Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PEDRO M. MENEZES | ||
Descritores: | CRIME DE ABUSO SEXUAL DE CRIANÇA COMISSÃO PLÚRIMA DE CRIMES | ||
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Nº do Documento: | RP202503261749/22.2JAPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/26/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO ARGUIDO. | ||
Indicações Eventuais: | 1. ª SECÇÃO CRIMINAL. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Estando em causa a prática de factos suscetíveis de configurarem a comissão plúrima de crimes de abuso sexual de criança, o Tribunal de julgamento pode (e deve) identificar, com base em todos os elementos probatórios ao seu dispor e a partir de marcos temporais inequívocos, o número de situações em que tais atos tiveram lugar. II - Nesse caso, o agente responderá por tantos crimes quanto os factos que cometeu (artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal), e não por apenas um só crime, independentemente da figura jurídica de que se lance mão para justificar tal unidade. III - As normas dos artigos 69.º-B, n.º 2, e 69.º-C, n.ºs 2 e 3, quando aplicadas pela condenação pelos crimes previstos nos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, e 172.º, n.º 1, alínea b), por referência àqueles mesmos preceitos incriminadores, todos do Código Penal, na sua redação atual, não violam a Constituição da República Portuguesa. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º: 1749/22.2JAPRT.P1 Origem: Juízo Central Criminal do Porto (...) Recorrente: AA Referência do documento: 19176450 I 1. O aqui recorrente impugna, com o presente recurso, decisão proferida no Juízo Central Criminal do Porto (...) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que o condenou, «pela prática, em autoria material e em concurso efectivo e real» de (1) «a) 12 (doze) crimes de abuso sexual de crianças agravado, na forma consumada (praticados entre Fevereiro de 2017 e final de 2019), p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 30.º, nºs 1 e 3, 171.º, nºs 1 e 2, 177.º, nº1, al. b), 69.º-B, nº2, e 69.º-C, nºs 2, 3 e 4, do Código Penal: - nas penas parcelares de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; - nas penas acessórias parcelares de proibição do exercício de funções pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do nº2 do artigo 69.º-B do Código Penal; - nas penas acessórias parcelares de proibição de confiança de menores pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do nº2 do artigo 69.º-C do Código Penal; e - nas penas acessórias parcelares de inibição do exercício das responsabilidades parentais pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do nº3 do artigo 69.º-C do Código Penal», (2) «b) 1 (um) crime de abuso sexual de menores dependentes agravado, na forma consumada (praticado entre Junho e meados de Novembro de 2020), p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 172.º, nº1, al. b), 171.º, nºs 1 e 2, 177.º, nº1, al. b), 69.º-B, nº2, e 69.º-C, nºs 2, 3 e 4, do Código Penal: - na pena de 2 (dois) anos de prisão; - na pena acessória de proibição do exercício de funções pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do nº2 do artigo 69.º-B do Código Penal; - na pena acessória de proibição de confiança de menores pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do nº2 do artigo 69.º-C do Código Penal; e - na pena acessória de inibição do exercício das responsabilidades parentais pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do nº3 do artigo 69.º-C do Código Penal», (3) e «c) em cúmulo jurídico, ao abrigo dos artigos 30.º, nºs 1 e 3, e 77.º, nºs 1 a 4, do Código Penal: - na pena (principal) única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão; - na pena acessória única de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 8 (oito) anos, nos termos do artigo 69.º-B, nº2, do Código Penal; - na pena acessória única de proibição de confiança de menor, em especial a adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, pelo período de 8 (oito) anos, nos termos do artigo 69.º-C, nºs 2 e 4, do Código Penal; e - na pena acessória única de inibição do exercício de responsabilidades parentais, pelo período de 8 (oito) anos, nos termos do artigo 69.º-C, nº3, do Código Penal», bem como (4) «[j]ulga[ndo] o pedido de indemnização civil deduzido (…) parcialmente procedente (…) conden[á-lo] (…) a pagar à demandante civil, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais que a esta causou, a quantia total de 25.000 € (vinte e cinco mil euros)», absolvendo-o do demais contra si peticionado. 2. Este é, na parte aqui relevante, o texto da decisão recorrida: «I. RELATÓRIO Foi proferido despacho de pronúncia (em 16.11.2023, ref.ª Citius nº453569726), para julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, do arguido: – AA [...] imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de: - um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, nºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, e com a pena acessória p. pelo artigo 69.º- C, nºs 2 e 3, do Código Penal; e - um crime de abuso sexual de menor dependente agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, nºs 1 e 2, e 172.º, nº1, al. b), e 177.º, nº1, al. b) do Código Penal, e com a pena acessória p. pelo artigo 69.º-C, nºs 2 e 3, do Código Penal. * * * * * No decurso da audiência, verificou-se uma alteração não substancial e da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação pública (para a qual remete o despacho de pronúncia), com relevo para a decisão da causa, pelo que, em observância ao disposto no artigo 358.º, nºs 1 e 3, do CPP, a mesma foi oficiosamente comunicada ao arguido, o qual não requereu prazo para preparar a sua defesa. [...] II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. Factos provados Discutida a causa e com interesse para a sua justa decisão, resultou provada a seguinte matéria de facto: a) Da acusação (para a qual remete o despacho de pronúncia) e do pedido de indemnização civil: 1. O arguido viveu em comunhão de mesa, cama e habitação com CC, desde, pelo menos, 2017 até Novembro de 2020, inicialmente na Rua ..., em ..., e, desde finais de 2018 até 2020, na Rua ..., em ..., .... 2. Quando iniciaram aquela coabitação, CC tinha uma filha de um relacionamento anterior, a ofendida BB, nascida em ../../2006. 3. Até finais de 2017, a progenitora da ofendida BB trabalhava durante o período nocturno, sendo habitual a menor aguardar a sua chegada, deitada no sofá da sala da residência, onde, normalmente, acabava por adormecer. 4. O arguido, aproveitando-se do facto de a ofendida BB se encontrar sozinha e a dormir ou a dormitar no sofá da sala, da relação de confiança que com ela mantinha, por força da coabitação e do ascendente que tinha enquanto companheiro da sua mãe, sendo por ela tido como sua figura paternal, decidiu actuar sobre a mesma com o propósito de satisfazer os seus ímpetos libidinosos, o que ocorreu, pelo menos, em treze ocasiões distintas, no período compreendido entre finais de Fevereiro de 2017 e meados de Novembro de 2020, momento em que o casal composto pelo arguido e a progenitora da ofendida se separou e esta última saiu da residência comum, levando os seus filhos, entre os quais a ofendida BB. 5. Uma das situações indicadas em 4) ocorreu em data que não foi possível apurar em concreto, mas situada entre finais de Fevereiro e finais de Dezembro de 2017, na residência sita na Rua ..., em ..., ao início da noite, após o jantar, quando o arguido se apercebeu de que a ofendida BB, então com 11 anos de idade, dormia no sofá da sala. 6. Nesse momento, o arguido abeirou-se da ofendida BB, baixou até aos joelhos as calças do pijama e as cuecas que a ofendida vestia e deitou-se na sua retaguarda, ficando ambos deitados lado a lado, após o que o arguido introduziu o seu pénis, erecto, na vagina da menor, passando a fazer movimentos de vai-vem. 7. No período compreendido entre Janeiro e o início de Abril de 2018, em quatro das ocasiões mencionadas em 4), o arguido, na residência identificada em 5) e aproveitando-se da circunstância de se encontrar somente com a ofendida na sala, actuou conforme descrito em 6). 8. No período compreendido entre Maio de 2018 e meados de Novembro de 2020, em sete das ocasiões mencionadas em 4), uma das quais ocorrida na residência identificada em 5), até Novembro de 2018, e outras seis ocorridas na residência situada na Rua ...., ..., ..., a partir de Novembro de 2018 até ao final de 2019, o arguido, aproveitando-se da circunstância de se encontrar somente com a ofendida na sala da correspondente habitação, actuou conforme descrito em 6). 9. Na última das ocasiões mencionadas em 4), no período compreendido entre Junho e meados de Novembro de 2020, na residência sita na Rua ..., em ..., ..., a ofendida, então com 14 anos de idade, encontrava-se sozinha, a dormir, deitada de lado, no sofá da sala, quando o arguido se deitou de lado, na retaguarda da mesma, baixou-lhe até aos joelhos as calças e as cuecas, apalpou-lhe as mamas pelo interior da camisola e introduziu-lhe o seu pénis, erecto, na vagina, passando a fazer movimentos de vai-vem. 10. Em todas as ocasiões supra descritas, o arguido tinha conhecimento da idade da ofendida e que actuava aproveitando-se desse facto, da relação de confiança que criara com a menor, do ascendente que detinha sobre a mesma, por ser o companheiro da sua mãe e por ela ser visto como sua figura paternal, bem como da circunstância de coabitar com a menor, para constrangê-la àqueles contactos, os quais o arguido sabia serem gravemente violadores da consciência, decência e pudor sexuais da ofendida, atendendo à sua idade e correspondente período de formação, tudo para satisfazer os seus próprios impulsos libidinosos. 11. O arguido agiu sempre de forma voluntária, livre e consciente, sabendo que todas as suas descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. 12. Em consequência das condutas do demandado civil supra descritas, a demandante civil sentiu tristeza, angústia, ansiedade e desmotivação para os conteúdos escolares. b) Da contestação: 13. O arguido nasceu no dia ../../1981. 14. O arguido frequentou o ensino até ao 10º ano de escolaridade, o qual não concluiu. 15. O arguido fez um curso de joalharia, não tendo exercido a correspondente profissão. 16. O arguido começou a trabalhar com 16 anos de idade, como fresador, numa fábrica, onde laborou cerca de 1 ano; após, trabalhou como pasteleiro, por mais um ano, actividade que suspendeu, por 8 meses, para cumprimento do serviço militar obrigatório; após cumprimento do S.M.O., retomou actividade laboral, numa fábrica. 17. Desde 2005, o arguido trabalha na empresa “A..., Lda”, mediante contrato de trabalho e auferindo o vencimento mensal líquido de cerca de 1.000 €. 18. O arguido e a mãe da ofendida conheceram-se na passagem do ano de 2010 para 2011 e namoraram cerca de 6 anos, sem coabitação. 19. Durante a relação de namoro entre o arguido e a mãe da ofendida, aquela vivia com esta e com o seu filho DD. 20. Em 2017, o arguido residia com a mãe da ofendida, a ofendida e os outros dois filhos daquela, DD e EE, sendo que esta última, até então, havia residido com a sua avó materna. 21. O arguido trabalhava na empresa identificada em 17) das 8.30 até às 17.30 horas e, habitualmente, regressava a casa entre as 18.00 e as 19.00 horas. 22. Em 2017, a mãe da ofendida trabalhava no snack-bar “B...”, sito em .... 23. FF, filha do arguido e da mãe da ofendida, nasceu no dia ../../2018. 24. Entre Maio e Junho de 2018, a mãe da ofendida pediu ao arguido para este assinar um documento relativo ao exercício das responsabilidades parentais em relação à filha FF, nos termos do qual a menor residiria somente com a mãe, o arguido teria o direito de estar com a filha um fim-de-semana, de 15 em 15 dias, e ficava obrigado a pagar a pensão de alimentos, no valor mensal de 100 €. 25. O arguido, a mãe da ofendida e a filha FF sempre residiram juntos, desde o nascimento da menor até à separação do casal. 26. Em 2019, a mãe da ofendida trabalhava no restaurante “C...”, no Porto, entre as 9.00 e as 19.00 horas, regressando a casa cerca das 20.00 horas. 27. O arguido comprou a habitação sita na Rua ..., em ..., .... 28. Em 2021, o referido DD residiu com o arguido durante determinado período de tempo. 29. No período de tempo indicado em 28), a ofendida deslocou-se à residência do arguido, para aí visitar o seu irmão DD. 30. A ofendida não sofreu qualquer retenção na escola. 31. No dia 6 de Abril de 2022, a mãe da ofendida deslocou-se à residência do arguido e denunciou à GNR os factos imputados ao arguido nestes autos. c) Mais se provou que: 32. O arguido tem a seu cargo as seguintes despesas mensais: duas prestações atinentes a dois créditos bancários que contraiu, nos montantes de cerca de 340 € e 225 €, respectivamente; as correspondentes aos consumos domésticos de água (no valor de 60 €) e energia eléctrica (no valor de 90 €); as atinentes a telecomunicações, no montante de 60 €; a prestação de alimentos à sua filha, no valor de 100 €. 33. O arguido continua a residir na habitação identificada em 27), onde vive, presentemente, com a sua actual companheira e o filho mais novo desta, com 13 anos de idade; esta dinâmica intrafamiliar pauta-se pela entreajuda e vinculação afectiva. 34. A denúncia efectuada em 6.04.2022, conforme auto de notícia a fls. 4-5, conduziu à instauração de processo de promoção e protecção na CPCJ ..., em relação à menor FF, o qual, por falta de consentimento dos pais, prosseguiu sob o nº..., do Juízo de Família e Menores ... - .... 35. Na sequência da intervenção da EMAT ..., a equipa do CAFAP (Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental) da ... interveio junto da família. 36. Desde Dezembro de 2023, o arguido não mantém contactos com a sua filha FF. 37. O arguido não apresenta actividade alucinatória nem delirante, actual ou prévia; as suas funções cognitivas e intelectuais encontram-se dentro dos limites da normalidade clínica; tem juízo crítico; apresenta humor normal e afectos congruentes. 38. O arguido não padece de anomalia psíquica, nem tem traços disfuncionais de personalidade que configurem diagnóstico de Perturbação de Personalidade; é dotado de capacidades cognitivas e intelectuais que lhe permitem, de forma suficiente, entender e avaliar a ilicitude dos factos em discussão nos autos e determinar-se de acordo com essa avaliação. 39. O arguido evidencia elevada desejabilidade social, grande preocupação com a imagem que dá de si próprio; apresenta dificuldades em avaliar as suas limitações e em colocar-se em causa; revela propensão a atribuir, frequentemente, a responsabilidade das suas acções ao comportamento dos outros e a circunstâncias externas, desresponsabilizando-se pelas mesmas. 40. Ao nível de desenvolvimento sociomoral, o arguido demonstra um nível situado no estádio convencional que assenta na consciência de que a regra existe, sendo esta percebida como interiormente imposta, o que implica ter capacidade de fazer julgamentos morais das suas acções, tendo consciência do significado das mesmas dentro do conjunto das normas estabelecidas; o arguido parece apresentar dissonâncias cognitivas, na tentativa de desculpabilizar o seu comportamento, destacando-se o locus de controlo externo e a desresponsabilização e defensividade como padrão de resposta predominante; o arguido denota, particularmente, desvalorização de algumas das situações disruptivas em que esteve envolvido (nomeadamente, os consumos de substâncias psicoactivas). 41. O arguido apresenta um modo de organização e funcionamento psicológico com algumas características que podem ser desadaptativas, nomeadamente: imaturidade, tendência à impulsividade e leviandade. 42. No plano do desenvolvimento psicossexual e da forma como encara a sua sexualidade, o arguido não apresenta indicadores de desvios. 43. Do certificado do registo criminal do arguido nada consta. II.2. Factos não provados Não se provaram outros factos com interesse para a justa decisão da causa, designadamente: Da acusação (para a qual remete o despacho de pronúncia) e do pedido de indemnização civil: a) Desde 2018 até 2020, a progenitora da ofendida BB trabalhou durante o período nocturno. b) O arguido actuou conforme descrito em 4) em mais de 20 (vinte) ocasiões, habitualmente com uma semana de intervalo, sendo que, por vezes, mais do que uma vez na mesma semana. c) Em consequência das condutas do arguido supra descritas, a demandante civil tem manifestações suicidas e vive em sobressalto. d) A demandante civil ainda vive angustiada. e) A demandante civil perdeu disponibilidade para a prática de quaisquer actividades físicas, de lazer e de convívio com a família, amigos, colegas de trabalho e/ou colegas de escola. f) Em consequência das condutas do arguido supra descritas, a demandante civil não voltará a sentir tranquilidade e paz. Da contestação: g) Quando a mãe da ofendida trabalhava no sobredito snack-bar “B...”, o respectivo horário de trabalho era, em regra, das 10.00 até às 19.00 horas, chegando a mesma a casa cerca das 20.30 horas e, quando era necessário trabalhar até mais tarde, cerca das 22.00 horas. h) Quando a mãe da ofendida engravidou de FF, foi despedida do seu emprego no sobredito snack-bar “B...”, o que levou a que a mesma ficasse em casa desde, pelo menos, Novembro de 2017. i) EE, DD e a ofendida regressavam a casa, provenientes da escola, nunca após as 18.30 horas. j) Após a separação do casal e quando o seu irmão DD deixou de residir com o arguido, a ofendida deslocou-se à residência deste unicamente somente para o visitar, tendo ali tomado refeições e pernoitado, várias vezes. k) O arguido não actuou conforme descrito em 4) a 11). l) A mãe da ofendida deu início ao presente processo para impedir o arguido de obter a residência alternada em relação à filha de ambos. m) Quaisquer outros factos, designadamente constantes da acusação (por remissão do despacho de pronúncia), do pedido de indemnização civil e da contestação, que não se encontrem descritos como provados ou que sejam contraditórios em relação aos mesmos, sendo a demais matéria alegada irrelevante, conclusiva ou de direito. II.3. Motivação de facto [1] O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica do conjunto das provas examinadas e/ou produzidas em audiência de julgamento. [2] Antes de mais, cumpre salientar que, na falta de elementos de prova que sustentem, cabalmente e com o rigor e a segurança exigíveis, a factualidade imputada ao arguido, persistirá a dúvida razoável sobre a verificação e a autoria dos factos, pelo que, de acordo com o princípio fundamental da presunção de inocência do arguido, plasmado no artigo 32.º, nº2, da CRP, tal incerteza não poderá e, por isso, não irá desfavorecê-lo (in dubio pro reo). [3] A relação de parentesco – de filiação – entre a vítima/ofendida e a pessoa (sua progenitora) com quem, à data dos factos, o arguido vivia em condições análogas dos cônjuges está provada com base no documento a fls. 36, resultando a idade da primeira comprovada pelo teor da certidão do respectivo assento de nascimento, de 20.12.2023 (ref.ª Citius nº55230710). A data de nascimento do arguido está comprovada com base na informação a fls. 37. Em correspondência, julgou-se provada tal factualidade, nos termos vertidos sob os nºs 2 e 13. [4] Em sede de inquérito, o arguido não prestou declarações perante autoridade judiciária (magistrado do Ministério Público e/ou juiz de instrução), pelo que não existem declarações de arguido a valorar como meio de prova, ao abrigo dos artigos 141.º, nº1 e nº4, al. b), 355.º, nºs 1 e 2, e 357.º, nº1, al. b), nº2 e nº3, do CPP. [5] Na audiência de julgamento, o arguido optou por prestar declarações, negando, peremptoriamente, todos os comportamentos sexuais que lhe são imputados na acusação. O arguido afirmou que apenas começou a coabitar com CC (testemunha e mãe da ofendida BB) e com os três filhos da mesma (EE, DD e a ofendida BB) a partir de 2017, sendo que, até então, mantiveram uma relação de namoro, sem coabitação e iniciada em Janeiro de 2011. Segundo o arguido, tal relação de união de facto terminou com a saída da sua companheira, acompanhada pelos filhos (incluindo a filha comum, FF, nascida no dia ../../2018 – cf. certidão do respectivo assento de nascimento junto com a contestação do arguido/demandado civil), da casa de morada de família, em finais de Novembro de 2020, salvaguardando que os motivos desta separação nada teve que ver com os factos em discussão nos autos – o que a testemunha CC viria a confirmar no respectivo depoimento. Por outro lado, o arguido sustentou que a testemunha CC não trabalhou durante todo o ano de 2018, antes e depois do nascimento da filha comum (nascida em ... de 2018), tendo retomado o trabalho somente em 2019, agora num estabelecimento de restauração situado no Porto, com o horário das 9.00 às 18.00 horas. O arguido admitiu, no entanto, que, enquanto a mãe da ofendida se manteve a trabalhar até 2017, exercendo a sua actividade num estabelecimento de snack-bar situado em ... (cidade onde então e inicialmente coabitaram, na Rua ..., até Novembro de 2018), o mesmo ficava, à noite, na residência, somente na companhia dos três filhos daquela. Ora, os documentos juntos pela Segurança Social em 6.02.2024 (ref.