Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0835295
Nº Convencional: JTRP00042029
Relator: MARIA CATARINA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
DEVER DE VIGILÂNCIA
CULPA IN VIGILANDO
INIMPUTABILIDADE
Nº do Documento: RP200812040835295
Data do Acordão: 12/04/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: LIVRO 779 - FLS. 115.
Área Temática: .
Sumário: I – O dever de vigilância tem duas componentes: uma, mais ampla e genérica, que corresponde à adequada formação da personalidade do menor, através da sua educação, e outra, mais restrita, que corresponde aos cuidados e cautelas que, em concreto, devem ser adoptados em cada momento e em cada situação.
II – A “culpa in vigilando” exprime um juízo de censura pela omissão do dever de vigilância reportado a um acto concreto e que se traduz na inobservância dos cuidados e cautelas que eram idóneos para evitar a prática daquele concreto acto danoso e que um bom pai de família adoptaria naquelas circunstâncias concretas, em função da idade da pessoa a vigiar e em função da sua personalidade, sentido de responsabilidade e educação recebida.
III – Não estando demonstrado que o menor não mostrasse qualquer apetência para a condução de determinado tipo de veículos ou que era excepcionalmente obediente e cumpridor das regras impostas pelos pais, a mera circunstância de os pais terem advertido o filho, com 15 anos, de que não devia mexer no motociclo é insuficiente para considerar cumprido o dever de vigilância e ilidida a presunção de “culpa in vigilando” – consignada no art. 491º do CC – relativamente ao comportamento do menor que, sem estar habilitado para o efeito, conduziu um veículo na via pública e causou, culposamente, um acidente.
IV – A inimputabilidade, para efeitos de responsabilidade civil, corresponde apenas à incapacidade, por qualquer causa e no momento em que o facto ocorreu, de entender ou querer – cfr. art. 488º do CC –, ou seja, à falta de discernimento bastante para avaliar os seus actos e para se determinar de harmonia com o juízo que faça deles, presumindo-se a falta de tal imputabilidade nos menores de sete anos e nos interditos por anomalia psíquica.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Nº 11
Apelação nº 5295/08-3
Tribunal recorrido: …ª Vara Cível do Porto (processo nº …../06.5TVPRT)
Relatora: Maria Catarina Gonçalves
Juízes Adjuntos: Dr. Pinto de Almeida e Dr. Teles de Menezes.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
B……………., S.A., com sede na Rua ………., …., Porto, intentou a presente acção com processo ordinário contra C………….. e mulher, D…………, por si e na qualidade de representantes legais do seu filho menor, E………….., todos residentes na Rua ……., nº ……, Porto, pedindo que estes sejam condenados, solidariamente, a pagar-lhe a quantia de 120.836,40€ acrescida de juros legais desde 04/01/2006 até integral pagamento.
Fundamenta a sua pretensão num acidente de viação que ocorreu no dia 02/05/2005 e no qual foi interveniente o motociclo de matrícula ..-..-DG, propriedade do réu, C………….. e conduzido pelo seu filho menor, E………….., acidente esse que se deveu a culpa exclusiva do condutor do referido motociclo e do qual resultou a morte de F……………. Mais alega que, por força do contrato de seguro que havia sido celebrado relativamente a esse motociclo, pagou a indemnização devida aos lesados (pais de F………….) e procedeu ao pagamento de outras despesas, no total de 120.836,40€, assistindo-lhe o direito de reaver essa quantia já que o condutor do veículo não possuía carta de condução que o habilitasse a conduzir o motociclo. Alega ainda que a responsabilidade pelo reembolso dessa quantia recai sobre o condutor do veículo e sobre os seus pais, na medida em que, sendo aquele menor de idade, os mesmos não cumpriram adequadamente o seu dever de vigilância.

Os réus contestaram, invocando a ilegitimidade do réu, E……………., dada a circunstância de não ser imputável, por ter apenas 15 anos de idade e alegando que: o acidente ocorreu por culpa da vítima que não observou os cuidados devidos na travessia da passadeira; as lesões sofridas em consequência do acidente não levariam à morte da vítima, sendo que esta faleceu em consequência de infecção respiratória que terá ocorrido passado um mês e dez dias, infecção essa que não foi consequência necessária e directa dos traumatismos verificados com o sinistro; os 2ºs réus nunca autorizaram o menor a conduzir o veículo, sendo certo que o mesmo conduziu aquele veículo abusivamente e sem consentimento dos pais que não podiam prever aquele comportamento; os 2ºs réus fizeram a vigilância que, nas circunstâncias, lhe era exigida e que se pode esperar a um pai médio para um filho com 15 anos de idade.
Com estes fundamentos, concluem pela ilegitimidade do 1º réu e pela improcedência da acção.

A autora respondeu à contestação, após o que foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade que havia sido invocada.

Os autos seguiram os trâmites legais e, após realização de audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou os réus, solidariamente, a pagar à autora a quantia de 120.836,40€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até efectivo e integral pagamento.

