Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 576/20.6BEALM |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 06/05/2025 |
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Relator: | ANA CRISTINA CARVALHO |
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Descritores: | CESE 2019 |
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Sumário: | ![]() |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, as Juízas que compõem a 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – Relatório S… - Sociedade de Distribuição de Gás Natural, S.A., com os demais sinais nos autos, veio interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) no montante de € 1 267 189,28, referente ao ano de 2019 (cf. documento n.º 9144766), contra o acto de liquidação de juros n.º 2019 47, no montante de € 1 842,63 (cf. documento n.º 2019 9144767, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões: «A. A S... não exerce qualquer actividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da electricidade, pelo que em nada contribui para o problema da dívida tarifária do SEN, não beneficiando, pois, de nenhuma forma directa ou especial, da actividade do Estado exercida no âmbito do problema em causa (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE). B. Não tendo qualquer relação com a dívida tarifária do SEN, a S... não contribuiu ou beneficiou das circunstâncias que geraram esse problema, pelo que não tem também relação com o consequente desequilíbrio orçamental que o Estado português assumiu como objectivo anular ou atenuar (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE) – e que, em rigor, constituiu o único objectivo da CESE, não só em 2014, ano a que respeitam os actos tributários cuja declaração de ilegalidade se requer, mas também até ao momento. C. A Recorrente não é parte da causa de tal desequilíbrio, nem retirará da actuação estadual nesse aspecto qualquer benefício que não seja partilhado, em princípio na mesma medida, por todos os particulares. D. Relativamente ao financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético, que o legislador também inscreveu formalmente como justificação da CESE, não se conhecem, com um grau mínimo de probabilidade objectiva, passados quase três anos do início de vigência do tributo, qual a natureza, o conteúdo e a importância das mesmas, razão pela qual nunca poderemos dar por demonstrada a sua indispensabilidade e, portanto, que os sujeitos passivos do tributo poderão em princípio, alguma vez, ser efectivos beneficiários de uma ou mais das políticas em causa. Ora, se não conseguimos para já vislumbrar uma probabilidade séria desse efectivo benefício, tem de ser dar por não provado enquanto comprovado o benefício potencial ou presumido. E. Aliás, mesmo que pudéssemos estabelecer uma ligação entre um benefício decorrente das políticas em questão e a actividade das empresas energéticas que não actuam no sector da produção de electricidade – no qual se gerou o problema da dívida tarifária e o consequente desequilíbrio orçamental –, sempre essa ligação seria insuficiente para assegurar a legitimidade da CESE, na medida em que aquelas empresas continuariam a suportar um tributo cuja receita (a restante receita) é afecta a um objectivo com o qual nada têm a ver (a redução da dívida tarifária do sector electroprodutor) e a um outro cuja solução beneficia de igual modo, geral e indiscriminadamente, todos os particulares – para além de ser ele próprio, em parte, uma consequência daquela dívida tarifária (a consolidação orçamental). F. De tudo isto sobra que o único objectivo do tributo à luz do qual a sua exigência à Recorrente é perceptível (ainda que não juridicamente sustentável) é o objectivo do financiamento das despesas gerais do Estado e da consolidação das contas públicas, um desiderato tipicamente prosseguido através dos tributos unilaterais. G. Tanto assim é que, desde o início de vigência do tributo, esse foi o único objectivo prosseguido efectivamente pelo Estado com a receita da CESE: dos autos resulta que aquela receita não foi afecta à redução da dívida tarifária do SEN, porque a parte respectiva nunca chegou a ser transferida, para esse efeito, para o Fundo, nem a qualquer outra política tendente à sustentabilidade do sector energético. H. Em face do exposto, a CESE não cabe no campo dos tributos bilaterais ou sinalagmáticos (taxas ou contribuições financeiras), por não respeitar o princípio da equivalência: os montantes exigidos não o são para o exercício de uma actividade do Estado de que os sujeitos passivos concretamente em causa beneficiem (directa ou indirectamente, efectiva ou presumivelmente, de modo suficientemente distinto da generalidade dos particulares não abrangidos pela incidência do tributo), não sendo sequer possível dizer que a actividade a financiar é originada, específica ou genericamente, pela daqueles sujeitos passivos. I. A CESE é, pois, um verdadeiro imposto – um imposto especial sobre alguns operadores de um sector de actividade específico, em razão da sua alegada capacidade contributiva particular. J. A CESE é um imposto materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, subprincípio em que se concretiza no campo dos impostos o princípio constitucional da Igualdade (artigo 13º da Constituição), porque a sua base de incidência subjectiva atinge contribuintes que pouco ou nada têm a ver com os fins declarados da “contribuição” (não são de todo beneficiados com as actividades estaduais que a receita pretende financiar nem deram origem aos problemas que aquela é suposto colmatar) – designadamente todos aqueles que não actuam no âmbito do sector da produção de electricidade, como é caso da ora Recorrente. K. Vista como um imposto sobre o rendimento, a CESE viola ainda o princípio da capacidade contributiva por, ao