ª Citius nº38066780), corroboram que a mãe da ofendida não trabalhou a partir de Novembro de 2017 e durante todo o ano de 2018, tendo beneficiado, ao longo desse período, de prestação social de protecção na maternidade. [6] O arguido aludiu, ainda, à situação em que a testemunha CC, quando já estavam separados, foi ao seu encontro, na sua residência, situada na Rua ..., em ... – ... (o apartamento que o arguido comprou em finais de 2018 e em que o casal e os filhos daquela também haviam vivido, depois de se mudarem da aludida casa situada na Rua ..., em ...), acusando-o de ter “violado” (sic) a filha BB. Este episódio mostra-se corroborado pelo teor do auto de notícia a fls. 4-5 v.º, que esteve na origem do presente processo. O arguido procurou, assim, sustentar que a denúncia dos factos em causa nestes autos surgiu unicamente do propósito da mãe da ofendida, a qual também é a progenitora da menor FF, de o impedir de obter a residência alternada relativamente a esta sua filha, sendo certo que essa residência ficara formalmente atribuída, em exclusivo, à mãe da menor (para acederem a benefício social de montante mais elevado, como sucede nos casos de monoparentalidade), mesmo antes de o casal se separar (conforme consta, aliás, da certidão do assento de nascimento da menor, junto com a contestação do arguido/demandado civil). [7] Contudo, do teor dos documentos juntos aos autos (por ofício de 14.02.2024, ref.ª Citius nº38143828) apenas resulta que o arguido, na qualidade de progenitor da menor FF, requereu a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas àquela, junto do Tribunal, somente em 2.11.2022 (no âmbito do Proc. nº..., do Juízo de Família e Menores ... – ..., tendo a respectiva acção sido julgada improcedente, por sentença de 30.11.2022), o que contraria aquela tese, pois o episódio que relatou ocorreu em momento anterior (em Abril de 2022). [8] Por fim, o arguido descreveu a disposição dos compartimentos da casa em que residiu com a ofendida BB e a família desta, situada na Rua ..., em ..., por referência às fotografias e respectiva planta – juntas com a sua contestação, de 25.01.2024 (ref.ª Citius nº37958552), e em 14.02.2024 (ref.ª Citius nº38143855) – tendo, ainda, efectuado um relato sobre a sua relação com todos os filhos da testemunha CC, descrevendo-a como sendo positiva e de grande proximidade. Também na tentativa de demonstrar a falsidade dos abusos sexuais que lhe são imputados neste processo, o arguido declarou que, após a separação do casal, a ofendida BB frequentou a sua casa, durante o período de tempo em que o irmão desta (a testemunha DD) ali residiu somente com o arguido, o que decorreu desde Fevereiro até Junho de 2021. [9] O arguido mencionou, ainda, que, em momento anterior à denúncia dos factos, havia enviado, por telemóvel, uma mensagem escrita à ofendida BB, a pedir-lhe desculpa; no entanto, o arguido ressalvou que esta mensagem não esteve relacionada com qualquer situação da natureza dos factos que integram o objecto deste processo; diferentemente, o arguido contextualizou-a no mal-estar provocado pelo seu diferendo com a mãe daquela, relacionado com a sua pretensão de obter a guarda partilhada da sua filha FF. [10] As declarações para memória futura (abreviadamente, DMF) prestadas pela vítima/demandante civil BB perante juiz de instrução, no decurso do inquérito – a que corresponde o auto de 18.10.2022 (ref.ª Citius nº441267822), a fls. 113-114 v.º e cuja transcrição consta de fls. 125 a 140 v.º –, apesar de não terem sido reproduzidas (ouvidas e/ou lidas) na audiência de julgamento, foram consideradas como meio de prova válido, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 271.º, nºs 1 a 7, 355.º, nºs 1 e 2, e 356.º, nº2, al. a), do CPP, em virtude do douto Acórdão do STJ nº8/2017, de 11.10.2017, que fixou jurisprudência nos seguintes termos: “As declarações para memória futura, prestadas nos termos do artigo 271.º do Código de Processo Penal, não têm de ser obrigatoriamente lidas em audiência de julgamento para que possam ser tomadas em conta e constituir prova validamente utilizável para a formação da convicção do tribunal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 355.º e 356.º, n.º 2, alínea a), do mesmo Código”- in DR, nº224/2017, Série I, de 21.11.2017, pp. 6090-6113. [11] Nessas declarações, que prestou quando tinha 16 anos de idade, a vítima/demandante civil BB descreveu/concretizou, em termos suficientemente elucidativos, os factos tal qual se encontram descritos sob os nºs 5 a 9 dos factos provados. [12] Ora, ouvidas (e lidas) essas declarações, nelas sendo perceptível o tom de voz confrangido e a atitude chorosa da declarante (postura que, aliás, tivera aquando da avaliação psicológica a que foi submetida neste processo, conforme consta do correspondente relatório pericial – cf. pág. 5, a fls. 79 v.º), conclui-se que a mesma falou com verdade, ponderando a consistência e o grau de concretização da sucessão de eventos que relatou naquelas declarações. Aliás, a credibilidade destas DMF encontra-se sustentada através da perícia médico-legal psicológica realizada à declarante, conforme consta do respectivo relatório pericial, junto em 3.08.2022 (ref.ª Citius nº32987737), a fls. 77-87 v.º. [13] Com efeito, a vítima BB, ao longo do processo da avaliação pericial, efectuou o relato dos factos “com elevada ativação emocional, tendo chorado”, “demonstrou um discurso organizado e coerente com o comportamento; consciente, orientada em todas as dimensões, com atenção focada e mantida sem dificuldades; memória em avaliação clínica sem alterações significativas”, não obstante ter-se manifestado, por vezes, “um pouco desorientada e confusa, nomeadamente ao que à frequência e moldura temporal diz respeito (aspecto que pode estar relacionado com a confusão cognitiva muitas vezes associada a tipos de vitimação continuada semelhantes aos narrados pela avaliada)” – cf. pág. 17 do dito relatório. A vítima evidenciou “capacidade narrativa e mnésica, revelando as competências percetivas e narrativas esperadas para a sua idade e capacidade de responder às questões que lhe foram dirigidas, dando informações sobre acontecimentos do quotidiano, protagonistas, dinâmicas, interacções, locais e contextos; verbalizou acerca dos seus gostos, interesses e preferências”. Com recurso a temas neutros, a vítima “demonstrou capacidade para distinguir realidade de fantasia, verdade de mentira”, sendo que, “em momento algum, a menor denotou estar a ser influenciada externamente”. No mesmo relatório pericial, fez-se constar que a vítima menor, no relato descritivo que produziu relativamente aos factos, não revelou indicadores de fantasia, mentira e/ou sugestionabilidade; ao invés, o discurso da declarante reúne critérios de credibilidade, porquanto: a mesma foi “capaz de narrar, de forma clara, os eventos ocorridos, fazendo referência a pistas contextuais”; as declarações prestadas mostraram-se “no seu conjunto coerentes, lógicas, plausíveis, admissíveis, com carácter realista, pese embora alguma elaboração inestruturada (os elementos factuais do caso foram acompanhados de digressões temporais e a sequência de acontecimentos não se deu por ordem cronológica, no entanto, conseguimos unir os fragmentos da declaração e dar-lhe uma consistência lógica)”; a menor “contextualizou os alegados eventos no tempo e no espaço, fornecendo alguns detalhes periféricos e admitiu lapsos de memória”. Acresce que a vítima menor, quanto a determinados aspectos dos episódios relatados, denotou desconhecimento (v.g., se o arguido ejaculou ou não, se o mesmo usou ou não preservativo e se houve ou não introdução “completa” do pénis), sendo que “esta admissão de aspectos sobre os quais há desconhecimento constitui um dos indicadores de credibilidade muitas vezes presente nos casos de abuso” – págs. 17 a 19 do mesmo relatório. [14] Quanto ao número de situações vivenciadas pela vítima BB, esta não logrou indicar um número preciso, apenas referindo que “aconteceram várias vezes”, não se apresentando suficientemente clara quando questionada pelo Juiz de Instrução sobre se teriam sido 10, 20 ou mais vezes (respondendo: “Penso que foram mais que isso”; “Não sei”; “Eu penso que sim”; “quando a FF nasceu, (…) as coisas acalmaram e parou durante um período de tempo e depois voltou a acontecer”; “havia vezes em que acontecia mais que uma vez numa semana, semana que acontecia nada” – cf. págs. 17, 18 e 23 da transcrição das DMF. Ora, estas imprecisões ou falta de memória em relação à quantidade de episódios de natureza abusiva e traumática não comprometem a veracidade do depoimento da vítima BB, pois “conforme nos indica a literatura especializada, muito frequente, em situações abusivas, de vivência e/ou exposição a violência ou a comportamentos desviantes continuadas no tempo, as crianças/jovens não conseguirem precisar o número exacto de vezes, ou situar no tempo as alegadas vivências” – cf. pág. 19 do mesmo relatório pericial. Em suma: a vítima apresentou “capacidade para testemunhar de forma relevante e relatar factos pertinentes sobre o evento em análise, sendo capaz de manifestar um comportamento apropriado em sede de tribunal. A ausência de doença mental, de perturbações emocionais graves e de perturbações da percepção, memória e pensamento e a normodotação intelectual sugerem que a examinanda está capaz de fornecer um testemunho válido, assim como prestar declarações para memória futura de forma válida e credível, pese embora a elevada activação emocional evidenciada” – cf. pág. 20 do mesmo relatório. [15] Na audiência de julgamento, a perita II corroborou integralmente o teor do sobredito relatório, que elaborou, e prestou alguns esclarecimentos sobre o mesmo, afirmando não ter detectado na vítima BB indicadores de ganhos secundários através da imputação de abusos de natureza sexual ao arguido, nem que a mesma tivesse efectuado a revelação dos factos movida por qualquer vontade de vingança ou retaliação, muito menos associada a qualquer sentimento de quebra/rompimento da relação afectiva com o arguido, por quem a menor nutrisse um sentimento romântico/de paixão – quadro aventado pela defesa do arguido/demandado civil, o qual resultou absolutamente afastado, por desprovido de respaldo factual ou probatório e frontalmente refutado pela identificada perita em psicologia forense, a qual também esclareceu que é frequente a vítima revelar os abusos sexuais sofridos com grande dilação temporal, por referência ao tempo em que os correspondentes factos ocorreram, devido a determinados factores, os quais verificou estarem presentes na ofendida BB: ambivalência de sentimentos em relação ao arguido (pois nutria afecto pelo mesmo, o qual encarava como a sua figura paternal) e autorresponsabilização pelos abusos sofridos, associada a sentimentos de culpa e vergonha. [16] Neste passo, cumpre salientar que o teor do mencionado relatório pericial foi fundamental para o apuramento das sequelas que resultaram, ao nível psicológico e emocional, para a vítima BB. [17] Acresce que a existência das concretas consequências psico-emocionais julgadas provadas também decorre, com objectiva clarividência, da literatura científica (correspondentes a estudos das áreas da Psiquiátrica e da Psicologia) sobre agressores sexuais e vítimas de abusos sexuais. [18] A testemunha CC, mãe da vítima/demandante civil e ex-companheira do arguido/demandado civil, prestou um depoimento que, não obstante a animosidade nele evidenciada em relação àquele, se afigurou coerente e sincero e, nessa medida, mereceu a credibilidade do Tribunal. Assim, esta testemunha refutou, de modo circunstanciado e consistente, e, por isso, verosímil, a tese do arguido quanto ao motivo da imputação dos factos em causa neste processo. Com efeito, a depoente convenceu o Tribunal de que a sua oposição à guarda partilhada da filha FF com o arguido e o reforço da sua vigilância quanto à menor (à data, ainda de tenra idade) apenas surgiram depois de a mesma ter tomado conhecimento dos imputados abusos sexuais ao arguido, o que remontou à data do episódio a que respeita o auto de notícia a fls. 4-4, ocorrido no dia 6.04.2022, na residência do arguido (em ... – ...); neste contexto, esclareceu que tomou conhecimento dos factos directamente através da própria ofendida, a qual lhe revelou que “tinha sido violada” (sic) pelo arguido, em ambas as residências onde todos tinham coabitado (... e ...), na sala, embora sem quantificar nem descrever tais episódios. Diversamente do arguido, a testemunha CC situou o início da sua coabitação e dos seus filhos com o arguido em 2014, tendo, porém, corroborado a versão do arguido quanto ao facto de não ter trabalhado – e, por isso, não se ausentava da residência à noite – durante praticamente todo o ano de 2018 e quando passaram a residir no apartamento situado em ..., pois esteve de baixa médica, por gravidez de risco, logo desde Janeiro desse ano até ao nascimento da filha FF (no mês de Abril), após o que gozou a licença de maternidade, durante 6 meses. Somente depois retomou a sua actividade laboral, em 2019, agora num restaurante situado na baixa do Porto, do qual saía, em regra, às 19/19.20 horas. A depoente mais afirmou que, até ao início daquela baixa médica, trabalhou no snack-bar “B...”, situado em ..., onde cumpria o seguinte horário: de 2ª a 5ª feira, das 7.30 às 15.00 e das 20.00 às 0.00 horas; à 6ª feira e Sábado, das 20.00 à 1.00 horas. A mesma testemunha referiu que, nessa época (ou seja, até finais de 2017), ainda viviam na habitação situada em ... e a ofendida BB costumava aguardar, no quarto ou na sala (a ver televisão), pelo seu regresso do trabalho a casa, à noite; quando passaram a residir em ... (ou seja, a partir de finais de 2018), era habitual o arguido ficar na sala, à noite, apenas na companhia da ofendida, enquanto que a depoente, que então já não trabalhava à noite, se encontrava noutra divisão da residência. [19] A testemunha CC referiu que o arguido, de entre os filhos da mesma, mantinha um bom relacionamento somente com a ofendida BB. [20] Esta testemunha afirmou, ainda, que, em 2021, foi-se apercebendo do mal-estar da ofendida, pois esta chorava, isolava-se e andava munida da Bíblia. Declarou, igualmente, que não teve conhecimento directo da aludida mensagem escrita, a qual lhe foi apenas referenciada pela própria ofendida, que lhe transmitiu que o arguido lha tinha dirigido, pedindo-lhe desculpa por “lhe ter destruído a vida” (sic). A propósito da superveniente impossibilidade de aceder a tal conteúdo, a mesma testemunha declarou que, quando o assunto foi abordado, o telemóvel em que a ofendida recebera a dita mensagem já havia sido vendido (no “OLX”). [21] Em relação à mesma mensagem, a testemunha HH, amiga da vítima/demandante civil há cerca de 5 anos, referiu que, em determinada ocasião, quando ambas se encontravam perto da estação de metro ..., em ..., aquela exibiu-lhe o seu telemóvel, no qual conseguiu ler a palavra “desculpa”, numa mensagem, em que o arguido figurava como o remetente. A mesma testemunha declarou que foi devido à sua insistência (pois considerava que a ofendida andava “apagada” (sic)) que a ofendida acabou por lhe transmitir, em jeito de confidência e em termos genéricos, que o arguido tinha-se envolvido sexualmente com a mesma – que a “tinha violado” (sic) –, mediante penetração do pénis na sua vagina. A depoente corroborou ter recebido o telefonema que a testemunha CC mencionou ter-lhe efectuado, quando esta última tomou conhecimento dos factos imputados pela ofendida ao arguido. [22] A testemunha JJ, mãe de uma amiga da vítima/demandante civil (a testemunha KK), depondo de modo que se nos afigurou equidistante e descomprometido, revelou que, enquanto a ofendida frequentou a sua residência – o que aconteceu há cerca de 3 anos –, a mesma apresentava-se “triste” (sic), tendo pernoitado em sua casa durante cerca de duas semanas, em 2022, na sequência de ter revelado que havia sido “abusada” (sic). Esta testemunha mais declarou que, durante esse período de tempo, presenciou a vítima/demandante civil a chorar, quando se encontrava a conversar telefonicamente com a sua mãe. A depoente afirmou, também, que a vítima BB, embora sem concretizar os imputados actos sexuais, lhe disse que havia sido abusada pelo companheiro da sua mãe (o arguido), desde cerca dos seus 9 anos de idade e que tais abusos tinham ocorrido no interior da residência da família. [23] A testemunha DD, irmão da vítima/demandante civil, corroborou as declarações do arguido e da testemunha CC (sua mãe) no que respeita aos coabitantes das suas duas sucessivas residências (em ... e, depois, em ...), afirmando, porém, não se recordar se era usual o arguido e a ofendida BB ficarem em casa, à noite, somente na companhia um do outro. O depoente referiu que, em determinado dia, a vítima acabou por abordar com a mãe de ambos os imputados abusos sexuais, depois de, nesse mesmo dia, a ter questionado sobre o motivo do seu estado, pois a ofendida “teve um ataque de choro”, enquanto lhe dizia que o arguido “tinha que pagar pelo que fez” (sic). Por outro lado, esta testemunha declarou que a ofendida, já depois da separação entre a mãe de ambos e o arguido, nunca foi visitar aquele à sua residência. Por fim, corroborou o horário de trabalho da sua mãe quando a mesma trabalhava em ..., afirmando, que, quando aquela ainda não havia regressado a casa, à noite (pois trabalhava até à 1.00 da manhã), estavam em casa o arguido, o próprio depoente e as suas duas irmãs (a ofendida e a testemunha EE); porém, em virtude de, nesses momentos, se retirar para o seu quarto, o mesmo nunca se apercebeu do que pudesse estar a acontecer na sala ou nos restantes compartimentos da habitação. [24] A testemunha EE, irmã da vítima/demandante civil, apesar de afirmar que partilhava o quarto com esta enquanto coabitaram, evidenciou não se recordar se, à época, a ofendida ficava na sala da residência, à noite, somente na companhia do arguido, pois, nesse período do dia, a depoente encontrava-se habitualmente no seu quarto (focada no telemóvel ou no computador). Esta testemunha declarou, igualmente, que a relação entre o arguido e a sua mãe (a testemunha CC), no que concerne ao exercício das responsabilidades parentais atinentes à sua irmã FF, apenas se tornou conflituosa quando aquela tomou conhecimento dos abusos sexuais ao mesmo imputados pela ofendida. Por outro lado, a mesma testemunha fez referência a “alguns ataques de pânico” (sic) da ofendida, os quais presenciou enquanto todos residiram em ... (ou seja, até finais de 2018), ressalvando, porém, desconhecer a causa de tais episódios. Declarou, ainda, que a ofendida, já depois de o arguido estar separado da mãe de ambas, chegou a deslocar-se à residência daquele, para tomar conta da irmã FF, sendo que, posteriormente, a ofendida transmitiu-lhe que o fazia para evitar que a bebé fosse também abusada sexualmente pelo arguido. [25] A testemunha KK, amiga da vítima/demandante civil há cerca de 3 anos, declarou que esta, em Março/Abril de 2022, lhe revelou que havia sido “abusada pelo padrasto há uns anos atrás” (sic) e que tal havia acontecido “mais do que uma vez”, quando a mesma “tinha 12 ou 13 anos” (sic). [26] A testemunha LL apenas evidenciou tratar-se do agente da PSP que elaborou o auto de notícia, datado de 18.07.2021, junto com a contestação do arguido/demandado civil, não tendo presenciado, na correspondente ocorrência, quaisquer factos relevantes para o objecto do processo. [27] A testemunha MM, enquanto amigo de infância do arguido/demandante civil, prestou um depoimento em abono do carácter daquele. Mostrou ter assistido à degradação da relação marital entre o arguido e a mãe da ofendida e aludiu ao bom relacionamento que existia entre aquele e os filhos desta, bem como à preocupação que o mesmo manifestava em participar na educação dos menores. Esta testemunha afigurou-se-nos credível, pois evidenciou ter participado do convívio familiar do arguido, enquanto foi visita assídua (duas vezes por semana) da residência daqueles, até ao nascimento da filha do casal (a FF). Questionada, esta testemunha afirmou que nunca se apercebeu de qualquer sentimento de rejeição da ofendida BB em relação ao arguido. A testemunha NN, a actual companheira do arguido, corroborou a versão da testemunha CC acerca do incidente ocorrido na residência daquele e que deu origem ao auto de notícia a fls. 4-5 v.