Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:716/20.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/18/2025
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADOS
NOTA DE CRÉDITO
Sumário:I – A nota de crédito é o documento em que se procede ao cálculo ou apuramento do valor do reembolso a efectuar, dele devendo constar a indicação do montante de imposto a restituir, bem como a demonstração dos cálculos relativos aos juros indemnizatórios e sendo caso disso, dos juros de mora;
II - A sua emissão ou processamento determina o termo final da contagem dos juros, por razões de praticabilidade e certeza jurídica, para o efeito de se considerar a decisão integralmente executada, sob pena de se eternizar o referido cálculo;
III – A nota de crédito é anterior ao efectivo pagamento, uma vez que lhe sucedem todas as operações materiais necessárias à sua concretização, ou seja, à transferência dos montantes nela apurados para a esfera jurídica do contribuinte/credor, sendo também anterior à notificação de que o pagamento foi efectuado;
IV - Não estamos em presença de um mero «evento» e sim de um acto de tramite procedimental que apesar da nomenclatura atribuída, assume-se como data do processamento da nota de crédito através do recurso a meios e sistemas informáticos, constituindo um acto de trâmite que traduz a crescente desmaterialização nos processos de trabalho, congruente com a regra de que o procedimento tributário segue a forma escrita, sem prejuízo da tramitação electrónica dos actos do procedimento tributário, conforme resulta do artigo 54.º, n.º 3 da LGT.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

C… - FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO ABERTO, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a execução de julgados por si intentada, visando a execução da decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral constituído no âmbito do processo n.º 490/2018-T CAAD, e, em consequência, a condenação da Executada fazenda pública no pagamento dos juros indemnizatórios no montante global de € 61 058,94 e ao pagamento de juros de mora no montante global de € 50 472,72, dela veio interpor recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«A) O presente Recurso tem como objeto Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa no âmbito do Processo n.° 716/20.5BELRS, que julgou improcedente o pedido da Recorrente relativamente a uma parte dos juros indemnizatórios e dos juros de mora devidos no âmbito da execução da Decisão Arbitrai n.° 490/2018-T, que condenou a Administração Tributária a reembolsar todo o imposto indevidamente pago (no valor de € 1.179.807,86), acrescido de juros indemnizatórios;

B) A Administração Tributária não cumpriu o prazo de 30 dias úteis para fazer o reembolso do imposto (só concluiu o pagamento oito meses após a Decisão Arbitrai), privando ilicitamente o Recorrente de um valor muito significativo;

C) Adicionalmente, ao calcular os juros indemnizatórios (devidos em função da ilegalidade das liquidações anuladas) e os juros de mora (devidos pelo atraso no reembolso do imposto), a Administração Tributária considerou como termo final do período de contagem as datas de um dos inúmeros eventos internos do seu sistema informático - a "criação do reembolso" - que não são comunicadas aos contribuintes nem têm qualquer efeito externo;

D) Por esta razão - acolhida pelo Tribunal a quo - em vez dos € 61.058,94 de juros indemnizatórios e dos € 50.431,48 de juros de mora efetivamente devidos, a Administração Tributária pagou apenas € 56.846,20 de juros indemnizatórios e de € 36.411,21 de juros de mora-,

E) Sucede, contudo, que o artigo 61.°, n.° 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e o artigo 43.°, n.°s 4 e 5da Lei Geral Tributária determinam que os juros indemnizatórios e os juros de mora são devidos até à data da emissão da nota de crédito:

F) Esta nota de crédito não tem de coincidir exatamente com o reembolso, mas não pode deixar de ser um documento com eficácia externa, que constitui o Recorrente num direito (o direito a reclamar o seu crédito) junto dos Serviços da Administração Tributária se este não for imediatamente feito;