ter como base objectiva o valor dos activos das empresas abrangidas, constituir uma aproximação indirecta ou presumida aos lucros das mesmas – uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: com efeito, a CESE permite ao Estado apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma, ou uma colecta igual ou superior aos lucros efectivamente obtidos, caso em que representará uma taxa de 100% ou mais de tributação do rendimento e, nessa medida, um imposto confiscatório. L. Além disso, a CESE tem um efeito de dupla tributação e sobreposição ao IRC que é inaceitável, acentuado pela decisão do legislador de impedir que aquela seja dedutível em sede do referido imposto, o que define com especial clareza a violência do tributo e a sua inconstitucionalidade, mesmo se considerado como um imposto sobre o património ou uma contribuição financeira, pelo menos por violação do princípio da proporcionalidade. M. E, na verdade, a CESE apresenta problemas inultrapassáveis também ao nível do respeito devido pelo princípio da proporcionalidade, o qual é violado, em primeiro lugar, na sua dimensão de idoneidade ou adequação, porque a CESE não é um instrumento tendente a resolver o problema da dívida tarifária do SEN – um dos objectivos legislativamente declarados da medida, ao qual é consignado uma parte importante da respectiva receita: não se trata de uma medida que possa assegurar a eliminação ou sequer uma atenuação séria, estrutural, dessa dívida tarifária (mediante uma alteração das regras vigentes em que assenta a sua existência), mas antes, simplesmente, de uma fonte de receita obtida a fim de o Estado continuar a assegurar o objectivo político central quanto à matéria em causa, ou seja, proteger os consumidores finais de electricidade do esforço de redução da dívida tarifária, impedindo o aumento dos preços em medida pelo menos aproximada à exigida por aquela redução. N. Neste sentido, a CESE é uma medida inócua e indiferente, tendo por referência a sua aproximação ao fim visado, e até contraproducente, porque produz o efeito negativo de adiar a resolução dos desequilíbrios do SEN e, assim, prolongar e acentuar o problema. O. Depois, a CESE viola o princípio da proporcionalidade também porque é consignada em parte ao financiamento de políticas sociais e ambientais no mesmo ano em que, por exemplo e desde logo, foi reduzida a taxa de IRC em dois pontos percentuais, perdendo-se uma receita pública, já existente, que poderia obviamente servir para aquele fim (não está, assim, cumprida a dimensão da necessidade ou exigibilidade em que assenta a regra da proporcionalidade), P. e ainda porque, apesar de os objectivos declarados do legislador serem importantes, nunca poderão ser considerados como pretextos suficientes para justificar o prejuízo económico e patrimonial que a CESE inflige nos seus sujeitos passivos, ainda para mais de modo tão violador do princípio da igualdade: na incidência, lembre-se, são incluídas entidades – como a S... – que pouco ou nada têm a ver com as causas dos problemas que suscitaram a criação do tributo ou que pouco ou nada beneficiarão, directa e especialmente, com a solução de tais problemas (desrespeita-se, assim, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito ou do equilíbrio). Q. A Sentença a quo deveria, pois, ter decidido no sentido da desaplicação dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da CESE, aqueles que concretizam as violações da Constituição arguidas nos autos. Não o tendo feito, incorre em vício de violação de lei, devendo por isso ser revogada.» Pede a final que o recurso seja julgado procedente, com a anulação da sentença recorrida. A Recorrida, Fazenda Pública, optou por não contra-alegar. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal Central, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. A fls. 533 foi proferido Acórdão por este TCAS, que negou provimento ao recurso. Interposto recurso jurisdicional para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15/11, o aludido recurso jurisdicional foi julgado procedente e em consequência, por Acórdão n.º 197/2024, datado de 12/03/2024, proferido no Processo n.º 303/2023, cujo dispositivo se transcreve « a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição, a norma contida no artigo 2.º, alíneas d) e e), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural e, bem assim, as que sejam titulares de licenças de distribuição local de gás natural (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, na sua redação atual); e, consequentemente, b) conceder provimento ao recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade.» * Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, importa decidir, reformando a decisão em conformidade com o citado Acórdão do Tribunal Constitucional e com o juízo de inconstitucionalidade. * II – Delimitação do objecto do recurso Na sequência da interposição do recurso jurisdicional o Tribunal Constitucional julgou padecer a norma contida no artigo 2.º, alíneas d) e e), do regime jurídico da CESE, vigente no ano de 2019, de inconstitucionalidade por violação do artigo 13.º da CRP, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do activo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas colectivas que integram o sector energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, na redação em vigor em 2019). Em face do que se dispõe no artigo 80.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15/11 (Lei do Tribunal Constitucional), impõe-se a reforma do Acórdão proferido nos autos, por forma a acolher o juízo proferido pelo Tribunal Constitucional que julgou padecer a norma contida no artigo 2.