Não se conformando com tal decisão, dela recorreram os réus, com os seguintes fundamentos:
1ª - O Mº Juiz “a quo” fez um incorrecto julgamento da matéria de facto, no que se refere aos quesitos 36º a 41º da base instrutória, sendo certo que não foram devidamente valorados os depoimentos das testemunhas, G……………, H…………., I…………… e J……………….;
2ª - Assim, quanto aos quesitos 36º a 39º, o Mº Juiz deveria ter dado como provado que muitas vezes os réus, pais do menor E………….., tinham proibido este de andar com o veículo DG e que só poderia andar quando tivesse 16 anos de idade e carta de condução e que essa proibição e chamadas de atenção eram feitas variadas vezes e sempre que o E…………. mostrava interesse por conduzir a “moto” e ainda que o Osvaldo conduziu a moto contra ordens expressas dos pais; no que toca aos quesitos 40º e 41º, o Mº Juiz deveria ter dado como provado que a “moto” estava guardada na garagem da casa e sem as chaves e com um cadeado, próprio das motos, na roda da “moto” e que as chaves estavam escondidas do menor para evitar que este a tentasse usar;
3ª - A vigilância que os pais devem exercer sobre os filhos, durante a sua menoridade, não tem sempre o mesmo conteúdo, a mesma intensidade e a mesma frequência;
4ª - Tal vigilância vai diminuindo na sua intensidade, no seu conteúdo e na sua frequência à medida que os filhos crescem e desenvolvem as respectivas personalidades e capacidades;
5ª - Estando provado que os pais do menor o proibiram de conduzir a moto até perfazer 16 anos de idade e obter licença ou carta de condução; que a moto estava fechada na garagem e que as chaves da mesma estavam em local a que o menor não tinha fácil acesso, não pode dizer-se que os pais tivessem violado as obrigações de vigilância, não podendo ser exigido aos pais que seguissem toda a actividade do menor;
6ª - Atenta a prova produzida e atendendo às regras da experiência comum, deve considerar-se cumprido o dever de vigilância a que os pais estavam obrigados;
7ª - O Tribunal “a quo” fez uma interpretação menos conforme dos arts. 491º e 1878º do Código Civil;
8ª - O réu, E…………, tinha, à data do acidente, a idade de 15 anos, pelo que o mesmo era portador de incapacidade natural e, como tal, não pode ser responsabilizado civilmente pelos danos por si causados por actos ilícitos;
9ª - A responsabilidade civil por actos ilícitos do incapaz natural é “ab início” das pessoas sujeitas ao dever de vigilância caso tenha havido violação desse dever, conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 491º e 1878º do Código Civil, e não uma responsabilidade solidária entre o incapaz natural e os obrigados à sua vigilância;
10ª - O Tribunal “a quo” violou as disposições dos arts. 483º, 491º e 1878º do Código Civil, ao condenar o 1º réu solidariamente com os 2ºs réus, uma vez que, sendo o menor um incapaz natural, não pode ser responsabilizado pelos seus actos.

