Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | M. PINTO DOS SANTOS | ||
Descritores: | OPOSIÇÃO CÔNJUGE PENHORA BENS COMUNS DO CASAL CONVENÇÃO ANTENUPCIAL TERMO REGISTO PARTILHA | ||
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Nº do Documento: | RP201011162320/04.6TBOVR-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/16/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Legislação Nacional: | ARTº 864º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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Sumário: | I - Quando tenha sido convencionado, em convenção antenupcial, o regime de bens do casamento é a partilha que põe termo à comunhão decorrente daquela convenção, e sendo esta de registo obrigatório, conforme impõe o art. 1° n° 1 al. e) do CRegCiv., só depois de registada essa mesma partilha, enquanto facto extintivo dos efeitos decorrentes da convenção antenupcial, é que aquela pode ser oposta pelos ex-cônjuges aos terceiros/credores, de acordo com o disposto na al. p) do n° 1 do citado art. 1° e no art. 2° do mesmo CRegCiv.. II - A partilha dos bens do casal do executado só pode ser oposta à exequente depois de registada. III - Antes desse registo a penhora levada a efeito e efectuado o seu registo, não podia a embargante/ex-cônjuge do executado opor à exequente-embargada nem o seu divórcio, nem a subsequente partilha do património comum do casal, nem a adjudicação/aquisição do prédio penhorado a seu favor. IV - Por isso, aquela penhora podia ser realizada, como foi, e a aqui embargante devia ser citada, nos termos e para os efeitos da al. a) do n° 3 do art. 864° do Código de Processo Civil, para, querendo, deduzir “oposição à execução ou à penhora e exercer, no apenso de verificação e graduação de créditos e na fase do pagamento, todos os direitos que a lei processual confere ao executado” ou, para “requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já houvesse sido requerida” (n° 1) e, bem assim, para “declarar se aceita a comunicabilidade da dívida” (n° 2). V - Isto apesar de, efectivamente, à data da prática de qualquer destes actos judiciais (penhora e citação), a embargante já não estar casada com o executado. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Pc. 2320/04.6TBOVR-B.P1 – 2ª S. (agravo) ______________________________ Relator: Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Ramos Lopes Des. Maria de Jesus Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório: B………., residente em ………., Santa Maria da Feira, deduziu os presentes embargos de terceiro, por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa, pendente no Juízo de Execução de Ovar, Comarca do Baixo Vouga, em que é exequente «C………., SA», com sede em ………., Vila Nova de Gaia, e são executados «D………., Lda.», com sede em ………., Ovar, E………., residente em ………., Santa Maria da Feira, e F………., residente em Santa Maria da Feira, pedindo que os mesmos fossem admitidos e que, após produção da prova, fosse ordenado o levantamento da penhora, efectuada em 06/03/2008, sobre o prédio urbano sito na Rua ………., nº …, freguesia de ………., concelho de Santa Maria da Feira, descrito na CRP respectiva sob o nº 1034 e inscrito na matriz predial daquela freguesia sob o art. 1183. Mais requereu a restituição provisória da posse de tal prédio, com remoção do depositário nomeado pelo agente de execução. Para tal alegou que: ● em 27/01/2008, teve conhecimento que o prédio em questão havia sido penhorado em 06/03/2008, data em que, com base na apresentação 13, também foi efectuado o registo dessa mesma penhora; ● tal prédio não pertence aos executados, designadamente ao executado E………., com quem foi casada, já que, na sequência da dissolução do casamento de ambos, por divórcio, procederam à partilha dos bens comuns, tendo-lhe aquele sido adjudicada, a ela embargante, mediante a contrapartida do pagamento do preço de 25 352,00€ pela metade indivisa do seu ex-cônjuge, que efectivamente lhe pagou; ● que, por si e antepossuidores, há mais de 20 anos, usa o dito prédio, dele colhe os respectivos frutos, goza de todas