Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FRANCISCA MOTA VIEIRA | ||
Descritores: | FACTOS ESSENCIAIS COMPLEMENTARES OU CONCRETIZADORES ADITAMENTO OFICIOSO NA SENTENÇA CONTRADITÓRIO PRÉVIO | ||
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Nº do Documento: | RP2025041022588/24.0YIPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ANULADA A SENTENÇA RECORRIDA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | A disciplina prevista no art. 5º, nº 2, al. b), do CPC exige que o tribunal se pronuncie expressamente sobre a possibilidade de ampliar a matéria de facto com os factos referidos, disso dando conhecimento às partes antes do encerramento da discussão. Só depois poderá considerar esses factos (mesmo que sem requerimento das partes nesse sentido) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo: 22588/24.0YIPRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro-Juízo Local Cível de Águeda Relator: Francisca da Mota Vieira 1ª Adjunta: Isabel Rebelo Ferreira 2ª Adjunto: António Carneiro da Silva
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto I.RELATÓRIO 1.A sociedade A..., Lda. apresentou requerimento de injunção contra B..., S. A., ao abrigo do artigo 7.º do D. L. n.º 269/98, de 1 de Setembro, com vista a obter o pagamento da quantia de 5 257,90 €, acrescida de juros de mora vencidos no montante de 517,29 €, outras quantias, no valor de 150 €, e da taxa de justiça paga, no montante de 102 €. Para tanto alegou, em síntese, que, •no exercício da sua actividade, a autora prestou, em conformidade e sem vícios, à ré que, por sua vez, pediu e aceitou, serviços, •emitiu, em 25 de Agosto de 2022, de acordo com o preço e as condições de pagamento previamente combinadas, a factura n.º ..., no valor de 15 657,90 €, com vencimento em 24 de Setembro de 2022, •a ré efectuou dois pagamentos, em 16 e 27 de Junho de 2023, cada um no valor de 5 200 €, •interpelada para pagamento do remanescente, a ré não o fez, até à presente data. Acresce que despendeu a quantia de 150 €, em diligências com vista à cobrança do crédito. 2.Citada a ré, esta deduziu oposição, invocando, •A ineptidão do requerimento inicial, por falta de causa de pedir, uma vez que a autora se limitou a assinalar a existência de uma factura, com o n.º ..., a data da emissão (25 de Agosto de 2022), o valor (15 657,90 €) e o vencimento (24 de Setembro de 2022), e •Nada dever à autora, uma vez que o pagamento do remanescente decorreu de incumprimento parcial dos serviços que aquela se obrigou a prestar à ré, concretamente, da não conclusão de trabalhos. 3. Após distribuição, prosseguiram os presentes autos sob a forma de processo especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, nos termos do artigo 17.º do Anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro. 4. Por despacho proferido em 9 de Abril de 2024, foi designada data para a realização da audiência de julgamento. 5. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, nos termos legais, conforme se alcança das atas elaboradas nos dias 3.07.2024 e 24.09.2024. 6. No dia 23. 09.2024, um dia antes da data agendada para a continuação de julgamento, a qual estava agendada para a parte de tarde, as partes requereram ao tribunal a quo que ordenasse a suspensão da instância com fundamento numa séria possibilidade de acordo. 7 - Esse requerimento foi indeferido por despacho de 24.09.2024, antes da hora agendada para continuação de julgamento, nos termos do nº 4 do artigo 272 do Código do Processo Civil, com fundamento de que esse acordo iria provocar o adiamento da audiência de julgamento, a qual, até já se tinha iniciado, sendo, em consequência, proferida a sentença, sem a inquirição das restantes testemunhas da Ré, reproduzindo-se aqui o despacho: “Requerimento, de 23 de Setembro de 2024 Declaração Electrónica de Adesão, de 23 de Setembro de 2024 Alegando a séria possibilidade de acordo, requerem, autora e ré, a suspensão da instância, por um período de 15 dias. Estatui o n.º 4 do artigo 272.º do Código de Processo Civil que “as partes podem acordar na suspensão da instância … desde que dela não resulte o adiamento da audiência final”, audiência de julgamento que já se iniciou, com produção de prova. Em face do exposto, indefere-se o ora requerido, sem prejuízo de as partes sempre poderem juntar aos autos, até à prolação da decisão a proferir, o acordo mencionado. Notifique.” 8. Esse despacho foi notificado às partes no próprio dia 24.09.2024. 9. Proferiu-se sentença no dia 22.10.2024, na qual, entre o mais, foi julgada improcedente a invocada nulidade por ineptidão da petição inicial e julgada a presente acção parcialmente procedente e, em conformidade, condenar a ré B..., S. A. a pagar à autora A..., Lda., as seguintes quantias: a.5.257,90 € (cinco mil e duzentos e cinquenta e sete euros e noventa cêntimos), relativo à factura n.º ..., emitida em 25 de Agosto de 2022 e com vencimento em 24 de Setembro de 2022, b.297,95 € (duzentos e noventa e sete euros e noventa e cinco cêntimos), a título de juros vencidos, contabilizados à taxa legal, desde a data de vencimento da factura descrita até 19 de Fevereiro de 2024, data da propositura da acção, a que acrescem os vincendos, desde essa data até efectivo e integral pagamento, e c.40 € (quarenta euros), a título de despesas suportadas com diligências para cobrança extrajudicial do crédito, Absolvendo a ré do demais peticionado.