A apelada contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença proferida e formulando as seguintes conclusões:
a) A matéria de facto dada como provada não merece qualquer reparo, sendo certo que os depoimentos citados pelos recorrentes são divergentes e imprecisos;
b) Atendendo aos factos provados, é manifesta a responsabilidade do réu, E……….., na ocorrência do sinistro (facto que não foi contestado em sede de recurso) e é manifesto que essa actuação se deveu à incapacidade e incúria dos pais na sua formação moral;
c) Incumbia aos réus, pais do menor, ilidir a presunção de culpa que sobre ambos recai, nos termos do art. 491º do Código Civil, e não o fizeram, sendo que nem sequer alegaram factos bastantes que permitissem ao Tribunal tal conclusão;
d) A alegação de que o menor é inimputável é nova pois é certo que nenhum facto foi alegado, nesse sentido, na contestação;
e) Não se pode confundir menoridade com inimputabilidade, como fazem os apelantes;
f) A partir dos sete anos de idade e excluídos os interditos por anomalia psíquica, há uma presunção de imputabilidade que cabe ao autor da lesão ilidir, alegando e provando que não tem capacidade de querer e entender e de agir de acordo com essa capacidade;
g) A existência da culpa in vigilando baseia-se, em parte, na possibilidade de acautelar o direito à indemnização do lesado da potencial insolvabilidade do autor da lesão e como à incapacidade natural nem sempre corresponde inimputabilidade, pode cumular-se a responsabilidade do incapaz e da pessoa obrigada a vigiá-lo, respondendo solidariamente, nos termos do art. 497º.
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II.
Questões a resolver:
É pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se define o objecto e delimita o âmbito dos recursos, de tal forma que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. disposições conjugadas dos arts. 660º, nº 2, 684º, nº 3, e 690º, nºs 1, todos do Código de Processo Civil).
Assim e tendo em conta as alegações do presente recurso, são submetidas à cognição deste tribunal as seguintes questões:
A) – Reapreciação e eventual alteração da matéria de facto por força de alegado erro na apreciação da prova no que respeita aos factos descritos nos pontos 36º a 41º da base instrutória;
B) – Cumprimento (ou não) do dever de vigilância dos pais (os réus, C………….. e D…………..) relativamente ao seu filho menor (o réu, E…………..) com vista a apurar se aqueles são ou não responsáveis pelos danos emergentes do acidente;
C) – Possibilidade (ou não) de o réu, Osvaldo, ser responsabilizado civilmente pelos danos emergentes da sua conduta, dada a circunstância de ser menor de idade.
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III.
Na decisão recorrida, foi dada como assente a seguinte matéria de facto:
1. No dia 2 de Maio de 2005, pelas 17h 55m, ocorreu um atropelamento da Rua Augusto Lessa, na cidade do Porto, no qual foi interveniente o motociclo de matrícula ..-..-DG, propriedade de C…………. e conduzido pelo seu filho menor, E…………. (alínea A) da matéria assente).
2. O local onde ocorreu o atropelamento referido em 1. configura uma extensa recta de boa visibilidade (alínea G) da matéria assente).
3. No dia e hora supra descritos, o DG circulava pela Rua Augusto Lessa, no sentido Nascente/Poente (alínea D) da matéria assente).
4. Na referida rua, à direita, atento o sentido de marcha do DG, está implantada a Escola E.B. 2/3 de Paranhos, em frente à qual existe uma passadeira de peões e um semáforo, para permitir o atravessamento dos peões, situação devidamente assinalada, mediante os sinais de perigo A14 (crianças) e A22 (sinalização luminosa) – (alíneas E) e F) da matéria assente).
5. O réu, E…………., circulava a velocidade superior a 50 Km/hora (resposta ao ponto 2º da base instrutória).
6. O sinal luminoso referido em 4. encontrava-se vermelho para o trânsito automóvel e, consequentemente, verde para os peões (resposta ao ponto 3º da base instrutória).
7. A Ana estava a atravessar a estrada na passadeira referida em 4., da direita para a esquerda, atento o sentido de marcha do DG, tendo-lhe este embatido com a parte da frente (respostas aos pontos 7º a 9º da base instrutória).
8. A Ana foi colhida no meio da hemi-faixa de rodagem da direita, atento o sentido de marcha do DG (respostas aos pontos 29º e 30º da base instrutória).
9. Em consequência do embate, a F………… é projectada 18,10 metros, acabando por cair na hemi-faixa de rodagem da direita, atento o sentido de marcha do DG (respostas aos pontos 12º e 13º da base instrutória).
10. O motociclo seguiu a sua marcha, de forma desgovernada e aos ziguezagues, até o seu condutor conseguir recuperar o equilíbrio e prosseguir a sua marcha, pondo-se em fuga (respostas aos pontos 14º e 15º da base instrutória).
11. Para tratamento dos ferimentos que sofreu, a F………….. foi transportada para o Hospital de São João (resposta ao ponto 16º da base instrutória).
12. Apresentava traumatismo crâneo-encefálico, traumatismo da bacia, bem como do membro inferior direito e encavilhamento da tíbia direita (resposta ao ponto 17º da base instrutória).
13. Permaneceu internada durante 41 dias na Unidade de Cuidados Intensivos do HSJ, tendo sido sujeita a constantes exames radiológicos, bem como a uma craniotomia descompressiva com drenagem de contusão temporal direita e a uma intervenção cirúrgica ortopédica (respostas aos pontos 18º, 19º e 20º da base instrutória).
14. A F………….. faleceu no dia 12 de Junho de 2005 devido a uma broncopneumonia (alínea H) da matéria assente).
15. A broncopneumonia referida em 14. sobreveio como complicação das lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, torácicas e do membro inferior referidas em 12. (resposta ao ponto 21º da base instrutória).
16. À data do referido atropelamento, o proprietário do DG havia transferido para a autora a sua obrigação de indemnizar terceiros, por danos resultantes de acidente em que o mesmo interviesse, mediante contrato de seguro automóvel, válido e eficaz à data do sinistro, titulado pela apólice nº 184820 (alínea C) da matéria assente).
17. Aos pais da F…………., seus únicos herdeiros legais, a autora, como indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do sinistro, pagou a quantia de 100.000,00€ (alínea I) da matéria assente).
18. Com o funeral da F…………., os seus pais despenderam a quantia de 3.370,00€ (alínea J) da matéria assente).
19. O Hospital de São João apresentou à autora as facturas juntas a fls. 74 a 81, as quais, após análise pelos serviços clínicos da autora, foram integralmente pagas, no que despendeu a quantia de 20.829,28€ (alíneas K) e L) da matéria assente).
20. Com a obtenção do auto de ocorrência, despendeu a autora a quantia de 7,12€ (alínea M) da matéria assente).
21. O E………….., à data do sinistro, tinha apenas 15 anos de idade e o poder paternal sobre o mesmo era exercido pelos seus pais, ora aqui segundos réus (alínea N) da matéria assente).
22. O E…………… não era possuidor de carta de condução que o habilitasse à condução do motociclo em causa (alínea B) da matéria assente).
23. Os segundos réus advertiram o menor, E…………., que não devia mexer na moto até perfazer 16 anos de idade (respostas aos pontos 36º a 39º da base instrutória).
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IV.
Apreciemos, pois, as questões colocadas que constituem o objecto do presente recurso.

A) Matéria de facto.
Invocam os recorrentes a existência de erro na apreciação da prova no que respeita aos factos que constavam dos pontos 36º a 41º da base instrutória.
Vejamos, pois.

Perguntava-se nos pontos 36º a 39º da base instrutória:
36º
Nunca os 2ºs réus autorizaram o menor E………….. a conduzir o veículo DG?
37º
Sempre o mesmo foi advertido de que não devia mexer na moto?
38º
Primeiro porque se podia magoar?
39º
Segundo porque era obrigatório ter carta de condução para conduzir a moto e apenas a poderia obter aos 18 anos?