G) Se não fosse assim:

a. A própria designação "nota de crédito" não faria qualquer sentido; e, mais importante

b. A Administração Tributária poderia parar de forma completamente arbitrária e a qualquer momento a contagem dos juros, abstendo-se sem qualquer consequência de repor a situação tributária dos contribuintes que foram forçados a pagar imposto ilegalmente;

H) Recorda-se, a este propósito, que, por clara imposição constitucional e legal, o dever de executar as decisões jurisdicionais e a responsabilidade do Estado apenas cessa com a reposição integral da situação que existiria se os atos ilegais não tivessem sido praticados e com o efetivo ressarcimento dos danos;

I) Em suma, a única interpretação justa e materialmente possível do regime é a de que, na falta de notificação de uma nota de crédito (totalmente imputável à Administração Tributária) e sendo impossível aferir a data da emissão de tal nota de crédito (que não existe), deve ser tida em conta a data do pagamento efetivo na contagem dos juros indemnizatórios (i.e., a data considerada nos cálculos feitos pelo Requerente no mapa junto como Doc. 7. da p.i.) e não uma data interna, apresentada sem qualquer fundamento e definida unilateralmente e arbitrariamente pelo próprio devedor;

J) Em conclusão, a Administração tributária deve ser condenada a pagar à Recorrente a diferença entre o valor dos juros indemnizatórios e juros de mora já pagos (€ 56.846,20 e € 36.411,21, respetivamente) e os juros efetivamente devidos (€ 61.058,94 e € 50.431,48), diferença essa computada em: (i) € 4.212,74 de juros indemnizatórios e (ii) € 14.020,27 de juros de mora,

K) Nestes termos, a Sentença recorrida padece de erro de julgamento, devendo ser revogada e substituída por um Aresto que satisfaça plenamente o pedido do Recorrente.»


*


A Recorrida fazenda pública apresentou as suas contra-alegações, rematando-as com as seguintes conclusões:

«A. O presente recurso jurisdicional foi interposto da sentença proferida em 12/01/2022, que decidiu:

““V – DISPOSITIVO

Nos termos e com os fundamentos de facto e de direito expostos:

i) Julga-se extinta a instância, verificada que está a inutilidade superveniente da lide, quanto ao pedido de pagamento das quantias de € 56.846,20 e de € 36.411,21, respetivamente, a título de juros indemnizatórios e de juros de mora, absolvendo-se a Executada da instância nesta parte;

ii) Julga-se improcedente o pedido de pagamento das quantias de quantias de €4.212,74 a título de juros indemnizatórios e de € 14.020,27 a título de juros de mora;

iii) Condena-se a Exequente em custas.””.

B. O Recorrente pretende em suma, com a procedência deste Recurso Jurisdicional, que a sentença seja revogada e substituída por um Aresto que satisfaça plenamente o pedido do RECORRENTE.

C. E aponta as seguintes razões de discordância da douta sentença, conforme se transcreve no ponto I) das conclusões do Recurso:

«Em suma, a única interpretação justa e materialmente possível do regime é a de que, na falta de notificação de uma nota de crédito (totalmente imputável à Administração Tributária) e sendo impossível aferir a data da emissão de tal nota de crédito (que não existe), deve ser tida em conta a data do pagamento efetivo na contagem dos juros indemnizatórios (i.e., a data considerada nos cálculos feitos pelo REQUERENTE no mapa junto como Doc. 7. da p.i.) e não uma data interna, apresentada sem qualquer fundamento e definida unilateralmente e arbitrariamente pelo próprio devedor;»

D. Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, não tem o Recorrente razão nos argumentos apresentados, e a douta sentença deve ser mantida por não padecer de nenhum dos vícios nem ilegalidades apontadas, como se verá:

E. Sustenta o Recorrente, que a data considerada na sentença recorrida para criação de nota de crédito do reembolso não pode ser considerada por não ter sido notificada à então Exequente.

F. E pugna para que seja considerada a data do reembolso efectivo dos juros e não a data da criação do reembolso como termo final do cálculo dos juros indemnizatórios e de mora.