10. Inconformada, a ré apelou, alegando na introdução da peça recursória que recorre da sentença final e do despacho que indeferiu a requerida suspensão da instância e formulou as seguintes conclusões: Da nulidade do despacho que indeferiu a suspensão da instância 1 - A 3-07-2024 foi dado início à audiência de julgamento, na qual foram ouvidas as duas testemunhas arroladas pela Autora e uma da duas arroladas pela Ré, sendo ainda efetuada uma acareação entre uma das testemunhas da Autora e Ré. 2 - Atendendo ao adiantado da hora e faltando ainda ouvir duas testemunhas da Ré, a audiência foi interrompida por ordem da Mª Juíza, sendo designado dia 24-09-2024 pelas 14horas para a sua continuação. 3 - No dia 23-09-2024 as partes requereram ao tribunal a quo que se ordenasse a suspensão da instância com fundamento numa séria possibilidade de acordo. 4 - Esse requerimento foi indeferido nos termos do nº 4 do artigo 272 do Código do Processo Civil, com fundamento de que esse acordo iria provocar o adiamento da audiência a qual até já se tinha iniciado, sendo, em consequência, proferida a sentença, sem a inquirição das restantes testemunhas da Ré, as quais, atendendo ao requerimento, não compareceram no tribunal. 5 - No entanto, salvo devido respeito por opinião diversa, consideramos que a Mª juíza não fez uma correta interpretação relativamente ao requerimento de suspensão da instância efetuado pelas partes, bem como dos preceitos legais atinentes à questão. 6 - Com efeito, Autora e Ré, atendendo à seria possibilidade de acordo, requereram ao tribunal que este ordenasse a suspensão da instância por 15 dias. As partes alegaram um motivo justificado (obtenção de acordo) e o prazo de que necessitariam para o fazer. Pelo que o tribunal podia e devia suspender a instância ao abrigo da al. c) do nº 1 do artigo 269 e nº1 do artº 272 do Código Processo Civil. 7 - No presente caso, as partes embora por acordo, pretendiam a suspensão por determinação da Mª Juíza nos termos do nº1 do artº 272 do C.P.C., daí terem alegado um motivo justificado, pelo que aquele despacho salvo melhor entendimento carece de fundamentação ou pelo menos com fundamentação deficiente, pelo que é nulo nos termos da al. b) e c) do nº1 do artº 615 e nº3 do 613 do C.P.C. 8 - Por outro lado, com o indeferimento da suspensão da instância, foi proferida sentença, sem que tivessem sido ouvidas as restantes testemunhas da Ré, colocando-a desde logo numa posição desigual em relação à Autora, constituindo, por isso, uma violação do princípio da igualdade das partes e o direito à prova, o qual deve nortear toda a actividade processual. 9 - E neste caso, não está sequer em causa saber se a Mª Juíza legalmente podia indeferir a suspensão requerida pelas partes, a questão é que o tribunal não garantiu, neste momento processual, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no uso de meios de defesa. 10- Assim sendo, mostrando-se violado o princípio da igualdade de armas e da igualdade das partes, preconizado pelo artigo 4.º do CPC, o despacho é nulo, com as devidas consequências legais. DA NULIDADE DA SENTENÇA por violação do princípio do contraditório 11 - Nestes autos, a Autora, no requerimento de injunção que apresentou, sumariamente invocou que a pedido da Ré prestou serviços em exata conformidade com o que havia sido, previamente, convencionado entre as mesmas e que a Ré não pagou a totalidade da fatura. 12 - Por sua vez, em sede de oposição ao procedimento de injunção, veio a Ré invocar que o não pagamento do remanescente da factura decorreu de um incumprimento parcial do trabalho a que a Autora se obrigou executar. 13 -Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, na qual foram ouvidas as duas testemunhas da Autora, bem como uma testemunha da Ré Sendo, ainda, sido feita uma acareação. 14 - Sucede que, com base nesses depoimentos, e sem que nenhuma das partes o tivesse alegado, o Tribunal a quo deu como provados, em sede de sentença, o facto 6 e 7 dos factos provados, fundamentando que esses factos foram alcançados e admitidos como factos concretizadores dos alegados, uma vez que decorrem da instrução da causa e foram devidamente contraditados no decurso da audiência de discussão e julgamento, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil”. 