Tais questões vieram a obter a seguinte resposta conjunta:
Provado apenas que os segundos réus advertiram o menor E………….. que não devia mexer na moto até não perfazer 16 anos de idade.

Nos pontos 40º e 41º da base instrutória perguntava-se:
40º
A moto encontrava-se fechada com cadeado?
41º
E as chaves estavam guardadas em local de acesso reservado aos 2ºs réus?

Tais pontos vieram a obter a resposta de “Não provado”.

Entendem os recorrentes que, perante a prova produzida, e no que respeita aos pontos 36º a 39º da base instrutória, deveria ter sido dado como provado que muitas vezes os réus, pais do menor E……………., tinham proibido este de andar com o veículo DG e que só poderia andar quando tivesse 16 anos de idade e carta de condução e que essa proibição e chamadas de atenção eram feitas variadas vezes e sempre que o E………….. mostrava interesse por conduzir a “moto” e ainda que o E…………… conduziu a moto contra ordens expressas dos pais.
Relativamente aos pontos 40º e 41º da base instrutória, entendem os recorrentes que deveria ter sido dado como provado que a “moto” estava guardada na garagem da casa e sem as chaves e com um cadeado, próprio das motos, na roda da “moto” e que as chaves estavam escondidas do menor para evitar que este se tentasse a usar a moto.

Refira-se, desde já, que, relativamente a esta matéria, apenas relevam os depoimentos das testemunhas, G…………….., H………….., I……………. e J…………….., sendo certo que as demais testemunhas nada declararam sobre essa matéria.
Após audição do registo dos referidos depoimentos, constata-se que os mesmos correspondem, no essencial, às transcrições que são efectuadas pelos recorrentes nas suas alegações (embora tais transcrições não correspondam ao depoimento integral).
O que resulta desses depoimentos é, em suma, que, em determinada ocasião, o E…………. pretendia mostrar a mota às testemunhas e, tendo pedido ao pai a respectiva chave, o mesmo negou, dizendo que a chave estava guardada e que ele não a podia conduzir porque não tinha idade para o efeito.
De acordo com os depoimentos prestados, as referidas testemunhas apenas presenciaram essa situação uma única vez, embora declarem que os pais do E…………. e o próprio E…………… referiam, várias vezes, que ele apenas podia andar com a mota quando fizesse 16 anos e que até lá não tinha autorização para o efeito e que, por essa razão, a chave estava guardada.
Na perspectiva dos recorrentes, tais depoimentos são suficientes para considerar provado que, muitas vezes os réus, pais do menor E……………, tinham proibido este de andar com o veículo DG e que só poderia andar quando tivesse 16 anos de idade e carta de condução e que essa proibição e chamadas de atenção eram feitas variadas vezes e sempre que o E……………. mostrava interesse por conduzir a “moto” e ainda que o E…………. conduziu a moto contra ordens expressas dos pais.
Afigura-se-nos, porém, que os depoimentos prestados não são suficientes para esse efeito, já que os factos percepcionados pelas testemunhas limitam-se a um único momento (em que o pai do menor, na frente das testemunhas, não o autorizou a pegar na mota), desconhecendo as testemunhas – porque não presenciaram – se, em outras ocasiões, os pais do E…………….. o proibiam ou não de andar com o veículo e sempre que ele mostrava interesse nisso.
Por outro lado, tais depoimentos não fornecem o menor indício de que o E……………., no dia do acidente, tenha conduzido a moto contra ordens expressas dos pais.
Com efeito, as referidas testemunhas nada declararam a esse respeito e o facto – relatado pelas testemunhas – de, em determinada ocasião, os pais do E…………. o terem proibido de conduzir a mota não é, de modo algum, suficiente para concluir que tal proibição expressa se tenha mantido até ao dia do acidente e que, nesse dia em concreto, o E…………….. tenha desobedecido a qualquer ordem expressa dos pais.
Assim, e no que respeita aos pontos 36º a 39º da base instrutória, a prova produzida e, designadamente, os depoimentos das referidas testemunhas, apenas permite concluir (tal como considerou o juiz recorrido) que, tal como referem as testemunhas, os pais do menor advertiram-no que não devia mexer na mota enquanto não perfizesse os 16 anos de idade.
Tais depoimentos não permitem concluir que os 2ºs réus nunca tenham autorizado o menor a conduzir o veículo DG – como se perguntava no ponto 36º da base instrutória – e muito menos permitem concluir que o menor tenha conduzido o veículo contra ordens expressas dos pais.