as utilidades por ele proporcionadas, designadamente para sua habitação e do seu agregado familiar, aí recebendo amigos e visitas, aí toma as refeições e dorme diariamente, pagando os impostos correspondentes e devidos por quem é titular de um direito próprio, o que faz à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma contínua e actuando e julgando-se como sua legítima e única proprietária; ● e que após a referida partilha, promoveu o registo da aquisição do imóvel a seu favor, registo que foi efectuado em data posterior ao da penhora supra mencionada. Inquiridas as testemunhas arroladas pela embargante, recebidos os embargos e notificados os embargados (exequente e executados), apenas a exequente «C………., SA» apresentou contestação, na qual excepcionou que a embargante não é terceiro, inexistindo, assim, um dos requisitos dos embargos de terceiro, que ela, embargada, é parte ilegítima e que os embargos são extemporâneos. Mais invocou a nulidade da partilha efectuada entre a embargante e o executado E………., na sequência do divórcio, também simulado, decretado e que dissolveu o seu casamento, bem com a ineficácia, em relação a ela embargada, dessa mesma partilha, com fundamento no instituto da impugnação pauliana. Concluiu pugnando pela improcedência dos embargos, quer por procedência de alguma das primeiras excepções, quer por nulidade ou ineficácia da dita partilha, decorrentes das invocadas simulação ou impugnação pauliana. A embargante replicou, tendo nesse articulado requerido a intervenção principal provocada dos executados demandados no processo principal. Observado o contraditório, foi, por despacho de fls. 73-76, indeferido o requerido incidente de intervenção principal provocada, por os executados terem sido oficiosamente notificados após o recebimento dos embargos, tendo sido integralmente observado o estabelecido no nº 1 do art. 357º do CPC. Teve lugar uma audiência preliminar, na qual a embargada contestante foi convidada a aperfeiçoar determinados pontos da contestação e a juntar documentos essenciais aos autos. Observado o convite feito pelo Tribunal, veio a ser proferido, a fls. 92-93, o seguinte despacho: “Compulsados os autos principais de execução, nomeadamente, a citação de cônjuge junta ao histórico com a referência interna 588587 daqueles autos, verifica-se que em 17 de Dezembro de 2008, o Solicitador de Execução procedeu à citação da aqui embargante na qualidade de cônjuge do co-executado E……….. Por via dessa citação, recebida pela própria em 13 de Janeiro de 2009, conforme aviso de recepção junto ao processo principal, foi aquela citada nos termos da al. a) do nº 3 do art. 864º do Cód. Proc. Civil para, no prazo de vinte dias, pagar ou opor-se à execução e, ainda, no mesmo prazo, poder opor-se à penhora, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 813º do mesmo Código. Na mesma citação foi também advertida de que tinha o prazo de vinte dias para, nos termos do nº 1 do art. 825º do Cód. Proc. Civil, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns. Indaguemos, antes do mais, se o prazo fixado pelo Solicitador de Execução é o prazo correcto. Dispõe o art. 864º-A do Cód. Proc. Civil, a respeito do alcance da convocação do cônjuge do executado, que não tenha sido citado ao abrigo do art. 825º, que aquele pode deduzir oposição à execução ou à penhora, no prazo de 10 dias a contar da citação ou até ao termo do prazo concedido ao executado, neste último caso se terminar depois daquele prazo (após a alteração introduzida pelo Dec.