15 - No entanto, salvo melhor opinião, afigura-se-nos que à Mª Juíza não assiste razão, por considerarmos que aqueles factos dados como provados, não resultam nem concretizam nenhum dos factos alegados pelas partes, nem foram contraditados em audiência pela Ré. 17 - Em boa verdade a Autora no seu requerimento de injunção alega apenas que cumpriu pontualmente o acordado, mencionando a falta de pagamento parcial por parte da Ré, sendo que, perante esses factos, na sua oposição, a Ré alega que não pagou parte do preço, porque a Autora não concluiu os trabalhos que se propôs a realizar, o que de facto ficou provado! 18 – Deste modo, se a Autora considerava que a falta de cumprimento não proveio de culpa sua, salvo melhor entendimento competia a esta (e não às suas testemunhas), na sua petição/injunção ou no início da audiência, alegar factos indicadores de que a falta de cumprimento não se deveu a culpa sua. 19 - Destarte, constituindo aqueles factos (6º e 7º) matéria essencial à procedência da pretensão da Autora, e não tendo sido oportunamente alegados pela mesma, salvo melhor opinião a Mª Juíza não os podia considerar, sem que antes tivesse facultado à Ré o exercício do contraditório, sendo proibidas decisões-surpresa. 20 - Efectivamente, a decisão-surpresa, que a lei pretende afastar com a observância do princípio do contraditório, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar. 21 - É verdade que, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC, existe a possibilidade de serem considerados factos não alegados pelas partes que resultem da instrução da causa. 22 - Contudo, de modo a garantir o imprescindível exercício do contraditório, a lei exige que ambas as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar sobre os factos aditados, o que inclui a possibilidade de produzir prova e contraprova sobre eles, em obediência aos artigos 3.º e 4.º do CPC. 23- Nesse sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07.12.2023, atinente ao Proc. n.º 2017/11.0TVLSB.L1.S1 e de 07.02.2017, no âmbito do Proc. 1758/10. 24 - Não foi, assim, concedida à Ré a possibilidade de se pronunciar sobre a factualidade que não havia sido invocada pelas partes, nem de apresentar meios de prova, pese embora estejamos na presença de factos notoriamente essenciais. 25 - A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, dado ser susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, representando uma nulidade processual, razão pela qual a sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula, por violação do princípio do contraditório e da igualdade de armas, postulados nos artigos artigos 3.º e 4.º do CPC, respectivamente, nulidade esta que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais. IV - DA MATÉRIA DE FACTO - Dos pontos da matéria de facto que foram incorrectamente julgados 26 - A Ré, ora Recorrente, havia alegado que ficou acordado entre as partes que os trabalhos teriam de ser concluídos obrigatoriamente em Agosto, ou seja, quando conseguisse suspender a laboração da sua actividade, bem como que a Ré não apareceu em Agosto de 2023 para concluir os trabalhos que não tinha concluído em Agosto de 2022, não mais se disponibilizando para tanto. 27 - Tudo conforme alegado em sede de oposição, nomeadamente nos artigos 23.º, 24.º, 29.º e 32.º da oposição. 28 - Com efeito, o Tribunal a quo não relevou esses factos, o que, em face da prova testemunhal produzida, deveria ter sido dado como provado. 29 - Desde logo, o orçamentista AA admitiu que os trabalhos não haviam sido concluídos (ao minuto 57:06 supra transcrito). 30 - No que respeita ao momento temporal em que deveriam ser feitos os trabalhos, as duas testemunhas arroladas pela Autora - AA (minuto 54:30 supra transcrito) e BB (minuto 29:11 supra transcrito), respectivamente o orçamentista e o administrador executivo e financeiro - foram muito claras no sentido de terem conhecimento da obrigatoriedade de as mesmas terem que ser realizadas em Agosto, momento em que a Ré suspenderia a laboração da sua actividade 31 - No mesmo sentido depôs a testemunha da Ré, CC (minuto 03.20 supra transcrito) 32 - Esta testemunha confirmou ainda que tentou, junto da Autora, que esta concluísse os trabalhos no ano seguinte, ou seja, em Agosto de 2023, sem que aquela nada tivesse desenvolvido nesse sentido, sendo que depois não houve uma boa relação (minuto 6.35; 8.16; 9.10;9.33 e 9.40 supra transcritos) 33 - Esta prova testemunhal, que o Tribunal a quo não valorizou, revela-se fundamental para alcançarmos a culpa da Autora no não cumprimento do contrato. 34 - Por conseguinte, podemos concluir que os artigos 23.º, 24.º, 29.º e 32.º da oposição terão que ser dados como provados. V- DA DECISÃO DE DIREITO 35 – A Autora não se pronunciou quanto à alegada excepção do não cumprimento. 