Nos pontos 40º e 41º da base instrutória perguntava-se se a moto estava fechada com cadeado e se as chaves estavam guardadas em local de acesso reservado aos 2ºs réus.
Porque era apenas isso que se perguntava, não faz sentido responder – como pretendem os recorrentes – que a “moto” estava guardada na garagem da casa (facto que, aliás, sempre seria irrelevante, a não ser que se alegasse que o menor não tinha acesso à garagem).
No que toca ao facto de a moto estar fechada com cadeado (ponto 40º da base instrutória), apenas a testemunha, J………….., declara que, numa determinada ocasião, a mesma tinha uma “…tranca no disco do travão…” ou “…um aloquete nos discos que é próprio para as motas…”.
As demais testemunhas não confirmam esse facto, sendo certo que não referem a existência de um cadeado ou de qualquer outro mecanismo, além da chave de ignição da mota (necessária para a pôr a funcionar) e que, segundo referiram os pais do E…………, estaria guardada.
No que toca ao facto de as chaves estarem guardadas em local de acesso reservado aos 2ºs réus, as testemunhas limitam-se a afirmar que os pais do E…………. diziam que a chave estava guardada e escondida. Todavia, além de não poderem, naturalmente, garantir que esse facto correspondia à verdade (porquanto se limitam a reproduzir aquilo que era dito pelos réus), não sabem, sequer, onde essa chave estava guardada e, consequentemente, também não sabem se o local onde se encontrava era ou não de acesso reservado aos pais do E………….
As razões invocadas pelo juiz recorrido em fundamentação das respostas negativas aos referidos quesitos (cfr. fundamentação da matéria de facto) estão em consonância com os depoimentos prestados, justificando-se plenamente que tais depoimentos não tenham sido suficientes para a formação de uma convicção firme no que respeita àqueles factos.
Não se justifica, pois, qualquer alteração à matéria de facto que foi dada como provada, improcedendo, nesta parte, o presente recurso.