-Lei nº 199/2003). Todavia, como já se referiu, a embargante B………. foi também citada ao abrigo do art. 825º, o que significa, então, que o prazo para deduzir oposição à execução ou à penhora é o prazo de 20 dias, a que se referem os nºs 1 e 2 do art. 813º e 863º-B nº 1 al. a), todos do Cód. Proc. Civil. Como tal, o prazo fixado pelo Solicitador de Execução é acertado. Do que se expôs, resulta que a embargante podia, no prazo de 20 dias a contar da sua citação para a execução (ou seja, desde 13/01/2009), opor-se à execução, deduzir o incidente de oposição à penhora e ainda requerer a separação de meações, mas já não embargar de terceiro, já que, tendo sido citada, não tem a posição de terceiro (arts. 351º nº 1 e 352º, ambos do CPC). Não obstante os presentes embargos terem sido admitidos, o despacho proferido na fase introdutória não constitui caso julgado formal, uma vez que não conheceu em concreto da legitimidade da embargante. A ilegitimidade singular é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso (arts. 494º al. e) e 495º do Cód. Proc. Civil) e é sempre insanável. Custas pela embargante, (…). Notifique e registe”. Inconformada com tal despacho liminar, interpôs a embargante o presente recurso de agravo, cuja motivação concluiu do seguinte modo: “● O art. 825º nº 1 do CPC alude tão-só à citação do cônjuge do executado. ● A embargante não é de todo executada nos autos. ● A embargante/recorrente, aquando da citação que lhe foi feita, pretensamente na qualidade de cônjuge do executado E………., não tinha, de todo, essa qualidade, pois a sociedade conjugal já havia sido desfeita por divórcio, cujo trânsito se deu em 5/12/2007, logo, mais de um ano antes da citação à embargante da execução e penhora. ● E mais: nessa altura já havia sido partilhado o património comum do casal, concretamente em 10/12/2007, mais de um ano antes da citação à embargante da execução e da penhora. ● Isto porque a notificação da penhora e da execução à embargante/recorrente se deu apenas em 26/12/2008 – logo mais de um ano decorrido sobre o dito divórcio e sequente partilha. ● Assim, mesmo que se perfilhe o entendimento de que o art. 825º nº 1 do CPC se aplica mesmo nos casos de já ter sido decretado o divórcio, tal entendimento cai por terra se o património comum já foi entretanto partilhado. ● Como não colhe a parte da decisão que refere que a embargante deveria deduzir incidente de oposição à penhora e ainda requerer a separação de meações, porque como consta dos autos, o património comum do casal foi dissolvido por partilha anterior. ● E o património que tinha sido comum durante a vigência do matrimónio extingue-se por partilha, não cabendo assim qualquer separação de meação in casu. ● Assim, dado tudo o que antecede, a embargante não é parte no processo executivo, é, antes, terceira nos termos do art. 351º do CPC. Termos porque, no provimento ao presente recurso, deve ser revogada a douta sentença recorrida e, consequentemente, ser a embargante considerada como terceira, nos termos do art. 351º do CPC e (…) os embargos (…) prosseguirem os seus demais termos (…)”. A embargada contestante respondeu (contra-alegou) em defesa da manutenção da decisão recorrida. O Sr. Juiz sustentou a sua decisão. Foram colhidos os vistos legais. * * * 2. Questões a decidir:O objecto do recurso (o seu «thema decidendum») é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente e está vedado a este Tribunal apreciar e conhecer de matérias nelas não suscitadas (excepto se se impuser o seu conhecimento oficioso) - arts. 684° n° 3 e 690° nºs 1 e 3 do C.Proc.Civ., na redacção aqui aplicável, anterior às alterações introduzidas pelo DL 303/2007, de 24/08 -, já que os recursos não visam a criação de decisões sobre matéria nova e o seu âmbito está delimitado pelo conteúdo do acto recorrido. Face àquelas conclusões, a única questão que importa decidir é a de saber se a embargante pode deduzir os presentes embargos de terceiro (no final veremos se estamos perante caso de ilegitimidade, como considerou o Tribunal «a quo», ou antes de improcedência por falta de um dos fundamentos/pressupostos dos embargos). * * * 3. Circunstancialismo fáctico a considerar:Para decisão do caso «sub judice», importa ter em conta o seguinte circunstancialismo [suprindo-se a omissão da decisão recorrida e a nulidade daí decorrente pela sua não fixação]: a) A execução a que estes embargos estão apensos foi instaurada por «C………., SA» contra «D………., Lda.», E………. e F………., tendo aquela alegado no requerimento executivo que “a dívida foi contraída pelos executados F………. e E………. no exercício das suas actividades profissionais, actividades