º. Com efeito, declarou que, nesse dia, a mãe da ofendida, encontrando-se em estado de grande exaltação, acusou o arguido de ter “violado a filha dela” (sic) e que a conflituosidade entre aqueles, a propósito da filha comum (a FF), intensificou-se a partir desse evento. [28] A testemunha OO, a qual foi directora de turma da ofendida no ano lectivo 2020/2021, não contribuiu de modo pertinente para o apuramento dos factos controvertidos, na medida em que se limitou a elaborar um relatório de avaliação escolar respeitante à vítima, enquanto aluna do 9º ano de escolaridade, a solicitação da CPCJ – o relatório junto aos autos em 9.02.2024 (ref.ª Citius nº38113476). [29] A testemunha PP, médica de família, que acompanha a vítima desde 2010, confirmou ter prescrito à mesma medicação para tratamento de perturbação depressiva, assim confirmando o documento da USF ..., junto em 27.02.2024 (ref.ª Citius nº38287010). [30] A testemunha QQ, psicóloga, escusou-se legitimamente a depor, ao abrigo do artigo 135.º, nº1, do CPP, sobre os factos abrangidos pelo segredo profissional a que está vinculada (a condição clínica da vítima), tendo apenas revelado que contactou com a ofendida no âmbito de duas consultas, as quais tiveram lugar em dois dias de Maio de 2022. [31] Ora, sopesando todos estes meios de prova, o Tribunal conferiu total credibilidade às declarações para memória futura da vítima BB e, bem assim, à prova pericial (supra analisada), em detrimento das declarações do arguido – que foram infirmadas, no seu essencial, por tais meios probatórios, assim como pela prova testemunhal supra analisada. [32] Desta feita, quanto ao número de ocasiões em que o arguido manteve contactos sexuais com a vítima BB, o Tribunal conjugou as DMF desta última (maxime, as constantes das págs. 21 a 24 da transcrição das suas DMF) com o depoimento da sua mãe, a testemunha CC. Assim, considerando que a vítima transmitiu que os factos ocorreram de modo frequente e reiterado, que os mesmos se verificaram ao longo de todo o período de tempo durante o qual coabitou com o arguido – ou seja, desde, pelo menos, 2017 até Novembro de 2020 – e que tiveram sempre lugar nas duas últimas habitações em que viveram (inicialmente, na casa situada na Rua ..., em ..., e, depois, no apartamento situado em ..., ...) e tendo presente que a sua progenitora trabalhou no período nocturno somente até finais de 2017, tendo permanecido em casa praticamente todo o ano de 2018 (antes e depois do nascimento da filha FF, em Abril desse ano), e considerando, ainda, que (tal como o arguido e a testemunha CC afirmaram), a família mudou-se de ... para ... – ... em Novembro de 2018, onde todos residiram até Novembro de 2020, o Tribunal concluiu que o arguido praticou acto sexuais com a vítima, adoptando sempre, no essencial, o mesmo comportamento (encontrando-se somente os dois no sofá da sala da residência, penetrava a vagina da menor com o seu pénis) em, pelo menos, treze ocasiões distintas: uma, à noite, na época em que a mãe da ofendida ainda não tinha regressado do seu trabalho em período nocturno (o que sucedeu até ao final de 2017); pelo menos quatro vezes, entre Janeiro e o início de Abril de 2018 (por referência a uma frequência mensal, e por defeito, que se deduz da forma como a vítima se exprimiu quanto ao número de situações que vivenciou com o arguido), quando ainda todos residiam em ... e até ao dia em que FF nasceu (../../2018), sendo certo que a vítima mencionou a ocorrência de episódios na sala da residência já quando a sua mãe se encontrava também em casa (o que aconteceu a partir de Janeiro de 2018), mas em outra divisão (v.g., o quarto do casal: “quando ela tava a dormir” – cf. pág. 19 da transcrição das DMF); uma vez, entre Maio e Novembro de 2018, pois a vítima referiu que houve um período de acalmia logo após o nascimento da sua irmã FF, tendo a mudança da casa de morada de família para ... ocorrido em Novembro de 2018; pelo menos, seis vezes, entre Novembro de 2018 e Dezembro de 2019, considerando que está em causa um período de 14 meses, já todos residindo na habitação situada em ...; e uma última ocasião, situada entre Junho e meados de Novembro de 2020, pois a vítima reportou o último episódio a um momento em que já tinha 14 anos de idade (que perfez no dia 18.02.2020) e não muito distante da data da separação entre a sua mãe e o arguido, coincidente com a cessação da coabitação, o que se deu em meados de Novembro de 2020. [33] Neste conspecto, julgou-se provada a factualidade sob os nºs 1 a 12 e 18 a 31. [34] A factualidade sob os nºs 37 a 42 assenta no teor do relatório da perícia psiquiátrica forense efectuada ao arguido, junto em 26.07.2024 (ref.ª Citius nº39737694), bem como no teor do relatório da perícia de psicologia forense ao mesmo realizada, junto em 30.04.2024 (ref.ª Citius nº38894332). [35] Relativamente às condições pessoais e socio-económicas do arguido (factos provados sob os nºs 14 a 17 e 32 a 36), atendeu-se ao teor do relatório social de 28.02.2024 (ref.ª Citius nº38301287), bem como às declarações do próprio arguido, que, nesta matéria, se mostraram credíveis. [36] No que tange aos antecedentes criminais do arguido (facto provado sob o nº43), o Tribunal baseou-se exclusivamente no respectivo certificado do registo criminal, emitido em 4.09.2024 (ref.ª Citius nº39964362). [37] Quanto aos demais factos não provados, os mesmos foram assim julgados por não se ter produzido, quanto a eles, qualquer meio de prova ou meio de prova cabal. [38] Com efeito, nenhum dos meios de prova validamente produzidos, supra analisados, corroborou, de modo suficientemente seguro, os factos não provados sob as als. a) a l). [39] Os demais documentos, juntos aos autos (pela defesa do arguido/demandado civil ou a sua solicitação) e não referenciados acima, não assumiram relevância para a descoberta da verdade material, em face do seu concreto teor. II.4. Enquadramento jurídico-penal a) Dos crimes de abuso sexual de crianças agravado O artigo 171.º do Código Penal, na redacção em vigor à data dos factos e actual (ou seja, a introduzida pela Lei nº103/2015, de 24.08), preceitua, na parte que interessa ao caso sub judice: “1- Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos. 2 - Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos. 3 – (…). 4 – (…). 5 – (…). As penas previstas neste artigo 171.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se, designadamente, a vítima se encontrar numa relação familiar ou de coabitação do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação – cf. artigo 177.º, nº1, al. b), do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº101/2019, de 6.09 (sendo esta a aplicável, em virtude do preceituado no artigo 2.º, nºs 1 e 4, do Código Penal). O tipo legal de crime do abuso sexual de crianças em causa no presente processo destina-se a tutelar o bem jurídico da autodeterminação sexual, “face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima, podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade, em particular na esfera sexual”, desprendendo-se, assim, a interpretação dos elementos típicos das “representações moralistas da sociedade” – cf. Jorge de Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial, Tomo I, 2ª ed., Coimbra, 2012, pp. 834 e 836. Quando a vítima é menor, é irrelevante, para efeitos de incriminação, que o acto tenha ou não ocorrido contra a sua vontade (Anabela Miranda Rodrigues/Sónia Fidalgo, in Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial, Tomo I, 2ª ed., Coimbra, 2012, p. 820). «Acto sexual de relevo» é “todo aquele comportamento que de um ponto de vista essencialmente objectivo pode ser reconhecido por um observador comum como possuindo carácter sexual e que em face da espécie, intensidade ou duração ofende em elevado grau a liberdade de determinação sexual da vítima” – cf. Ac. da Rel. de Coimbra, de 13.01.2016, proc. nº53/13.1GESRT.C1, in www.dgsi.pt. Revertendo ao caso concreto, verifica-se que a ofendida BB, nascida em ../../2006, é filha de CC e coabitou com esta e com o arguido, desde, pelo menos, 2017 até Novembro de 2020, durante o qual a sua progenitora e o arguido mantiveram uma relação análoga à dos cônjuges, com coabitação, todos residindo, inicialmente, na Rua ..., em ... e, desde finais de 2018 até 2020, na Rua ..., em ..., ... – cf. factos provados sob os nºs 1 e 3. Até finais de 2017, a progenitora da ofendida BB trabalhava durante o período nocturno, sendo habitual a menor aguardar a sua chegada, deitada no sofá da sala da residência, onde, normalmente, acabava por adormecer. O arguido, aproveitando-se do facto de a ofendida BB se encontrar sozinha e a dormir ou a dormitar no aludido sofá da sala, da relação de confiança que com ela mantinha, por força da coabitação e do ascendente que tinha enquanto companheiro da sua mãe, sendo por ela tido como sua figura paternal, decidiu actuar sobre a mesma com o propósito de satisfazer os seus ímpetos libidinosos, o que ocorreu, pelo menos, em treze ocasiões distintas, no período compreendido entre finais de Fevereiro de 2017 e meados de Novembro de 2020, momento em que o casal composto pelo arguido e a progenitora da ofendida se separou e esta última saiu da residência comum, levando os seus filhos, entre os quais a ofendida BB – cf. factos provados sob os nºs 3 e 4. Uma dessas situações ocorreu em data que não foi possível apurar em concreto, mas situada entre finais de Fevereiro e finais de Dezembro de 2017, na residência sita na Rua ..., em ..., ao início da noite, após o jantar, quando o arguido se apercebeu de que a ofendida BB, então com 11 anos de idade, dormia no sofá da sala. Nesse momento, o arguido abeirou-se da ofendida BB, baixou até aos joelhos as calças do pijama e as cuecas que a ofendida vestia e deitou-se na sua retaguarda, ficando ambos deitados lado a lado, após o que o arguido introduziu o seu pénis, erecto, na vagina da menor, passando a fazer movimentos de vai-vem. No período compreendido entre Janeiro e o início de Abril de 2018, em quatro ocasiões distintas, o arguido, na aludida residência situada em ... e aproveitando-se da circunstância de se encontrar somente com a ofendida na sala, actuou sexualmente sobre a vítima do mesmo modo. No período compreendido entre Maio e Novembro de 2018, na aludida residência situada em ..., o arguido, numa ocasião, aproveitando-se da circunstância de se encontrar somente com a ofendida na sala da dessa habitação, adoptou o mesmo comportamento, tendo-o repetido posteriormente, em seis ocasiões distintas, a partir de Novembro de 2018 até ao final de 2019, agora na sala da residência situada na Rua ...., ..., ..., aproveitando-se da circunstância de aí se encontrar somente com a ofendida – cf. factos provados sob os nºs 5 a 8. Todas estas situações ocorreram no interior da habitação em que ambos residiam e em períodos do dia em que a ofendida se encontrava exclusivamente na companhia e, logicamente, sob a supervisão do arguido – assim encontrando-se confiada de facto a este, devido à circunstância de, nessas ocasiões, a sua mãe, companheira do arguido, encontrar- se ausente da residência ou não se encontrar no mesmo compartimento da casa, tendo, pois, o arguido actuado com aproveitamento de todo este circunstancialismo – cf. factos provados sob os nºs 3 e 4. O arguido preencheu, assim, por doze vezes, os elementos objectivos do tipo legal do crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, nºs 1 e 2, e 177.º, nº1, al. b), do Código Penal, na redacção supra citada. O arguido actuou sempre com dolo directo (artigo 14.º, nº1, do Código Penal), pois representou (elemento intelectual) e quis (elemento volitivo), em todas as suas condutas, actuar de todos os modos acima descritos, por forma a satisfazer os seus instintos libidinosos, sabendo que a ofendida tinha menos de 14 anos de idade à data dos factos, residia consigo na mesma habitação e que esta era a residência comum e familiar, estando igualmente ciente de que agia aproveitando-se não só de tal relação de coabitação, mas também do ascendente que lhe advinha da circunstância de a menor lhe estar confiada de facto, em virtude da relação (de união de facto) que o arguido então mantinha com a mãe daquela – cf. factos provados sob o nº10. Por conseguinte, o elemento subjectivo do tipo legal do crime em apreço encontra-se igualmente presente nas condutas do arguido. O arguido agiu igualmente com consciência da ilicitude dos factos, pois sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei – cf. facto provado sob o nº11. Não se verifica qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, sendo certo que a relevância do eventual consentimento da vítima – não demonstrado in casu – está afastada, em face do preceituado no artigo 38.º, nºs 1 e 3, do Código Penal. Vejamos, agora, qual o número de crimes cometidos pelo arguido. Segundo a Jurisprudência e a Doutrina actualmente dominantes, verifica-se, nestes casos, um concurso efectivo e real de crimes, com a consequente punição do agente por tantos crimes quantos os actos levados a cabo e provados, porquanto “o sentido social daqueles comportamentos perpetrados em momentos temporalmente diferentes, ainda que, eventualmente, sem um desfasamento significativo, são o bastante para que se considere existir uma pluralidade de sentidos de ilícito sem que se verifique uma intersecção dos diversos ilícitos singulares — desde logo porque, em cada ato individualmente perpetrado, a vítima é renovadamente lesada” – cf. Helena Moniz, «Crime de trato sucessivo (?), in Julgar Online, Abril de 2018, pp. 22-25, in http://julgar.pt/wp-content/uploads/2018/04/ 20180411- ARTIGO-JULGAR-Crimes-de-trato-sucessivo-Helena-Moniz.pdf; no mesmo sentido, os acórdãos do STJ, de 10.11.2016, proc. nº1613/14.9PAALM.L1.S1, de 4.05.2017, proc. nº110/14.7JASTB.E1.S1, e de 13.07.2017, proc. nº 1205/15.5T9VIS.C1.S2, todos in www.dgsi.pt. Em suma: considerando que todos crimes cometidos pelo arguido destinam-se à tutela de bens jurídicos eminentemente pessoais e em virtude de também lhes corresponderem acções distintas, o mesmo praticou-os em concurso efectivo e real, nos termos do artigo 30.º, nºs 1 e 3, do Código Penal. O arguido cometeu, pois, em autoria material e em concurso efectivo e real, 12 (doze) crimes de abuso sexual de crianças agravado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 30.º, nºs 1 e 3, 171.º, nºs 1 e 2, e 177.º, nº1, al. b), e artigos 69.º-B, nº2, e 69.º-C, nºs 2, 3 e 4, do Código Penal, na redacção supra citada. b) Do crime de abuso sexual de menores dependentes agravado O artigo 172.º do Código Penal, na redacção aplicável (introduzida pela Lei nº40/2020, de 18.08), vigente à data dos factos, os quais ocorreram entre Junho e meados de Novembro de 2020, preceitua, na parte que interessa ao caso sub judice: “1- Quem praticar ou levar a praticar acto descrito nos n.ºs 1 ou 2 do artigo anterior, relativamente a menor entre 14 e 18: a) (…); b) Abusando de uma posição de manifesta confiança, de autoridade ou de influência sobre o menor; c) (…); é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”. A pena prevista no artigo 172.º, nº1, do Código Penal (na redacção supra citada) é agravada de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se, designadamente, a vítima se encontrar numa relação de coabitação do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação – cf. artigo 177.º, nº1, al. b), do Código Penal (na mesma redacção). Este tipo legal de crime protege “o livre desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual, ligado aqui à ideia de que a liberdade e autodeterminação sexual de menores entre 14 e 18 anos, confiados a outrem para educação ou assistência, se encontra em princípio carecida de uma protecção particular”, a qual “advém da especial relação de dependência existente”, a qual, aliás, “pode favorecer a actuação do agente ao restringir as possibilidades de ulterior denúncia dos factos” – cf. Maria João Antunes, in Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial, Tomo I, Coimbra, 1999, p. 554. Revertendo ao caso sub judice, verifica-se que, no período compreendido entre Junho e meados de Novembro de 2020, na residência sita na Rua ..., em ..., ..., a ofendida, então com 14 anos de idade, encontrava-se sozinha, a dormir, deitada de lado, no sofá da sala, quando o arguido se deitou de lado, na retaguarda da mesma, baixou-lhe até aos joelhos as calças e as cuecas, apalpou-lhe as mamas pelo interior da camisola e introduziu-lhe o seu pénis, erecto, na vagina, passando a fazer movimentos de vai-vem – cf. factos provados sob o nº9. Este quadro factual retrata que o arguido praticou actos sexuais de relevo (os quais consistiram na cópula e apalpação das mamas da vítima) com a ofendida menor, com quem o mesmo coabitava e aproveitando-se não só desta relação de coabitação, como também da relação de confiança que criara com a menor e do ascendente que detinha sobre a mesma, por ser o companheiro da sua mãe e por ela ser visto como sua figura paternal – cf. facto provado sob o nº4. Com as descritas condutas, o arguido preencheu, uma vez, os elementos objectivos do tipo legal do crime de abuso sexual de menores dependentes agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 172.º, nº1, al. b), 171.º, nºs 1 e 2, e 177.º, nº1, al. b), do Código Penal, na redacção supra citada. O arguido actuou com dolo directo (artigo 14.º, nº1, do Código Penal), pois representou (elemento intelectual) e quis (elemento volitivo) actuar do modo ora descrito, sabendo que a ofendida tinha 14 anos de idade e era filha da sua então companheira e que agia com aproveitamento da coabitação entre ambos e da aludida relação de confiança – cf. factos provados sob o nº10. Em correspondência, o elemento subjectivo do tipo legal do crime em apreço encontra-se igualmente presente na conduta do arguido. O arguido agiu igualmente com consciência da ilicitude dos factos, pois sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei – cf. facto provado sob o nº11. Não se verifica qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, sendo irrelevante o eventual consentimento da vítima (indemonstrado – aliás, infirmado), atento o disposto no artigo 38.º, nºs 1 e 3, do Código Penal. O arguido praticou, em autoria material, um crime de abuso sexual de menores dependentes agravado, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 172.º, nº1, al. b), 171.º, nºs 1 e 2, e 177.º, nº1, al. b), 69.º-B, nº2, e 69.º-C, nºs 2 e 3, do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº40/2020, de 18.08. II.5. A pena II.5.1. Escolha e medida concreta das penas Aos crimes de abuso sexual de crianças agravado previstos no nº2 do artigo 171.º do Código Penal corresponde, em abstracto, a pena de prisão de 4 anos até 13 anos e 4 meses – cf. artigos 171.º, nº2, e 177.º, nº1, do Código Penal, na redacção aplicável, supra citada). Ao crime de abuso sexual de menores dependentes agravado previsto no nº1 do artigo 172.º do Código Penal corresponde, em abstracto, a pena de prisão de 1 ano e 4 meses até 10 anos e 8 meses – cf. artigos 172.º, nº1, e 177.º, nº1, do Código Penal, na redacção aplicável, supra citada. Aplicando os critérios fixados nos artigos 40.º, nºs 1 e 2, e 71.º, nº1, do Código Penal, as penas de prisão concretas serão determinadas de modo a promover a tutela dos bens jurídicos violados, em ordem à estabilização da expectativa comunitária na validade das normas violadas (prevenção geral positiva ou de integração), sem que o seu quantum ultrapasse a medida da culpa do arguido, pois esta, não sendo fundamento da pena, é seu pressuposto e limite inultrapassável (artigo 40.º, nº2, e 29.º do Código Penal), em nome do respeito pela dignidade humana, consagrado no artigo 1.