B) Responsabilidade dos réus, C………….. e D…………., por incumprimento do dever de vigilância.
Conforme se considerou na sentença recorrida, o acidente que vitimou a F…………. ocorreu por culpa exclusiva do condutor do DG: o menor, E…………...
Tal questão está excluída do âmbito do presente recurso, sendo que a questão aqui suscitada prende-se com a responsabilidade dos pais do condutor do veículo que, à data, era menor de idade.
A sentença recorrida concluiu pela responsabilidade dos referidos réus (concluindo, por isso, que a autora podia exercer contra os mesmos o seu direito de regresso) dada a circunstância de os mesmos, estando obrigados à vigilância do seu filho menor, não terem ilidido a presunção estabelecida pelo art. 491º do Código Civil.
Consideram os recorrentes que, perante a prova produzida, deve considerar-se cumprido o dever de vigilância a que os pais estavam obrigados e que não foi devido à falta de vigilância que o menor pegou na “moto”, concluindo que o Tribunal “a quo” fez uma interpretação menos conforme dos arts. 491º e 1878º do Código Civil.
Apreciemos, pois, essa questão.
Dispõe o citado art. 491º que “As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido”.
É inquestionável que os réus, C…………. e D…………., enquanto titulares do poder paternal do seu filho menor, E…………., tinham – e têm – o dever legal de o vigiar, dever esse que faz parte do complexo de obrigações que estão contidas no poder paternal.
O referido artigo 491º estabelece uma presunção de culpa das pessoas obrigadas a vigiar outras, de tal forma que, existindo uma lesão cometida por um incapaz, presume a lei que ela proveio de culpa in vigilando, ou seja, da violação do dever de vigilância por parte das pessoas que a ela estão obrigadas.
Tal presunção apenas pode ser ilidida mediante a prova do efectivo cumprimento do dever de vigilância ou mediante a prova de que os danos se teriam produzido ainda que tal dever tivesse sido cumprido.
Resta, pois, saber se os réus ilidiram ou não a presunção de culpa in vigilando que sobre eles recai e, para esse efeito, importa, antes de mais, caracterizar e definir o exacto conteúdo do dever de vigilância que impende sobre os pais relativamente aos filhos menores.
Naturalmente que – como bem referem os recorrentes – a vigilância que os pais devem exercer sobre os filhos, durante a sua menoridade, não tem sempre o mesmo conteúdo e a mesma intensidade, sendo indiscutível que tal vigilância não pode ter o mesmo conteúdo para um jovem de 15 anos e para uma criança de 3, 7 ou 9 anos de idade.
Com efeito, se é certo que os pais têm o dever de vigiar os filhos, durante a menoridade, é igualmente certo que também têm o dever de, atendendo à maturidade dos filhos, lhes reconhecer autonomia na organização da própria vida – art. 1878º nº 2 do Código Civil.
De facto, é impensável – porque é humanamente impossível – exigir a um pai que controle todos os passos e movimentos de um adolescente de 15 ou 16 anos e é inquestionável que a vigilância de um adolescente com essa idade não pode passar pela retirada de toda e qualquer liberdade ou autonomia, impedindo-o, designadamente, de sair de casa sem a companhia dos pais ou de qualquer outra pessoa encarregada de o vigiar.
A concessão progressiva de uma liberdade de movimentos, em função da maturidade e sentido de responsabilidade manifestado pelo menor em cada momento, é inevitável e é essencial à formação correcta da sua personalidade e, como tal, o cumprimento do dever de vigilância por parte dos pais, relativamente a um filho de 15 anos (como era aqui o caso), não exige – nem poderia exigir – que os pais “controlem” e “fiscalizem” todos os movimentos do filho de forma a impedir, em todo e qualquer momento, que o mesmo pratique qualquer acto lesivo.
É certo, por outro lado, que o dever de vigilância está intimamente relacionado com o dever de educar, razão pela qual se tem afirmado que o dever de vigilância começa antes da verificação do facto danoso, com a formação da personalidade do menor e a direcção da respectiva educação – cfr. acórdãos do STJ de 15/10/2002 e de 23/01/2007, processos 2A2638 e 05A3741, respectivamente, em http://www.dgsi.pt.
Naturalmente que os pais têm o dever de educar os filhos e, através dessa educação, deverão incutir-lhe um conjunto de valores e princípios de diversa natureza que são absolutamente indispensáveis, tais como o respeito pela vida, o respeito pelos outros e a necessidade de cumprimento das regras que regem a vida em sociedade.
É certo, por outro lado, que o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso desse dever dará ou poderá dar origem a uma personalidade mal formada que tenderá a adoptar comportamentos desviantes relativamente às regras estabelecidas.
É, pois, indiscutível que a prática de actos lesivos dos direitos de outrem poderá radicar na má formação da personalidade emergente da omissão dos pais no que toca ao seu dever de educar o filho.
Assim, o adequado cumprimento do dever de educar, actuando preventivamente relativamente à prática de actos ilícitos e lesivos dos direitos de outrem, constitui uma forma de cumprimento do dever de vigilância, embora o cumprimento deste dever não se resuma ao cumprimento daquele já que, além da educação, o dever de vigilância exige ainda um conjunto de cuidados e cautelas a adoptar, caso a caso, em função da idade do menor e em função das circunstâncias concretas.
Poder-se-á, assim, dizer que o dever de vigilância tem duas componentes: uma, mais ampla e genérica, que corresponde à adequada formação da personalidade do menor, através da sua educação e outra, mais restrita, que corresponde aos cuidados e cautelas que, em concreto, devem ser adoptados em cada momento e em cada situação.
Naturalmente que a educação recebida e interiorizada pelo menor condiciona o conteúdo e a medida concreta do dever de vigilância naquele sentido mais restrito, de tal forma que um menor que recebeu a educação devida e que, por via disso, interiorizou os princípios, valores e regras que regem a sociedade, tornando-se uma pessoa responsável e cumpridora das obrigações legais e sociais não exigirá, no dia a dia, a mesma vigilância e as mesmas cautelas que são necessárias para um outro menor que, apesar de ser da mesma idade, não manifesta a mesma personalidade respeitadora dos valores e regras sociais.
Desta forma, os pais que não cumpriram ou não cumpriram em termos adequados a sua obrigação de educar os filhos e contribuíram, dessa forma, para a formação de uma personalidade desajustada e desrespeitadora dos direitos dos outros, ficam onerados com um dever de vigilância mais intenso que, em determinadas situações, poderá mesmo exigir-lhes o acompanhamento e fiscalização de quase todas as actividades do menor de forma a evitar a prática de actos danosos.
Todavia, mesmo nas situações mais graves em que o comportamento do menor revela um total desprezo pelos interesses e direitos dos outros (situação indiciadora de uma personalidade mal formada por força da deficiente educação que recebeu), a culpa in vigilando não radica directamente na omissão do dever de educar, mas sim, e apenas, na violação concreta do dever de vigiar, no seu sentido mais restrito, ou seja, na omissão dos cuidados e cautelas que, naquele caso e nas circunstâncias concretas, deveriam ter sido tomados de forma a evitar o acto danoso, cuidados esses que variam em função da idade da pessoa a vigiar e em função da sua personalidade e do seu carácter.
A culpa in vigilando exprime, pois, um juízo de censura pela omissão do dever de vigilância reportado a um acto concreto e que se traduz na inobservância dos cuidados e cautelas que eram idóneos para evitar a prática daquele concreto acto danoso e que um bom pai de família adoptaria naquelas circunstâncias concretas, em função da idade da pessoa a vigiar e em função da sua personalidade, sentido de responsabilidade e educação recebida.