estas que constituem a origem dos rendimentos com que sustentam os respectivos agregados familiares, dos quais fazem parte suas respectivas mulheres” [cfr. requerimento executivo]. b) A exequente deu à execução duas letras de câmbio, com aceites dos referidos executados, uma delas no valor de 114 774,08€ e a outra no valor de 42 708,77€, ambas datadas de 22/09/2004 e com data de vencimento a 29/09/2004 [cfr. docs. juntos a fls. 19 e 20 da execução]. c) Nesses autos foi penhorado, em 06/03/2008, um prédio urbano sito em ………., freguesia de ………., com a área total de 325m2, sendo 108m2 de área coberta e 217m2 de área descoberta, constituído por casa de cave, rés-do-chão e andar – habitação -, que confronta a norte com G………., a sul e nascente com H………. e a poente com estrada, descrito na CRP de Santa Maria da Feira sob o nº 1034 e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia com o art. 1183 [cfr. certidão junta a fls. 14 a 16 destes embargos, junta pela embargante]. d) Tal penhora foi registada (definitivamente) na dita CRP, pela apresentação 13, a 06/03/2008 [cfr. a mesma certidão]. e) A embargante casou com o executado E………. a 15/08/1981, sob o regime de comunhão geral de bens que estabeleceram através de convenção antenupcial que outorgaram a 01/07/1981 e que foi averbada ao assento de casamento de ambos [cfr. certidão do assento de casamento junta pela embargada contestante aos embargos em 19/05/2010, e que a embargante, notificada da mesma, não impugnou nem pôs em causa a sua veracidade, conforme resposta de 28/05/2010 – a cópia daquela consta, nos autos que pendem nesta Relação, de fls. 123]. f) Tal casamento foi dissolvido por divórcio por mútuo consentimento decretado, em 05/12/2007, por decisão do Sr. Conservador do Registo Civil de Ovar transitada na mesma data, tendo essa decisão sido averbada ao dito assento de casamento em 14/05/2010 [cfr. teor do documento mencionado na alínea anterior]. g) Por escritura outorgada a 10/12/2007, no Cartório Notarial de Ovar, a embargante e o executado E………. procederam à partilha do património comum, tendo todos os bens aí descritos, incluindo o prédio indicado em c), sido adjudicados à primeira, pelo valor de 51 704,00€, que declarou dar tornas ao segundo no valor de 25 852,00€ [cfr. cópia de tal escritura junta, pela embargante, a fls. 6 a 11]. h) A aquisição do prédio referido em c) a favor da embargante, resultante da partilha mencionada em g), foi registada na aludida CRP a 14/11/2008 [cfr. certidão junta a fls. 14 a 16]. i) Em 13/01/2009, no âmbito da acção executiva a que estes embargos estão apensos, a embargante foi citada, na qualidade de cônjuge do executado E………., nos termos e para os efeitos da al. a) do nº 3 do art. 864º e do nº 1 do art. 825º, ambos do CPC [facto dado como provado da decisão recorrida e que a embargante-recorrente não põe em causa]. * * * 4. Apreciação jurídica:A única questão a decidir consiste em saber, como se assinalou em 2, se a embargante pode deduzir os presentes embargos de terceiro. O Tribunal «a quo» considerou que não por ela ter sido citada na acção executiva nos termos e para os efeitos dos arts. 864º nº 3 al. a) e 825º nº 1 do CPC [na redacção aqui aplicável, dada pelo DL 38/2003, de 08/03, atenta a data da instauração da acção executiva a que estes embargos estão apensos e de que são dependência, já que constituem um incidente de intervenção de terceiros naquela deduzidos] e por não ser, por isso, «terceiro» para os efeitos do nº 1 do art. 351º do CPC. A embargante, nas alegações, entende que a sua citação na execução não a impede de deduzir estes embargos de terceiro, porque, na data em que ali foi citada, já não era cônjuge do co-executado E………., do qual se havia divorciado em data anterior. Vejamos se a embargante-recorrente tem razão ou não. Comecemos por enquadrar a situação. A embargante não foi demandada, como executada, na acção executiva a que estes embargos estão apensos. Quem aí foi demandado, além de outros, foi o seu então cônjuge, E……….. Na base dessa execução estão, como decorre do que se indicou