º, alíneas d) e e), do Regime Jurídico da CESE, vigente no ano de 2019, de inconstitucionalidade. * III – FUNDAMENTAÇÃO III. 1 – Fundamentação de facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: « A. A Impugnante é uma sociedade anónima, com sede em território nacional, que exerce atividade no âmbito do aprovisionamento e distribuição de gás natural e outros gases combustíveis canalizados (cf. facto não controvertido constante no artigo 37.º da petição inicial e artigo 2.º da contestação). B. A 17.10.2019, a Impugnante efetuou a autoliquidação da CESE, respeitante ao ano de 2019, apurando um montante a pagar de € 1.267.189,28 (cf. fls. 380/398 [5/6] do SITAF). C. A 11.11.2019, foi emitida a liquidação de juros de mora n.º 201900000236866, no montante de € 1.842,63, relativa à CESE do ano 2019, com data limite para pagamento a 30.12.2019 (cf. fls. 380/398 [8] do SITAF). D. Foram instaurados os processos de execução fiscal (PEF) n.ºs 3530 2019 01170350 e 3530 202001000454, para cobrança da CESE da Impugnante, respeitante ao ano de 2019 (cf. fls. 200/205 [2] do SITAF). E. A 20.12.2019 e 18.02.2020, a Impugnante prestou garantia para suspensão dos PEF’s mencionados na alínea antecedente (cf. fls. 200/205 [2] do SITAF). F. A 02.03.2020, a Impugnante apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas em B) e C), cujo procedimento correu termos sob o n.º 3530 2020 04000714 (cf. fls. 208 a 383 do SITAF). G. A 30.06.2020, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação mencionada na alínea que antecede (cf. fls. 400/413 [14] do SITAF). H. A 01.07.2020, foi emitido o ofício n.º 2186, da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Setúbal, dirigido aos Ilustres Mandatários da Impugnante pelo qual se comunicou o indeferimento da reclamação graciosa n.º 3530 2020 04000714 (cf. fls. 416/420 [3/5] do SITAF). I. A 2.10.2020, foi apresentada neste Tribunal, via SITAF, a presente ação (cf. fls. 4 do SITAF). * 1. (único) Não resultou provado nos presentes autos que a Impugnante tenha efetuado o pagamento dos montantes correspondentes às liquidações mencionadas em B) e C) da matéria de facto provada. Não se provaram quaisquer outros factos alegados que, passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das várias possíveis soluções de direito, importe registar como não provados.» * Consta ainda da sentença o seguinte: «O Tribunal fundou a sua convicção na análise dos documentos e informações oficiais constantes do processo administrativo, que não foram impugnados, para os quais se remete no final de cada alínea e que, pela sua natureza ou qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal, bem como no teor da posição expressa pelas partes nos respetivos articulados, conjuntamente com o princípio da livre apreciação da prova. Relativamente ao facto “não provado” resulta da falta de prova documental carreada para os autos.»
III. 2 – Apreciação do recurso A liquidação aqui em causa diz respeita à Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), referente ao ano de 2019, autoliquidação essa efectuada nos termos do n.º 7 do artigo 7.º da criada pelo artigo 228.º Lei n.º 83-C/2013 de 31/12 (Orçamento do Estado para 2014) e alterado pelo artigo 238.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31/12 (Orçamento do Estado para 2015), pela Lei n.º 33/2015, de 27/4, pela Lei n.º 42/2016, de 28/12 (Orçamento do Estado para 2017) e pela Lei n.º 71/2018, de 31/12 (Orçamento do Estado para 2019) que manteve em vigor a CESE para o ano de 2019, em causa nos presentes autos. Nos presentes autos foi proferido Acórdão por Tribunal que negou provimento ao recurso, acolhendo a jurisprudência constante no Acórdão n.º 539/2015, do Plenário do Tribunal Constitucional, 20/10/2015 e n.º 7/2019, de 08/01/2019, no Acórdão prolatado pelo STA, no processo n.º 0994/20.0BEPRT datado de 18/05/2022 e Acórdãos deste TCAS nos processos n.ºs 322/19.7BEALM, 775/16.5BEALM, 536/17.4BEALM, 648/18.7BEALM, , 323/19.5BEALM, 601/19.3BEALM. Na sequência da interposição do recurso jurisdicional o Tribunal Constitucional julgou padecer a norma contida no artigo 2.º, alíneas d) e e), do regime jurídico da CESE, vigente no ano de 2019, de inconstitucionalidade por violação do artigo 13.º da CRP, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do activo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas colectivas que integram o sector energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, na redação em vigor em 2019). Em face do que se dispõe no artigo 80.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15/11 (Lei do Tribunal Constitucional), impõe-se a reforma do Acórdão proferido nos autos, por forma a acolher o juízo proferido pelo Tribunal Constitucional que julgou padecer a norma contida no artigo 2.º, alíneas d) e e), do Regime Jurídico da CESE, vigente no ano de 2019, de inconstitucionalidade. Tendo presente o exposto, procede-se à aludida reforma, com apelo à fundamentação jurídica ali consagrada, e que se extrata na parte que releva e se transcreve: «(…) Constitui, pois, objeto do recurso a norma contida no artigo 2.º, alíneas d) e e), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (alínea d)) e, bem assim, (alínea e)) as que sejam titulares de licenças de distribuição local de gás natural (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, na sua redação atual). (…) Segundo jurisprudência constante deste Tribunal, um tributo tem a natureza de contribuição financeira quando, cumulativamente, tiver como pressuposto uma relação bilateral entre uma entidade pública e um grupo homogéneo de sujeitos − que se presumem causadores ou beneficiários de determinadas prestações administrativas −, e quando tiver por finalidade angariar receitas destinadas a compensar os inerentes custos ou benefícios presumivelmente gerados ou aproveitados pelos elementos desse grupo (v. os Acórdãos n.ºs 539/2015, 7/2019, 344/2019 e 268/2021, bem como a jurisprudência aí citada). Tal como se sintetizou no Acórdão n.º 268/2021: «14. […] O critério de distinção das contribuições financeiras em relação às demais categorias tributárias assenta, portanto, no tipo de relação jurídica que se estabelece entre o sujeito passivo e os benefícios ou utilidades que para este decorrem do tributo (critério estrutural, pressuposto), com especial destaque para a incidência e a natureza do aproveitamento esperado (geral, difuso, concreto, efetivo ou presumido). A contribuição financeira emerge, deste modo, como um tributo coletivo, fixado em função do grupo, pela utilização ou utilidade singular meramente presumida, numa relação de bilateralidade genérica. O mesmo é dizer que a qualidade de sujeito passivo de uma contribuição financeira não pressupõe a compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito, sendo a pertença ao grupo identificado pelo legislador condição necessária e suficiente para tal.» Uma adequada conformação normativa, em especial, das regras que definem a incidência subjetiva, objetiva e as finalidades de um tributo deste tipo deve, pois, tornar apreensível o necessário nexo entre a ação pública e os seus destinatários, que permita afirmar a existência, não apenas de uma homogeneidade de interesses, mas sobretudo de uma responsabilidade de grupo, que justifica que sobre os sujeitos que o integram – e não sobre toda a comunidade – recaia a respetiva ablação patrimonial. Ora, na sua configuração inicial, a CESE destinava-se, não apenas a acudir à premente resolução do problema do défice tarifário do SEN, mas principalmente a financiar políticas do setor energético de cariz social e ambiental, ações de regulação e medidas relacionadas com a eficiência energética (…) a partir de 2018, se encontravam previstas as prestações públicas que a CESE se destinava a financiar, obstam a que se possa firmar o necessário nexo entre tais prestações e o grupo dos sujeitos passivos que exercem as atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, a que diz respeito a norma sindicada no presente recurso. Em primeiro lugar, tornou-se evidente que, por imposição legal, a maior parcela da receita se destinaria, a partir desse momento, a reduzir a dívida tarifária do setor elétrico, sem que sejam claras as razões pelas quais o legislador teve por adequado exigir a operadores não integrados nesse subsetor que participassem nos encargos daí advenientes, quando lhes não deram causa alguma, nem se vê que daí extraiam um especial benefício. Cabe notar que a mera circunstância de todos os operadores integrarem o «setor energético» não é manifestamente suficiente para afirmar que exista uma responsabilidade de grupo do subsetor do gás natural pelos encargos respeitantes a um problema específico do subsetor da energia elétrica. Embora seguramente exista alguma homogeneidade de interesses e interdependência entre os vários operadores do mercado energético, são diferentes as condições em que estes operam e bem assim os problemas de sustentabilidade que a propósito de cada um se colocam. Tanto assim que o próprio regime jurídico da CESE, desde as alterações introduzidas em 2015, passou a afetar ao SNGN uma parte da receita do tributo − a que é exigida aos comercializadores do SNGN, titulares de contratos de aprovisionamento de longo prazo −, com o intuito de prevenir os «desequilíbrios sistémicos» próprios deste subsetor. O que daqui se depreende é que não há motivo algum para fazer correr por conta das empresas concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural encargos associados à redução da dívida tarifária do setor elétrico. Nem há razão nenhuma para supor que a prevenção dos riscos associados à instabilidade tarifária no setor elétrico aproveita em especial medida aos operadores dos demais subsetores − não se podendo admitir como contraprova a suposição de que um tal benefício advém, como que obliquamente, da circunstância de boa parte das empresas credoras da dívida tarifária serem grandes consumidoras de gás natural. Acresce que o regime não define critérios que imponham que uma parte relevante da receita da CESE se mantenha afeta ao financiamento de medidas tendentes a favorecer os interesses de todos os operadores económicos incluídos no seu âmbito de incidência subjetiva (e não isentos). Pelo contrário, na prática, é confiada ao Governo a possibilidade de, em função dos «objetivos que se revelem mais prementes», afetar toda a receita da CESE à redução da dívida tarifária do setor elétrico – ou seja, ao financiamento de prestações públicas de que os operadores do setor do gás natural não podem, como se viu, presumir-se causadores ou beneficiários. Por fim, ainda que um terço da receita da CESE tivesse sido consignado ao «financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética», a circunstância de as tarefas que o tributo se destina a financiar não terem sido objeto de densificação mínima, não permite sequer apreender se e em que medida cada um dos subsetores em causa é visado pelas medidas a adotar pelo FSSSE. De facto, mesmo em tais condições – estritamente hipotéticas −, não se poderia presumir que um terço da receita da CESE tivesse sido destinado a medidas de que seriam especiais beneficiários os operadores do subsetor do gás natural, de modo a garantir um certo equilíbrio na participação pelos subgrupos de operadores dos benefícios presumivelmente proporcionados pelo FSSSE. A jurisprudência constitucional tem enfatizado que, em matéria de contribuições financeiras, o legislador tem o ónus de delimitar, com precisão, a base de incidência subjetiva do tributo. A este respeito, afirmou-se no Acórdão n.º 344/2019 o seguinte: «Nesta última espécie de tributos – contribuições – o princípio da equivalência vincula o legislador a definir o universo de sujeitos passivos que se presume provocar ou aproveitar a prestação administrativa. Não podendo dar-se por seguro que cada um dos concretos sujeitos passivos provoca ou aproveita a prestação pública – como ocorre nas taxas – exige-se que o legislador isole os grupos de pessoas às quais estejam presumivelmente associados custos e benefícios comuns. Assim, o princípio da equivalência projeta-se na estruturação subjetiva do tributo através do recorte de um grupo de pessoas que tem interesses e qualidades em comum, que tem responsabilidades na concretização dos objetivos a que o tributo se dirige, e que a prestação tributária seja empregue no interesse dos membros grupo. A propósito destes “requisitos de legitimação” dos tributos de estrutura bilateral grupal refere Sérgio Vasques que “só a provocação de custos comuns e o aproveitamento de benefícios comuns garantem a homogeneidade capaz de legitimar a sobretributação de um qualquer grupo social ou económico no confronto com o todo da coletividade, mostrando-se discriminatória uma contribuição cobrada na sua falta” (O Princípio da Equivalência como Critério da Igualdade Tributária, Almedina, pág. 528).» Ora, a partir de 2018, o legislador reduziu os objetivos a que a CESE se dirige em termos tais, que deixou de ser possível afirmar que as concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural podem ser consideradas responsáveis pela sua concretização, e muito menos presumíveis causadoras ou beneficiárias das prestações públicas que ao FSSSE incumbe providenciar. Resta, pois, concluir que a norma que integra o objeto do presente recurso viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição. […]” (sublinhados acrescentados). A constelação argumentativa subjacente ao Acórdão n.º 101/2023 foi, ainda, desenvolvida em declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 296/2023 pelo Senhor Juiz Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro: “[…] 1. O principal argumento aduzido no presente aresto para refutar a fundamentação do Acórdão n.º 101/2023 – que relatei −, o qual julgou inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, as normas do regime jurídico da CESE para o ano de 2018 que determinam a incidência do tributo sobre as entidades concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, é o de que «nunca o artigo 4.º, n.º 2, do Decreto Lei n.º 55/2014, de 9 de abril [que criou o FSSSE] (…) estabeleceu uma regra de afetação da receita da CESE a determinadas despesas do Fundo de Sustentabilidade do Setor Energético (…)». A proceder, o argumento atinge a razão essencial para o juízo de inconstitucionalidade firmado no Acórdão n.º 101/2023 – a de que, de acordo com o regime de consignação que consta do diploma que criou o FSSE, ao passo que, «na sua configuração inicial, a CESE destinava-se, não apenas a acudir à premente resolução do problema do défice tarifário do SEN, mas principalmente a financiar políticas do setor energético de cariz social e ambiental, ações de regulação e medidas relacionadas com a eficiência energética», «os termos em que, a partir de 2018, se encontravam previstas as prestações públicas que a CESE se destinava a financiar, obstam a que se possa firmar o necessário nexo entre tais prestações e o grupo dos sujeitos passivos que exercem as atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural», uma vez que, em apertada síntese, «a maior parcela da receita se destinaria, a partir desse momento, a reduzir a dívida tarifária do setor elétrico» e, «na prática, é confiada ao Governo a possibilidade de, em função dos “objetivos que se revelem mais prementes”, afetar toda a receita da CESE à redução da dívida tarifária do setor elétrico». Porém, o argumento do presente aresto é improcedente. A consignação da receita da CESE a determinadas despesas do FSSSE foi estabelecida logo na versão originária do diploma que criou este último, resultando inequivocamente da conjugação do artigo 11.º do regime jurídico da CESE, constante do artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, com os artigos 2.º e 4.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril. Com efeito, o citado artigo 11.º dispõe, sob a epígrafe «consignação», que «a receita obtida com a contribuição extraordinária do setor energético é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE) (…)», determinando simultaneamente o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2014 que os «objetivos» do FSSSE são o «financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental (…)» e a «redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN) (…)», e o n.º 2 do artigo 4.º do mesmo diploma que «as verbas do FSSSE devem ser alocadas de acordo com a seguinte ordem de prioridade: a) [c]obertura de encargos decorrentes [do financiamento de políticas do setor energético] no montante correspondente a dois terços da receita; [e] b) [c]obertura dos encargos decorrentes da realização do objetivo de [redução da dívida tarifária do SEN] no montante remanescente». É bem certo que, como se salienta no presente aresto, o FSSSE tem outras receitas para além da CESE e que a alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto Lei n.º 55/2014 limitava a um valor máximo de 100 milhões de euros a regra de afetação de dois terços das verbas do Fundo ao financiamento de políticas do setor energético. Mas nenhum destes argumentos complementares infirma o juízo de que a CESE se encontrava consignada, em proporções fixas e diversas, aos dois objetivos do FSSSE. Por um lado, as demais receitas do FSSSE, que constam das alíneas b) a e) do artigo 3.º do diploma que o criou – a saber: dotações legais, rendimentos de aplicações, o produto de doações, heranças e legados ou outras receitas atribuídas por lei ou negócio jurídico −, são relativamente insignificantes, não constando sequer que se tenham materializado em medida alguma desde que o FSSSE foi criado. Com efeito, como notam José Casalta Nabais e Marta Costa Santos, “Contribuição Extraordinária do Setor Energético: Um Imposto Sob Outro Nome”, Revista Portuguesa de Direito Constitucional, n.º 2, 2022, p. 54, «[a] CESE é a única receita do Fundo que se encontra verdadeiramente prevista (…)». Por outro lado, compulsando a conta geral, verifica-se que a receita total da CESE atingiu, nos vários anos de vigência do tributo, valores pouco superiores ao limite máximo de afetação de dois terços das verbas do FSSSE ao objetivo de financiamento das políticas do setor energético – o que era mais do que previsível, tendo em conta a simplicidade das regras de incidência objetiva do tributo −, pelo que não se pode duvidar que a alteração das proporções de afetação das verbas e a atribuição ao executivo da prerrogativa de determinar até ao montante de um terço qual a percentagem a usar no financiamento das políticas setoriais, ambas operadas em 2018, implicou uma modificação de grande monta no regime financeiro do tributo, descaracterizando a sua natureza como contribuição financeira para as entidades que operam no setor do gás. Assim se argumentou, com desenvolvimento, no Acórdão n.º 101/2023. 2. Resta-me fazer duas observações adicionais sobre o presente aresto. A primeira diz respeito a uma putativa «relação entre a dívida tarifária e o conjunto do setor energético no âmbito do controlo da homogenia de grupo», fundada na verificação de que «o mercado de gás natural» está «em situação de completa dependência da produção de energia elétrica e das condições de atividade dos respetivos operadores», ao ponto de se afirmar que «metade do gás natural transportado, distribuído ou armazenado por empresas em Portugal nestes anos [de vigência da CESE] não era mais do que “eletricidade em potência”». Ainda que se concedam – arguendo – os factos invocados e, o que é coisa bem diversa, os corolários deles inferidos, cabe notar que as contribuições financeiras se destinam a compensar prestações administrativas que, pese apenas se poderem presumir provocadas ou aproveitadas pelos sujeitos passivos, são efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo grupo homogéneo a que aqueles pertencem. Sendo certo que, ao contrário das taxas, as contribuições não implicam uma relação de comutatividade entre o sujeito passivo e a prestação administrativa, não deixam de implicar, como é bom de ver, um nexo «paracomutativo» entre o conjunto dos sujeitos e a atividade da administração – razão pela qual se diz amiúde destes tributos que consubstanciam verdadeiras «taxas grupais». Em suma, a presunção refere-se ao sujeito passivo – a quem o tributo é cobrado−, não ao grupo homogéneo – o totum que aquele integra. Em virtude dessa sua natureza, «[a]s modernas contribuições não visam compensar prestações que se dirijam ao sujeito passivo de modo “indireto” ou “reflexo”, da maneira que se pode dizer que as grandes obras públicas beneficiam os terrenos circundantes. O que [as caracteriza] é o estarem voltad[a]s à compensação de prestações de que só presumivelmente se pode dizer causador ou beneficiário o sujeito passivo» (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina, 2018, p. 257). Ora, suponho que seja uma evidência que a dívida tarifária do setor elétrico não foi provocada pelo setor do gás, nem a sua redução beneficia o conjunto dos operadores integrados neste setor de modo efetivo ou direto – antes constituindo, quando muito, um benefício presumido a partir de determinadas contingências. Daí a afirmação, no Acórdão n.º 101/2023, de que «não há motivo algum para fazer correr por conta das empresas concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural encargos associados à redução da dívida tarifária do setor elétrico. Nem há razão nenhuma para supor que a prevenção dos riscos associados à instabilidade tarifária no setor elétrico aproveita em especial medida aos operadores dos demais subsetores − não se podendo admitir como contraprova a suposição de que um tal benefício advém, como que obliquamente, da circunstância de boa parte das empresas credoras da dívida tarifária serem grandes consumidoras de gás natural». A segunda observação prende-se com a argumentação aduzida a propósito da não dedutibilidade da CESE como encargo tributário no âmbito do IRC. Diz-se no presente aresto que, se a lei fiscal admitisse tal dedução, gerar-se-iam os seguintes efeitos perniciosos: por um lado, «o tributo ficaria desprovido de boa parte do seu alcance contributivo efetivo, cingindo-se, da perspetiva do sujeito passivo e em parte, a um mero efeito de transferência entre fontes de despesa»; por outro, «penalizaria operadores com lucros mais baixos ou que apresentassem resultados negativos», o que aproximaria a contribuição de «um imposto sobre o rendimento das empresas de caráter regressivo». Tenho dificuldade em acompanhar estes raciocínios. Quanto ao primeiro, sendo inegável que – como se afirma numa passagem do Acórdão n.º 301/2021, citada no presente aresto − «se o encargo da CESE pudesse ser deduzido ao lucro tributável de modo a reduzir a coleta de IRC, o impacto financeiro deste tributo para os sujeitos passivos poderia ser efetivamente menor», não é menos verdade que daí resulta – prossegue imediatamente o texto original, já não citado no presente aresto − «um agravamento do montante de IRC a pagar», o que «poderá convocar o princípio da igualdade, na medida em que que se entenda que este exige a consideração de todos os encargos tributários suportados pelas empresas na determinação da sua real capacidade contributiva (ou do lucro [rendimento] real a que se refere o artigo 104.º, n.º 2, da Constituição)». Ora, quanto a esta questão − não apreciada no Acórdão n.º 301/2021, por se ter entendido que extravasava o objeto do recurso – não creio que no presente aresto se adiante coisa nenhuma. O problema da compatibilidade da regra da não dedutibilidade com o princípio da tributação pelo rendimento real fica, pois, ainda por resolver, sem prejuízo de se reconhecer que a jurisprudência constitucional vem admitindo, em diversos domínios de incidência daquele princípio, a sua derrogação em razão de interesses públicos atendíveis de sentido contrário. Quanto ao segundo raciocínio, o de que a dedutibilidade do encargo com a CESE no âmbito do IRC poderia ter um «efeito regressivo», penalizando «operadores com lucros mais baixos ou que apresentassem resultados negativos», creio bem que incorre numa petição de princípio. Com efeito, constituindo a CESE um tributo bilateral, e não um imposto, o tertium comparationis relevante para aferir da igualdade na distribuição dos encargos não é a capacidade contributiva, mas a equivalência jurídica – no caso das contribuições financeiras, a presunção de que o sujeito passivo provoca ou aproveita determinadas prestações administrativas. Os montantes a pagar de taxas e contribuições variam, pois, em razão da tendencial desigualdade das prestações, não da capacidade contributiva dos sujeitos. Dizer-se que a dedutibilidade fiscal da CESE pode ter um «efeito regressivo» é partir-se desde logo do princípio de que não é um custo dedutível, uma vez que o apuramento do rendimento real das entidades sujeitas a IRC – o índice da sua capacidade contributiva – implica que aos seus rendimentos brutos tenham sido subtraídos os custos em que incorreram no exercício considerado. O que a recorrente alega é que a CESE é um verdadeiro custo para os sujeitos passivos de IRC e, nessa medida, um elemento a ter necessariamente em conta na determinação do seu «rendimento real». Ora, a questão que se coloca é precisamente a de saber se a CESE pode deixar de ser concebida como um custo – e, sendo-o, como justificar a sua não dedutibilidade em matéria de liquidação do imposto sobre o rendimento. […]” (sublinhado acrescentado). Em síntese, a linha jurisprudencial traçada pelo Acórdão n.º 101/2023 assenta na ideia de que “[…] as alterações operadas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, ao regime de afetação das verbas do FSSSE, ao qual se encontra consignada a receita da CESE, descaracterizaram o nexo paracomutativo entre certa categoria de sujeitos e as finalidades do tributo a tal ponto que deixou de ser possível, uma vez entrado em vigor o novo quadro legal, fundamentar a oneração do seu património no princípio da equivalência. Para tais sujeitos, pois, a CESE passou a constituir, em virtude de tal alteração de regime, um verdadeiro imposto, sem que o mesmo encontre respaldo algum no princípio da capacidade contributiva” (cfr. declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 338/2023 pelo Senhor Juiz Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro). 2.3. A transposição do juízo de censura jurídico-constitucional afirmado no Acórdão n.º 101/2023 para a norma em causa nos presentes autos não prescinde de duas breves notas de autónoma fundamentação. 2.3.1. Em primeiro lugar, sublinha-se que os fundamentos do Acórdão n.º 101/2023 merecem integral acolhimento na presente situação. A conclusão ali alcançada – de que, para as entidades concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, dissolveram o nexo com as finalidades do tributo, transformando o tributo num imposto, no que a tais entidades respeita – vale, por identidade de razão, para as entidades titulares de licenças de distribuição local de gás natural (sendo que a recorrente tem ativos correspondentes a ambas as categorias) e vale para o os tributos liquidados por referência ao exercício económico de 2019, com idênticos fundamentos, porquanto o regime instituído por aquele decreto-lei se manteve inalterado durante tal período. 2.3.2. Em segundo lugar – e corresponde à outra nota a sublinhar –, não obstaria ao juízo de inconstitucionalidade o entendimento que, por maioria, se afirmou no recente Acórdão n.º 338/2023, desta 1.ª Secção. Efetivamente, nesta decisão (e ao contrário da posição que se encontra no Acórdão n.º 296/2023, da 2.ª Secção) não se toma posição quanto à descaracterização do tributo na sequência das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro – apenas se conclui que “[…] em relação à CESE 2018, o problema não se coloca […]”, em suma, por “[…] a situação que gera a obrigação de pagar o tributo em questão [ser] a detenção pelos sujeitos passivos de determinados ativos, incidindo a CESE sobre o valor dos elementos do ativo dos sujeitos passivos reconhecidos na respetiva contabilidade (nos termos do artigo 3.º), com referência a 1 de janeiro de cada ano […]” e por “a autoliquidação da CESE ocorre[r], por regra, até ao final do mês de outubro”, pelo que não haveria, sequer, lugar à invocação de “[…] expetativas jurídicas que sejam dignas de tutela nos termos do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa […]” à data da publicação daquele diploma (dezembro de 2018). Sucede que tais reservas levadas ao Acórdão n.º 338/2023 se aplicam apenas ao ano de 2018, perdendo pertinência a partir de 2019, uma vez que, no início deste ano, já vigorava o Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, pelo que, mesmo que se aceitasse que a questão se poderia colocar no plano de “[…] expetativas jurídicas que sejam dignas de tutela nos termos do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa”, a inevitável conclusão seria da sua verificação e frustração. Tanto basta para concluir que, seja por via da posição maioritária que conduziu ao Acórdão n.º 338/2023, desta 1.ª Secção, seja por via da posição minoritária expressa nas respetivas declarações de voto, o recurso sempre seria procedente.» Atento o juízo de inconstitucionalidade do artigo 2.