Conforme supra se referiu, o cumprimento do dever de vigilância relativamente a um jovem de 15 anos (como era aqui o caso) não exige que os pais controlem todos os seus passos o que, além de ser impossível, não é compatível com a autonomia e liberdade que, em moderação, deve ser reconhecida a uma pessoa dessa idade, sendo certo, porém, que tal autonomia e liberdade devem ser concedidas com a amplitude que se revele adequada às características da personalidade do menor, à sua maturidade e sentido de responsabilidade.
É assim que a autonomia e liberdade de movimentos que é concedida a um jovem de 15 anos que, tendo recebido a educação adequada, manifeste maturidade, sentido de responsabilidade e uma personalidade bem formada e cumpridora das regras que lhe são impostas não pode ter a mesma amplitude relativamente a um outro menor que, apesar de ter a mesma idade, manifeste (por força, eventualmente, da deficiente educação que recebeu) irresponsabilidade e tendência para a prática de comportamentos desviantes.
Assim, a medida e conteúdo concretos do dever de vigilância – ou seja, os cuidados que podem e devem ser adoptados para evitar que o menor pratique actos lesivos dos direitos de outrem – tem que ser aferido, caso a caso, em função de todas as circunstâncias supra mencionadas.
Apreciemos, pois, em face destas considerações, o caso “sub-judice” de forma a apurar se foi ou não ilidida a presunção de culpa in vigilando que está consagrada no citado art. 491º o que se reconduz a saber se os réus lograram fazer a prova de que cumpriram o seu dever de vigilância ou a prova de que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido.
Com relevo para esta questão, apenas se provou que os réus advertiram o menor, E………….., que não devia mexer na moto até perfazer 16 anos de idade e isso é, manifestamente, insuficiente para concluir que os réus cumpriram o seu dever de vigilância.
O menor, E…………., tinha, à data, 15 anos de idade e, como acima se referiu, não seria exigível aos pais que controlassem todos os seus movimentos, acompanhando o menor em todos os momentos de forma a evitar que o mesmo pegasse no motociclo.
Mas poderiam, seguramente, ter tomado outras precauções e não provaram tê-lo feito.
Vejamos.
Desconhece-se qual era, em concreto, a personalidade e o carácter do E……………, desconhecendo-se se era ou não uma pessoa respeitadora e cumpridora das regras que lhe eram impostas pelos pais.
Sendo conhecida a natural apetência de menores desta faixa etária por veículos daquela natureza (e os réus não alegaram que não era esse o caso do E…………) e a tendência (igualmente característica dos adolescentes desta idade) para alguma irreverência e desobediência relativamente aos pais, a mera circunstância os réus terem advertido o filho de que não devia mexer na moto até perfazer 16 anos de idade é, de todo, insuficiente.
Tal advertência apenas poderia ser suficiente caso se demonstrasse que o E………….. não mostrava qualquer apetência para a condução daquele tipo de veículos ou que era excepcionalmente obediente e cumpridor das regras impostas pelos pais, de tal forma que era totalmente imprevisível que o mesmo se lembrasse de desobedecer aos pais e conduzir o motociclo na via pública.
Tal não se demonstrou e nem sequer foi alegado.
Quais seriam, então, os cuidados que, um bom pai de família (ciente da possibilidade de o menor não acatar as suas instruções) teria adoptado, naquelas circunstâncias, de forma a evitar que o filho conduzisse um motociclo na via pública sem estar habilitado para o efeito?
E, aqui, poderemos dizer que um dos primeiros cuidados seria, seguramente, o de não permitir a aquisição de tal veículo a não ser que o mesmo se destinasse a ser utilizado por qualquer outra pessoa.
Com efeito, e regressando ao caso “sub-judice”, os réus não alegaram as razões determinantes da aquisição do motociclo e não alegaram se o mesmo se destinava a ser utilizado pelo menor (quando estivesse habilitado para o efeito) ou se o mesmo se destinava a ser utilizado pelos pais, ora réus.
É que, se o veículo foi adquirido para o menor (como resulta, aliás, dos depoimentos das testemunhas indicadas pelos réus, embora esse facto não tenha sido alegado), ter-se-á que concluir que os réus não tomaram as providências que seriam adequadas e contribuíram decisivamente para o comportamento do menor. Com efeito, um bom pai de família não permitiria, seguramente, a aquisição de tal motociclo num momento em que o mesmo ainda não podia ser conduzido pelo seu filho menor.
A prova do cumprimento do seu dever de vigilância exigia, pois, que os réus tivessem alegado e provado que o motociclo não foi adquirido para o menor (mas sim, eventualmente, para qualquer outro membro do agregado familiar) ou exigia, pelo menos, a alegação e prova das circunstâncias que justificaram a sua aquisição para o menor, num momento em que o mesmo ainda não podia conduzi-lo.
Todavia, a esse propósito, nada foi alegado.
Alegam os réus que o motociclo estava fechado com cadeado e as chaves estavam guardadas em local onde estão as chaves de acesso reservado aos pais.
Tal facto não se provou, sendo certo, porém, que os réus não esclareceram, sequer, o que é o “acesso reservado aos pais” de que falam e impunha-se que o fizessem.
Com efeito, perante a alegação feita pelos réus, ficamos sem saber a razão pela qual é um “acesso reservado aos pais”. Era reservado aos pais porque assim estava definido e instituído no agregado familiar ou era reservado aos pais porque, fisicamente, só estes podiam aceder a esse local?
A prova do cumprimento do dever de vigilância exigia, pois, que os réus tivessem alegado e provado qual o exacto local onde se encontrava a chave, quais as circunstâncias físicas (se é que existiam) que impediam o acesso do menor a esse local e quais as circunstâncias concretas em que, no dia do acidente, o menor conseguiu pegar na chave e conduzir o veículo na via pública.
Só assim, o tribunal poderia ficar habilitado a concluir se os réus adoptaram ou não os cuidados que lhes eram exigíveis e que, naquelas circunstâncias, seriam adoptados por um bom pai de família.
Conclui-se, pois, que:
• Não estando demonstrado que o menor não mostrasse qualquer apetência para a condução daquele tipo de veículos ou que era excepcionalmente obediente e cumpridor das regras impostas pelos pais, a mera circunstância de os pais terem advertido o filho, com 15 anos, de que não devia mexer no motociclo é insuficiente para considerar cumprido o dever de vigilância e ilidida a presunção de culpa in vigilando – consignada no art. 491º do Código Civil – relativamente ao comportamento do menor que, sem estar habilitado para o efeito, conduziu o veículo na via pública e causou, culposamente, um acidente.
• A prova do cumprimento daquele dever de vigilância exigia a alegação e prova das circunstâncias que determinaram a presença do veículo em local acessível ao menor e das concretas precauções que foram tomadas para evitar que aquele o conduzisse, alegando-se, designadamente, o local exacto e as circunstâncias em que a respectiva chave se encontrava guardada e qual o procedimento que, concretamente, foi utilizado pelo menor para obter a chave e conduzir o veículo.
• Só esses elementos poderiam habilitar o tribunal a concluir se os cuidados concretamente adoptados pelos réus eram ou não suficientes e adequados para impedir a condução do motociclo por parte do menor, de forma a concluir se os réus cumpriram, ou não, em termos adequados o seu dever de vigilância.
Perante o exposto, afigura-se-nos evidente que os réus não lograram ilidir a presunção de culpa que sobre eles recai por força do disposto no citado artº 491º.