36 - Em obediência ao princípio do contraditório, há sempre que conjugar o disposto no n.º 4 do artigo 3.º do CPC com o n.º 1 do artigo 587.º e com o artigo 574.º, todos do CPC. 37 - Assim sendo, uma vez deduzida, em sede de oposição, a excepção do não cumprimento, a Autora, tem de impugnar os novos factos em que se baseia a excepção invocada pela Ré, podendo responder à excepção no início da audiência final, sob pena de se considerarem admitidos por acordo os factos não impugnados. 38 - Não o tendo feito, teremos que chamar à colação o n.º 1 do artigo 587.º do CPC, o qual determina que a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo Ré tem o efeito previsto no artigo 574.º do mesmo diploma, o que se traduz na admissão, por acordo, dos factos não impugnados. 39 - Razão pela qual, por via disso, o Tribunal a quo deveria ter dado como provados os factos invocados pela Ré que integram a excepção do não cumprimento e que, por falta de impugnação, ter-se-iam que considerar como admitidos por acordo os factos constantes nos artigos 14.º, 17.º a 36.º da oposição. 40 - Na fundamentação de direito A Mª Juíza, concluiu que: “a Autora não terminou efectivamente os trabalhos solicitados pela Ré e que se propôs realizar, o que poderia consubstanciar um incumprimento parcial. No entanto, tal sucedeu por, não obstante advertida para o facto de três trabalhadores não serem suficientes para, no período de tempo definido pela ré, finalizar e levar a cabo tais trabalhos, a ré insistiu em assim proceder. É certo que sempre a autora poderia não ter aceitado, sabendo, à partida, que não iria conseguir concluir o pretendido. Todavia, a ré, na pessoa de CC comprometeu-se a acompanhar os trabalhadores da autora por forma a alcançar esse desiderato. Por conseguinte, conclui-se que inexiste qualquer incumprimento culposo do contrato pela Autora”. (vid. pag.16 sentença) Não podemos, no entanto, sufragar esse entendimento. 41 - Ainda que se dê como assente que a Autora tenha advertido a Ré que não conseguia terminar a obra no prazo pretendido pela Ré (entre 1 a 19 de Agosto de 2022), esse facto, quando muito, só a desonerava de culpa, relativamente ao não cumprimento do contrato no prazo acordado (até 19 de Agosto de 2022),contudo a Autora continuava obrigada a cumprir a prestação a que a que estava vinculada. 42 - Pelo que o pagamento do remanescente da fatura por parte da Ré, só poderia ser exigível após a Autora oferecer a sua prestação em primeiro lugar, o que nunca ocorreu! Pelo que seria legitimo à Ré reter o pagamento de parte da fatura. 43 - A Ré concedeu à Autora nova oportunidade para concluir a obra, a qual, teria de ocorrer obrigatoriamente em Agosto de 2023, sendo que em Junho de 2023, pagou-lhe 2/3 da fatura (facto 13 da sentença). 44 - A Autora, sabia que a conclusão da obra teria de ocorrer nesse período, pois era o período em que a Ré suspendia a laboração. 45 - No entanto, tal não aconteceu! 46 - Pelo que, tendo a Autora que oferecer a sua prestação em primeiro lugar, seria lícito à Ré invocar a excepção do não cumprimento, atento o princípio da simultaneidade das obrigações e da reciprocidade das prestações sinalagmáticas. 47 - Destarte, perante uma situação de incumprimento recíproco das prestações acordadas pelas partes, conjugada com uma evidente perda de interesse mútuo na continuação da execução desse contrato, atendendo ao tempo decorrido, mais de um ano sem que a Autora se tivesse disponibilizado para a conclusão da obra, já que apenas a interpelou para o pagamento da totalidade da fatura (facto 15 da sentença), e tendo a Ré suspendido a laboração, em Dezembro de 2023, para proceder, a expensas suas, à conclusão da obra (facto 16 da sentença) há que concluir que estamos perante um incumprimento definitivo do contrato de empreitada, imputável, nesta parte, à Autora. 48 - Pelo exposto e atendendo a que a obra não foi concluída, entendemos que a Ré não podia ser condenada ao pagamento do remanescente da fatura. Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso de apelação e revogando a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, substituindo-a por outra que julgue a acção totalmente improcedente, por não provada, assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA.
11.A Autora não apresentou contra- alegações. 12. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. As questões colocadas no recurso: .1. Das Nulidades. . Da Impugnação da decisão sobre os factos. .Do Mérito da sentença.