º da CRP. Serão igualmente ponderadas, neste arco delimitado, na base, pela prevenção geral positiva e, no topo, pela culpa do agente, as exigências de prevenção especial que no caso se façam sentir. A este propósito, é de referir que as exigências de prevenção geral positiva que se fazem sentir relativamente aos crimes cometidos pelo arguido são muito elevadas, pois trata-se de crimes de natureza sexual praticados contra uma menor, durante a sua infância e adolescência, no interior da residência/casa de morada de família da própria vítima, o que choca a comunidade em geral e as famílias em particular, no plano dos sentimentos de respeito, empatia e compaixão e da pureza de afectos que estão associados a qualquer relação familiar/parafamiliar saudável (entre um dos membros da união de facto com os filhos menores do outro elemento do casal), assim como fere os valores mais elementares de protecção das crianças e a moral pública. Trata-se, pois, de crimes que constituem uma fonte de fortíssimo alarme social, porquanto, por um lado, impõe-se sensibilizar a população em geral, sobretudo em contexto familiar (esfera em que a criança e o jovem procuram e esperam protecção a todos os níveis), para a necessidade de respeitar em absoluto o direito de autodeterminação sexual das crianças e jovens. Por seu turno, as exigências de prevenção especial positiva ou de ressocialização do arguido apresentam-se moderadas, pois, apesar de não ter quaisquer antecedentes criminais (cf. facto provado sob o nº43), o elevado número de situações em que satisfez ou procurou satisfazer os seus intentos libidinosos e desejo sexual com a participação de uma menor durante a infância e a adolescência desta (a vítima BB, que sofreu os crimes desde os 11 até aos 14 anos de idade) revela uma inequívoca distorção daquilo que devem ser a concepção, os objectivos e os limites de um adulto quanto à sua realização pessoal no plano da sexualidade. É necessário ponderar, em consonância com o disposto no artigo 71.º, nº2, do Código Penal, as circunstâncias que, não fazendo parte dos tipos de crime em apreço, depõem a favor ou contra o arguido. Assim, depõem contra o arguido: a gravidade, já significativa, dos concretos danos psicológicos causados à vítima, o que adensa a ilicitude dos factos (cf. factos provados sob o nº12) – cf. artigo 71.º, nº2, al. a), do Código Penal; o dolo intenso com que o mesmo agiu, pois actuou sempre com dolo directo, projectando e querendo actuar nos precisos termos em que actuou, e com a percepção de que a vítima se lhe apresentava, naturalmente, desprotegida – cf. artigo 71.º, nº2, al. b), do Código Penal; e alguns traços da sua personalidade, pois, apesar de esta não ser disfuncional e o arguido não apresentar desvios no plano do desenvolvimento psicossexual e da forma como encara a sua sexualidade, o mesmo apresenta dificuldades em avaliar as suas limitações e em colocar-se em causa, revelando propensão a atribuir, frequentemente, a responsabilidade das suas acções ao comportamento dos outros e a circunstâncias externas, desresponsabilizando-se pelas mesmas (cf. factos provados sob os nºs 37 a 42), sendo que, tendo cometido os factos apurados, não se mostrou arrependido da sua prática – cf. artigo 71.º, nº2, al. d), do Código Penal. A favor do arguido depõem: o facto de ter estado, ao longo da sua vida adulta, profissionalmente inserido e, recentemente, familiarmente bem integrado (cf. factos provados sob os nºs 16, 17 e 33) – cf. artigo 71.º, nº2, al. d), do Código Penal. Tudo ponderado, julgamos justo, adequado, proporcional e necessário aplicar ao arguido as seguintes penas (principais) parcelares: a) por cada um dos 12 crimes de abuso sexual de crianças agravado: 4 anos e 6 meses de prisão; e b) pelo crime de abuso sexual de menores dependentes agravado: 2 anos de prisão. II.5.2. Das penas acessórias O artigo 69º-B, nº2, do Código Penal, na redacção em vigor à data dos factos (introduzida pela Lei nº103/2015, de 24.08), preceituava: “É condenado na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor”. Por sua vez, o artigo 69.º-C, nº2, do Código Penal, na sua redacção originária (introduzida pela citada Lei nº103/2015), estabelecia: “É condenado na proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor”. Sob o nº3 do artigo 69.º-C do Código Penal (naquela redacção) preceituava-se: “É condenado na inibição do exercício de responsabilidades parentais, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, praticado contra descendente do agente, do seu cônjuge ou de pessoa com quem o agente mantenha relação análoga à dos cônjuges. Com a entrada em vigor das alterações introduzidas ao Código Penal pela Lei nº15/2024, de 29.01 (que proíbe as denominadas práticas de «conversão sexual» contra pessoas LGBT+, criminalizando os actos dirigidos à alteração, limitação ou repressão da orientação sexual, da identidade ou expressão de género), a aplicabilidade destas duas penas acessórias estendeu-se, desde 1.03.2024 (cf. artigo 7.º do mesmo diploma), a quem praticar o crime agora previsto no artigo 176.º-C. Ora, estas alterações ao Código Penal são irrelevantes no caso concreto, pois em nada modificou os pressupostos de aplicação das penas acessórias previstas no nº2 do artigo 69.º-B e nos nºs 2 e 3 do artigo 69.º-C do Código Penal, o que nos remete para a redacção em vigor à data dos factos, conforme decorre do artigo 2.º, nºs 1 e 4, do Código Penal. Do confronto do elemento literal do nº1 (“Pode ser condenado”) com o dos nºs 2 e 3 (“É condenado”) dos artigos 69.º-B e 69.º-C na redacção vigente à data dos factos resulta que as penas acessórias previstas nos nºs 2 e 3 de cada um daqueles artigos eram de aplicação automática quando a vítima fosse menor (tal como sucede no caso concreto). Através da Lei nº15/2024, de 29.01 (em vigor desde 1.03.2024 – cf. artigo 7.º do mesmo diploma), substituiu-se, nos nºs 2 e 3 dos artigos 69º-B e 69.º-C do Código Penal, a formulação literal “É condenado” pela expressão “Pode ser condenado”, de onde concluímos que o legislador pretendeu que as penas acessórias ali previstas deixassem de ser de aplicação automática, para a sua aplicação passar a depender da ponderação, casuística, dos contornos que o ilícito penal assuma em cada caso concreto. Neste conspecto e por força do disposto no artigo 2.º, nºs 1 e 4, do Código Penal, impõe-se ponderar a aplicação das mencionadas penas acessórias à luz da sua nova redacção, introduzida pela Lei de 2024, em virtude de esta se apresentar como sendo o regime concretamente mais favorável ao arguido. E porque se trata de verdadeiras penas, as mesmas reflectem “um específico conteúdo de censura do facto”, encontram-se necessariamente ligadas à culpa do agente e a determinação da respectiva medida concreta, dentro da moldura legal abstracta, deve obedecer aos critérios gerais de fixação da medida concreta da pena principal, estabelecidos nos artigos 40.º, nºs 1 e 2, e 71.º, nºs 1 e 2, do Código Penal – cf. Ac. do STJ, de 16.12.2021, proc. nº556/20.1JAPDL.L1.S1, in www.dgsi.pt. O arguido não tem qualquer vínculo jurídico-civil com a vítima, a qual, entretanto, atingiu a maioridade, no dia 18.02.2024. Todavia, é permitido por lei atribuir ao arguido o exercício de responsabilidades parentais relativas aos seus (futuros) filhos e a outros menores com quem não mantenha qualquer relação de parentesco ou afinidade – cf. artigos 1907.º, 1921.º, 1931.º e 1979.º, nº3, do Código Civil; artigo 35.º, nº1, al. e), da LPCJP; e artigos 4.º, 5.º, nºs 1 e 2, 7.º, nºs 1 a 3, e 11.º, nº5, da Lei nº103/09, de 11.09 (que aprovou a regime jurídico do apadrinhamento civil). Acresce que o arguido é pai de uma criança, actualmente com 6 anos de idade e irmã da vítima – cf. facto provado sob o nº23. Ora, ponderando o concreto desvalor de cada uma das condutas do arguido, a ausência de qualquer manifestação sincera de arrependimento (o que revela falta de juízo crítico de autocensura) e a sua actual idade (43 anos), julgamos justo, adequado, proporcional e necessário condená-lo nas penas acessórias parcelares de proibição de assumir a confiança de menor e de inibição do exercício de responsabilidades parentais pelo período de 5 anos, ao abrigo do artigo 69.º-C, nºs 2, 3 e 4, do Código Penal, relativamente a cada um dos crimes cometidos. Como se estatui no nº4 do artigo 69.º-C do Código Penal, o nº2 aplica-se às relações já constituídas. Por outro lado, entendemos que há fundamento para aplicar ao arguido a pena acessória prevista no artigo 69.º-B, nº2, do Código Penal, pois, atenta a sua actual idade, o mesmo pode vir a exercer, num futuro próximo, uma actividade (profissional ou não) que envolva contacto regular com menores. Consequentemente, e ponderando – à semelhança dos fundamentos que estiveram na base da medida fixada às penas acessórias previstas no artigo 69.º-C, nºs 2 e 3, do Código Penal – o elevado desvalor de cada uma das condutas do arguido, a ausência de arrependimento e a falta de juízo crítico de autocensura, julgamos justo, adequado, proporcional e necessário condená-lo nas penas acessórias parcelares de proibição do exercício de funções, prevista no artigo 69.º-B, nº2, do Código Penal, pelo período de 5 anos. II.5.3. O cúmulo jurídico das penas principais Cabe proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares encontradas, ao abrigo do disposto no artigo 77.º do Código Penal, cujo nº1 preceitua: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. O artigo 77.º, nº2, do Código Penal estabelece: “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”. Nos termos do nº3 da citada norma legal, “se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”. Conforme o nº4 do artigo 77.º do Código Penal, as penas acessórias são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis. Aplicando o critério legal para a determinação da pena única de prisão, verifica-se que a moldura se define, no limite mínimo, em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses e, no limite máximo, em 25 (vinte e cinco) anos, correspondente ao máximo legal permitido (sendo que a soma aritmética de todas as penas parcelares ultrapassa este limite máximo). Ponderando os factos na sua globalidade, a circunstância de o arguido ter praticado os crimes durante um período de tempo relativamente prolongado (cerca de 3 anos), ter causado à vítima danos psicológicos com alguma gravidade (ainda que não extrema) e sopesando a circunstância de ter praticado o último crime há cerca de 4 anos, afigura-se- nos justo, adequado, proporcional e necessário fixar a correspondente pena única em 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão, por referência a cerca de 1/5 de todas as penas situadas abaixo do limite mínimo (coincidente com a pena parcelar mais elevada) da moldura da pena única a aplicar. * A aplicação de uma pena de prisão não significa que a efectiva privação da liberdade seja necessária à realização dos fins da pena, sendo que o legislador prevê penas de substituição para determinados casos (cf. Anabela M. Rodrigues, «Pena de prisão substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade», in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2001, nº11, Coimbra, p. 664). Atendendo à medida concreta da pena única de prisão ora aplicada ao arguido (superior a 5 anos), não é possível substituí-la por qualquer das penas não privativas da liberdade legalmente previstas (artigos 43.º, nº1, als. a) e b), 45.º, nº1, 50.º, nº1, e 58.º, nº1, do Código Penal na redacção introduzida pela Lei nº94/2017, de 23.08), impondo-se-lhe a prisão efectiva. II.5.4. O cúmulo jurídico das penas acessórias O artigo 77.º, nº4, do Código Penal consagra que as penas acessórias são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis. Atendendo a que estas penas são verdadeiras penas, decide-se proceder ao seu cúmulo jurídico – cf., neste sentido, Faria Costa, «Penas acessórias – Cúmulo jurídico ou cúmulo material? [a resposta que a lei (não) dá]», in Revista de Legislação e Jurisprudência, nº3945, ano 136.º, Julho-Agosto 2007, pp. 322-328. Com efeito, a Jurisprudência tem igualmente sufragado a aplicação da doutrina subjacente ao douto Acórdão do STJ nº2/2018, de 11.01.2028 (que fixou jurisprudência no sentido de que, “em caso de concurso de crimes, as penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor, com previsão no n.º 1, alín. a), do artigo 69.º do Código Penal, estão sujeitas a cúmulo jurídico” – in DR, nº31/2018, Série I, de 13.02.2018, pp. 954-961) às penas acessórias previstas nos artigos 69.º-B e 69.º-C do Código Penal – cf. Acs. do STJ, de 23.04.2020, proc. nº1308/18.4PCSNT.S1; e de 16.12.2021, proc. nº556/20.1JAPDL.L1.S1, in www.dgsi.pt. Neste mesmo acórdão de fixação de jurisprudência, ainda se refere: “não será a falta de indicação no nº2 do artigo 77.º de um limite máximo para a soma das penas acessórias parcelares que pode constituir óbice ao cúmulo jurídico, não surpreendendo que (em casos que se perspectivam algo remotos, além do mais tendo em conta a possibilidade de aplicação da medida de segurança de cassação do título prevista no artigo 101.º às situações, já, de perigosidade), possa ser aplicado, por analogia, em benefício do condenado, o limite máximo correspondente à pena de prisão”, ou seja, 25 anos. Assim, e em conformidade com os critérios fixados no artigo 77.º, nºs 2 e 3, do Código Penal, verifica-se que a moldura penal das penas acessórias únicas delimita-se, no seu mínimo, em 5 anos e, no seu máximo, em 25 anos. Sopesando os factos na sua globalidade e em virtude de não serem conhecidas especiais características disfuncionais da personalidade do arguido que intensifiquem o perigo de o mesmo voltar a cometer crimes sexuais, afigura-se-nos justo, adequado, proporcional e necessário fixar cada uma das duas penas acessórias únicas em 8 (oito) anos. As penas acessórias, aplicadas ao arguido ao abrigo do nº2 do artigo 69.º-B e dos nºs 2 e 3 do artigo 69.º-C do Código Penal, mantêm a sua autonomia, conforme preceituado no nº4 do artigo 77.º do Código Penal. * A Lei nº38-A/2023, de 2.08, que entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2023 (cf. artigo 15.º do mesmo diploma), estabelece, por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, um perdão de penas e a amnistia de infraçcões cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa – cf. artigos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º da citada lei. Encontram-se abrangidas pela mencionada lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, somente por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º -- cf. artigo 2.º, nº1, da Lei nº38-A/2023, de 2.08. O âmbito de aplicação desta lei não abrange determinados tipos de crime, expressamente previstos no seu artigo 7.º, nºs 1 e 2. Atendendo a que o arguido, nascido em ../../1981, vai condenado pela prática de crimes no período compreendido entre Fevereiro de 2017 e Novembro de 2020, verifica-se que o mesmo já tinha, à data de quaisquer dos factos, idade superior a 30 anos, motivo pelo qual não é legalmente admissível aplicar-lhe os benefícios do perdão e/ou da amnistia previstos na sobredita lei. Acresce que os crimes cometidos pelo arguido, contra a autodeterminação sexual, encontram-se expressamente excluídos do âmbito de aplicação da mesma lei, nos termos das disposições conjugadas dos seus artigos 3.º, nºs 1 e 4, e 7.º, nº1, al. a) – v). Por todo o exposto, o arguido não beneficiará do perdão nem da amnistia previstos na Lei nº38-A/2023, de 2.08. II.6. Do pedido de indemnização civil A responsabilidade civil emergente de crime é regulada pela lei civil, como estabelece o artigo 129.º do Código Penal. Os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito encontram- se previstos no artigo 483.º, nº1, do Código Civil, assim enunciados: a) facto voluntário; b) ilicitude; c) nexo de imputação subjectiva ou culpa; d) dano; e e) nexo de imputação objectiva ou de causalidade entre o facto e o dano. Verificados em concreto tais pressupostos legais e atento o disposto nos artigos 483.º, nº1, 562.º, 563.º e 564.º, nºs 1 e 2, do Código Civil, o arguido constitui-se na obrigação de indemnizar o lesado pelos danos que o mesmo provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Vejamos, agora, se estes requisitos se verificam em relação ao pedido cível formulado. Em sede de responsabilidade penal, ficou demonstrado que a ofendida/demandante civil foi pelo arguido/demandado civil dolosamente lesada no seu direito à autodeterminação sexual, que é tutelado como direito de personalidade (cf. artigos 25.º, nºs 1 e 2, e 26.º, nº1, da Constituição da República Portuguesa e artigo 70.º, nº1, do Código Civil), absoluto, e que, como tal, impõe a todos um dever geral de respeito e de abstenção da prática de actos lesivos dos mesmos. No que respeita ao nexo de causalidade entre a conduta do arguido e os danos apurados, deve atender-se ao artigo 563.º do Código Civil, que estabelece que “a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Consagra-se a «doutrina da causalidade adequada», segundo a qual “determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar” (cf. Galvão Telles, apud Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil anotado, I, Coimbra, 1987, p. 578). Verifica-se, assim, que se estabelece o necessário nexo de causalidade adequada entre os factos ilícitos praticados pelo arguido e os danos psicológicos sofridos pela demandante civil acima enunciados, na medida em que todos eles foram consequência necessária e directa das suas condutas. Importa, pois, quantificar os referidos danos não patrimoniais suportados pela lesada, os quais, pela sua gravidade, são juridicamente relevantes. Contudo, contrariamente ao alegado no pedido cível, não resultou provado que a demandante civil tenha sofrido qualquer dano biológico/físico. A obrigação de indemnizar o lesado abrange os danos patrimoniais (artigos 483.º, nº1, e 564.º do Código Civil) e os danos não patrimoniais (artigos 483.º, nº1, e 496.º do Código Civil). Nos termos do artigo 562.º do Código Civil, a reparação destina-se a reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento lesivo. Quando esta restauração natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização será fixada em dinheiro (cf. artigo 566.º, nº1, do Código Civil). Nos termos dos artigos 496.º, nºs 1 e 3, 494.º e 566.º, nºs 1 e 2, do Código Civil, não sendo possível, no caso concreto, a reconstituição natural, entendemos que os danos não patrimoniais/morais sofridos pela vítima devem ser compensados com a quantia global de 25.000 €. Com efeito, este valor afigura-se equitativo, tendo em conta as concretas sequelas que resultaram provadas ao nível do bem-estar psíquico e emocional da lesada e sem deixar de atender ao elevado grau de culpa do arguido manifestado em toda a sua actuação e, bem assim, aos rendimentos e encargos pessoais do mesmo (cf. factos provados sob os nºs 17, 27, 32 e 33). II.7. Do arbitramento de indemnização De acordo com o artigo 82.º-A do CPP, “não tendo sido deduzido pedido de indemnização no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham” (nº1). Por sua vez, o artigo 16.º, nºs 1 e 2, do Estatuto da Vítima (EV), aprovado pela Lei nº130/2015, de 4.09, preceitua: “1- À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável. 2 - Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser. 3 – (…)”. De acordo com o preceituado no artigo 67.º-A, nº1, al. a) – i), do CPP, considera-se «Vítima» a “pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, diretamente causado por ação ou omissão, no âmbito da prática de um crime”. As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do nº1, conforme estatuído no nº3 do artigo 67.º-A do CPP, sendo que os crimes contra a autodeterminação sexual pelos quais o arguido vai condenado, p. e p. pelos artigos 171.º, nº2, e 172.º, nº1, do Código Penal, subsumem-se à criminalidade violenta e à criminalidade especialmente violenta, por lhes corresponderem penas de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos (cf. artigo 1.º, als. j) e l), do CPP). A ofendida BB beneficia do estatuto de Vítima neste processo, mais concretamente, do estatuto de vítima especialmente vulnerável (cf. doc. a fls. 7-10 v.º e artigos 1.º, als. j) e l), e 67.º-A, nº1, als. a) –i) e b), e nº3, do CPP). A ofendida não se opôs ao arbitramento de uma compensação, enquanto vítima, pelos danos sofridos em consequência das condutas do arguido. Contudo, não se arbitrará qualquer compensação à vítima, em virtude de lhe ter sido fixada uma indemnização pelos danos que o arguido lhe causou, no âmbito do pedido cível que a mesma deduziu contra este, supra apreciado. II.8. Recolha de amostra de ADN O artigo 8.