em 3, duas letras de câmbio (que são o respectivo título executivo) em que aquele executado foi um dos aceitantes (os restantes foram os outros co-executados). A exequente logo na petição executiva alegou que a dívida que esteve na origem do aceite de tais letras “foi contraída pelos executados F………. e E……… no exercício das suas actividades profissionais” e que estas actividades “constituem a origem dos rendimentos com que sustentam os respectivos agregados familiares, dos quais fazem parte suas respectivas mulheres”. Com efeito, à data em que o executado E………. apôs o seu aceite naquelas duas letras, estava ele casado com a aqui embargante (casaram a 15/08/1981) sob o regime de comunhão geral de bens (que estabeleceram em convenção antenupcial que outorgaram a 01/07/1981). E esta situação mantinha-se à data em que a execução foi instaurada (02/12/2004 – cfr. carimbo aposto na parte superior direita de fls. 2 da acção executiva). Face ao alegado pela exequente (e que não foi posto em causa pelos executados), a dívida contraída pelo então cônjuge da embargante, embora própria deste, é da responsabilidade de ambos, de acordo com o disposto na al. c) do nº 1 do art. 1691º do CCiv. (segundo o qual “são da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração”). Por essa dívida, em conformidade com o estabelecido no art. 1695º nº 1 do mesmo Código, “respondem os bens comuns do casal e, na falta ou insuficiência destes, solidariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges”. Sabendo-se, face ao disposto no art. 1732º do CCiv., que no regime de comunhão geral de bens “o património comum é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges”, e nada tendo sido alegado pela embargante (ou pelos executados em oposição à execução) que o enquadre na previsão do art. 1733º daquele diploma legal (que especifica os bens legalmente excluídos da comunhão) – por este preceito ter natureza excepcional, cabia à embargante, nestes embargos, ou aos executados, em oposição à execução, a prova da respectiva incomunicabilidade -, não haveria dúvidas de que o prédio penhorado na acção executiva, mencionado na al. c) do ponto 3, integrava o património comum do dito executado e da embargante e que, por isso, poderia ser ali penhorado. Isto, claro está, no caso de não ter havido alteração no estado civil de ambos, nem no regime de bens do casamento. Acontece, porém, que quando a penhora do referido prédio urbano foi efectuada e registada (a 06/03/2008) já aquele casamento havia sido dissolvido, por divórcio (por mútuo consentimento) decretado a 05/12/2007 (cuja decisão transitou em julgado na mesma data) e já os ex-cônjuges haviam procedido à partilha do património comum, por escritura outorgada a 10/12/2007, tendo o prédio que foi objecto de penhora sido adjudicado à embargante, aqui recorrente. «Quid juris» então? Podia, ainda assim, esse imóvel ter sido penhorado? E podia, ainda assim, a embargante ter sido citada no âmbito da acção executiva nos termos em que o foi? Quanto aos efeitos do divórcio, há que ter em conta o que prescreve o art. 1789º do CCiv.. No seu nº 1 fixam-se os efeitos entre os (ex-)cônjuges, quer os patrimoniais, quer os restantes; no nº 3 os efeitos patrimoniais relativamente a terceiros, ou seja, às demais pessoas, incluindo, por ex., os credores do casal. Ali (nº 1) diz-se que “os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges. Neste (nº 3) proclama-se que “os efeitos patrimoniais do divórcio só podem ser opostos a terceiros a partir da data do registo da sentença”. Antes de avançarmos e num breve parêntesis, importa dizer que apesar do preceito se referir a “sentença” e a “acção”, nenhuma dúvida existe que na sua previsão cabem também as decisões de divórcio (por mútuo consentimento) proferidas pelo Conservador do Registo Civil e os processos (de jurisdição voluntária) que, com o DL 272/2001, de 13/10, passaram a ser tramitados nas Conservatórias. A decisão que decretou o divórcio da embargante e do executado E………. encontra-se nesta situação – foi proferida por Conservador do Registo Civil no final de um procedimento que correu termos na respectiva Conservatória. Retomando o que vínhamos expondo, não há dúvida que o que aqui está em causa são os efeitos patrimoniais do apontado divórcio relativamente a terceiros, ou, dizendo de outro modo, a oponibilidade daquele, por parte da embargante (ex-cônjuge do identificado co-executado), a terceiros, designadamente à exequente, aqui embargada. Isto porque na origem da penhora do dito imóvel está, como já se disse, uma dívida da responsabilidade daqueles (executado E………. e embargante) e pela qual respondem os bens comuns do (entretanto dissolvido) casal. Ora, relativamente a terceiros, designadamente a credores, os ex-cônjuges só podem opor-lhes o divórcio depois de registada a decisão que o decretou. É o que decorre do já citado nº 3 do art. 1789º do CCiv. e é também o que estatui o art. 2º, com referência às als. d) e p) do nº 1 do art. 1º, ambos do CRegCiv. (estas duas alíneas impõem o registo civil obrigatório do divórcio – facto extintivo do casamento; aquele art. 2º refere que “salvo disposição legal em contrário, os factos cujo registo é obrigatório só podem ser invocados depois de registados”) [cfr. Abel Delgado, in “O Divórcio”, 2ª ed., pgs. 131 e 217]. «In casu», apesar do divórcio da embargante e do referido executado ter sido decretado em 05/12/2007, a verdade é que a respectiva decisão só foi registada (por averbamento ao assento de casamento) a 14/05/2010, conforme se exarou em f) do ponto 3. E só a partir desta data é que a embargante (ou o seu ex-marido) podia opor o seu divórcio a terceiros, nomeadamente à exequente «C………., SA». Como a penhora do apontado prédio urbano e a citação da embargante no âmbito do processo executivo ocorreram em datas anteriores ao registo da decisão que decretou o seu divórcio, logo se vê que existe aqui um primeiro obstáculo à pretensão recursória daquela, ora agravante. Mas não é o único. E quanto à penhora? Será que o mencionado imóvel podia ter sido penhorado? Já atrás dissemos que face ao regime de bens que vigorou no casamento da embargante e do identificado executado, o prédio que foi penhorado integrava o património comum de ambos (era um bem comum). Mas o divórcio, por si só, mesmo depois de registada a decisão que dissolveu aquele casamento, era suficiente para pôr termo à natureza comum do referido bem imóvel e evitar a sua penhora enquanto bem comum do (dissolvido) casal? Sobre este assunto pronunciou-se ainda recentemente esta Relação nos seguintes termos: “(…) a dissolução do casamento, por divórcio, sem que se proceda à partilha dos bens comuns do casal, não tem a virtualidade de automaticamente alterar o regime de bens do casal e as responsabilidades contraídas durante a pendência do casamento com reflexo sobre o património dos ex-cônjuges, o qual, aliás, funciona como garantia geral dos credores, atento o disposto no art. 601º do Código Civil. (…) após o divórcio e enquanto a partilha não se efectuar, passa a existir um património de mão comum, indiviso, e que se não confunde com a figura da compropriedade, distinguindo-se desta, (…), por o direito dos contitulares não incidir directamente sobre cada um dos elementos (coisas ou créditos)” [Ac. Rel. Porto de 19/04/2010, proc. 8328/05.7YYPRT-C.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp]. Mais adiante, no mesmo douto aresto e citando os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela [in “Código Civil Anotado”, 2ª ed., pg. 347], acrescenta-se que “o que caracteriza a comunhão de mão comum e a distingue da compropriedade é, além do mais, o facto de o direito dos contitulares não incidir directamente sobre cada um dos elementos (coisa ou crédito) que constituem o património, mas sobre todo ele, concebido como um todo unitário”, daí resultando “a não aplicação à comunhão de mão comum (d)as regras da compropriedade, ou seja, a cada membro da comunhão não é permitido, individualmente, a atribuição de um direito específico ou de uma quota sobre cada bem integrado no património global, não lhe sendo lícito, por isso, dispor desse