C) Responsabilidade do réu, E……………..
Resta agora apreciar a última questão colocada relacionada com a possibilidade (ou não) de o réu, E…………., ser responsabilizado civilmente pelos danos emergentes da sua conduta, dada a circunstância de ser menor de idade.
Alegam os recorrentes que o réu, E…………., não pode ser responsabilizado civilmente pelos seus actos, dada a circunstância de ser menor, sendo que a sua responsabilidade civil acha-se transferida ab initio para as pessoas responsáveis pela sua vigilância.
Afigura-se-nos, porém, que não lhes assiste razão.
Vejamos.
A imputabilidade é um dos pressupostos básicos da culpa, na medida em que traduz a susceptibilidade de determinada pessoa ser objecto de um juízo de censura ou reprovação.
Todavia, e ao contrário do que pretendem os recorrentes, a inimputabilidade não se confunde com a incapacidade jurídica decorrente da menoridade.
Como refere Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 3ª ed., pág. 452, “diz-se imputável a pessoa com capacidade natural para prever os efeitos e medir o valor dos seus actos e para se determinar de harmonia com o juízo que faça acerca destes”, exigindo-se, assim, para que haja imputabilidade – continua o mesmo autor – “a posse de certo discernimento (capacidade intelectual e emocional) e de certa liberdade de determinação (capacidade volitiva)”.
Assim, a inimputabilidade, para efeitos de responsabilidade civil, corresponde apenas à incapacidade, por qualquer causa e no momento em que o facto ocorreu, de entender ou querer – cfr. art. 488º do Código Civil – ou seja, à falta de discernimento bastante para avaliar os seus actos e para se determinar de harmonia com o juízo que faça deles.
De acordo com o disposto no citado art. 488º nº 2, presume-se falta de imputabilidade nos menores de sete anos e nos interditos por anomalia psíquica. Daí decorre, a contrario, que os maiores de sete anos e não interditos por anomalia psíquica se presumem imputáveis.
Tais presunções podem, naturalmente, ser ilididas e, como tal, pode ser feita a prova de que um menor de sete anos é imputável por ter o discernimento bastante para entender e querer, tal como pode ser feita a prova de que um maior de sete de anos é inimputável por não possuir aquele discernimento.
No caso “sub-judice”, o réu, E………….., tinha, à data dos factos, quinze anos de idade, presumindo a lei a sua imputabilidade – citado art. 488º nº 2, a contrario.
Presumindo-se a sua imputabilidade, competia aos réus provar que o mesmo era inimputável por não ter o discernimento bastante para avaliar o seu acto e prever os seus efeitos e para se determinar de acordo com o juízo feito acerca dos mesmos.
Os réus nada alegaram a esse respeito e, consequentemente, não ilidiram aquela presunção.
Um menor de 15 anos – como era o caso do E…………. – tem, em princípio, discernimento bastante para entender o valor e os efeitos dos seus actos e tem, em princípio, liberdade e capacidade para determinar a sua actuação e nada foi alegado que permita uma diversa conclusão.
Assim, o réu, E…………, responde civilmente pelas consequências do facto danoso que lhe é imputável, como decorre do disposto no art. 488º do Código Civil.
A tal conclusão não obsta a circunstância de existirem responsáveis por culpa in vigilando e, ao contrário do que referem os recorrentes, nada obsta à condenação solidária do menor e dos obrigados à sua vigilância.
Com efeito, e ao contrário do que pretendem os recorrentes, a responsabilidade civil do autor da lesão (no caso, o menor) não está transferida para as pessoas responsáveis pela sua vigilância (no caso, os pais do menor).
As pessoas obrigadas à vigilância de outrem, quando atingidas pela obrigação de indemnização por violação desse dever de vigilância, “…não respondem por facto de outrem, mas por facto próprio, visto a lei presumir que houve falta (omissão) da vigilância adequada (culpa in vigilando)” – cfr. Antunes Varela, ob. cit., pág. 488.
É diversa, pois, a responsabilidade do autor da lesão e a responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância. O primeiro responde pelo acto ilícito e danoso que praticou; os segundos respondem pela omissão ou incumprimento do seu dever de vigilância.
Nada obsta, pois, a que tais responsabilidades se cumulem.
Neste sentido, pode ver-se Antunes Varela, ob. cit., pág. 489, quando afirma: “como à incapacidade natural nem sempre corresponde a inimputabilidade, pode cumular-se a responsabilidade do incapaz e da pessoa obrigada a vigiá-lo: nesse caso, responderão solidariamente nos termos do art. 497º”.
Improcede, pois, na totalidade, o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
/////
V.
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença apelada.
Custas a cargo dos recorrentes.
Notifique.

Porto, 04 de Dezembro de 2008
Maria Catarina Ramalho Gonçalves
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo