido de clarificação sobre o regime tributário a que será sujeita a retirada de rendimento no montante de € 900.000,00 obtido em 2020 e hoje ainda na posse da sociedade C… Lda, NIF 5… (3.º Autor), que foi retirado pela AT (em sede de correcções tributárias) da esfera fiscal da identificada sociedade e transferido para a esfera do sócio J…, NIF 1… (1.º Autor), e aí tributado ao invés em sede de IRS na esfera deste e do cônjuge (2.º Autor); b) Condenar o Ministério das Finanças, e o órgão AT que nele se integra a emitirem resposta concreta com o sentido e conteúdo de que não pode haver tributação na e pela retirada desse rendimento na posse da sociedade, uma vez que resultou da correcção da AT que no plano tributário o mesmo não é rendimento da sociedade, antes é rendimento directamente auferido, e tributado pela AT como tal (liquidação de IRS ao sócio e seu cônjuge), pelo sócio J…, ou em alternativa declarar a sentença isso mesmo. Os autores deduziram acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias através da qual pretendem que a Entidade Requerida seja intimada a responder ao pedido de clarificação sobre o regime tributário aplicável à situação de descreve, bem como a emitir resposta que especificam. Para melhor compreensão do sentido e do alcance das pretensões formuladas pelo requerente importa recordar o contexto alegado. O 1º requerente constituiu uma sociedade através da qual prestou serviços de consultadoria a outra sociedade, sendo esta a única cliente, por conta da qual desenvolveu funções durante cerca de 20 anos até à constituição da aludida sociedade. Teve lugar um procedimento interno de inspeção interna de âmbito parcial, com incidência em IRS com a natureza de comprovação e verificação, que incidiu sobre o ano 2020, dirigido aos requerentes J… e M…. No âmbito do referido procedimento concluíram os serviços pela «existência de uma construção realizada de forma não genuína, com abuso das formas jurídicas, erigida através de atos e/ou negócios jurídicos e cuja finalidade principal foi a obtenção de uma vantagem fiscal que frustrou o objeto e a finalidade do direito fiscal aplicável» que consideraram constituir fundamento para proceder à aplicação da norma legal antiabuso, prevista no n.° 2 do artigo 38.° da Lei Geral Tributária (LGT). Em resultado de tal entendimento, procederam a correcção à matéria tributável em sede de IRS, ao ano de 2020, apurada nos termos da alínea b) do n.° 1, do n.º 2 e do n.° 10 do artigo 28.° do Código do IRS (CIRS) e das normas do Código do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Coletivas, aplicáveis por remissão do artigo 32.° do CIRS, bem como, uma correcção ao imposto relativo a tributações autónomas, apurado nos termos das alíneas a) e b) do n.° 2 do artigo 73.° do CIRS. Dito de outro modo, concluiu a AT pela existência de uma construção desprovida de substância económica, cuja finalidade principal foi a obtenção de uma vantagem fiscal que frustrou o objeto e a finalidade do direito fiscal aplicável, erigida pelo sujeito passivo José Paredes. Os 1ºs autores dirigiram à Unidade de Grandes Contribuintes (UGC) requerimento a solicitar «a confirmação de que da "retirada" de 900.000,00 €, da sociedade (3.º requerente) C… Lda, NIF 5…, ðara entrega aos seus sócios (1.° requerente) J…, NIF 1…, e (2.° requerente) M…, NIF 1…, "nenhuma tributação mais poderá haver", e assim possam efetuar o pagamento da liquidação de IRS emitida na sequência do procedimento inspetivo que decorreu ao abrigo da ordem de serviço n.° O1202400132.» Em resposta, foram informados de que não era possível prestar tal informação, e que apenas «é passível de confirmar que, ao abrigo da ordem de serviço n.º O1202400132, não serão mais realizados atos de inspeção e, consequentemente, não poderão haver propostas adicionais de tributação ao abrigo deste procedimento sobre os sujeitos passivos supra identificados.» Alegam que a sociedade que prestou os serviços em causa foi tributada em sede de IRC, que por via da requalificação da situação operada em consequência da acção inspectiva, aos requerentes foi emitida uma liquidação de IRS a qual planeiam pagar com o valor recebido pela sociedade por referência à mesma prestação de serviços, daí que pretendam «saber se o crédito existe ou será susceptível de existir» e daí pedirem à AT que clarifique: a retirada da sociedade do rendimento que a AT considerou ser afinal do sócio e não da sociedade, é susceptível ou não de gerar mais tributação ainda, mais créditos tributários ainda?». Mais alegam que se se conclui que o «rendimento é do sócio e não da sociedade, retirar daí o corolário de que então a sua entrega pela sociedade ao sócio nenhuma tributação gera (pois se o rendimento é originariamente do sócio, a sua entrega nenhuma distribuição de dividendo pode configurar).» Os Recorrentes insurgem-se contra a decisão, sustentando que se mostram reunidos os requisitos da acção de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, atenta a clara violação por parte da AT dos princípios constitucionais que conformam a sua atuação, ao ter-se recusado a definir a situação dos rendimentos tributados em sede de IRC e que a mesma considerou tratar-se de rendimentos sujeitos a tributação na esfera jurídica dos sócios, motivo pelo qual os Recorrentes carecem de tutela urgente dos seus direitos, por não terem meios financeiros para fazer face à liquidação que foi realizada em sede de IRS. Tutela que no seu entendimento não é assegurada de forma eficaz pela acção administrativa porquanto «virá tarde demais (se ainda cá estiverem)» e que «será inútil aos Autores, a posição que AT venha a exprimir relativamente à consequência fiscal da retirada do rendimento em causa (transferido pela AT da esfera fiscal da sociedade para a do sócio), porquanto é agora, e não daqui por dez ou quinze anos, que os 1.º e 2.º Autores têm de pagar a nota de liquidação de IRS.» E terminam pedindo a revogação da decisão recorrida e que em sua substituição seja julgada procedente a acção de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias. Dispõe o artigo 109.º, n.º 1 do CPTA (na redacção dada pela Lei n.º 118/2019, de 17/9): «[a] intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar”. Conforme resulta da citada norma, a utilização da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) É necessário que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito liberdade ou garantia; b) a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é o meio adequado quando se conclua que a decisão a proferir pelo juiz num processo principal não urgente não é apta, nem chegaria a tempo de aplicar a justiça que a protecção de um direito, liberdade ou garantia exige; e, c) caso fosse decretada a tutela cautela, na situação concreta, estar-se-ia perante uma pronúncia definitiva, ou seja, perante uma situação de antecipação ilegítima da decisão de mérito. Vejamos o caso dos autos. Insurgem-se os recorrentes com a decisão, no segmento em que o Tribunal considera que «não teria sido identificado “qualquer direito, liberdade ou garantia ou direito fundamental de natureza análoga, cujo exercício pretendam ver assegurado mediante a prestação da referida informação”.» Para o efeito alegam que procederam à «caracterização densificada dos factos do caso e das normas constitucionais e legais violadas, com demonstração da necessidade, nas circunstâncias concretas do caso, de uma célere decisão de mérito sobre a questão de saber se haverá ou não lugar a nova e adicional tributação na mobilização do rendimento na posse da sociedade, para a esfera e posse do sócio para que este possa assim utilizá-lo para suportar a conta de IRS e juros que recebeu em razão de tributação adicional sobre o mesmo, e com a demonstração de não se compadecer nem ser resolúvel a concreta situação em causa com o decretamento de uma providência cautelar.» Desde já se adianta que não lhes assiste razão, conforme veremos. O Tribunal fundamentou a sua decisão no seguinte: «Com efeito, para que este meio processual seja o adequado é, desde logo, necessário que seja invocada a existência de um direito, liberdade ou garantia constante do catálogo dos direitos fundamentais, previsto no título II, da parte I, da Constituição da República Portuguesa (CRP), ou um direito fundamental de natureza análoga àqueles, por força do preceituado no art 17.º da Lei Fundamental (vide acórdão do STA, de 02.10.2024, processo n.º 02227/21, e os acórdãos do TCAS, de 19.03.2024, processo n.º 2054/22, e, de 24.04.2024, processo n.º 4885/23). Para além disso, é necessário que não exista outro meio processual disponível para assegurar o exercício do direito em questão em tempo útil, tratando-se, por isso, de um meio processual de carácter subsidiário, face aos demais meios processuais disponíveis (vide acórdão do STA, de 02.10.2024, processo n.º 02227/21, e os acórdãos do TCAS, de 19.03.2024, processo n.º 2054/22, e, de 24.04.2024, processo n.