º, nº1, da Lei nº5/08, de 12.02 (alterada pela Lei nº40/13, de 25.06, e pela Lei nº90/17, de 22.08), prevê a recolha de amostra de ADN em arguido em processo criminal pendente, com vista à interconexão a que se refere o nº2 do artigo 19.º-A, a pedido ou com o consentimento do arguido ou ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho do juiz, a partir da constituição de arguido, ponderada a necessidade da sua realização, tendo em conta o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade do visado. A recolha de amostra em arguido condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com a consequente inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados, é sempre ordenada na sentença – cf. artigo 8.º, nº2, da citada lei. A recolha de amostras de ADN a que se refere o nº2 deste artigo 8.º não é automática perante o trânsito em julgado de uma condenação deste género, devendo antes obedecer a um juízo de proporcionalidade e necessidade, assim se impondo “a existência de grave perigo de continuação criminosa ou outros receios relevantes que possam ou permitam inferir a necessidade daquela recolha e subsequente conservação” – cf. Ac. da Rel. de Lisboa, Proc. nº721/10.0PHSNT.L1-5, in www.dgsi.pt. No caso concreto, o arguido vai condenado pela prática de vários crimes dolosos e em várias penas (parcelares) de prisão concretas que redundaram, em cúmulo jurídico, numa pena única de prisão superior a 3 anos. No caso sub judice, atendendo à natureza sexual dos mencionados crimes praticados pelo arguido e às concretas circunstâncias em que o mesmo os cometeu, conclui-se verificar um concreto e grave perigo de continuação da actividade criminosa, pelo que deve proceder-se à recolha de amostra de ADN do arguido nos termos legais. III. DECISÃO Por todo o exposto, as Juízas que compõem este Tribunal Colectivo decidem: I) Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e em concurso efectivo e real, de: a) 12 (doze) crimes de abuso sexual de crianças agravado, na forma consumada (praticados entre Fevereiro de 2017 e final de 2019), p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 30.º, nºs 1 e 3, 171.º, nºs 1 e 2, 177.º, nº1, al. b), 69.º-B, nº2, e 69.º-C, nºs 2, 3 e 4, do Código Penal: - nas penas parcelares de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; - nas penas acessórias parcelares de proibição do exercício de funções pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do nº2 do artigo 69.º-B do Código Penal; - nas penas acessórias parcelares de proibição de confiança de menores pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do nº2 do artigo 69.º-C do Código Penal; e - nas penas acessórias parcelares de inibição do exercício das responsabilidades parentais pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do nº3 do artigo 69.º-C do Código Penal. b) 1 (um) crime de abuso sexual de menores dependentes agravado, na forma consumada (praticado entre Junho e meados de Novembro de 2020), p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 172.º, nº1, al. b), 171.º, nºs 1 e 2, 177.º, nº1, al. b), 69.º-B, nº2, e 69.º-C, nºs 2, 3 e 4, do Código Penal,: - na pena de 2 (dois) anos de prisão; - na pena acessória de proibição do exercício de funções pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do nº2 do artigo 69.º-B do Código Penal; - na pena acessória de proibição de confiança de menores pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do nº2 do artigo 69.º-C do Código Penal; e - na pena acessória de inibição do exercício das responsabilidades parentais pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do nº3 do artigo 69.º-C do Código Penal; e c) em cúmulo jurídico, ao abrigo dos artigos 30.º, nºs 1 e 3, e 77.º, nºs 1 a 4, do Código Penal: - na pena (principal) única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão; - na pena acessória única de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 8 (oito) anos, nos termos do artigo 69.º- B, nº2, do Código Penal; - na pena acessória única de proibição de confiança de menor, em especial a adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, pelo período de 8 (oito) anos, nos termos do artigo 69.º-C, nºs 2 e 4, do Código Penal; e - na pena acessória única de inibição do exercício de responsabilidades parentais, pelo período de 8 (oito) anos, nos termos do artigo 69.º-C, nº3, do Código Penal. II) Julgar o pedido de indemnização civil deduzido por BB parcialmente procedente e, em consequência; a) condenar o arguido/demandado civil a pagar à demandante civil, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais que a esta causou, a quantia total de 25.000 € (vinte e cinco mil euros); e b) absolver o demandado civil do demais peticionado. III) Não arbitrar, ao abrigo do artigo 82.º-A do CPP, qualquer quantia, a título de indemnização, à vítima BB. IV) Custas: i) Parte criminal: condena-se o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça devida em 6 UCs (cf. artigos 513.º, nºs 1 a 3, e 522.º, nº1, do CPP e artigo 8.º, nº9, do RCP, por referência à tabela III). ii) Parte civil: Custas pelo demandado civil, na proporção do respectivo decaimento, sendo que a demandante civil está isenta de custas (cf. artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC, ex vi artigo 523.º do CPP, e artigo 4.º, nº1, al. aa), do RCP, por aplicação analógica). 3. A comunicação da supra mencionada «alteração não substancial e da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação pública (para a qual remete o despacho de pronúncia), com relevo para a decisão da causa» que é mencionada na decisão transcrita tem o seguinte teor: «De acordo com o disposto no artigo 358.º, nº1, do CPP, o Tribunal comunica aos sujeitos processuais aqui presentes a seguinte alteração não substancial dos factos descritos na acusação (para a qual remete o despacho de pronúncia), com relevo para a decisão da causa, pois da prova produzida em audiência de julgamento poderá ter resultado que: 1. Uma das situações descritas na acusação, nela referenciada ao início do ano de 2018 (sob o 5º parágrafo), ocorreu entre finais de Fevereiro e finais de Dezembro de 2017, na residência sita na Rua ..., em .... 2. No período compreendido entre Janeiro e o início de Abril de 2018, em quatro das ocasiões mencionadas na acusação (quantificadas em número superior a 20), o arguido, na residência aí identificada por referência à sua localização na Rua ..., em ..., e aproveitando-se da circunstância de se encontrar somente com a ofendida na sala, actuou conforme descrito no 6º parágrafo da acusação. 3. No período compreendido entre Maio de 2018 e meados de Novembro de 2020, em sete das ocasiões mencionadas na acusação, uma das quais ocorrida na dita residência situada na Rua ..., em ..., até Novembro de 2018, e outras seis ocorridas na residência situada na Rua ...., ..., ..., a partir de Novembro de 2018 até ao final de 2019, o arguido, aproveitando-se da circunstância de se encontrar somente com a ofendida na sala da correspondente habitação, actuou conforme descrito no 6º parágrafo da acusação. 4. A última situação, descrita sob o 7º parágrafo da acusação, ocorreu no período compreendido entre Junho e meados de Novembro de 2020. Ora, o arguido vem acusado da prática, em concurso efectivo e real, de somente dois crimes de abuso sexual. Todavia, a Jurisprudência e a Doutrina actualmente dominantes, nos casos de concurso efectivo e real de crimes, como sucede in casu, propugnam a punição do agente por tantos crimes quantos os actos levados a cabo e provados, porquanto “o sentido social daqueles comportamentos perpetrados em momentos temporalmente diferentes, ainda que, eventualmente, sem um desfasamento significativo, são o bastante para que se considere existir uma pluralidade de sentidos de ilícito sem que se verifique uma intersecção dos diversos ilícitos singulares — desde logo porque, em cada ato individualmente perpetrado, a vítima é renovadamente lesada” – cf. Helena Moniz, «Crime de trato sucessivo (?)», in Julgar Online, Abril de 2018, pp. 22-25, in http://julgar.pt/wpcontent/ uploads/2018/04/20180411-ARTIGO-JULGAR-Crimes-de-trato-sucessivo-Helena-Moniz.pdf; no mesmo sentido, os acórdãos do STJ, de 10.11.2016, proc. nº1613/14.9PAALM.L1.S1, de 4.05.2017, proc. nº110/14.7JASTB.E1 .S1, e de 13.07.2017, proc. nº1205/15.5T9VIS.C1.S2, todos in www.dgsi.pt. Daí que, estando nestes autos em causa o cometimento de infracções penais destinadas à tutela de bens jurídicos eminentemente pessoais (como são os crimes contra a autodeterminação sexual) e em virtude de também lhes corresponderem acções distintas, verifica-se que o arguido terá praticado contra a vítima BB, nascida em ../../2006, em concurso efectivo e real, não apenas os dois crimes que lhe são imputados na acusação, mas os seguintes crimes: - 12 (doze) crimes de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, nºs 1 e 2, 177.º, nº1, al. b), 69.º-B, nº2, e 69.º-C, nºs 2 e 3, do Código Penal, correspondentes aos factos reportados ao período compreendido entre Março de 2017 e o dia 17 de Fevereiro de 2020 (véspera do dia em que a vítima perfaz 14 anos de idade); e - 1 (um) crime de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravado, p. e p. pelos artigos 172.º, nº1, al. b), 171.º, nºs 1 e 2, 177.º, nº1, al. b), 69.º-B, nº2, e 69.º-C, nºs 2 e 3, do Código Penal, correspondente aos factos referenciados ao período compreendido entre Junho e Novembro de 2020. Pelo exposto, comunica-se, igualmente, esta alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, nos termos do artigo 358.º, nºs 1 e 3, do CPP.». 4. O recorrente verbera à decisão recorrida (reproduzem-se as «conclusões» com que termina o seu arrazoado): «A. Da prova produzida e constante dos autos não se vislumbra como foi possível ao tribunal concluir que o arguido praticou 12 (doze) crimes de abuso sexual de crianças agravado, na forma consumada (praticados entre Fevereiro de 2017 e final de 2019) e 1 crime de abuso sexual de menor dependente agravado. B. O raciocínio desenvolvido pelo Tribunal a quo, não está assente em prova constante dos autos ou produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, pois não existem factos que lhe permitam percorrer este raciocínio logico. C. Na verdade, o Tribunal pega em factos conhecidos (as declarações da ofendida) e opera uma presunção legal, qual seja, a de tentar adivinhar, apontar e dar como provadas as vezes e os dias dos alegados abusos sexuais, que a própria vítima não conseguiu descrever. D. O tribunal a quo faz um juízo de probabilidade matemática para considerar factos como provados, assente em datas e horas para os quais não existem, elementos de prova, porquanto das declarações da ofendida não se consegue retirar as datas/ número de vezes que o tribunal vem a indicar e dar como provados. E. No acórdão ora recorrido foram dados como provados os factos 4,5,6,7,8 e 9, no entanto, entende o recorrente que a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada, porquanto os elementos de prova colhidos não permitem dar tais factos como provados, pelo que devem os mesmos ser julgados como não provados. F. Ora, no que concerne ás declarações para memoria futura que constam dos autos sendo prova testemunhal/documental estas impõem decisão diversa à perfilhada no acórdão. G. Face às declarações da ofendida (única prova no que a este conspecto diz respeito), resulta cristalino que o Tribunal não se baseou em provas concretas para dar como provado o número de vezes que os abusos teriam ocorrido, pois que a própria ofendida não consegue minimamente precisar, apesar de inquirida de forma insistente e de diversas formas para lá chegar. H. Com efeito, a vítima afirma que “aconteceu várias vezes”, mas que não é capaz de ter ideia ao certo das vezes que aconteceu. I. Impõe também decisão diversa quanto aos aludidos factos impugnados as declarações prestadas pela mãe da ofendida (que o tribunal reconhece ter prestado um depoimento que evidenciou animosidade em relação ao arguido), refere que a mesma nunca lhe disse o número de vezes em que terão acontecido os abusos, depoimento prestado em audiência – Ata de 28.02.204 – constantes do ficheiro _1749-22.2JAPRT_2024-02-28_15-38-02.mp3). J. Tal depoimento demonstra que a mãe da vítima também não consegui trazer á liça factos que permitam afirmar quantas vezes é que aconteceram os abusos em crise nos presentes autos, muito menos no número de vezes dada como provado na decisão ora recorrida e de igual modo, impõe decisão diversa quantos aos factos ora impugnados, o depoimento da testemunha KK, amiga da ofendida, prestados em audiência – Ata de 28.02.204 – constantes do ficheiro _ 1749-22.2JAPRT_2023-02-28_15-38.02.mp3. K. Da conjugação da globalidade da prova testemunhal e analisado o depoimento da vítima, apenas é seguro afirmar que a mesma foi objeto de abusos mais do que uma vez, não sendo possível retirar das suas declarações o número de vezes exata, nem tão pouco as circunstâncias de tempo, modo e lugar do seu cometimento. L. Enquanto dos depoimentos das supramencionadas testemunhas, que de forma indirecta tiveram conhecimento da situação, e relataram o que a ofendida lhes contou, resultam cristalinas duas conclusões: não se sabe quando ocorreram os alegados abusos, nem quantas vezes. M. Concatenada a prova testemunhal apontada anteriormente, não há suporte probatório que permita dar como provados os factos que determinaram a condenação do recorrente pelos 13 crimes, uma vez que essa conclusão não deriva de nenhuma prova colhida e/ou produzida em audiência, mas sim de um raciocínio hipotético, que extravasa os limites da livre apreciação da prova. Estão assim erradamente dados como provados os factos 4,5,6,7,8 e 9 do acórdão. Da qualificação jurídica N. O recorrente vinha acusado da prática de 1 crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos artigos 171º, n.º 1, 2 e 177º, n.º 1, al. b) do Código Penal e com a pena acessória p. pelo artigo 69º-C, n.º 2 e 3 do mesmo diploma legal e de um crime de abuso sexual de menor dependente agravado, p. e p. pelos artigos 171º, n.º 1 e 2 e 172º, n.º 1, al. b) e 177º, n.º 1, al. b) do Código Penal e com a pena acessória p. pelo artigo 69º-C, n.º 2 e 3 do mesmo diploma legal; foi, porém, condenado pela prática de 12 crimes de abuso sexual de criança agravado e 1 crime de abuso sexual de menor dependente agravado. O. Afastada que está a aplicação da figura do crime continuado nos crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, (n.º 3 do artigo 30.º do Código Penal), importa ponderar se o recorrente praticou 1 crime de abuso sexual de criança agravado tal como constava da acusação e da pronúncia, ou os 12 crimes referidos no acórdão. P. Diz-nos o Código Penal, no artigo 30.º n.º 1 que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efetivamente cometido (o chamado concurso heterogéneo) ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente (concurso homogéneo). Assim, a regra é, no concurso homogéneo, que o arguido comete tantos crimes quantas as vezes que o pratica. Q. No entanto, é possível que a prática de diversas vezes o mesmo crime pode constituir um só crime, se ao longo de todo o tempo da realização, persistir o mesmo dolo e a mesma resolução inicial. R. Nos crimes sexuais sobre menores que se prolongam no tempo torna-se muitas vezes (ou quase sempre) impossível determinar com exatidão o número de vezes que os mesmos ocorreram. S. A jurisprudência e a doutrina referem-se nestes casos, ao crime de trato sucessivo ou crime prolongado no tempo, em que se entende que só existe um crime, apesar da atuação do arguido se desdobrar em várias condutas, que isoladamente constituem cada uma delas um crime. T. Falamos de situações em apesar de se verificar uma multiplicidade de condutas por parte do arguido e da sua reiteração ao longo do tempo, como é o caso dos autos, o certo é que o seu cometimento obedeceu a um desígnio comum (resolução criminosa única), inserindo-se cada um dos actos singulares na sua conduta globalmente considerada. U. Estamos assim perante um “crime, de trato sucessivo, o qual se caracteriza pela repetição de condutas essencialmente homogéneas unificadas por uma mesma resolução criminosa, sendo que qualquer das condutas é suficiente para preencher o tipo legal de crime (in casu, o crime previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 2 do código Penal). V. Descendo ao caso em apreço, desde logo existe uma unidade resolutiva na conduta do recorrente, patente no facto n.º 4 dado como provado, onde se afirma que “O arguido, aproveitando-se do facto de a ofendida BB se encontrar sozinha e a dormir ou a dormitar no sofá da sala, da relação de confiança que com ela mantinha, por força da coabitação e do ascendente que tinha enquanto companheiro da sua mãe, sendo por ela tido como sua figura paternal, decidiu actuar sobre a mesma com o propósito de satisfazer os seus ímpetos libidinosos”. W. Existe claramente uma conexão temporal entre os factos, tal como referida no acórdão. X. Quanto à homogeneidade na conduta, ela é total, uma vez que além de ser sempre a mesma vítima, o local, a forma de atuar e o momento eram sempre os mesmos: veja-se factos provados 6, 7, 8 e 9 (no facto 6 descreve-se a forma como praticava o crime e nos restantes remete-se para esse facto). Y. Pelo que devia o recorrente ter sido condenado pela prática de 1 crime de abuso sexual de menores agravado, ao invés dos 12, uma vez que nos crimes de trato sucessivo é aplicada a moldura penal mais severa. Da nulidade do acórdão por falta de fundamentação Z. Na sequência do que vem sendo exposto, é forçoso concluir que o acórdão enferma do vicio de falta de fundamentação, o que, nos termos do artigo 120.º n.º 1 alinea xxx importa a sua nulidade. AA. No caso, o recorrente, em face da motivação da matéria de facto não pode deixar de apontar a omissão do exame crítico da prova, na medida em que o tribunal a quo decide com base em presunções, ou seja, presume que aconteceram determinados crimes, com base na presunção temporal da ocorrência dos mesmos, como é sabido e consabido o nosso ordenamento penal e processual penal não permite operar presunções a partir de presunções. BB. A fundamentação apresentada para justificar o número de crimes imputados ao recorrente, é, no mínimo, obscura e imprecisa, constituindo uma tarefa impossível seguir o raciocínio que o tribunal efetuou, que não seja a de uma mera operação matemática de “comportamentos médios”, sem qualquer base de sustentação. Da medida da pena Das penas principais CC. O tribunal condenou o recorrente pela prática do crime de abuso sexual de menores agravado na pena de 4 anos e 6 meses e ainda pela prática do crime de abuso sexual de menor dependente na pena de 2 anos. Ora, o crime de abuso sexual de menores, na sua forma agravada tem uma moldura penal que vai de 1 ano e 4 meses a 10 anos e 8 meses. DD.O limite superior da pena deverá ser o da culpa do agente e o limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva, segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor. EE. A pena justifica-se, portanto, dentro do limite imposto pela culpa do agente, considerando as necessidades de reinserção social reveladas por este, mas também, no que respeita às exigências de prevenção geral positiva, auscultando as expectativas comunitárias de reacção a certo crime. FF. Descendo aos autos: No que concerne ao grau de ilicitude dos factos, apresenta- se como de grau médio, no caso do crime de abuso sexual de criança, uma vez que a sua gravidade já se mostra contemplada, pela respetiva agravação e, tendo em conta esta, trata-se de atos que não vão além daquilo que é o normal neste tipo de ilícitos. GG. Em relação às necessidades de prevenção especial, temos de atender ao facto recorrente contar com 42 anos de idade, sem quaisquer antecedentes criminais, se encontrar social e laboralmente inserido, tal como consta do seu relatório social e dos factos dados como provados n.º 16, 17 e 33. HH.Por outro lado, há já mais de um ano que o recorrente não tem qualquer contacto com a ofendida, nem com ninguém ligada a esta. O recorrente refez a sua vida, tem uma companheira com quem reside. II. As necessidades de prevenção especial situam-se assim, claramente num patamar moderado/baixo (o próprio acórdão considera que são moderadas). JJ. Por tudo isto, e tendo também em conta as decisões que outros tribunais vêm tomando, entende-se como justa, adequada e proporcional à culpa do corrente, a pena de 4 anos e 10 meses e quanto à forma de cumprimento desta pena, tendo em conta o acima exposto, em especial o facto de não existir qualquer contacto com a ofendida e tendo em conta a ausência de antecedentes e a inserção social e laboral, deverá a mesma ser suspensa por igual período com regime de prova. Penas acessórias KK. Da inconstitucionalidade das normas dos artigos 69.