Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 7461/25.3BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 09/11/2025 |
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Relator: | JOANA COSTA E NORA |
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Descritores: | PERICULUM IN MORA PREJUÍZOS DE DIFÍCIL REPARAÇÃO ÓNUS DE ALEGAÇÃO |
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Sumário: | I - Nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 143.º do CPTA, são meramente devolutivos os recursos interpostos de decisões respeitantes a processos cautelares, sejam as mesmas de decretamento ou de não decretamento das providências cautelares. II - Nos termos da alínea g) do n.º 3 do artigo 114.º do CPTA, no requerimento cautelar deve o requerente especificar os fundamentos do pedido (correspondentes à causa de pedir), os quais se reconduzem aos factos concretos e às regras de direito aptos a demonstrar os requisitos cujo preenchimento se impõe para o decretamento das providências cautelares requeridas, impendendo sobre o requerente o ónus da respectiva alegação. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO F…, S.A., instaurou processo cautelar contra o MUNICÍPIO DE LISBOA, requerendo a suspensão da eficácia do auto de embargo da Polícia Municipal de Lisboa de 30.01.2025, que decretou o embargo total da edificação sita na Rua C…, n.ºs …. Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a julgar improcedente o pedido por falta de verificação dos requisitos de decretamento das providências cautelares. A requerente interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “A. A Recorrente discordando da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente o pedido cautelar por si peticionado, vem dele agora interpor recurso. B. No caso sub judice, irá verificar-se não apenas um fundado receio, mas a certeza de que, caso a providência cautelar não seja decretada, consolidar-se-á uma situação de facto consumado e irão produzir-se prejuízos irreparáveis na esfera jurídica da Recorrente. C. Repare-se que, no caso sub judice, a ação principal, que também dará entrada neste Douto Tribunal, será uma ação de impugnação de atos administrativos, ou seja, uma ação dita comum e sem caráter urgente – o que significa que a ação principal será um processo ainda mais moroso do que um processo, p.ex., de contencioso précontratual. D. E isto é um facto que não merece contestação, já que resulta das Estatísticas da Justiça produzidas pela DireçãoGeral da Política de Justiça, referentes aos anos de 2018 a 2023, que a duração média das ações administrativas nos tribunais administrativos e fiscais é, no último ano, de 37 (quarenta e um) meses, repita-se, cerca de 3 anos e meio, só em 1ª instância. A que se soma, o tempo de decisão dos Tribunais de Recurso, que muito provavelmente ocorrerá. E. Assim, é um facto notório que, apesar do indesmentível esforço dos Tribunais da jurisdição administrativa (que também fica demonstrado nas referidas estatísticas), a demora da prolação de uma decisão na ação principal, originará uma situação dificilíssima para a Recorrente, se a presente providência não for decretada, mormente de paralisação do andamento das obras de reabilitação em causa e da consolidação definitiva dessa situação na esfera jurídica da Recorrente. F. Recorde-se que a F… é uma sociedade anónima cujo objeto social visa a promoção imobiliária, compra e venda de propriedades e revenda dos adquiridos para o mesmo fim e administração de património imobiliário (doc. 5 da PI do requerimento inicial). G. E, efetivamente, neste caso o referido imóvel em questão foi comprado para revenda. Contudo, com o indeferimento do projeto de licenciamento da edificação em causa, a Recorrente não pode avançar com as obras, o mesmo significa dizer que ficará com aquele projeto de reabilitação parado por um tempo indeterminado – o que certamente impedirá a alienação do referido imóvel. H. De facto, numa situação como a presente, o que seria expectável para a Recorrente é que a obra em causa fosse vendida ainda em fase de projeto, visto que essa é uma opção comum e aliciante para futuros proprietários do imóvel, pois permite-lhes participar no processo das obras de reabilitação assim como, por exemplo, participar na escolha dos seus acabamentos. I. Contudo, com o indeferimento do presente projeto de licenciamento, na verdade, a Recorrente não conseguirá vender a casa na fase de projeto – o que corresponde à verificação de uma situação de facto consumado. J. Ou, e a bem da verdade se diga, ainda que a Recorrente conseguisse arranjar algum comprador interessado em comprar um imóvel não licenciado seria por um valor muito inferior àquele que obteria pela venda de um imóvel licenciado – o que corresponde à geração de prejuízos que, doutra forma, a Recorrente não teria de suportar. K. Efetivamente, se o