III.FUNDAMENTAÇÃO: 3.1.Na primeira instância o tribunal proferiu a seguinte decisão da questão-de-facto: Com relevância para a decisão da causa, provaram-se os seguintes factos: 1.A requerente é uma sociedade por quotas cujo objecto social consiste em metalomecânica, montagens industriais, serralharia civil e mecânica geral, aluguer de equipamentos e de outras máquinas com ou sem manobrador/condutor, modelação de estruturas, manutenção industrial e limpezas, apoio na construção de infraestruturas, comércio de tubos, acessórios, equipamentos industriais, materiais de construção, inox, aço, carbono e outros metais, consultoria, engenharia, projectos e gestão de imóveis. 2.No exercício da sua actividade, a ré pediu à autora a prestação dos seguintes serviços: •Reparação do silo arrefecedor de areias, com aplicação de chapas, •Revestimento pelo exterior com aço inox da estrutura do elevador de areias, 3.a prestar entre as 8h e as 17h, de segunda a sexta-feira, e no período de 1 a 19 de Agosto, 4.altura em que a ré suspendeu a sua laboração para o efeito. 5.Para realização desses trabalhos, a ré solicitou à autora a disponibilização de três dos trabalhadores desta. 6.Aquando da orçamentação, a autora advertiu a ré de que não seria possível concluir a realização de todos os trabalhos solicitados só com três trabalhadores e no prazo pretendido por esta, 7.Tendo a ré, na pessoa de CC, se comprometido a acompanhar e a ajudar esses trabalhadores para os trabalhos se concluírem na data por si pretendida. 8.Para conclusão desses trabalhos, os trabalhadores da autora ainda trabalharam nos dias 15 (feriado) e 20 (sábado) de Agosto de 2022, nas instalações da ré, 9.Trabalhadores e dias que a autora cobrou e que a ré pagou. 10.No dia 20 de Agosto de 2022, os serviços solicitados pela ré à autora não estavam concluídos, designadamente, no que se refere ao elevador de areias. 11.A autora emitiu a factura n.º ..., emitida em 25 de Agosto de 2022, no valor de 15 657,90 €, com vencimento em 24 de Setembro de 2022. 12.A autora disponibilizou-se para concluir os trabalhos solicitados pela ré, sendo, para o efeito, necessários 2 ou 3 dias, mediante pagamento do valor facturado. 13.A ré efectuou dois pagamentos por conta da factura, cada um no valor de 5 200 €, o em 16 de Junho de 2023 e em 27 de Junho 2023. 14.O descrito em 12. não ocorreu por a ré não conseguir suspender a sua laboração antes de Agosto de 2023, não terem sido determinadas datas concretas para o efeito e não ter a ré procedido ao pagamento total do valor facturado. 15.A autora interpelou a ré para o pagamento da totalidade da factura descrita em 11., o que não sucedeu, nem na data do seu vencimento, nem até à presente. 16.Em Dezembro de 2023, a ré interrompeu, por três dias, a laboração, para proceder, a expensas suas, à conclusão dos trabalhos descritos em 2.. B.Factos Não Provados a.A autora despendeu, para cobrança da dívida à ré, o valor de 150 €.
3.2. Das Nulidades. A Recorrente invocou várias nulidades: a.nulidade do despacho proferido no dia 24.09.2024, pelo qual, o tribunal a quo indeferiu a suspensão da instância requerida pelas partes com fundamento numa séria possibilidade de acordo. Resulta do relatório introdutório que o fundamento recursivo da impugnação do despacho de 24.09.2024 é a alegada falta de fundamentação ou, pelo menos fundamentação deficiente, a implicar, segundo alega o recorrente, a nulidade do despacho desse despacho nos termos das alíneas b) e c) do art 615º e nº3 do art 613º, ambos do CPC. O art.º 615.º n.º 1 do C.P.C. estabelece que a sentença é nula quando: “a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.” A alínea b) deste artigo surge na sequência do dever de fundamentação que se impõe ao juiz, nos termos do art.º 154.º do C.P.C., e reporta-se à ausência de fundamentação de facto e de direito que suportam a decisão. As partes têm o direito de saber as razões da decisão do tribunal, pois só assim podem avaliar a bondade da mesma e, se for caso disso, ponderar a sua impugnação. Tem vindo a ser entendido, de forma pacífica, que só a absoluta falta de fundamentação é cominada com tal nulidade, que não se basta com uma fundamentação menos exaustiva ou deficiente, vd. neste sentido, a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/07/2008, no proc. 08A2179, in. www.dgsi.pt. No que respeita à previsão da al. c) do art.º 615.º n.º 1 do C.P.C., verifica-se uma contradição entre os fundamentos e a decisão quando os fundamentos invocados, de facto e de direito, conduzem, de uma forma lógica ou necessária a uma decisão diferente, revelando um vício de raciocínio do julgador. Como nos diz, a título de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/09/2011, no proc. 2903/05.7TBCSC.L1.S1 in. www.dgsi.pt: “A nulidade do acórdão por contradição entre os fundamentos e a decisão só ocorre quando a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente.” Posto isto, conforme resulta do relatório introdutório o requerimento de suspensão de instância foi indeferido por despacho de 24.09.2024, antes da hora agendada para continuação de julgamento, (14.00), nos termos do nº 4 do artigo 272 do Código do Processo Civil, com fundamento de que esse acordo iria provocar o adiamento da audiência de julgamento, a qual, até já se tinha iniciado, sendo, em consequência, proferida a sentença, sem a inquirição das restantes testemunhas da Ré que não compareceram no tribunal Neste aspecto, importa convocar o disposto no nº4 do artigo 272º do CPC que estabelece: “As partes podem acordar na suspensão da instância por períodos que na sua totalidade não execedam três meses, desde que dele não resulte o adiamento da audiência final” Ora, contrariamente à alegação do recorrente o despacho interlocutório recorrido não revela falta de fundamentação ou fundamentação deficiente. A fundamentação existe e é clara, bastando, para tanto, atentar na disposição legal ali citada e reproduzida. Sempre diremos, que para ser deferida uma eventual suspensão da instância para obtenção de acordo, não basta o acordo das partes, designadamente quando daí decorre o adiamento da audiência. Assim, não está verificada a alegada nulidade por falta de fundamentação desse despacho proferido a 24.09.2024.