º B e 69.ºC, relativamente ao estipular um limite minino de 5 anos. LL. No dia 25 de setembro de 2024 foi proferido pelo Tribunal Constitucional o Acórdão 642/2024, onde se declara “julgar inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 69.º B do Código Penal, na redação conferida pela Lei 103/2015, de 24 de agosto, na parte que fixa um período mínimo de 5 anos para a pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades publicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pela condenação pelo crime de importunação sexual previsto no artigo 170.º do Código Penal, quando a vitima é menor”. MM. Em causa estava a condenação pelo crime previsto no artigo 170.º do CP, mas os argumentos aduzidos por esse Douto Tribunal têm total aplicação no caso dos crimes aqui em apreço. NN. A origem dos artigos 69B e 69C é o revogado artigo 179º do CP, bem como o artigo 10º da Diretiva 2011/93/EU do Parlamento europeu e do conselho de 13/12/2011 e ainda a Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais, assinada em Lanzarote, em 25 de outubro de 2007. OO. Nenhum dos referidos instrumentos normativos internacionais impõe a fixação de limites – mínimos e máximos – no tocante à previsão das penas acessórias enquanto modalidades de medidas tendentes a reforçar a proteção das crianças de práticas abusivas contra a sua integridade, liberdade e autodeterminação sexual. PP. Ou seja, a introdução dos limites da pena acessória do artigo 69.º-B do Código Penal é da inteira e exclusiva responsabilidade do legislador nacional. QQ. O artigo 179º previa a aplicação, a quem fosse condenado por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser a) inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela, ou b) proibido de exercer profissão, função ou atividade que implique ter menores sob a sua responsabilidade, educação, tratamento ou vigilância, por um período de dois a quinze anos. RR. Ora, como bem se refere no acórdão do TC, “uma correta economia de previsão de penas acessórias deve, por força, enquadrar-se numa sistemática coerente do sistema penal. Assim, uma pena acessória não deve ser desproporcionada ao facto e à culpa demonstrados no processo, mas deve, igualmente, ser concordante com a pena principal aplicada ou aplicável. Os limites de umas e de outras devem compreender-se entre pontos de distanciamento coerentes e concordantes. Portanto, a sua previsão legal – em termos de moldura penal abstrata – deve permitir ao decisor, aplicar uma pena acessória não desproporcional relativamente à pena principal aplicada, sob pena de a injustificada impossibilidade de aplicação de uma pena acessória proporcional e adequada ao caso concreto, colocar em causa o princípio constitucional da proporcionalidade”. SS. Já há algum tempo que, além da jurisprudência, também a doutrina vinha criticando este aspecto. TT. Basta uma simples comparação entre os limites mínimos das penas acessórias previstas nos artigos 69.º-B, n.º 2 e 69.º-C do Código Penal e os limites mínimos das penas previstas nos artigos 163.º a 176.º-A, para constatar que existe uma disparidade e incoerências enormes. UU. Em relação ao crime de abuso sexual de menor dependente, pº e pº pelo artigo 172.º, mesmo na sua forma agravada, o limite mínimo da pena é de 1 ano e 4 meses; já no caso do abuso sexual de crianças agravado, o seu limite mínimo é de 4 anos. VV. Sabemos que a fixação de um limite mínimo de cinco anos – previsto para as penas acessórias previstas no artigo 69.º-B, n.º 2 Código Penal – cabe na liberdade de decisão do legislador, pois, o artigo 18.º n.º 2, da CRP, não impõe uma correspondência exata entre a moldura penal abstrata e os limites mínimos e máximos das penas acessórias. WW. Mas parece-nos logico que o legislador ao estipular a moldura abstracta da sanção acessória, deve fazê-lo dentro de um quadro de coerência, mesmo não existindo obrigação de correspondência entre penas principais e acessórias. XX. Se assim não for, ficam completamente desvirtuadas as finalidades de punição e as próprias exigências de proteção dos bens jurídicos, para além da ressocialização do agente (art. 40.º do Código Penal). YY. O exagero desproporcionado de impor um limite mínimo de 5 anos nas sanções acessórias dos artigos em causa, “tão dissemelhante dos limites mínimos das penas principais abstratamente previstas para os crimes a que se aplicam – os crimes previstos nos artigos 163.º a 176.º-A do Cód. Penal –, e mesmo idênticas ou superiores aos limites máximos de algumas penas aos mesmos aplicáveis, não nos parece justificada, não só por estipular uma duração excessivamente prolongada da pena, como pela incoerência sistémica que implica e pelos efeitos contraproducentes em termos de prevenção especial e reintegração social do agente”. ZZ. Além de eventualmente violarem o princípio constitucional da proporcionalidade, estas normas podem ainda configurar uma violação do direito ao exercício de profissão (previsto no artigo 47.º da Constituição) e ao direito de constituir família (artigo 36.º da Constituição, que abrange outras relações familiares para além da filiação, como a adoção, o acolhimento familiar e o apadrinhamento civil). AAA. Veja-se que no caso dos autos, o arguido tem uma filha de 6 anos e foi-lhe aplicada uma sanção acessória de inibição do exercício das responsabilidades parentais durante 8 anos!!!! BBB. Na prática priva-se uma criança do convívio com o seu pai durante toda a sua infância, com as consequências nefastas que tal facto terá na formação e constituição da sua personalidade. CCC. Assim, a adequação, necessidade e proporcionalidade das penas acessórias em causa – que restringem a liberdade de escolha de profissão (artigo 47.º da Constituição) e o direito a constituir família (artigo 36.º da Constituição) – depende da demonstração de que os eventuais efeitos de tutela do interesse público perseguidos se ligam aos crimes cuja prática determina a aplicação das penas acessórias em causa. Ou dito de outro modo: ainda que certo comportamento seja digno de tutela criminal, vedado é ao legislador prever a sua punição para casos em que a pena não surja como consequência jurídica necessária e proporcional. DDD. Ora, ao estabelecer um limite mínimo tão elevado (5 anos) para um conjunto alargado de comportamentos – nem todos indiciando a necessidade de punição por tal período –, o legislador violou a obrigação que se lhe impunha de proceder a uma avaliação diferenciada, estabelecendo a sua aplicação por um mínimo de 5 anos para casos em que a necessidade dessa pena pode não existir. EEE. Ainda que a Constituição não imponha uma igualdade entre os limites penais das penas acessórias e das penas principais (cfr. Acórdão n.º 289/1995), há uma «flagrante desproporcionalidade e excesso na reação sancionatória», uma vez que «considerando os limites mínimos das mesmas – 5 anos –, colide com os princípios da proporcionalidade e da culpa» (MOURAZ LOPES e TIAGO MILHEIRO, Crimes Sexuais…, cit., p. 344). FFF. Esta manifesta desproporcionalidade demonstra-se também por comparação com outras penas acessórias previstas no CP: a proibição de exercício de funções públicas é fixada entre 2 e 5 anos (artigo 66.º); a proibição de conduzir veículos a motor é fixada entre 3 meses e 3 anos (artigo 69.º); a proibição de contacto com a vítima de violência doméstica é determinada entre 6 meses e 5 anos (artigo 152.º); a proibição de contacto com a vítima de perseguição é determinada entre 6 meses e 3 anos (artigo 154.º-A); a pena acessória de inelegibilidade é fixada entre 2 anos e 10 anos (artigo 346.º); a privação do direito a deter animais de companhia não tem limite mínimo e tem um limite máximo de 3 anos (artigo 388.º-A). GGG. Resulta fácil concluir que o limite mínimo de 5 anos das normas constitui reação sancionatória manifestamente excessiva, pois pode situar-se muito acima do limite da culpa e sem proporção à gravidade da infração. HHH. Resta concluir, pois, que as normas fiscalizadas, ao estatuírem um período mínimo de 5 anos para as penas acessórias, são violadoras do disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, na restrição que operam à liberdade de escolha da profissão (artigo 47.º da Constituição) e ao direito a constituir família (artigo 36.º da Constituição)». III. Assim, vem o recorrente expressamente invocar a inconstitucionalidade das normas que lhe foram aplicadas a título de sanção acessória – artigos 69.º-B n.º 2 e 69.º-C n.º 2 e 3, na parte em que estabelecem um limite mínimo da sanção em 5 anos, por violação do princípio da proporcionalidade previsto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, na restrição que operam à liberdade de escolha da profissão (artigo 47.º da Constituição) e ao direito a constituir família (artigo 36.º da Constituição). Sem prescindir, JJJ. Por mero dever de patrocínio, e na hipótese académica dos argumentos acima deduzidos não terem procedência e ser mantida a condenação nos termos exarados no acórdão objecto de recurso, as penas aplicadas são manifestamente exageradas. KKK. Dando por reproduzido tudo o que acima se disse sobre os critérios de fixação das penas unitárias, entende-se que relativamente ao crime de abuso sexual de menor agravado, deveria ser aplicada uma pena mais próxima do mínimo resultante da agravação, ou seja, dos 4 anos. LLL. Destarte, a discordância do arguido é maior relativamente à pena única aplicada: 8 anos e 6 meses de prisão. MMM. A medida concreta da pena do concurso, dentro da moldura abstracta aplicável, a qual se constrói a partir das penas aplicadas aos diversos crimes, é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico, constante do art. 77.º, n.º 1 do CP: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do arguido. NNN. Exige-se uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detectar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente. OOO. Confessa o recorrente não ser capaz de descortinar o significado da expressão contida no Acórdão condenatório de “por referência a cerca de 1/5 de todas as penas situadas abaixo do limite mínimo (coincidente com a pena parcelar mais elevada) da moldura da pena única a aplicar” pois realizadas todas as operações matemáticas possíveis, não chega nunca o resultado a que o Tribunal chegou. PPP. De todas as formas, atendendo especialmente ao facto de terem decorrido mais de 4 anos sobre a prática do crime, ao facto de o recorrente nunca mais ter tido qualquer contacto com a ofendida; ao facto de o recorrente não possuir quaisquer antecedentes penais e ainda estar inserido profissional e pessoalmente, a pena justa adequada e necessária deverá ser de 5 anos. Princípios e disposições legais violadas ou incorretamente aplicadas: * Artigo 171.º, n.º 1 e 2, 177º, n.º 1, al. b) do Código Penal; * Artigo 69.º B e 69.º C do Código Penal; * Artigo 30.º, n.º 1 e 3 do Código Penal; * Artigo 120.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal; * Artigos 40.º, 43.º, 50.º, 52.º, 53.º, 54.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º e 77.ºdo Código Penal; * Artigo 18.º, 36.º e 47.º da Constituição da República Portuguesa; * Artigo 374.º do Código de Processo Penal; * Artigo 410.º n.º 1 e 2 alínea c) do Código de Processo Penal. Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. Doutamente melhor suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser alterada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas, tudo com as legais consequências. O recorrente mais requer, nos termos do disposto no número 5 do artigo 411.º do Código de Processo Penal, a realização de audiência no Tribunal Superior, com vista a debater a matéria de facto que infra se impugna. [...]». 5. Em resposta, concluiu o Ministério Público junto da 1.ª instância: «[...] 3. Quanto à matéria de facto e salvo melhor opinião, o alcance do recurso interposto pelo recorrente tem notória e intima relação com o seguinte: O art.º 127º do Código de Processo Penal, no que respeita às regras constantes da legislação processual penal portuguesa para apreciação da prova, dispõe que, regra geral (excecionalmente, há prova que se presume subtraída à livre apreciação, como é o caso da prova pericial – ar. 163º, n.º 1 do CPP), a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente, no caso dos autos, o juiz que profere a decisão, o designado princípio da livre apreciação da prova; 4. Assim, pretende o recorrente, criticar a aplicação feita do estatuído no art.º 127º, do Código de Processo Penal, à prova recolhida em sede de audiência de julgamento, uma vez que foi com base na mesma que, entenderam as Mªs Juízas de Direito encontrarem-se preenchidos todos os elementos integradores do referido crime de homicídio qualificado na forma tentada, pelo qual o arguido foi condenado; 5. Antes do mais, no decurso da audiência, verificou-se uma alteração não substancial e da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação pública (para a qual remete o despacho de pronúncia), com relevo para a decisão da causa, pelo que, em observância ao disposto no artigo 358.º, nºs 1 e 3, do CPP, a mesma foi oficiosamente comunicada ao arguido, o qual não requereu prazo para preparar a sua defesa; 6. Após as Mªs Juízas terem plasmado os princípios gerais como formularam a sua convicção na apreciação da prova, fizeram-no em concreto e de uma forma critica relativamente a todos os intervenientes processuais, disseram porque deram os factos como provados e formularam as suas convicções ao referirem que, foi com base em todos os documentos e a prova pericial constantes dos autos, designadamente: no assento de nascimento da menor; no relatório social do arguido elaborado pela DGRS; no CRC, nas declarações para memória futura da menor BB e nos exames periciais do IML de psicologia forense à menor e de psiquiatria forense ao arguido; 7. O arguido optou por prestar declarações e negou todos os comportamentos sexuais que lhe são imputados na acusação, admitiu, no entanto, que, enquanto a mãe da ofendida CC se manteve a trabalhar até 2017, exercendo a sua atividade num estabelecimento de snack-bar situado em ..., o mesmo ficava, à noite, na residência, somente na companhia dos três filhos daquela. E procurou sustentar que a denúncia dos factos em causa nestes autos surgiu unicamente do propósito da mãe da ofendida, a qual também é a progenitora da menor FF, de o impedir de obter a residência alternada relativamente a esta sua filha, sendo certo que essa residência ficara formalmente atribuída, em exclusivo, à mãe da menor, mesmo antes dos presentes autos e descreveu como sendo positiva e de grande proximidade o relacionamento dos filhos da companheira CC, procurando, assim, demonstrar a falsidade dos abusos sexuais que lhe são imputados; 8. As declarações para memória futura prestadas pela vítima/demandante civil BB perante juiz de instrução, no decurso do inquérito – a que corresponde o auto de 18.10.2022 (ref.ª Citius nº441267822), a fls. 113114 v.º e cuja transcrição consta de fls. 125 a 140, que prestou quando tinha 16 anos de idade, descreveu/concretizou, em termos suficientemente elucidativos, os factos tal qual se encontram descritos sob os nºs 5 a 9 dos factos provados, nelas sendo percetível o tom de voz confrangido e a atitude chorosa da declarante (postura que, aliás, tivera aquando da avaliação psicológica a que foi submetida neste processo, conforme consta do correspondente relatório pericial – cf. pág. 5, a fls. 79 v.º), pelo que se conclui que a mesma falou com verdade, ponderando a consistência e o grau de concretização da sucessão de eventos que relatou naquelas declarações, as quais se encontram sustentadas através da perícia médico-legal psicológica realizada à declarante, conforme consta do respetivo relatório pericial, junto em 3.08.2022., sendo que, “em momento algum, a menor denotou estar a ser influenciada externamente”; 9. Quanto ao número de situações vivenciadas pela vítima BB, e o espaço temporal em que o arguido manteve contactos sexuais, questão levantada pelo recorrente, o Tribunal conjugou as DMF, constantes na transcrição de fls. 21 a 24, com o depoimento da sua mãe, a testemunha CC. Assim, considerando que a vítima transmitiu que os factos ocorreram de modo frequente e reiterado, que os mesmos se verificaram ao longo de todo o período de tempo durante o qual coabitou com o arguido, isto é, desde, pelo menos, o ano de 2017 até novembro de 2020 e tendo presente que a sua progenitora trabalhou no período noturno somente até finais de 2017, tendo permanecido em casa praticamente todo o ano de 2018 (antes e depois do nascimento da filha FF, em Abril desse ano), e considerando, ainda, que (tal como o arguido e a testemunha CC afirmaram), a família mudou-se de ... para ... – ... em Novembro de 2018, onde todos residiram até Novembro de 2020, o Tribunal concluiu que o arguido praticou actos sexuais com a vítima, adotando sempre, no essencial, o mesmo comportamento (encontrando-se somente os dois no sofá da sala da residência, penetrava a vagina da menor com o seu pénis) em, pelo menos, treze ocasiões distintas: uma, à noite, na época em que a mãe da ofendida ainda não tinha regressado do seu trabalho em período noturno (o que sucedeu até ao final de 2017); pelo menos quatro vezes, entre Janeiro e o início de Abril de 2018 (por referência a uma frequência mensal, e por defeito, que se deduz da forma como a vítima se exprimiu quanto ao número de situações que vivenciou com o arguido), quando ainda todos residiam em ... e até ao dia em que FF nasceu (../../2018), sendo certo que a vítima mencionou a ocorrência de episódios na sala da residência já quando a sua mãe se encontrava também em casa (o que aconteceu a partir de Janeiro de 2018), mas em outra divisão (v.g., o quarto do casal: “quando ela tava a dormir” – cf. pág. 19 da transcrição das DMF); uma vez, entre Maio e Novembro de 2018, pois a vítima referiu que houve um período de acalmia logo após o nascimento da sua irmã FF, tendo a mudança da casa de morada de família para ... ocorrido em Novembro de 2018; pelo menos, seis vezes, entre Novembro de 2018 e Dezembro de 2019, considerando que está em causa um período de 14 meses, já todos residindo na habitação situada em ...; e uma última ocasião, situada entre Junho e meados de Novembro de 2020, pois a vítima reportou o último episódio a um momento em que já tinha 14 anos de idade (que perfez no dia 18.02.2020) e não muito distante da data da separação entre a sua mãe e o arguido, coincidente com a cessação da coabitação, o que se deu em meados de Novembro de 2020; 10. Assim, concatenados todos os meios de prova, o Tribunal conferiu total credibilidade às declarações para memória futura da vítima BB, em detrimento das declarações do arguido, infirmadas, no seu essencial, por tais meios probatórios, assim como pela prova testemunhal, pelo que foram dados como provados a factualidade vertida no Ac. sob os nºs 1 a 12 e 18 a 31, uma vez que assenta em pressupostos e motivos plausíveis e explicáveis com base na prova recolhida, bem como na normalidade do acontecer e nas regras da experiência comum, pelo que deverá ser mantido nos precisos termos; 11. Quanto à nulidade decisória sufraga o recorrente que existe falta de fundamentação no tocante aos factos dados como provados; 12. Ora, já sabemos que as sentenças judiciais, constituindo atos decisórios necessariamente fundamentados – arts. 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e 97º n.ºs 1 a) e 5, do Código de Processo Penal -, devem especificar os motivos de facto e de direito que lhes servem de sustentação e observar os demais requisitos fixados no art.º 374º, do citado Código. A enumeração da matéria de facto provada e não provada visa garantir, para além de qualquer dúvida, que o julgador contemplou todos os factos submetidos à sua apreciação. Por seu turno, a indicação e exame crítico das provas decorre da necessidade de potenciar a adesão dos destinatários e comunidade em geral ao teor da decisão criminal e de garantir a observância e respeito pelos princípios da legalidade, imparcialidade e independência, postergando a mera arbitrariedade em benefício do legítimo e fundado exercício da livre convicção, servindo de garante a um processo equitativo, 13. Como é bom de ver e facilmente se conclui do anteriormente exposto não é o facto de o recorrente discordar da valoração probatória realizada pelo tribunal a quo que determina a ocorrência de nulidade por falta ou insuficiência de fundamentação; 14. Tal invalidade relaciona-se antes com a incapacidade do julgador em exprimir, em moldes claros e adequados, a convicção adquirida, qual o caminho percorrido para a atingir e os elementos probatórios considerados para o efeito; 15. Assim sendo, como é bom de ver, o exame crítico só não será suficiente quando deixe de exteriorizar cabalmente o percurso lógico-dedutivo que presidiu à convicção firmada, não se confundindo com o erro de julgamento ou os vícios decisórios, prevenidos no n.