G. No entanto, salvo o devido respeito por opinião contrária, a sentença fez uma correcta interpretação e análise dos factos, ao considerar que «(…)face aos factos assentes em 11), verifica-se que através daqueles documentos é possível aferir a data de criação do reembolso e o seu valor, bem como a data em que o mesmo foi autorizado e que, no caso, corresponde ao dia seguinte ao da data da criação».

H. Pelo que podemos concluir que a tese do Recorrente que pretende que seja considerada a data do reembolso efectivo dos juros e não a data da criação do reembolso como termo final do cálculo dos juros indemnizatórios e de mora, está em frontal oposição com as disposições legais que determinam o termo final de cálculo de juros, quer com o artigo 61º n.º5 do CPPT quanto aos juros indemnizatórios, quer com o artigo 43º n.º5 da LGT quanto aos juros de mora.

I. Razão pela qual, não pode ser atribuída nenhuma ilegalidade à douta sentença, por ter considerado a data da criação da nota de crédito como termo final para cálculo dos juros, fazendo uma correcta interpretação e aplicação das disposições legais referidas.

J. A sentença recorrida segue a jurisprudência recente que, relativamente a esta questão refere, no ponto III do sumário do Acórdão proferido em 21-05-2020 no TCA Sul no Proc 1720/14-8BELRS (consultável in www.dgsi.pt):« A emissão da nota de crédito, onde é apurado o valor a restituir e por referência ao qual o legislador expressamente determinou que deveriam ser calculados juros indemnizatórios e juros de mora, não se confunde com concretização do pagamento do valor a restituir, não obstante deverem ser momentos cronologicamente próximos.»

K. Por tudo o supra exposto, bem andou a douta sentença recorrida, não padecendo de nenhum dos vícios ou ilegalidades imputados, razão pela qual deve ser mantida.

L. A Entidade ora Recorrida nada tem a opor ao valor atribuído ao Recurso de € 18.233,01.

Nos termos supra expostos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, com todas as consequências legais.»


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O Ministério Público, junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, nos termos do disposto no artigo 657.º, n.º 4, do CPC, aplicável por remissão operada pelo artigo 281.º do CPPT, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pela recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito no que se refere à definição do termo final no cálculo dos juros indemnizatórios por referência ao reembolso do imposto cuja liquidação foi objecto de anulação pela decisão exequenda e quanto à aplicação do regime de contagem dos juros.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«1) Em 04-07-2018 a AT emitiu em nome da Exequente a liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) constante da guia n.º 160718255023030, no valor de € 31.200,00 (cf. guia junta como Doc. 2 à PI, a fls. 30 a 32 do SITAF);

2) Em 05-07-2018 a Exequente efetuou o pagamento do valor descrito em 1) (cf. guia junta como Doc. 2 à PI, a fls. 30 a 32 do SITAF);

3) Em 08-08-2018 a AT emitiu em nome da Exequente a liquidação de IMT constante da guia n.º 160418269546038, no valor de € 729.357,86 (cf. guia junta como Doc. 3 à PI, a fls. 33 a 36 do SITAF);

4) Na mesma data a Exequente efetuou o pagamento do valor descrito em 3) (cf. guia junta como Doc. 3 à PI, a fls. 33 a 36 do SITAF);

5) Em 29-08-2018 a AT emitiu em nome da Exequente a liquidação de IMT constante da guia n.º 160018291899037, no valor de € 419.250,00 (cf. guia junta como Doc. 4 à PI, a fls. 37 a 39 do SITAF);

6) Na mesma data a Exequente efetuou o pagamento do valor descrito em 5) (cf. guia junta como Doc. 4 à PI, a fls. 37 a 39 do SITAF);

7) Em 03-04-2019, no âmbito do processo que correu termos no Tribunal Arbitral com o n.º 490/2018-T CAAD, foi proferida decisão de anulação das liquidações descritas em 1) e a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios (cf. decisão junta como Doc. 1 à PI, a fls. 19 a 29 do SITAF);

8) Em 15-06-2019 a AT criou em nome da Exequente o reembolso da quantia de € 31.200,00, com o n.º de liquidação 6322000 e com data de autorização em 18-06-2019 (cf. requerimento a fls. 85 do SITAF);

9) Em 29-06-2019 a AT criou em nome da Exequente o reembolso n.º 2018 401459402 no valor de € 1.179,61 respeitante a juros sobre a quantia descrita em 8) à taxa de 4%, desde 05-07-2018 a 15-06-2019, com autorização em 03-07-2019 (cf. requerimento a fls. 86 do SITAF);

10) Entre 07-11-2019 e 26-12-2019 a AT devolveu à Impugnante a quantia de € 1.148.607,86 (cf. requerimento a fls. 87 a 89 do SITAF);

11) Em 16-04-2020 a AT criou em nome da Exequente o reembolso das quantias de € 36.411,21, referente a juros de mora, e de € 55.666,59, referente aos juros indemnizatórios, com os n.ºs de liquidação 24839 e 24838 e com data de autorização em 17-04-2020 (cf. requerimento a fls. 87 a 91 do SITAF);

12) Em 05-06-2020, deram entrada neste Tribunal os presentes autos (cf. registo do SITAF).»

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A título de factualidade não provada exarou-se na decisão recorrida que:
«Não existem factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.»

Em sede de fundamentação da matéria de facto consignou-se que:
«A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada resulta da análise dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo (PA) apenso a estes, que não foram impugnados e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, assim como nos factos alegados pelas partes, corroborados pelos documentos suprarreferidos, conforme discriminado nos vários pontos do probatório.
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III – 2. De Direito


O Tribunal decidiu não serem devidos juros indemnizatórios e de mora para além dos que já se mostram pagos.

O Recorrente não se conforma com a sentença recorrida pedindo a final que a Recorrida seja condenada a pagar à Recorrente a diferença entre o valor dos juros indemnizatórios e juros de mora já pagos (€ 56 846,20 e € 36 411,21, respectivamente) e os juros que efectivamente considera devidos (€ 61 058,94 e € 50 431,48), diferença essa computada em € 4 212,74 a título de juros indemnizatórios e € 14 020,27 a título de juros de mora.

Alega em síntese, que a executada, aqui recorrida não cumpriu o prazo de 30 dias úteis de que dispunha para efectuar o reembolso do imposto e que, ao calcular os juros indemnizatórios devidos em função da ilegalidade das liquidações anuladas e os juros de mora devidos pelo atraso no reembolso do imposto, considerou como termo final do período de contagem as datas de um dos inúmeros eventos internos do seu sistema informático - a "criação do reembolso" - que não lhe foram notificadas e que não têm qualquer efeito externo.

Mais alega que a nota de crédito não tem de coincidir exactamente com o reembolso, mas não pode deixar de ser um documento com eficácia externa, que constitui o Recorrente num direito (o direito a reclamar o seu crédito) junto dos Serviços da Administração Tributária se este não for imediatamente feito, pelo que, na falta de notificação de uma nota de crédito (totalmente imputável à Administração Tributária) e sendo impossível aferir a data da emissão de tal nota de crédito (que não existe), deve ser tida em conta a data do pagamento efectivo na contagem dos juros indemnizatórios.

A Recorrida contra-alega, afirmando que face aos factos assentes em 11), verifica-se que através daqueles documentos é possível aferir a data de criação do reembolso e o seu valor, bem como a data em que o mesmo foi autorizado e que, no caso, corresponde ao dia seguinte ao da data da criação.

O Tribunal recorrido fundamentou a sua decisão, quanto à questão relativa à data em que deve considerar-se o termo final da contagem dos juros, da seguinte forma:

«(…) afirma a Exequente que não existindo as notas de crédito a que alude o n.º 5 do artigo 43.º da LGT e o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT, não se pode determinar o momento em que as mesmas foram emitidas, pelo que se deve considerar que os juros devem ser contados até à data da transferência efetiva do imposto a reembolsar.

No entanto, face aos factos assentes em 11), verifica-se que através daqueles documentos é possível aferir a data de criação do reembolso e o seu valor, bem como a data em que o mesmo foi autorizado e que, no caso, corresponde ao dia seguinte ao da data da criação.

Neste sentido a jurisprudência, que seguimos e cuja fundamentação se transcreve por ser inteiramente aplicável aos autos, entende que:

«[...] Nos termos do art.º 61.º, n.º 5, do CPPT, os juros indemnizatórios são contados até ao processamento da nota de crédito atinente ao imposto indevidamente pago. Da mesma forma, o n.º 5 do art.º 43.º da LGT, relativo aos juros de mora, consagra como termo do prazo do cômputo dos mesmos a data da emissão da nota de crédito relativa ao imposto a restituir.

A questão que ora se coloca prende-se com determinar o que é a nota de crédito. Uma nota de crédito representa um documento de acerto de contas, através do qual se calcula um determinado valor a restituir.

É partindo desse cálculo que, em situações como a dos autos, se procede, desde logo, ao reembolso do imposto, sendo o mesmo feito através de cheque, vale postal ou transferência bancária.

Assim, desde logo, há que distinguir entre nota de crédito, onde é calculado o valor do reembolso, e a forma de efetivação desse mesmo reembolso.

Essa mesma distinção, aliás, resulta patente no DL n.º 492/88, de 30 de dezembro, que procedeu à regulamentação da cobrança e reembolso do IRS e do IRC.

Assim, do mencionado diploma decorre que, quando a liquidação onde é apurado imposto a restituir seja efetuada em cumprimento de decisão proferida em processo de reclamação ou de impugnação judicial, o reembolso é efetuado diretamente pelos serviços da AT (cfr. o seu art.º 19.º, n.º 2).

Nessa sequência, decorre deste regime que é apurado o valor do reembolso a efetuar, sendo que consideramos ser a este apuramento que a lei se refere quando faz menção à nota de crédito, porquanto é o documento que materializa, calculando, o valor de imposto a restituir.

Veja-se que o próprio regime prevê uma situação onde claramente se distingue entre o momento do apuramento de reembolsos e o da sua efetivação.

Com efeito, como decorre da análise do art.º 20.º do mencionado diploma, se, após uma liquidação que confere o direito ao reembolso, for constatada a existência de dívidas de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares ou de pessoas coletivas respeitantes a anos anteriores ou dívidas de importâncias retidas e não entregues e os termos da respetiva cobrança coerciva, não pode o reembolso ser feito sem que a importância a reembolsar seja aplicada em primeiro lugar no pagamento dos referidos valores.

Ou seja, o mencionado diploma estabelece um regime que tem ínsito um hiato de tempo entre a emissão do reembolso e a emissão do respetivo meio de pagamento, distinguindo um e outro.

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, resulta que foi processado o reembolso n.º ….., pela AT, a 06.03.2015 [cfr. facto f)], relativo ao imposto a restituir.

Ao contrário do defendido pela 2.ª Recorrente, considera-se que é este ato que consubstancia a nota de crédito por referência a cuja emissão são calculados os juros indemnizatórios e os juros de mora, justamente por, em virtude do próprio regime atinente ao reembolso de imposto, esse apuramento do valor a restituir ser anterior à efetivação do seu pagamento, nos termos já mencionados. Ou seja, existem dois momentos discerníveis: o da emissão da nota de crédito, onde é apurado o valor a restituir e por referência ao qual o legislador expressamente determinou que deveriam ser calculados juros indemnizatórios e juros de mora, e o do pagamento do valor a restituir. Isto não invalida que não se entenda que estes dois momentos deverão ser cronologicamente próximos.

Assim, pelos motivos já explanados, a emissão da nota de crédito não se confunde com a emissão do cheque respetivo.

Da circunstância de a nota de crédito não ter sido notificada à Recorrente não se retira a sua natureza de nota de crédito. Nos termos do já mencionado DL n.º 492/88, de 30 de dezembro, efetivamente só está prevista tal notificação quando haja dívidas pendentes nos termos constantes do art.º 20.º, n.º 1. Não obstante, ao abrigo do direito à informação, sempre assistirá direito ao contribuinte de requerer o acesso a tal informação.

Por outro lado, e reconhecendo que entre a emissão da nota de crédito e a emissão do respetivo meio de pagamento não pode decorrer um prazo desrazoável, nunca o contribuinte fica desprotegido, porquanto sempre poderá lançar mão de ação de responsabilidade civil contra o Estado.

Assim, face ao exposto, considera-se que a nota de crédito se consubstancia no documento mencionado em f) do probatório, motivo pelo qual não assiste razão à 2.ª Recorrente. [...]» (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 1720/14.8BELRS, de 21-05-2020, disponível em www.dgsi.pt).

Assim sendo, os documentos descritos em 11) são aptos a identificar o dia efetivo em que o crédito foi reconhecido, preenchendo a previsão e o intuito normativo dos suprarreferidos artigos.

Nestes termos, improcede a ação quanto ao pagamento das quantias de € 4.212,74 a título de juros indemnizatórios e de € 14.020,27 a título de juros de mora.»

A sentença que assim decidiu não merece censura como veremos.

A recorrente sustenta que ao calcular os juros e os juros de a AT considerou como termo final do período de contagem as datas de um dos inúmeros eventos internos do seu sistema informático - a "criação do reembolso" - que não são comunicadas aos contribuintes nem têm qualquer efeito externo, donde extrai a ilação de que não existe nota de crédito aliado ao facto de não ter existido notificação de tal nota.

Independentemente da nomenclatura ou título que em termos informáticos seja atribuída, o que importa é a materialidade que lhe está subjacente e no caso, desde já se adianta que os referidos documentos contêm os elementos que permitem integrá-los no conceito de nota de crédito supra elencados.

A nota de crédito é o documento em que se procede ao cálculo ou apuramento do valor do reembolso a efectuar.

Como já antes dissemos (v.g. Acórdão de 6/12/2022, proferido no processo n.º 126/20.4BELRS), da nota de crédito deve constar a indicação do montante de imposto a restituir, bem como a demonstração dos cálculos relativos aos juros indemnizatórios e sendo caso disso, dos juros de mora. Por tal motivo, a sua emissão ou processamento determina o termo final da contagem dos juros, por razões de praticabilidade e certeza jurídica, para o efeito de se considerar a decisão integralmente executada, sob pena de se eternizar o referido cálculo.

É anterior ao efectivo pagamento, uma vez que lhe sucedem todas as operações materiais necessárias à sua concretização, ou seja, à transferência dos montantes nela apurados para a esfera jurídica do contribuinte/credor. Sendo também anterior à notificação de que o pagamento foi efectuado.

Os documentos de cálculo dos juros que constam dos autos a fls. 87 e sg, que subjazem ao ponto 11) da matéria de facto provada, identificam a base de cálculo, decorrendo da legenda a explicação de que se trata do montante do imposto a reembolsar, contêm a data de início da contagem, que corresponde ao dia em que foi efectuado o pagamento do imposto julgado indevido, no caso dos juros indemnizatórios, e ao dia seguinte à data do termo do prazo para a execução espontânea, no caso dos juros de mora, conforme decorre da nota (2).

Contêm ainda uma coluna referente à data do fim do cálculo de juros, que corresponde, conforme resulta da nota (3) à «[d]ata da emissão da nota de crédito (criação do reembolso)», a taxa aplicada, o número de dias contabilizados e o valor dos juros parcelares (correspondentes a cada liquidação anulada) e totais. O que vale por dizer que os referidos documentos contêm os elementos que permitem qualifica-los como cotas de crédito.

Quanto à alegação de que se trata de «evento interno do seu sistema informático – a “criação do reembolso” que não são comunicadas ao contribuinte» e portanto, sem qualquer efeito externo, também não lhe assiste razão.

A «data de criação» do documento que está na base do facto constante do ponto 11) da matéria de facto refere-se à data de emissão ou processamento do documento de cálculo dos juros indemnizatórios e de mora, ou seja, à emissão da nota de crédito e não à criação ou processamento do documento relativo ao pagamento, ou melhor dizendo, à restituição do imposto objecto de anulação pela decisão arbitral e, portanto, pago indevidamente. O processamento ou emissão do documento que determina ou aprova o pagamento/restituição do imposto indevidamente pago é que constituía o facto relevante para decidir qual o termo final da contagem dos juros e que permite decidir se a executada procedeu ou não à integral execução da decisão, conforme decorre do artigo 61.º, n.º 5 da LGT.

Acompanhando a crescente desmaterialização nos processos de trabalho, o legislador estatuiu que o procedimento tributário segue a forma escrita, sem prejuízo da tramitação electrónica dos actos do procedimento tributário, conforme decorre do artigo 54.º, n.º 3 da LGT.

Daqui resulta que não estamos em presença de um mero «evento» e sim de um acto de tramite procedimental que apesar da nomenclatura atribuída, assume-se como data do processamento da nota de crédito através do recurso a meios e sistemas informáticos.

O facto de se tratar de um documento elaborado com recurso a informação extraída do sistema informático em uso pela ATA, não lhe retira a fidedignidade, nem a valia para integrar o conceito de nota de crédito.

Também não constitui óbice à sua admissão, o facto de não ter sido notificado ao contribuinte, já que a omissão de tal formalidade, quando muito constituiria uma irregularidade, que não abona em favor dos princípios da transparência e da colaboração da administração com os administrados, se o contribuinte não tiver outro meio de verificar a forma como foram efectuados os cálculos, o que não vem alegado.

Assim sendo, há que concluir que o recurso terá de ser julgado improcedente, impondo-se a confirmação da decisão recorrida.


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Vencida na causa, a responsabilidade tributária do processo recai sobre a Recorrente (cf. artigo 527.º do Código de Processo Civil).

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IV – CONCLUSÕES

I – A nota de crédito é o documento em que se procede ao cálculo ou apuramento do valor do reembolso a efectuar, dele devendo constar a indicação do montante de imposto a restituir, bem como a demonstração dos cálculos relativos aos juros indemnizatórios e sendo caso disso, dos juros de mora;

II - A sua emissão ou processamento determina o termo final da contagem dos juros, por razões de praticabilidade e certeza jurídica, para o efeito de se considerar a decisão integralmente executada, sob pena de se eternizar o referido cálculo;

III – A nota de crédito é anterior ao efectivo pagamento, uma vez que lhe sucedem todas as operações materiais necessárias à sua concretização, ou seja, à transferência dos montantes nela apurados para a esfera jurídica do contribuinte/credor, sendo também anterior à notificação de que o pagamento foi efectuado;

IV - Não estamos em presença de um mero «evento» e sim de um acto de tramite procedimental que apesar da nomenclatura atribuída, assume-se como data do processamento da nota de crédito através do recurso a meios e sistemas informáticos, constituindo um acto de trâmite que traduz a crescente desmaterialização nos processos de trabalho, congruente com a regra de que o procedimento tributário segue a forma escrita, sem prejuízo da tramitação electrónica dos actos do procedimento tributário, conforme resulta do artigo 54.º, n.º 3 da LGT.


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V – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 18 de Setembro de 2025.


Ana Cristina Carvalho - Relatora

Isabel Silva– 1.ª Adjunta

Vital Lopes – 2.º Adjunto