b. Da alegada violação do princípio da igualdade de armas e da igualdade das partes, preconizado pelo artigo 4.º do CPC, com a prolação do despacho de 24.09.2024, a implicar a nulidade deste despacho. (conforme alegação da recorrente) Alega a recorrente que com o indeferimento da suspensão da instância, foi proferida sentença, sem que tivessem sido ouvidas as restantes testemunhas da Ré, colocando-a desde logo numa posição desigual em relação à Autora, constituindo, por isso, uma violação do princípio da igualdade das partes e o direito à prova, o qual deve nortear toda a actividade processual. Quid Iuris? A nulidade arguida neste segmento do recurso interposto é imputada a um despacho proferido no dia 24.09.2024, notificada nesse dia às partes e o recurso foi interposto no dia 09.12.2024 com referência à sentença proferida no dia 22.10.2024. As nulidades processuais distinguem-se das nulidades específicas da sentença bem como do erro de julgamento (de facto ou de direito). As nulidades da sentença respeitam a vícios de conteúdo, as nulidades processuais respeitam à própria existência de atos processuais. A arguida nulidade é um nulidade processual e não uma nulidade imputada ao próprio despacho com fundamento nos vícios do artigo 615º do CPC. Apresenta-se, pois, o apelante a arguir nulidade habitualmente chamada de secundária, inominada ou atípica nas alegações de recurso Quanto às regras gerais sobre a nulidade dos atos, estatui, para estas nulidades, o nº1, art. 195º, do Código de Processo Civil, que: “fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”, consagrando o nº1, do art. 199º, quanto ao prazo de arguição que: “se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”. Consagra-se, assim, um sistema que remete para uma análise casuística, em que se invalida apenas o ato que não possa ser aproveitado, sendo que invalidado um ato tal acarreta que se invalidem todos os subsequentes que se lhe sigam que daquele dependam absolutamente. Constitui exemplo de omissão de ato prescrito na lei a falta de cumprimento do dever jurídico do juiz de realizar diligência. Quanto ao regime e meio de arguição, a regra é a de que o juiz só conhece destas nulidades mediante arguição da parte e o meio processual próprio para o fazer é a reclamação (v. parte final do art. 196º e 197º), no momento em que ocorrer a nulidade, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário e, no caso de o não estar, o prazo geral de arguição, de dez dias, conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando se deva presumir que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência (cfr. arts. 199º, n.º 1 e 149º, n.º 1). Contudo, e mantendo, deste modo, “atualidade e pertinência do brocardo segundo o qual “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”, se houver um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir será a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente”. No caso, a arguição da nulidade processual reportada ao despacho de 24.09.2024 excedeu o prazo geral de 10 dias previsto na norma do art 149º CPC, não se verificando qualquer acusa justificativa de exceção à regra. Em consequência, nos autos, porque mostra-se ultrapassado o prazo geral de 10 dias, contados desde a notificação do despacho proferido a 24.09.2024, para a recorrente invocar a arguida nulidade, nos termos do art 149º do CPC,, resulta que a arguição nesta sede recursória da nulidade referida reportada ao despacho de 24.09.2024 é intempestiva e por isso não será objecto de apreciação e decisão neste recurso interposto da sentença final proferida, o que, se determina. Sempre diremos, independentemente da verificada intempestividade da arguição desta nulidade processual, que quanto à continuação da audiência sem a presença de testemunhas indicadas pela ré, uma vez que no processo de injunção as testemunhas devem ser apresentadas, a recorrente só dela própria se pode queixar, por força do princípio da responsabilidade das partes, a implicar que não está verificada nos autos a invocada nulidade por violação do princípio da igualdade de armas e da igualdade das partes, preconizado pelo artigo 4.º do CPC, nem tão pouco está violado o direito à prova.