º 2, do já citado art.º 410º, cujo âmbito, finalidades e consequências são muito distintos; 16. Após as M.ªs Juízas terem plasmado os princípios gerais como formulam a sua convicção na apreciação da prova, fizeram-no em concreto e de uma forma critica relativamente a toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, a prova pericial junta aos autos e a demais prova documental, pelo que inexiste a invocada nulidade; 17. Quanto ao facto que sufraga o recorrente de existir apenas um crime na forma continuada e não uma pluralidade de crimes pelos quais o arguido foi condenado. Ora, os requisitos do crime continuado mostram-se descritos nos nºs 2 e 3 do artigo 30º, do Código Penal e são eles: 1. Realização plúrima de violação típicas do mesmo bem jurídico, desde que este não proteja bens eminentemente pessoais; 2. Execução essencialmente homogénea das sobreditas violações; 3. No quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que lhe diminua consideravelmente a culpa; 4. Um elemento subjetivo que se há-de estender à inteira relação de continuação, abrangendo as hipóteses de um dolo conjunto (planeamento prévio pelo agente das diversas resoluções típicas) ou de um dolo continuado (o plano do agente de que repetiria a realização típica sempre que a ocasião se proporcionasse); 18. Porém, com a alteração ao Código Penal, introduzida pela L. nº 40/2001, de 3 de setembro, com a entrada em vigor em 03-10-2010, foi alterado o referido nº 3 do artº 30º do C. Penal o qual passou a descrever: “o disposto no nº anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais”, a qual suprimiu a expressão final “salvo tratando-se da mesma vítima”; 19. Destarte, a referida alteração pôs definitivamente termo à figura do crime continuado, sempre que atinja bens essencialmente pessoais, mesmo que se trate de crime da mesma natureza, de tal modo que cada conduta parcelar, que constitui materialmente um crime autónomo, não pode ser unificado para efeitos punitivos; 20. Vejamos, agora, quanto as penas principal e acessória, se as parcelares e as penas únicas, se são adequadas; 21. Ora, para a aferição da medida concreta da pena há que considerar em primeiro lugar a delimitação rigorosa da moldura penal abstratamente aplicável ao crime e ao caso concreto, a fixação do grau de culpa do agente, que figurará como limite máximo da moldura penal, acima do qual a imposição de qualquer pena viola o princípio da culpa e, simultaneamente, a dignidade humana constitucionalmente protegida e, por último, a equação das exigências de prevenção social e especial que auxiliarão o julgador no âmbito da qualificação penal; 22. Por sua vez o art.º 70º do Código Penal enuncia os critérios de opção pela pena privativa de liberdade ou não e o art.º 71º, do mesmo diploma legal, manda que o Tribunal, no encontro da pena, que atue em função da culpa do agente, das exigências de prevenção e na ponderação das demais circunstâncias aí enumeradas e a pena não pode ultrapassar a medida da culpa (artº 40º do mesmo código) e que aquela visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; 23. Da análise do acórdão sob recurso, pelas razões supra referidas, encontram-se de forma nítida verificados o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos dos crimes pelos quais o arguido foi condenado; 24. O Tribunal a quo elencou de uma forma exaustiva das razões de facto e de direito porque no seu entendimento, à semelhança do nosso, decidiu aplicar as referidas penas parcelares, a pena única e elencou todas as circunstâncias que militam contra e a favor do arguido; 25. Contra o arguido fê-lo ao dizer que no caso presente impõe-se considerar a muito elevada ilicitude dos factos por si perpetrados, tendo em conta a forma como ocorreram, verifica-se que, no período compreendido entre Junho e meados de Novembro de 2020, na residência sita na Rua ..., em ..., ..., a ofendida, então com 14 anos de idade, encontrava-se sozinha, a dormir, deitada de lado, no sofá da sala, quando o arguido se deitou de lado, na retaguarda da mesma, baixou-lhe até aos joelhos as calças e as cuecas, apalpou-lhe as mamas pelo interior da camisola e introduziu-lhe o seu pénis, ereto, na vagina, passando a fazer movimentos de vaivém, com quem o mesmo coabitava e atuou com dolo direto; 26. Por outro lado, as exigências de prevenção geral positiva que se fazem sentir relativamente aos crimes cometidos pelo arguido são muito elevadas porque constituem uma fonte de fortíssimo alarme social para a necessidade de respeitar em absoluto o direito de autodeterminação sexual das crianças e jovens; 27. Quanto às exigências de prevenção especial positiva ou de ressocialização do arguido, ao contrário do Ac. quando refere que se apresentam moderadas, pese embora o facto de não ter antecedentes criminais, entendemos que são igualmente muito elevadas, uma vez que o mesmo não interiorizou o desvalor das suas condutas, o elevado número de situações em que satisfez ou procurou satisfazer os seus intentos libidinosos e desejo sexual com a participação de uma menor durante a infância e a adolescência da vítima BB, que sofreu os crimes desde os 11 até aos 14 anos de idade, com quem coabitava, revela uma personalidade completamente distorcida da sua sexualidade; 28. A favor do arguido milita apenas o facto de ter estado, ao longo da sua vida adulta, profissionalmente inserido, familiarmente bem integrado e facto de não ter antecedentes criminais; 29. Destarte, atentas as circunstâncias que militam a favor e contra o arguido, devidamente elencadas no acórdão recorrido, a medida abstrata das penas, entendemos que as mesmas quanto ao seu doseamento são as adequadas e proporcionais ao caso concreto, bem como a pena única, pelo que deverão ser mantidas; 30. Das penas acessórias: E porque se trata de verdadeiras penas, as mesmas refletem “um específico conteúdo de censura do facto”, encontram-se necessariamente ligadas à culpa do agente e a determinação da respetiva medida concreta, dentro da moldura legal abstrata, deve obedecer aos critérios gerais de fixação da medida concreta da pena principal, estabelecidos nos artigos 40.º, nºs 1 e 2, e 71.º, nºs 1 e 2, do Código Penal; 31. Da alegada inconstitucionalidade, invocada pelo recorrente, quanto: Aos artigos 69.º B e 69.ºC, do C. Penal, ao estipular um limite minino de 5 anos – cf. Acórdão 642/2024, do TC, onde se declara “julgar inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 69.º B do Código Penal, na redação conferida pela Lei 103/2015, de 24 de agosto, na parte que fixa um período mínimo de 5 anos para a pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pela condenação pelo crime de importunação sexual previsto no artigo 170.º do Código Penal, quando a vítima é menor; 32. O que estava em causa naqueles autos foi que ai o arguido foi condenado, pela prática de cinco crimes de importunação sexual, previstos e punidos pelo artigo 170.º do Código Penal, na pena única de doze meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dezoito meses, e, acessoriamente, na proibição de exercer profissão ou atividade, pública ou privada, de docência a menores de idade, ou funções semelhantes que impliquem lecionar aulas a menores de idade ou cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de cinco anos; 33. Como é consabido, o entendimento consolidado da doutrina e da jurisprudência, as penas acessórias têm como pressuposto a natureza e a gravidade da pena a que se adscrevem e os limites de umas e de outras (a pena principal e a pena acessória) devem compreender-se entre pontos de distanciamento coerentes e concordantes entre si; 34. Caso não aconteça, tal como ocorreu naqueles autos, há a violação do princípio da proporcionalidade, uma vez que os limites mínimos e máximos das penas acessórias não têm de corresponder aos limites mínimos e máximos da pena principal que cabe ao crime, mas tem que existir uma estrita correspondência entre ambas, para que não haja uma assimetria injustificada e desrazoável; 35. Nos nossos autos nada disso se verifica, tanto mais que a pena acessória é inferior à pena principal, pelo que é inaplicável a referida inconstitucionalidade; 36. Face ao supra exposto, quanto à aplicação da pena principal e o mais consignado no Ac. quer em termos jurisprudenciais e doutrinais, entendemos que as penas acessórias quanto ao seu doseamento são as adequadas e proporcionais ao caso concreto, bem como a pena única, não se verificando qualquer inconstitucionalidade, pelo que deverão ser mantidas. Destarte, o Ac. recorrido, além de aplicar o DIREITO ao caso concreto, cumprindo com as regras processuais penais legalmente admissíveis, fez também JUSTIÇA, ao condenar o arguido nos sobreditos termos pelo que deve ser mantido. [...]». 6. O Ministério Público junto deste Tribunal aderiu às alegações do Magistrado do Ministério Público junto da 1ª Instância, pugnando, também, pela improcedência do presente recurso. 7. Cumpridos os legais trâmites importa decidir. II 8. O presente recurso não merece provimento. 9. 1. Contrariamente ao propugnado pelo recorrente, a matéria de facto dada por assente na decisão recorrida mostra-se corretamente fixada. 10. O recorrente não coloca em causa, nesta instância, a autoria dos factos que lhe são imputados nos autos, nem nega que eles sejam suscetíveis de integrar os crimes pelos quais foi condenado, limitando-se a impugnar o raciocínio seguido pelo Tribunal recorrido para determinar o número de atos (e, por aí, de delitos) pelos quais deve responder aqui à luz do artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal, pugnando pela redução das suas condutas a um tratamento unitário. Sem razão, no entanto. 11. Para balizar temporalmente o comportamento do recorrente, o Tribunal recorrido atendeu – a nosso ver, corretamente – a vários marcos temporais inequívocos, com os quais relacionou as declarações adrede prestadas pela ofendida nos autos, o que lhe permitiu determinar, com um mínimo de segurança, as situações que acabou por enumerar: a circunstância de os atos praticados pelo recorrente terem ocorrido em duas habitações distintas (uma situada em ..., e outra em ..., ..., para onde a família se mudou em novembro de 2018); a ausência ou presença da mãe da ofendida na habitação onde os factos ocorreram, expressamente referida pela ofendida; o nascimento da irmã mais nova (filha do recorrente e da mãe) da aqui ofendida (verificado em 22/04/2024), e que se refletiu na (diminuição da) prática dos factos aqui em apreço; a data em que a ofendida perfez os 14 anos de idade (18/02/2020), após o que foi vítima de pelo menos mais um ato sexual contra a sua vontade (o último ato dessa natureza de que foi vítima), bem como a data em que a mãe da ofendida e o recorrente se separaram definitivamente (novembro de 2020), após o que nenhum ato mais se verificou. 12. Lidas as respetivas declarações, conclui-se, de facto, que a ofendida nos autos se recorda perfeitamente do primeiro e do último ato de abuso sexual de que foi vítima (ainda que não saiba situá-los exatamente no tempo, mas apenas aproximadamente, como é natural que aconteça, dadas as circunstâncias). Mas a ofendida refere, ainda, de forma clara, que tais situações não foram as únicas em que teve de suportar as investidas do recorrente: como se retira das suas declarações, antes do nascimento da sua irmã mais nova, o recorrente forçou-a repetidamente a contactos de natureza sexual, tanto quando a sua mãe se encontrava fora, no trabalho, como quando estava em casa, o que aponta para mais do que uma agressão sexual em cada contexto (cf. fls. 17-19 da transcrição das declarações para memória futura prestadas pela ofendida, doravante apenas «transcrição»). 13. Assim sendo, a conclusão a que chega o Tribunal recorrido, de que entre janeiro e abril de 2018 o arguido terá abusado da ofendida pelo menos quatro vezes, sendo que pelo menos uma vez por mês (dando a ofendida a entender que a frequência da ocorrência das agressões de que foi vítima era variável), afigura-se fundada, podendo mesmo considerar-se que, a pecar, só poderá ser por defeito, nunca por excesso. 14. A ofendida refere, ainda, que após o nascimento da sua irmã mais nova, «houve esse período que as coisas acalmaram e parou durante um período de tempo e depois voltou a acontecer» (cf. fls. 23 da transcrição); assim, durante um período cuja duração não soube especificar, a ofendida não foi vítima de qualquer abuso, mas depois o recorrente voltou aos seus desmandos, e isto quando ainda se encontravam na habitação que partilhavam em .... Nesta sequência, a conclusão de que entre maio e novembro de 2018 a ofendida foi vítima de abusos por parte do recorrente pelo menos mais uma vez mostra-se perfeitamente justificada. 15. Antes do último ato de abuso de que a ofendida foi vítima às mãos do recorrente, que terá tido lugar quando tinha já completado os seus 14 anos, refere ela repetidos atos de abuso no interior da habitação que passaram a partilhar, sita em ... (cf. fls. 23 da transcrição: «nós primeiro fizemos uma casa e nessa casa não aconteceu nada. Depois mudamos de casa, de… para ... e depois de ..., fomos para ...» e, respondendo a questão colocada pelo Magistrado Judicial que presidia à diligência se «em ... também aconteceu?», respondeu que «[s]im»). Mais: relativamente a esse período (situado entre novembro de 2018 e 18/02/2020, embora na decisão recorrida se aluda a dezembro de 2019), em que ocorreram repetidos atos de abuso, refere também a ofendida que «[h]avia vezes que acontecia mais que uma vez numa semana (?), semana que não acontecia nada» (cf. fls. 24 da transcrição). Concluir, destarte, que num período de quase 16 meses a ofendida foi vítima de, pelo menos, 6 atos de abuso sexual, de novo, só pode pecar por defeito, jamais por excesso. 16. Em suma, pois, contra o que refere o recorrente, não é verdade que o Tribunal recorrido se tenha lançado a «adivinhar, apontar e dar como provadas as vezes e os dias dos alegados abusos sexuais, que a própria vítima não conseguiu descrever»; pelo contrário, a 1.ª instância efetuou um raciocínio perfeitamente lógico, que encontra nas declarações da ofendida nos autos pleno arrimo, ainda que o resultado a que assim se chega não seja, naturalmente, do agrado do recorrente. Sendo assim, pois, e a nosso ver, não merece a decisão recorrida, nesta parte, qualquer censura, designadamente por vício de fundamentação, ex vi do preceituado no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, como pretende o recorrente. 17. 2. Os factos dados por assentes impõem a condenação do recorrente pela prática plúrima do crime de abuso sexual de crianças que aqui lhe é imputado, tal como entendeu o Tribunal recorrido. 18. a) Considerando a natureza e pluralidade de factos praticados pelo recorrente, e como ele próprio reconhece, não pode a sua conduta reconduzir-se a uma unidade jurídica, no âmbito da figura do crime continuado, por a tal se opor o preceituado no n.º 3 do artigo 30.º do Código Penal. 19. De todo o modo, não se vislumbra onde se poderia ver, no caso, uma qualquer «solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente» (exigida no n.º 2 do preceito legal citado), que não a facilidade de acesso à ofendida de que, precisamente, «usou e abusou» o recorrente, com violação ostensiva e chocante de todos os deveres de proteção e educação que sobre si recaíam, dada a relação existente entre ambos, o que naturalmente justifica maior, não menor, censurabilidade. 20. b) A situação vertente também não pode reconduzir-se à prática de um único crime com fundamento numa suposta unidade de resolução criminosa (no caso, uma única decisão de abusar sexualmente da vítima) que depois apenas se atualizaria (mas não renovaria, a admitir-se que uma tal distinção faz sentido) em cada uma das múltiplas situações em que o recorrente abusou da aqui ofendida. 21. Sem se entrar numa análise aprofundada das diversas teorias de que se poderia lançar mão para estabelecer a distinção entre situações de unidade e situações de pluralidade de infrações, basta recordar aqui o «clássico» critério de Eduardo Correia (A teoria do concurso em direito criminal: I. Unidade e pluralidade de infracções. II. Caso julgado e poderes de cognição do juiz, ed. de 1996, pág. 97; omitiu-se a nota de rodapé constante do original) para se concluir que «a experiência e as leis da psicologia ensinam-nos que, em regra, se entre diversos actos medeia um largo espaço de tempo, a resolução que porventura inicialmente os abrangia a todos se esgota no intervalo da execução, de tal sorte que os últimos não são já a sua mera descarga, mas supõem um novo processo deliberativo». 22. No caso vertente, a conduta do recorrente prolongou-se durante meses, por vezes com semanas de intervalo, o que significa ser impossível que, durante todo esse período de tempo, não tenha tido ele oportunidade de refletir sobre o seu comportamento, e a necessidade de renovar a sua resolução criminosa inicial, não sendo de todo de aceitar – precisamente porque contrária às regras da «experiência e as leis da psicologia» – que foi ainda essa resolução que, em cada situação que protagonizou, guiou o seu comportamento. 23. E ainda que se aceite, com Figueiredo Dias (Direito Penal. Parte Geral, t. I, 3.ª ed., 43.º Capítulo, § 25), que «o desfasamento ou a proximidade contextuais das realizações típicas só podem constituir indícios – fortes por vezes, é certo, mas não decisivos – da unidade ou pluralidade de sentidos do ilícito global», parece não poder duvidar-se não ser possível ver na conduta do recorrente um único sentido de ilícito global, negando às sucessivas e repetidas agressões que perpetrou sobre a ofendida nos autos, claramente desfasadas no tempo e correspondendo à repetição do seu comportamento delituoso, autonomia para efeitos punitivos (vd., a propósito, aut. e ob. cit., §§ 7 e 26), bem como Helena Moniz (“Crime de trato sucessivo” (?), em Julgar Online, abril de 2018, passim). 24. c) A aplicação, que o recorrente ensaia, à «figura» do «crime de trato sucessivo» também não pode ter aplicação no caso. 25. O recorrente pugna ainda pela redução à unidade de um suposto «trato sucessivo» do seu comportamento delituoso que, como se disse, não pode deixar de ser considerado como comissão plúrima do crime de abuso sexual de criança por que foi condenado (e isto tanto no que tange ao preenchimento dos elementos dos tipos objetivo e subjetivo do crime base, como quanto aos do respetivo tipo agravado), possibilidade que, se bem vemos, mais não vem a ser do que mero jogo de etiquetas que permita punir como unidade jurídica o que, de acordo com a definição legal do crime continuado, não o pode ser, como vimos. 26. Aliás, como recorda Helena Moniz (cit., pág. 25), «unificar diversos comportamentos individuais que têm subjacente uma resolução distinta sem que a lei tenha procedido a essa unificação constitui uma clara violação do princípio da legalidade e, portanto, uma interpretação inconstitucional» da incriminação de que se trate. Não demonstrando o recorrente que um tal resultado não ocorreria no caso concreto se fosse de acolher a tese que aqui propugna, nem vislumbrando esta Relação, também, razões para divergir do entendimento da autora citada, também nesta parte não pode o presente recurso deixar de improceder. 27. 3. As normas dos artigos 69.º-B, n.º 2, e 69.º-C, n.ºs 2 e 3, do Código Penal, na sua redação atual, nas dimensões assinaladas pelo recorrente, não violam a Constituição da República Portuguesa. 28. a) O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de esclarecer, no seu recente acórdão n.º 117/2025, que não é de julgar inconstitucional: — «a norma do n.º 2 do artigo 69.º-B do Código Penal (na redação da Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto), na parte em que fixa a moldura de 5 anos a 20 anos para a pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pela condenação pelo crime previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 171.