projeto de licenciamento tivesse sido deferido (como deveria ter sido, conforme veremos de seguida), a Recorrente, neste momento, já poderia ter vendido (ou vender) o imóvel com o projeto de licenciamento aprovado e, naturalmente, por um valor superior ao que é atualmente expectável (como se disse atrás, um imóvel não licenciado tem, naturalmente, um preço de mercado inferior). L. Acresce que na hipótese de decretamento da presente providência, os custos com a sua concessão nunca seriam superiores aos custos com a sua recusa. M. Isto porque, a bem da verdade, a suspensão do referido ato administrativo não traz quaisquer prejuízos para a Recorrida – não alteraria em nada a sua esfera jurídica, antes pelo contrário, será a sua não suspensão que prejudica tanto a Recorrente como a Recorrida, como de seguida se explicará. N. Se este ato administrativo de indeferimento do projeto de licenciamento for suspenso e vier a acabar anulado, o diferimento deste licenciamento irá de encontro às políticas públicas do Município para a reabilitação do edificado da cidade que, através do Regime Jurídico de Reabilitação Urbana (RJRU) criou um enquadramento excecional para o licenciamento de obras de reabilitação dos imóveis localizados nas Áreas de Reabilitação Urbana (ARU - definidas em função da idade e degradação do edificado aí existente), tendo em vista “motivar” os proprietários a fazerem as obras de conservação e reabilitação dos seus imóveis (evitando a sua demolição e assim preservando a “memória arquitetónica da cidade”). O. Este RJRU prevê, entre outras contrapartidas para quem se disponha a realizar as obras de reabilitação dos seus imóveis, a possibilidade de licenciamento de mais um piso ao antecedente licenciado válido o que, como facilmente se percebe, é uma medida fortemente incentivadora para a decisão de realização destas obras que, desta forma, vêm o seu maior custo “compensado” pela possibilidade de ter mais área de construção. P. Este RJRU é assim aplicável no caso de “obras de reabilitação urbana” a realizar em edifícios localizados na ARU definida pelo Município (que é o caso deste processo de licenciamento) e cuja realização permita reforçar as condições de segurança sísmica, de habitabilidade, de acessibilidade e de salubridade do edifício o que, se verifica na totalidade dos aspetos para a obra que a Recorrida indeferiu o respetivo licenciamento Q. Esta medida é também particularmente vantajosa para o Município já que o licenciamento deste piso adicional, sem lhe acarretar qualquer custo, permitirá: • concretizar o objetivo de preservar o edificado envelhecido e degradado da cidade através destas obras de reabilitação custeadas pelos particulares; • permitirá aumentar as receitas futuras em sede de IMI e IMT (já que após a sua reabilitação os imóveisterão um valor de VPT - Valor Patrimonial Tributário - mais elevado aumentando assim o valor de IMI devido bem como o valor do IMT a pagar em caso de venda). R. A realização destas obras de reabilitação, a par da requalificação do espaço urbano, é geradora de emprego e dinamizadora da atividade económica através das aquisições aos fornecedores de materiais de construção, bens e serviços necessários, reforçando desta forma a arrecadação de receita pela Recorrida também em sede de derrama. S. Em consequência, a Recorrente é a única parte, neste processo, que sofrerá prejuízos com a manutenção desta situação – deixará de conseguir alienar o imóvel ou, se o conseguisse alienar, seria por um preço inferior àquele que seria expectável obter se o imóvel estivesse licenciado, vendo assim a sua atividade seriamente prejudicada em resultado de uma decisão errada da Recorrida. T. Por fim importa ainda acrescentar que, na verdade, a manutenção, na ordem jurídica, do referido ato administrativo não só trará prejuízos para a aqui Recorrente como, também, para a Recorrida – pois, numa situação de anulação do referido ato administrativo a Recorrida será ainda responsável pelos prejuízos que o atraso no andamento das obras de reabilitação causarão à Recorrente (o mesmo já não se verificando se o ato administrativo aqui em causa estiver suspenso). U. Acresce que, atentos os supra prejuízos invocados, deve este Douto Tribunal também, nos termos do artigo 143.º/4 CPTA, decretar o efeito suspensivo do presente recurso, o que também se requer. V. Em relação ao fumus boni iuris, o ato administrativo praticado pelo Recorrido padece de vícios de ilegalidade, mais concretamente: a. Da errónea notificação do ato administrativo de embargo da obra da Recorrente; b. Falta de autorização e falta de formação do Senhor Agente da Polícia Municipal; c. Introdução em lugar vedado ao público; d. Da violação do dever de audiência prévia da ordem de embargo; e. Violação do dever de fundamentação do embargo; f. Da legalidade das obras g. Da ilegalidade da decisão de indeferimento do projeto de licenciamento; h. Apesar de ter invocado esses novos argumentos, o Município de Lisboa não os teve em consideração na prolação da decisão final e ignorou por completo a argumentação que havia sido avançada pela Recorrente. W. Assim, deve este Douto Tribunal considerar verificados os pressupostos para decretar a presente providência cautelar.” Notificado das alegações apresentadas, o requerido, ora recorrido, não apresentou contra-alegações. O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso. Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, a questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença padece de erro de julgamento de direito por se mostrarem verificados os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris. Como questão prévia, cumpre decidir se deve ser alterado o efeito fixado ao recurso pelo Tribunal a quo. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Considerando que não foi impugnada, nem há lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria, nos termos do n.º 6 do artigo 663.º do CPC. IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Da questão prévia do efeito do recurso O Tribunal a quo atribuiu ao recurso o efeito meramente devolutivo, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 143.º do CPTA. A recorrente alega que deve ser fixado ao recurso o efeito suspensivo, nos termos do n.º 4 do artigo 143.º do CPTA, considerando os prejuízos que invoca. Vejamos. Nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 143.º do CPTA, são meramente devolutivos os recursos interpostos de decisões respeitantes a processos cautelares, não se distinguindo as decisões de decretamento e de não decretamento de providências cautelares, pelo que o efeito meramente devolutivo do recurso é para todas as decisões de processos cautelares. Dispõe o n.º 4 do mesmo artigo que “Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos.” Mas pressuposto da sua aplicação é que estejamos perante situação em que é o Tribunal que, ao abrigo do disposto no n.º 3, atribui, a requerimento do interessado, efeito meramente devolutivo ao recurso, por reconhecer que a suspensão dos efeitos da sentença é passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses por ela prosseguidos. Ora, a decisão recorrida foi proferida no âmbito de um processo cautelar, e os recursos interpostos de decisões respeitantes a processos cautelares são meramente devolutivos – cfr. artigo 143.º, n.º 2, alínea b), do CPTA. Não sendo o n.º 4 do artigo 143.º do CPTA aplicável às situações em que o efeito meramente devolutivo do recurso é fixado nos termos da lei, e dado que, no caso em apreço, o efeito meramente devolutivo do recurso resulta da alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo, indefere-se o requerido, mantendo-se o efeito meramente devolutivo, nos termos desta norma legal. Do erro de julgamento de direito Como resulta do n.º 1 do artigo 112.º do CPTA, o processo cautelar caracteriza-se pela sua adequação – de modo a evitar o periculum in mora -, utilidade – a fim de prevenir a inutilidade da sentença a proferir no processo principal, por infrutuosidade ou retardamento -, instrumentalidade - na medida em que depende da existência de uma acção principal, a propor ou já proposta -, pela provisoriedade da decisão - uma vez que esta não se destina a resolver definitivamente o litígio -, e pela sumariedade - porque implica uma summaria cognitio da situação através de um processo simplificado e célere. Os pressupostos do decretamento das providências cautelares constam do artigo 120.º do CPTA, cujos n.ºs 1 e 2 estabelecem o seguinte: “1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente. 2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.” Assim, a adopção de providências cautelares depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) periculum in mora, ou seja, fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal; e (ii) fumus boni iuris, ou seja, probabilidade de procedência da pretensão formulada no processo principal. Todavia, ainda que verificados tais pressupostos, as providências cautelares são recusadas “quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.” Em suma, a não verificação do periculum in mora ou do fumus boni iuris determina o indeferimento da providência; caso se verifiquem cumulativamente tais pressupostos – e só apenas nesse caso -, importa proceder à referida ponderação de interesses públicos e privados em presença e, decorrendo da mesma que os danos que resultariam da concessão da providência se mostram superiores aos que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências, o Tribunal indefere a providência. O requisito do periculum in mora encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado (e não meramente eventual ou hipotético) receio – traduzido numa probabilidade forte - de que a decisão do processo principal não venha a tempo de tutelar adequadamente a pretensão objecto do litígio, seja por inutilidade – decorrente da constituição de uma situação de facto consumado -, seja pela produção de prejuízos de difícil reparação, ou seja, “(…) sempre que os factos concretos alegados pelo requerente permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade da restauração natural da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente.” – cfr. Mário Aroso de Almeida/Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2017, 4.