c. Da nulidade da sentença por violação do princípio do contraditório: Alega a recorrente que o tribunal a quo, com base em depoimentos produzidos, e sem que nenhuma das partes o tivesse alegado, deu como provados, em sede de sentença os facto 6 e 7 dos factos provados, fundamentando que esses factos foram alcançados e admitidos como factos concretizadores dos alegados, uma vez que decorrem da instrução da causa e foram devidamente contraditados no decurso da audiência de discussão e julgamento, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil. Prossegue e alega que a inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, dado ser susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, representando uma nulidade processual, razão pela qual a sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula, por violação do princípio do contraditório e da igualdade de armas, postulados nos artigos 3.º e 4.º do CPC. Quid iuris? Nestes autos, a Autora, no requerimento de injunção que apresentou, sumariamente invocou que a pedido da Ré prestou serviços em exata conformidade com o que havia sido, previamente, convencionado entre as mesmas e que a Ré não pagou a totalidade da fatura. Por sua vez, em sede de oposição ao procedimento de injunção, veio a Ré invocar que o não pagamento do remanescente da factura decorreu de um incumprimento parcial do trabalho a que a Autora se obrigou executar. Reproduz-se aqui parte da alegação vertida na oposição: “Sucede que, esse prazo (19 de Agosto de 2022) não foi cumprido por parte da Requerente, não obstante esta haver trabalhado num feriado (15-08-2022) e num sábado (20-08-2022), pelos quais cobrou em excesso à Requerida e esta aceitar pagar, com a condição de a reparação ficar efectuada no dia 20 de Agosto. 20ºPorém, por razões alheias à vontade da Requerida, tal não aconteceu! Ou seja, parte do trabalho ficou por realizar. 21ºPelo que, como a requerida tinha de dar início obrigatoriamente à laboração, a continuação dos trabalhos teria de ficar deferida, para uma altura em que se pudesse suspender novamente a laboração. O que não seria fácil e trazia enormes transtornos! 22ºNão obstante reconhecer que o seu trabalho não havia sido concluído e que, por isso, tinha causado transtorno à Requerida, a Requerente emitiu a factura com a justificação e que o fazia por razões contabilísticas, mas que aguardaria pelo período que fosse conveniente à Requerida para a conclusão dos trabalhos. 23ºImpõe-se referir que, por causa do trabalho na estrutura do elevador de areias não ficar concluído, a Requerida teve de colocar, com custos acrescidos, 2 trabalhadores a efectuar, duas vezes por semana, a limpeza das areias que ocorriam pelo facto de o elevador de areias não estar reparado. 24ºEm Maio de 2023, a Requerida referiu à Requerente que a conclusão teria mesmo de ficar para Agosto desse ano, pois não conseguia suspender a laboração antes desse período. 25ºA Requerente concordou, referindo que lhe bastavam 2 ou 3 dias para concluir o trabalho (na Estrutura do elevador de areias), sendo que o material necessário para essa conclusão já se encontrava nas instalações da Requerida desde Agosto de 2022. 26ºContudo, a Requerente alegando, precisamente, que já havia liquidado o material solicitou o pagamento da factura. 27ºA Requerida, de boa-fé aceitou pagar, mediante a entrega de 2 cheques, no montante de 5.200 € cada um, com vencimento em 5 e 19 de Junho, os quais foram liquidados. 28ºReferindo que, em finais de Junho ou início de Julho, depois de acordarem as datas certas para a conclusão dos trabalhos, entregaria um terceiro cheque no montante de 5257,90 €, com vencimento em 20 de Agosto, correspondente ao remanescente da factura. 29ºNo entanto isso não veio ocorrer, por duas razões: a primeira porque, em inícios de Julho de 2023, a Requerida ainda não tinha, por parte da Requerente, a data fixada para o inicio dos trabalhos, os quais, pelas razões referidas, teriam de ser realizados obrigatoriamente em Agosto e a segunda, porque o comportamento da Requerente começou a mudar de rumo. 30ºCom efeito, a Requerente insistia no pagamento, mas quando a Requerida pretendia estabelecer a fixação dos dias para a conclusão dos trabalhos, aquela respondia com afirmações vagas, chegando a referir que os trabalhos estavam concluídos! 31ºPelo que, e por mera cautela, decidiu reter o remanescente da factura. 32ºE de facto, o receio da Requerida concretizou-se! A Requerente, não apareceu em Agosto de 2023 e não mais se disponibilizou para proceder à conclusão dos trabalhos. 33ºPelo que, em Dezembro de 2023, a Requerida teve de interromper, por três dias, a laboração, para proceder, a expensas suas, à conclusão dos trabalhos deixados incompletos pela Requerente. 34ºPelo exposto resulta que, não só não é exigível/vencido o capital correspondente ao remanescente da factura, como não são devidos os juros de mora peticionados sobre esse valor. (..).
Da análise dos articulados, resulta que os fatos em questão (itens 6º e 7º dos factos provados) não haviam sido alegados pelas partes nos articulados. Dispõe, no entanto, o artigo 5.º, n.º 2, b), do Código de Processo Civil: 2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: (...) b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar. Ora, os factos vertidos nos itens 6º e 7º dos factos provados, aditados pelo tribunal a quo, são efectivamente factos complementares da factualidade alegada pela autora no requerimento de injunção, no qual, alegou que concluiu atempadamente os trabalhos que lhe foram solicitados pela ré-recorrida. Assim, a questão colocada é a seguinte: Será suficiente, que tais factos tenham resultado da prova produzida na instrução da causa para o tribunal a quo os poder incluir na decisão da questão-de-facto? Conforme assinado na jurisprudência[1], “ o disposto no artigo 5.º, n.º 2, b), do Código de Processo Civil de 2013, corresponde essencialmente ao que constava do n.º 3, do artigo 264.º, do Código de Processo Civil de 1961, o qual havia sido introduzido pelo Decreto-lei n.º 180/96, de 25 de setembro 4, tendo a redação do código atual deixado de exigir a manifestação da parte interessada, para que integrem a factualidade relevante, os factos complementares ou concretizadores dos factos já alegados que apenas resultem da instrução da causa, podendo, por isso, a sua inclusão na factualidade integrante do objeto do processo ser da iniciativa do tribunal [2]. De modo a garantir o imprescindível exercício do contraditório, continua, no entanto, a exigir-se que ambas as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar sobre os factos aditados, o que inclui a possibilidade de produzir prova e contraprova sobre eles[3] . Todavia, essa possibilidade só pode ser proporcionada se o tribunal, antes de proferir a sentença, sinalizar às partes os factos que, apesar de não terem sido por elas alegados, se evidenciaram na instrução da causa e sejam relevante para a decisão da mesma, permitindo que estas se pronunciem sobre eles, concedendo-lhes prazo para indicarem os meios de prova que pretendam produzir, relativamente aos factos aditados ao objeto do litígio[4] . A revelar que a disciplina prevista no art. 5º, nº 2, al. b), do CPC exige que o tribunal se pronuncie expressamente sobre a possibilidade de ampliar a matéria de facto com os factos referidos, disso dando conhecimento às partes antes do encerramento da discussão. Só depois poderá considerar esses factos (mesmo que sem requerimento das partes nesse sentido).[5] Só assim é conferida à parte "a possibilidade de se pronunciar" sobre o facto que o tribunal se propõe aditar e só assim se assegurará um processo equitativo (art. 547º do CPC), facultando-se às partes o exercício pleno do contraditório, requerendo, se for caso disso, novos meios de prova em relação aos factos novos, quer para reafirmar a realidade desses factos, no sentido da sua prova, quer para opor contraprova a respeito dos mesmos, infirmando a realidade que aparentam.