º 4885/23). Contudo, os Requerentes não identificam qualquer direito, liberdade ou garantia ou direito fundamental de natureza análoga, cujo exercício pretendam ver assegurado mediante a prestação da referida informação. Neste sentido, impõe-se aqui fazer notar que o eventual direito à não tributação da transferência de um determinado montante monetário, da esfera jurídica do 3.º Requerente para a esfera jurídica dos 1.º e 2.º Requerentes, na sequência de uma correcção efectuada pelos serviços da Entidade Requerida aos rendimentos tributáveis destes últimos, em sede de IRS, não constitui um direito daquele tipo. De igual forma, a eventual necessidade de mobilizar fundos para o 1.º e o 2.º Requerentes procederem ao pagamento da nota da cobrança de IRS não constitui um direito daquele tipo, não sendo sequer, minimamente, especificada em que medida é que os mesmos dispõem ou não de outros fundos, para procederem a esse pagamento, nem a razão pela qual necessitam daquele montante.» Quanto à questão de «a eventual necessidade de mobilizar fundos para o 1.° e o 2.° Requerentes procederem ao pagamento da nota da cobrança de IRS» não constituir um direito daquele tipo, os recorrentes concordam com esta conclusão, acrescentando que tal não defenderam, nem defendem. Contrapõem que «o ponto é que é censurável do ponto de vista de todas as garantias constitucionais e legais dos administrados face ao poder administrativo e à Administração Pública, e por conseguinte viola essas garantias, e bem assim o direito à informação, a UGC negar-se a precisar o estatuto fiscal de entrega de rendimento na posse da sociedade ao sócio, num contexto em que a transferência fiscal desse rendimento da sociedade para o sócio foi decretado pela própria UGC e é agora necessário suportar o IRS liquidado em consequência dessa transferência fiscal operada pela UGC. A má fé, a parcialidade, a ilegalidade, a iniquidade, desta recusa informativa da UGC, são de tal ordem conforme resulta do caso concreto, que é patente, mesmo perante a indeterminação de tais conceitos e garantias constitucionais referente à actuação da Administração Pública e respectiva utilização dos seus poderes, uma violação precisa, individualizada, inequívoca e fortemente caracterizada dos mesmos.» Ora, como se depreende, a alegação de todas as garantias constitucionais e legais dos administrados face ao poder constitui uma alegação genérica. No entanto, sempre se dirá que a censurabilidade da situação não constitui fundamento para se desvirtuar as regras a que obedecem os meios processuais, nem constituem justificação para introduzir-lhes excepções. Não obstante, pode constituir fundamento para o pedido de decretamento de providência cautelar caso na pendência da acção administrativa se perspective a intenção da AT liquidar tal imposto que os recorrentes consideram atentatória da legalidade, o que desde logo, afasta a aplicabilidade do meio processual pretendido. Foi precisamente para obstar a que os recorrentes tivessem a necessidade de recorrer à tutela cautelar que o Tribunal considerou como o meio mais adequado a convolação nos termos supra já descritos, na medida em que, ao qualificar o pedido dirigido pelos recorrentes à AT como pedido de informação vinculativa (urgente), tendente a ver clarificada a situação tributária dos requerente, permite que o Ministério das Finanças até ao termo do prazo de que dispõe para a contestação possa revogar a decisão e reapreciar a questão, ou mantê-la. Conforme se retira dos artigos 18.º e 19.º da petição inicial, os recorrentes invocaram que: «Esta recusa de responder é manifesta e agressivamente ilegal, ofendendo direitos e garantias básicos e fundamentais dos contribuintes em geral, e destes em particular (…) a AT “está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo”, conforme lhe é imposto pelo artigo 56.º da LGT.» No caso, a AT não deixou de dar resposta, nos termos da qual a unidade orgânica a que os recorrentes se dirigiram, no fundo respondeu que, no âmbito das suas competências orgânico funcionais apenas poderiam declarar que da acção de inspecção de que os primeiros recorrentes foram alvo, não resultariam outros actos de liquidação, nada podendo responder relativamente a outros sujeitos passivos não abrangidos na referia acção, por tal poder constituir violação do princípio da indisponibilidade do crédito tributário. Como facilmente se percebe, os recorrentes acabam por admitir que não está em causa um direito, liberdade ou garantia, ainda que de natureza análoga, pois não os identificam, como refere o Tribunal recorrido, estando antes em causa uma actuação da AT que consideram desproporcional e violadora dos princípios da boa fé, da colaboração recíproca, da justiça e da razoabilidade e da imparcialidade (artigo 266.º da Constituição, artigos 8.º, 9.º e 11.º do CPA e artigo 55.º da LGT). Concretizando a actuação que consideram ilegal, invocam no artigo 31.º da pi que «é inaceitavelmente injusto e irrazoável não esclarecer o contribuinte sobre aquele ponto fulcral para a organização financeira da sua vida com vista a pagar a liquidação de IRS em causa; e a esquiva a esse esclarecimento é manifestação de parcialidade e falta da isenção quando toca a ter em conta os legítimos direitos e interesses do contribuinte.» De facto, a acção administrativa não responde à necessidade de decisão célere, no entanto, se não tem por base a ofensa de um direito abrangido pelo artigo 109.º do CPPT, não estão preenchidos os requisitos para a admissibilidade do referido meio processual a que acresce que a celeridade pode ser alcançada pela tutela cautelar, como já referido. Ora, nada do que alegam e concluem em sede de recurso permite infirmar a conclusão a que chegou a juíza a quo, no sentido de que, na petição, nada alegou, como é seu ónus, sobre a existência de um direito fundamental que considera ameaçado. Assim sendo, claudicando o primeiro pressuposto, ainda que invoque factos que em tese poderia ser susceptíveis de integrar o requisito da necessidade e da indispensabilidade em obter uma decisão célere e definitiva para assegurar em tempo útil o exercício de um direito que não possa ser salvaguardado pela tutela cautelar, estes não são suficientes para se considerar que o meio utilizado pelos recorrentes é o adequado por lhe faltar o primeiro requisito indispensável. E não colhe o argumento de que a solução determinada pelo Tribunal recorrido dá, de imediato, à AT pretexto para nada responder porque o assunto se prende com a inspecção tributária realizada de onde resultou a imputação desse rendimento ao sócio, porquanto, estando em causa uma acção administrativa de condenação à prática do acto devido, embora ao Tribunal esteja vedado substituir-se ao Ministério das Finanças na concretização da situação tributária dos recorrentes, por se poder perspectivar que tal pode envolver a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, a que acresce que da apreciação do caso concreto pode não ser possível identificar apenas uma solução como legalmente possível. No entanto, caso não seja possível determinar o conteúdo do acto a praticar, o tribunal não deixará de explicitar as vinculações a observar pela administração na emissão do acto devido, conforme lhe impõe o artigo 71.º do CPTA. Também não colhe o obstáculo o alegado de que o pedido de informação vinculativa «é o menos adequado de todos os meios, pois a opção legislativa seguida na delimitação do mesmo foi a de que “[a]s informações vinculativas não podem compreender factos abrangidos por procedimento de inspecção tributária cujo início tenha sido notificado ao contribuinte antes do pedido” - artigo 68.°, n.° 3, da LGT”.» Desde logo, pela configuração dos factos alegados pelos recorrentes, não se trata de uma informação vinculativa sobre situação abrangida por procedimento de inspecção tributária nos termos delimitados na citada norma porquanto, o que os recorrentes pretendem é a definição da situação tributária da passagem de valores que se encontram na esfera da sociedade para a esfera dos sócios, tendo por pressuposto as conclusões do relatório de inspecção de que foram alvo. Portanto, não está em causa informação vinculativa sobre a qualificação na esfera dos 1.º e 2.º recorrentes do rendimento pago pela prestação de serviços à sociedade S... que integrou o âmbito da aludida acção de inspecção, donde improcede também tal alegação. Improcede, pois, o recurso, ao que se provirá no segmento dispositivo. * IV – CONCLUSÕES I – A utilização da acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias impõe que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito liberdade ou garantia sob pena de se considerar que não constitui o meio processual adequado. V – DECISÃO Termos em que, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 18 de Setembro de 2025. Ana Cristina Carvalho - Relatora Isabel Silva – 1.ª Adjunta Rui Ferreira – 2.º Adjunto (em substituição) |