º, alíneas d) e e), do Regime Jurídico da CESE, por violação do artigo 13.º da CRP, decretado nos moldes expendidos supra, implica que a liquidação impugnada fique sem suporte normativo, o que determina a sua anulação. E assim sendo, importa conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e em consequência julgar procedente a impugnação, com a consequente anulação do acto tributário impugnado. * Importa por fim, apreciar o pedido de reembolso do imposto e condenação no pagamento de juros indemnizatórios, e bem assim a indemnização para prestação indevida de garantia formulados nos pontos (iv) e (v) formulados na petição inicial. A recorrente formulou os aludidos pedidos nos seguintes termos: « (iii)o reembolso do montante do imposto autoliquidado que tenha sido ou venha entretanto a ser pago; (iv) em caso de efectivo pagamento do imposto, a declaração do direito da Impugnante ao pagamento de juros indemnizatórios por parte da AT, de acordo com o princípio estatuído nos artigos 43º e 100º da LGT; (v) a declaração do direito da Impugnante ao pagamento da indemnização prevista nos artigos 53º da LGT e 171º do CPPT em virtude da prestação indevida de garantia para suspensão do processo executivo instaurado para cobrança coerciva do montante não pago voluntariamente;» A condenação de a recorrida à restituição depende da prova de que o tributo foi pago, o que não sucede no caso dos autos. Não resultando provado o pagamento do tributo, não pode proceder o aludido pedido. Tanto mais que os pedidos forma apresentados de forma condicional. O mesmo sucede com o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios. Destinando-se os juros indemnizatórios a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária, conforme resulta do disposto no artigo 43.º da LGT, o pagamento do tributo constitui pressuposto do reconhecimento do referido direito. Inexistindo nos autos a prova de que tenha sido efetuado o pagamento da liquidação anulada, encontra-se tal pedido votado ao insucesso. No que se refere ao pedido de indemnização por prestação indevida de garantia, resulta demonstrada a prestação de fiança no âmbito dos processos de execução fiscal nº 3530201901170350 e 3530202001000454, respeitantes à cobrança coerciva da CESE e juros de mora aqui em causa. No entanto, importa sublinhar que, ainda assim, não se verificam os pressupostos necessário à atribuição da indemnização por prestação indevida de garantia, constantes dos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT, mais concretamente por falta de prestação «de garantia bancária ou equivalente». Com efeito, acolhendo a fundamentação aduzida no Acórdão proferido por este TCAS «(…) apenas se subsumem no teor do citado normativo as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período durante o qual aquela é mantida, delas sendo exemplo a garantia bancária, o seguro caução, mas já não a fiança.» No mesmo sentido v.g. os Acórdãos do STA, proferido em Plenário, no processo nº 018/20, de 04/11/2020, processos nºs 03025/17, de 09/01/2019, 0469/14, de 10/10/2018 e 0528/12, de 24/10/2012, e entre outros. Assim, tendo sido prestada garantia através de uma fiança, e não se demonstrado, que a recorrente incorreu em custos com a sua prestação, não se verificam os pressupostos necessário à atribuição da aludida indemnização. Não obstante, não se encontra vedada a tutela da sua pretensão, caso venha a demonstrar que se verificam os pressupostos designadamente que existiram danos incorridos com a prestação e manutenção da garantia, podendo peticionar o seu ressarcimento deduzindo acção de responsabilidade civil extracontratual nos termos do disposto no artigo 22.º da Constituição bem como pela Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (Lei n.º 67/2007, de 31/12). Improcedem, pois, os aludidos pedidos, por falta dos respectivos pressupostos legais, conforme supra se deixou dito. * Quanto à responsabilidade tributária do processo, atento o princípio da causalidade, previsto no artigo 527.º, n.º 2, do CPC, atento o decaimento da Recorrente, deu causa à acção, sendo-lhe imputável a responsabilidade tributária da causa. Sublinha-se que o decaimento no que se refere aos pedidos de condenação no pagamento dos juros indemnizatórios, e na indemnização por prestação indevida de garantia, nos termos supra declarados, não tem relevo para efeitos de decaimento da Recorrida. Considerando o valor da acção (€ 1 267 189,28) e atendendo a que estamos perante uma reforma em função de um juízo de inconstitucionalidade, considera-se que, no caso dos autos, o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos da tabela I.B, do RCP, é excessivo. Assim, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios legais, , em especial, a conduta processual das partes, a actividade desenvolvida no processo, sem reparo a assinalar, a complexidade do processo acarretando, assim, diminuta complexidade na solução jurídica das questões decidendas, verificam-se os pressupostos necessários à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, na parte em que o valor da causa excede € 275 000,00, o que se determina, com dispensa do pagamento da taxa de justiça para a Recorrida por não ter contra-alegado. IV – DECISÃO Termos em que, acordam as Juízas que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e em consequência julgar procedente a impugnação, anulando o acto tributário impugnado, e improcedente o pedido de restituição da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios e inerente pedido de indemnização de prestação de garantia. Custas pela Recorrida, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede € 275 000,00. Lisboa, 5 de Junho de 2025. Ana Cristina Carvalho - Relatora Teresa Costa Alemão – 1ª Adjunta Maria da Luz Cardoso – 2ª Adjunta |