.Feitas estas considerações, consultados os autos, constata-se que essa sinalização nunca foi efetuada na 1.ª instância, pelo que não foi garantido o imprescindível exercício do contraditório E como foi devidamente sinalizado no Ac STJ de 07.12.2023, convocando os acórdãos referidos: “ A sua invocação nas alegações do recurso de apelação, com a consequente possibilidade da parte contrária, na resposta, se pronunciar sobre a pretensão de aditamento de facto não alegado mas que sobressaiu na instrução da causa, não é suficiente para que encontre garantido o contraditório exigido na parte final da alínea b), do n.º 2, do artigo 5.º, do Código de Processo Civil, não sendo, pois, permitido ao tribunal da Relação, nos casos em que o contraditório não foi assegurado na 1.ª instância, valorar a prova aí produzida, e decidir que o mesmo se encontra provado, aditando-o à lista dos factos provados .[6] Em consequência do exposto, revelando os autos e a sentença recorrida, que os factos indevidamente aditados nos itens 6 º e 7 º dos fatos provados, fundamentaram a sentença que é objeto de recurso, justifica-se a anulação doa sentença recorrida, por forma a que o tribunal recorrido exerça o poder que lhe é conferido pelo artigo 662.º, n.º 1, c), do Código de Processo Civil, relativamente a esses fatos.
d.Aproveitando a remessa dos autos ao tribunal de comarca, impõe-se afirmar que a decisão de facto enferma ainda do vício de insuficiência de factos, porquanto, nela não foram vertidos os factos alegados na oposição-contestação da recorrente, concretamente, nos artigos 22º a 34º acima reproduzidos, sendo que, a propósito das exceções que são arguidas na contestação, o artigo 572º, al c) do CPC (aplicável à injunção após a dedução de oposição) estabelece que: “ Na contestação deve o réu: … ) c) Expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação”. Assim, sem prejuízo de não se ignorar que está provado que (16) em Dezembro de 2023, a ré interrompeu, por três dias, a laboração, para proceder, a expensas suas, à conclusão dos trabalhos descritos em 2, afigura-se-nos que a factualidade alegada nos artigos 22º a 34º da oposição sempre será relevante para aferir se a autora pode exigir a totalidade do preço acordado com a ré-recorrente e os juros. Pelo que, aproveitando a anulação da sentença recorrida por forma a que o tribunal recorrido exerça o poder que lhe é conferido pelo artigo 662.º, n.º 1, c), do Código de Processo Civil, relativamente aos factos vertidos nos itens 6º e 7º dos fatos provados, deve ainda o tribunal a quo, verter na decisão de facto os factos alegados nos artigos 22º a 34º da oposição, cabendo ao tribunal recorrido, apreciar e decidir se no caso, atento disposto no art 572º, al. c) do CPC, a requerente-recorrida ficou dispensado do ónus de impugnar esses factos para que os mesmos não se considerem assentes, ficando prejudicada a apreciação das demais questões invocadas pela recorrente. Sumário. ……………………………… ……………………………… ……………………………… IV. DELIBERAÇÃO. Nestes termos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em: . anular a sentença recorrida; . determinar a baixa dos autos ao Tribunal recorrido por forma a que o tribunal recorrido exerça o poder que lhe é conferido pelo artigo 662.º, n.º 1, c), do Código de Processo Civil, relativamente aos factos vertidos nos itens 6º e 7º dos fatos provados e por forma a que o tribunal a quo, verta na decisão de facto os factos alegados nos artigos 22º a 34º da oposição. . Julgar prejudicada a apreciação das demais questões invocadas pela recorrente. Custas a definir a final. |