bem ou onerá-lo, no todo ou em parte, e pela mesma razão, o vínculo jurídico que determinou a comunhão só cessa nos termos previstos na lei”. No mesmo sentido também decidiu o STJ: “Dissolvido o casamento celebrado segundo algum regime de comunhão de bens por divórcio, passa o respectivo património de mão comum, até à respectiva partilha, à situação de indivisão que se não confunde com a figura da compropriedade. Os bens comuns do casal constituem um património autónomo especialmente afectado aos encargos da sociedade conjugal. Não se trata de um regime de compropriedade, este envolvido pelo interesse individual dos comproprietários, que podem requerer a divisão da coisa comum, mas de uma propriedade colectiva, afectada aos encargos da sociedade conjugal, insusceptível de divisão enquanto durar o casamento. É, com efeito, a contitularidade de duas pessoas num mesmo direito que, além de único, é uno, o que se consubstancia em comunhão una, indivisível e sem quotas” [Ac. do STJ de 11/10/2005, proc. 05B2720, disponível in www.dgsi.pt/jstj; idem, Acs. desta Relação do Porto de 21/05/2009, proc. 8654/05.5TBVFR-A.P1, in www.dgsi.pt/jtrp, da Rel. de Lisboa de 04/03/2004, proc. 528/2004-2, in www.dgsi.pt/jtrl e da Rel. de Coimbra de 15/11/2005, proc. 2680/05, in www.dgsi.pt/jtrc, todos citados no aresto desta Relação atrás referenciado]. E isto é assim por causa da imutabilidade do regime de bens existente no casamento até à partilha, conforme estabelece o nº 1 do art. 1714º do CCiv., segundo o qual “fora dos casos previstos na lei, não é permitido alterar, depois da celebração do casamento, nem as convenções antenupciais nem o regime de bens legalmente fixados”. A «ratio essendi» desta regra radica na defesa dos interesses de terceiros que sejam credores de algum dos membros do casal, pois “se a dívida é daquelas que nasceu num tempo, antes ou depois do divórcio, em que por ela respondiam os bens comuns do casal, assim continua a ser enquanto não se operar a divisão/partilha”, já que “a passagem, sem mais, ao regime de compropriedade, como efeito do divórcio, tornava a posição do terceiro credor instável e menos consistente, dificultando-lhe a realização prática do direito” [assim, Ac. da Rel. de Lisboa de 04/03/2004, supra citado]. Concordamos com o que se decidiu nos arestos que se deixam citados, excepto num ponto, pelo menos quando, como no caso «sub judice», tenha sido convencionado, em convenção antenupcial, o regime de bens do casamento. Nestes casos, porque é a partilha que põe termo à comunhão decorrente daquela convenção, e sendo esta de registo obrigatório, conforme impõe o art. 1º nº 1 al. e) do CRegCiv., pensamos que só depois de registada essa mesma partilha, enquanto facto extintivo dos efeitos decorrentes da convenção antenupcial, é que aquela pode ser oposta pelos ex-cônjuges aos terceiros/credores, de acordo com o disposto na al. p) do nº 1 do citado art. 1º e no art. 2º do mesmo CRegCiv.. Mas ainda que assim não se entenda, continua a valer para os efeitos da partilha o que o nº 3 do art. 1789º do CCiv. estabelece: os efeitos patrimoniais do divórcio (e a partilha é um dos efeitos deste, pois sem este ela não seria possível) só podem ser opostos a terceiros a partir do registo da decisão que o decretou e dissolveu o casamento. Retornando ao caso dos autos, o que se constata é que quer se siga o entendimento de que a partilha só poderia ser oposta à exequente depois de registada (registo que não se mostra feito, por averbamento, ao assento de casamento), ou que só produz efeitos relativamente a ela (enquanto acto produtor de efeitos patrimoniais que têm a sua causa no divórcio) depois do registo da decisão que decretou o divórcio, sempre teríamos que concluir que, quando a penhora foi levada a efeito e efectuado o seu registo, a embargante não podia opor à exequente-embargada nem o seu divórcio, nem a subsequente partilha do património comum do casal (e a adjudicação/aquisição do prédio penhorado a seu favor). Por isso, aquela penhora podia ser realizada, como foi, e a aqui embargante-recorrente podia/devia ser citada, como foi, segundo a decisão recorrida (e que aquela também aceita nas suas alegações), nos termos e para os efeitos da al. a) do nº 3 do art. 864º do CPC, ou seja, para os efeitos constantes dos arts. 864º-A e 825º do mesmo diploma – no primeiro caso, para, querendo, deduzir “oposição à execução ou à penhora e exercer, no apenso de verificação e graduação de créditos e na fase do pagamento, todos os direitos que a lei processual confere ao executado”; no segundo, para “requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida” (nº 1) e, bem assim, para “declarar se aceita a comunicabilidade da dívida” (nº 2). Isto apesar de, efectivamente, à data da prática de qualquer destes actos judiciais (penhora e citação), ela já não estar casada com o executado E………. Só que, como se decidiu em dois dos arestos supra citados [Acs. desta Relação de 21/05/2009 e de 19/05/2010], “apesar de, no art. 825º nº 1 do CPC [e no art. 864º nº 3 al. a), acrescentamos nós agora] se aludir apenas à citação do cônjuge do executado, não se pode fazer uma interpretação meramente literal, já que o texto da lei adjectiva não abrange exclusivamente os casos de sociedade conjugal em vigor, mas também aqueles em que o executado tenha sido membro de uma tal sociedade e já o não seja por a mesma se ter dissolvido, desde que permaneça o património comum do casal em pé”, seja por ausência de partilha, como em tais acórdãos se diz, seja por inoponibilidade do divórcio (por falta de registo, à data da citação, da decisão que o decretou) ou da partilha aos terceiros/credores, como aqui acrescentamos. Munidos destes elementos, podemos agora concluir que tendo a aqui embargante-recorrente sido citada [e bem; não havendo, por isso, que chamar aqui à colação o que se decidiu num outro aresto, segundo o qual “a citação, ainda que indevida, do cônjuge do executado para a acção executiva confere-lhe a posição de parte principal, impedindo-o de embargar de terceiro” – Ac. da Rel. de Évora de 31/01/2008, in CJ ano XXXIII, 1, 245] na acção executiva de que estes embargos são dependência, nos termos que se deixaram enunciados, e tendo aí assumido, por essa via, a posição de parte principal, não poderá ser considerada «terceiro» para os efeitos dos arts. 351º nº 1 e 352º do CPC. É que, como ensina o Prof. Teixeira de Sousa [in “Reforma da Acção Executiva”, pg. 175], o cônjuge que é considerado terceiro é aquele que não foi citado nos termos do art. 864º nº 3 al. a) do CPC [no mesmo sentido, cfr. Prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 1999, pg. 617, que considera que “é terceiro quem não é parte na causa”; veja-se, ainda, Cons. Salvador da Costa, in “Os Incidentes da Instância”, 5ª ed., pg. 216 e Cons. Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução”, 11ª ed., pg. 298]. Temos, assim, como certo que a embargante-recorrente não podia ter deduzido estes embargos de terceiro e que, quando tal foi detectado pela 1ª instância, os autos não podiam prosseguir, como não prosseguiram. A decisão recorrida pôs-lhes termo por considerar que aquela, por não ter a qualidade de terceiro (em virtude de ter sido citada na acção executiva), não tem legitimidade para os deduzir. Nós entendemos, porém, que estes autos não podem prosseguir por falta de um dos fundamentos exigidos pelo nº 1 do citado art. 351º - a embargante não é terceiro para os efeitos aí fixados. Como não estamos, nesta 2ª instância, vinculados à qualificação jurídica operada na decisão recorrida, entendemos que a rejeição dos embargos, ali declarada, deve ser mantida, embora não por ilegitimidade da embargante para os deduzir, mas sim por falta «ab initio» de um dos fundamentos exigidos para o efeito. * * * 5. Decisão:Nesta conformidade, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em: I) Negar provimento ao agravo e confirmar a decisão recorrida, embora com recurso a argumentação não coincidente com a que nela foi exarada. II) Condenar a recorrente nas custas. * * * Porto, 2010/11/16 Manuel Pinto dos Santos João Manuel Araújo Ramos Lopes Maria de Jesus Pereira |