ª edição, p. 972. A sentença recorrida julgou improcedente o processo cautelar por falta de verificação do requisito do periculum in mora, considerando que a requerente não invocou prejuízos de difícil reparação e que a não concessão da providência requerida não gerará uma situação de facto consumado pela «consolidação definitiva» da «paralisação das obras de reabilitação» ou pela «impossibilidade» de alienação do imóvel, uma vez que a procedência do processo principal reverte tais consequências, e tendo em conta que a paralisação das obras de reabilitação e a previsível dificuldade/impossibilidade de venda do imóvel advêm [a priori] do indeferimento do pedido de licença por si apresentado. Concluiu ainda o Tribunal a quo pela não verificação do requisito do fumus boni iuris, em virtude de o acto suspendendo constituir um mero acto de execução do acto administrativo proferido, em 18.08.2024, pela Vereadora J…, o qual apenas se mostraria impugnável desde que contivesse qualquer inovação, por alterar, exceder ou modificar a situação definida no acto exequendo, nos termos dos artigos 53.º, n.º 3, do CPTA, e 182.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, não sendo o caso. É contra o assim decidido que se insurge a recorrente, alegando que se não for suspenso o acto de indeferimento do licenciamento de obras de reabilitação do imóvel em causa, que a requerente comprou para revenda em fase de projecto, não pode a mesma avançar com as obras por um tempo indeterminado e, por isso, não pode alienar o imóvel, o que corresponde à verificação de uma situação de facto consumado. E ainda que a recorrente conseguisse alienar o imóvel, sem o licenciamento das obras, o valor do mesmo seria muito inferior, o que constitui um prejuízo para si. Mais alega que a suspensão do acto administrativo não traz quaisquer prejuízos para a recorrida. Todavia, a recorrente não alegou factos concretizadores do periculum in mora. Nos termos da alínea g) do n.º 3 do artigo 114.º do CPTA, no requerimento cautelar deve o requerente especificar os fundamentos do pedido (correspondentes à causa de pedir), os quais se reconduzem aos factos concretos e às regras de direito aptos a demonstrar os requisitos cujo preenchimento se impõe para o decretamento das providências cautelares requeridas, impendendo sobre o requerente o ónus da respectiva alegação. Compulsado o teor do requerimento cautelar, constata-se que a requerente não alegou qualquer facto concretizador de uma situação de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa assegurar no processo principal. Com efeito, atento o teor dos artigos 12 a 33 do r.i. – nos quais a requerente se reporta aos prejuízos que entende advirem da prática do acto suspendendo -, limita-se a mesma a alegar o que reitera nas conclusões da sua alegação de recurso: que se não for suspenso o acto de indeferimento do licenciamento de obras de reabilitação do imóvel em causa, que a requerente comprou para revenda em fase de projecto, não pode a mesma avançar com as obras por um tempo indeterminado e, por isso, não pode alienar o imóvel, pelo menos pelo valor que o alienaria caso o projecto de licenciamento não tivesse sido indeferido. Antes de mais, importa precisar que o acto suspendendo é, não o acto de indeferimento do licenciamento de obras, mas, antes, o acto que decretou o embargo das obras de reabilitação. Porém, se é certo que a não suspensão da eficácia do acto de embargo das obras de reabilitação do imóvel obsta à continuidade das mesmas, não obsta a mesma à alienação do imóvel, além de que a circunstância de o valor do prédio ser menor sem o licenciamento pretendido não constitui qualquer prejuízo de difícil reparação. De resto, a requerente alega meras conjecturas, de cariz vago e genérico, relacionadas com a desvalorização do imóvel, que apenas imputa à falta de licenciamento das obras pretendidas, sem concretizar de que modo essa desvalorização constitui no caso um qualquer prejuízo para si. A propósito, a requerente também não descreve minimamente a sua situação económico-financeira, de modo que se perceba a dimensão do impacto que a paragem das obras no prédio poderia ter na mesma, tão-pouco descrevendo a dimensão do seu negócio. E sem a alegação de tais factos, não é possível concluir – ainda que perfunctoriamente – que a paragem das obras de reabilitação determinada pelo acto suspendendo causa prejuízos na esfera da requerente e, muito menos, caracterizar tal situação como de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação. Na verdade, para chegar a tal conclusão, urgia, designadamente, alegar factos demonstrativos de que a continuidade da realização das obras de reabilitação era essencial à manutenção da actividade da requerente, o que passaria pela caracterização da sua situação económica e patrimonial, de modo que se pudesse fazer um juízo de prognose quanto ao impacto da paragem, factualidade que não se retira da alegação da requerente. Enfim, a recorrente não alega que a recusa da providência de suspensão da eficácia do acto que determina o embargo das obras de reabilitação impossibilitará, em caso de procedência do processo principal, a restauração natural da situação conforme à legalidade, por, entretanto, se ter consolidado uma situação irreversível. E, não o fazendo, não podemos concluir estar perante uma situação irreversível, de facto consumado. Efectivamente, a não suspensão da eficácia do acto que determina o embargo das obras de reabilitação não torna - só por si e desconsiderando circunstâncias concretas do caso - inútil a eventual procedência da acção de impugnação desse acto, pois que a situação pode ser revertida e, como tal, não pode ser considerada irreversível, sendo certo que, para a qualificação de uma situação como “situação de facto consumado” é irrelevante «(…) a circunstância da anulação do acto com efeitos retroactivos poder não reparar integralmente os prejuízos sofridos, uma vez que se trata já de questão que se colocará na outra vertente em que se desdobra o requisito em apreço (cf. citado Ac. deste STA de 22/4/2015).» – neste sentido, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.03.2023, proferido no processo n.º 0176/22.6BALSB (in www.dgsi.pt). A recorrente também não alega factos concretos aptos a fazer um juízo de prognose no sentido em que a recusa da suspensão da eficácia do acto de embargo das obras de reabilitação determinará o surgimento, na sua esfera jurídica, de danos de difícil reparação para os interesses que pretende assegurar no processo principal. Com efeito, nada invoca sobre uma eventual necessidade de revender o prédio com o licenciamento das obras, pelo que, na falta de alegação de uma situação de facto concreta, da qual se possam extrair tais efeitos, estamos perante prejuízos eventuais, e não reais. Como se nota no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção de Contencioso Administrativo) de 23.11.2023, proferido no processo n.º 0176/22.6BALSB (in www.dgsi.pt), «(…) constitui entendimento consolidado da jurisprudência a exigência da natureza directa do prejuízo, bem como a verificação de um nexo de causalidade entre a execução do acto e os prejuízos invocados – como se consignou no Acórdão do STA de 26/2/1998, revista nº 43423-A, referindo que “Ter-se-à de estabelecer um nexo de causalidade entre a execução do acto e os prejuízos a sofrer pelo requerente. A este nível não relevam os prejuízos conjecturais ou eventuais, mas apenas os que resultam directa, imediata e necessariamente da execução do acto” . Veja-se no mesmo sentido o Acórdão do STJ de 23/5/2019, Proc. nº 19/19.8YFLSB: “IV - Na relevância deste requisito, importa atentar que (i) serão prejuízos de difícil reparação «aqueles cuja reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente»; (ii) tais prejuízos terão de resultar direta, imediata e necessariamente do ato suspendendo, carecendo de relevância para o efeito, os danos ou prejuízos indiretos ou mediatos; e (iii) terão de consistir em danos ou prejuízos efetivos, reais e concretos, sendo de desconsiderar os danos ou prejuízos meramente hipotéticos, conjeturais, ou aleatórios.”» Assim, os factos alegados pela requerente não são aptos a concluir pela existência de uma situação irreversível, de facto consumado, ou de danos de difícil reparação para os interesses que pretende assegurar no processo principal. Nestes termos, temos de concluir pela falta do requisito do periculum in mora, essencial ao decretamento da providência cautelar. Aqui chegados, e atenta a circunstância de os pressupostos de concessão das providências cautelares serem de verificação cumulativa, não há que avançar para análise dos demais pressupostos, designadamente o do fumus boni iuris, ainda que o Tribunal a quo o tenha apreciado, ficando prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso relacionados com a verificação dos pressupostos de decretamento das providências cautelares. Nestes termos, improcede o recurso. * Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas, nos termos dos artigos 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente. Lisboa, 11 de Setembro de 2025 Joana Costa e Nora (Relatora) Marcelo Mendonça Mara Silveira |