º do Código Penal quando a vítima seja menor», bem como, — «a norma do n.º 2 do artigo 69.º-C do Código Penal (na redação da Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto), na parte em que fixa a moldura de 5 anos a 20 anos para a pena acessória de proibição de assumir a confiança de menores, pela condenação pelo crime previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 171.º do Código Penal, quando a vítima seja menor». 29. Esta Relação não encontra razões para divergir de tal juízo, proveniente, como é, do órgão jurisdicional que, no nosso sistema, tem competência para apreciar da conformidade constitucional das leis, e por isso mesmo aqui o acompanhará no juízo de constitucionalidade das normas aludidas, cujos fundamentos se consideram extensíveis à pena acessória de inibição de responsabilidades parentais também prevista na segunda das indicadas normas, em que não se vê mais do que a mera restrição ao tipo de poderes que o recorrente poderá exercer sobre a sua descendente, o que de todo em todo inviabiliza o convívio, em condições de segurança, entre ambos. 30. Já quanto ao crime p. e p. pelo artigo 172.º, n.º 1, alínea b), por referência ao artigo 171.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código Penal, igualmente cometido pelo recorrente, e sem olvidar o que o mesmo Tribunal Constitucional concluiu no seu acórdão n.º 688/2024, o certo é que neste aresto estava em causa o crime de abuso sexual de menores dependentes p. e p. pelo artigo 172.º, n.º 2, por referência ao artigo 171.º, n.º 3, alínea b), ambos do Código Penal (cuja moldura abstrata é de prisão até três anos), ao contrário do que ocorre aqui, onde moldura abstrata aplicável é de 1 a 8 anos de prisão (sendo que no caso vertente há ainda que considerar a agravação de um terço, nos limites mínimo e máximo da moldura aplicável, prevista no artigo 177.º, n.º 1, alínea b), do dito diploma legal). 31. Considerando, assim, a gravidade dos factos abrangidos pela incriminação aqui em apreço – onde está em causa o abuso sexual de menores (adolescentes) dependentes, com «[a]bus[o] de uma posição de manifesta confiança, de autoridade ou de influência sobre o menor» –, e o que dos factos se retira da personalidade do recorrente, afigura-se-nos valerem também aqui as considerações tecidas no citado acórdão n.º 117/2025 (sublinhados no original): «não parece ilegítimo que o legislador infira que quem pratica o crime de abuso sexual de criança previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 171.º [aqui, como se disse, o crime de abuso de menores dependentes do artigo 172.º, n.º 2, alínea b)] do Código Penal, atentos os específicos factos praticados, revela a necessidade de, por um período mínimo de 5 anos, ver aplicada aquela pena acessória. Não parece poder dizer-se que, face à gravidade do crime e às exigências de prevenção geral e especial, tenha o legislador fixado uma moldura penal notoriamente excessiva». 32. E ainda considerando que o limite mínimo da moldura abstrata aplicável ao crime p. e p. pelo artigo 172.º, n.º 1, alínea b), por referência ao artigo 171.º, n.ºs 1 e 2, é de «apenas» 1 ano, o certo é que o seu limite máximo é de 8 anos (sem contar com a agravação que, no caso dos autos, igualmente se aplica), de molde a permitir responder de forma mais individualizada a factos de elevada gravidade e grande ressonância social, pelo que também aqui não pode falar-se, a nosso ver, de uma «reação sancionatória manifestamente desproporcionada», o mesmo é dizer, «que “a gravidade do sancionamento se mostre inequívoca, patente ou manifestamente excessiva”» (cita-se o referido acórdão n.º 117/2025, parágrafos 11.3 e 11.4, que a propósito desta última citação remete para os seus acórdãos n.ºs 13/1995, 99/2002 e145/2021) face aos interesses que com a aplicação da pena acessória em referência se visa salvaguardar (e que são também os da própria filha menor do recorrente, que precisamente dirigiu a sua conduta a menor que se encontrava sob sua alçada e – suposta – proteção, sendo por isso pouco relevantes as considerações que, quanto ao exercício das suas respetivas responsabilidades parentais, expende ele nas suas alegações de recurso). 33. Acresce, por último, que, como resulta expressamente da decisão recorrida, o Tribunal a quo entendeu ser de aplicar (retroativamente) aos factos dos autos – precisamente por mais favorável ao arguido (cf. artigo 2.º, n.º 2, do Código Penal) – os artigos 69.º-B e 69.º-C na versão que lhes foi introduzida pela Lei n.º 15/2024, de 29 de janeiro, e não na sua versão originária, introduzida pela Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto, o que significa que a imposição das penas acessórias contra as quais se move o recorrente não decorre da mera observância «automática», «mecânica», de uma obrigação legal, mas antes da formulação de um juízo de necessidade, decorrente da gravidade dos factos praticados e das exigências de prevenção geral e especial, de melhor responder ao grau de censura que merece o comportamento do recorrente. 34. b) Uma última nota importa deixar aqui: ainda que fosse de entender pela inconstitucionalidade dos artigos 69.º-B e 69.º-C do Código Penal quando aplicados na sequência de condenação pela prática do crime p. e p. pelo artigo 172.º, n.º 1, alínea b), por referência ao artigo 171.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo corpo de normas, o certo é que não seria de afastar a aplicação pura e simples das penas acessórias para ele previstas: neste caso, e por força da disciplina decorrente do artigo 282.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, haveria que recuperar (pelo menos) o limite mínimo da moldura prevista no (antigo) artigo 179.º do Código Penal, que, pelas razões já aludidas, se não afigura seguramente, pela sua duração «manifestamente desproporcionada» aos factos (e à moldura penal abstrata para eles legalmente cominada) praticados pelo recorrente. 35. Tendo-se concluído pela constitucionalidade das normas que aqui impugna o recorrente, porém, a questão ora enunciada não tem de ser objeto de conhecimento por esta Relação. 36. 4. As penas aplicadas pelo Tribunal recorrido, porque respeitam genericamente os critérios legais a que a sua determinação se encontra subordinada, são de manter. 37. a) Sem pôr em causa que o procedimento de determinação da medida da pena constitui, materialmente, um processo de aplicação do Direito, e como tal suscetível de impugnação por via de recurso (vd., v. g., Gerhard Schäfer/Günther M. Sander/Gerhard van Gemmeren, Praxis der Strafzumessung, 6.ª ed., n. m. 1506 e segs., págs. 561 e segs.; Hans-Jürgen Bruns/Georg-Friedrich Güntge, Das Recht der Strafzumessung, 3.ª ed., 23.º capítulo, n. m. 1 e segs., págs. 366 e segs.; entre nós, Figueiredo Dias, Direito Penal português – Parte geral II, §§ 251, e segs., págs. 194 e segs., especialmente §§ 254-255, págs. 196-197), o certo é que não pode deixar de reconhecer-se, ao juiz de julgamento – até a partir dos dados que (só) o decurso da audiência permite apreender a propósito do facto e da personalidade do seu respetivo autor, e mediante a consideração de todas as circunstâncias pertinentes, resultantes da discussão da causa – uma significativa margem de apreciação no tocante à determinação do quantum concreto da pena a aplicar. 38. E isto até porque a pena só pode fixar-se de forma relativa, tendo em conta os limites mínimo e máximo da moldura legal aplicável e o resultado a que se chegue na valoração global dos fatores de medida da pena pertinentes (cf., a propósito, as considerações de Patricia Ziffer (Lineamientos de la determinación de la pena, 2.ª ed., págs. 41-42), donde, como assinala a aludida autora, «a localização de um caso nas penas mínimas ou máximas pressupõe não que não se possa imaginar um caso mais leve ou mais grave, mas apenas que o ilícito, valorado na sua totalidade, se encontra num ponto imediatamente próximo a estes limites» (id., pág. 39). 39. Neste contexto, a intervenção de um Tribunal Superior só se justificará quando as considerações desenvolvidas para justificar a pena encontrada sejam, em si mesmo, incorretas (designadamente por contrariarem as regras da experiência comum), quando o Tribunal desconsidere (ou aplique incorretamente), na sua fundamentação, os princípios fundamentais relativos às finalidades das penas e à sua respetiva fixação, ou quando a pena se mostre fixada num montante tão baixo, ou tão alto, que já não responde (ou responde desproporcionadamente), de forma manifesta, ao grau de censura que o facto concita ou às necessidades preventivas que se coloquem na situação em causa (vd., a propósito, F. Dias, cit., § 255, pág. 197; G. Schäfer/G. M. Sander/G. van Gemmeren, cit., n. m. 1505 e segs., especialmente 1511-1511a, págs. 561 e segs.). 40. Qualquer outra solução, na verdade, redundaria na substituição do critério do Tribunal recorrido pelo critério deste Tribunal Superior, correspondendo não a uma revisão do julgamento por aquele efetuado, mas, verdadeiramente, a um novo julgamento no tocante à determinação da medida das penas impostas nos autos, a que se não destina, no nosso sistema jusprocessual penal, o recurso. 41. b) Analisando a decisão recorrida à luz das considerações antecedentes, forçoso é concluir que a ponderação que o Tribunal recorrido efetuou de alguns dos fatores que considerou relevantes para a determinação da medida concreta da pena suscita alguns reparos. 42. (1) O julgador não pode valorar, para a fixação da medida da pena, circunstâncias que «fa[çam] parte do tipo de crime» (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal), limite que a doutrina largamente maioritária precisamente com fundamento na razão de ser deste princípio da proibição da dupla valoração de circunstâncias relevantes para a medida da pena estende às razões e às finalidades político criminais subjacentes às opções legislativas na origem e conformação do preceito incriminador em causa, incluindo a própria necessidade de (especial) proteção do bem jurídico tutelado (vd., v. g., H.-J. Bruns/G. F. Güntge, cit., 10.º capítulo, n. m. 1416, págs. 175-176; G. Schäfer/G. M. Sander /G. v. Gemmeren, cit., n. m. 689, pág. 247, e 703 e 704, pág. 254; entre nós, porventura mais cauteloso, F. Dias, cit., § 317, pág. 236). 43. A frequência da comissão de um determinado crime, em geral, ou o específico alarme social que, em abstrato, a sua prática provoque, a relevância do bem jurídico que tal incriminação protege ou as razões que justificam a criminalização de certo comportamento, são precisamente exemplos de circunstâncias que o legislador toma tipicamente em consideração seja na decisão de incriminar uma conduta, seja na da fixação da correspondente moldura penal abstrata aplicável, não podendo, por isso, ser novamente valoradas pelo julgador, como ocorreu no caso concreto (em especial quando o Tribunal recorrido conclui que «as exigências de prevenção geral positiva que se fazem sentir relativamente aos crimes cometidos pelo arguido são muito elevadas, pois trata-se de crimes de natureza sexual praticados contra uma menor», ou sublinha que a conduta do recorrente «fere os valores mais elementares de protecção das crianças e a moral pública», no fundo reiterando o que já resulta dos tipos legais aplicáveis no caso, incluindo da agravação legalmente prevista), salvo por referência a um contexto social, ou um caso concreto, de contornos muito específicos, que se desvie essencialmente daquele que teve o mesmo legislador em mente (que na decisão recorrida não se demonstrou que ocorra na hipótese vertente). 44. (2) Também o recurso que na decisão recorrida se faz, com valor agravante, à modalidade de dolo com que atuou o recorrente (ligando-a diretamente ao grau de culpa que se identifica no caso), suscita também reservas. Seja pelas objeções decorrentes da discussão a propósito da ideia de «caso normal» no contexto da aplicação do princípio da proibição da dupla valoração dos fatores relevantes para a medida da pena (veja- se, sobre isto, v. g., G. Schäfer/G. M. Sander/G. v. Gemmeren, cit., n. m. 705 e segs., págs. 255 e segs., e Franz Streng, Strafrechtliche Sanktionen, 3.ª ed., n. m. 705 e segs., págs. 349 e segs.), seja porque a modalidade de dolo, por si só, pouco relevo assumirá enquanto fator de medida da pena, salvo quando considerado à luz dos motivos que impeliram o agente a atuar, bem como dos objetivos por ele perseguidos com a sua conduta, não é claro – e a decisão recorrida seguramente não o demonstra – que o facto de o aqui recorrente ter agido com dolo direto, per se, deve necessariamente implicar um efeito agravante sobre a medida concreta da pena a aplicar-lhe (Schäfer/Sander/v. Gemmeren, id., n. m. 618 e 618a, pág. 221; Streng, id., n. m. 554, pág. 270; H.-J. Bruns/G.-F. Güntge, cit., 13.º capítulo, n. m. 69 e segs., págs. 271 e segs.). 45. A este propósito, entre nós, salienta F. Dias, cit., § 337, pág. 246), estar em causa, essencialmente, «o grau de conhecimento e a intensidade da vontade». Mas, visto assim, não é propriamente a modalidade de dolo que importa, mas o nível e a intensidade que os elementos (intelectual e volitivo) em que se analisa alcançam no caso concreto (independentemente da respetiva modalidade, portanto); e, na hipótese vertente, não há dúvida que o grau de conhecimento (dos elementos do tipo e, por aí, da ilicitude da sua conduta) e a intensidade da vontade que animou o recorrente foram elevados. Neste sentido, e só neste sentido, pode aceitar se um valor agravante para o «dolo» do recorrente. 46. b) Isto dito, porém, revendo, à luz das considerações antecedentes, as penas aplicadas, o certo é que elas não se antolham, de acordo com os critérios indicados, de tal sorte desproporcionadas aos factos em questão (e, portanto, tão comunitariamente insuportáveis) de molde a impor a sua alteração por esta Relação. 47. (1) Com efeito, numa moldura penal de 4 a 13 anos e 4 meses de prisão, não pode dizer-se exagerada, considerando as circunstâncias do caso, uma pena de 4 anos e 6 meses, apenas 6 meses acima do seu limite mínimo, que o Tribunal recorrido optou por impor ao recorrente por todos e cada um dos crimes de abuso sexual de criança por ele cometidos, não estabelecendo, entre as diferentes penas irrogadas, a distinção que porventura se poderia justificar pela sucessão de crimes praticados (necessariamente a agravar a responsabilidade jurídico-criminal em relação aos crimes subsequentes, face à maior pertinácia da vontade delitiva do recorrente que assim fica demonstrada, e ao acréscimo das exigências de prevenção, geral e especial, e, sobretudo, de culpa, que tal necessariamente implicou). 48. Como também não pode considerar-se exagerada, numa moldura penal de 1 ano e 4 meses de prisão a 10 anos e 8 meses, uma pena de 2 anos que responde ao crime de abuso sexual de menor dependente, ou seja, apenas 8 meses acima do seu mínimo, sendo certo que, correspondendo ao último dos atos criminosos praticados pelo recorrente, sempre se poderia justificar, pelas razões já referidas, a aplicação de uma pena superior. 49. A fixação de qualquer das penas aludidas em valores ainda mais próximos aos respetivos mínimos legais, como pretendido pelo recorrente, poria em causa as funções geral e especial preventivas que a tais sanções cabe realizar, não assegurando adequadamente a indispensável reafirmação contrafáctica das expectativas comunitárias na validade das normas por ele violadas, nem permitindo atuar sobre o mesmo recorrente de molde a garantir que adotará ele, no futuro, um comportamento socialmente responsável. 50. (2) Quanto à pena única fixada, se ela impressiona em valor absoluto – 8 anos e 6 meses de prisão –, a verdade é que foi encontrada numa moldura abstrata que vai de 4 anos e 6 meses a 56 anos de prisão, não chegando, bem vistas as coisas, a corresponder à soma de duas das penas parcelares aplicadas pelos crimes de abuso sexual de criança praticados pelo recorrente, e ficando abaixo do limite máximo da moldura aplicável a cada crime (que é, como se viu, de 13 anos e 4 meses de prisão). 51. Ela responde – adequadamente, a nosso ver – à comissão de múltiplas agressões sexuais que se espraiaram por um período de cerca de 3 anos (pois que se iniciaram quando a ofendida nos autos tinha apenas 11 anos e prolongaram-se mesmo para lá do seu 14.º aniversário), durante, pois, todo um fundamental período formativo da futura personalidade e sexualidade adultas da ofendida, e que foram perpetradas por quem, na dinâmica familiar desta, dela devia cuidar e protegê-la (sendo assim significativo o grau de violação dos deveres a que estava sujeito o recorrente); para além disso, ocorreram no interior da habitação familiar (por vezes quando nela se encontravam presentes outras pessoas, o que mostra bem a pertinácia da vontade criminosa do recorrente), espaço que deveria representar um ambiente seguro para um sadio desenvolvimento afetivo, socioemocional e sexual da ofendida, tudo com as consequências assinaladas na matéria de facto dada por assente na decisão recorrida (e que não deixarão, nos anos vindouros, de continuar a fazer-se sentir, como salienta a literatura especializada nesta matéria). 52. A culpa que a conduta do recorrente reclama é, pois, muito elevada, cobrindo seguramente a pena que lhe foi aplicada. 53. Perante o que da personalidade do recorrente revelam os factos que praticou, as exigências de prevenção especial são elevadíssimas, não sendo obtemperadas pelos fatores favoráveis que lhe são reconhecidos na decisão recorrida, já que eles se verificaram durante todo o período em que se manteve o seu comportamento criminoso e em nada contribuíram para pôr cobro à sua atuação. 54. Também as exigências de prevenção geral são muito elevadas, pois que a atuação do recorrente exige uma reação que permita reconstituir expectativas comunitárias na validade das normas por ele violadas com a sua conduta, necessariamente postas em causa em níveis significativos perante uma tão prolongada prática criminosa. 55. (3) A medida encontrada para as penas acessórias aplicadas ao recorrente não merece, igualmente, censura. 56. As penas acessórias encontram-se, no tocante à determinação da sua medida concreta, sujeita aos critérios gerais de determinação das penas principais, tendo o seu limite na culpa que reflitam os factos praticados, sendo fixadas de acordo com a valoração das exigências de prevenção, geral e especial, que se façam sentir no caso (vd., v. g., Maria da Conceição Ferreira da Cunha, As reações criminais no direito português, 2.ª ed., § 577, pág. 293; Jörg Kinzig, em Schöncke/ Schröder, Strafgesetzbuch – Kommentar, 30.ª ed., § 44, núm. marg. 18a, pág. 775). 57. No caso concreto, o Tribunal recorrido decidiu aplicá-las pelo seu mínimo e, procedendo ao seu cúmulo (como devia, ao não haver razões para não aplicar aqui a doutrina que – embora para a pena acessória prevista no artigo 69.º do Código Penal – foi fixada no «assento» do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2018, de 11/01/2018, publicado no Diário da República, I Série, n.º 31, de 13/02/2018), fixá-las em 8 anos. 58. Pelas razões já atrás aludidas, que aqui se têm por aplicáveis mutatis mutandis, não nos merece esta decisão reparo, sendo certo que a inibição do recorrente do exercício de responsabilidades parentais não significa que não possa ele relacionar-se com a sua filha menor, mas apenas que não poderá ele exercer, sobre ela, poderes que os seus atos demonstram não estar em condições de garantir que não serão objeto de uma utilização abusiva. Está aqui em causa a proteção da filha menor do arguido, não uma decisão destinada a mantê-los permanente e irremediavelmente separados doravante. 59. (c) Sendo assim as coisas, portanto, não ocorrem razões bastantes que justifiquem que nos substituamos ao Tribunal recorrido na determinação da medida das penas – principais e acessórias – a impor ao recorrente, sendo que as razões por ele avançadas em arrimo da sua pretensão de as ver reduzidas não justificam solução diversa. 60. 5. Face à decisão que irá ser proferida, terá o recorrente que suportar custas adequadas à atividade que desencadeou. 61. Conforme decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 513.º do Código de Processo Penal, o arguido suporta o pagamento de taxa de justiça «quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso». 62. Sendo este o caso, terá, o recorrente, de suportar as custas devidas nesta instância. 63. Considerando, nos termos previstos no artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, a tramitação processual ocorrida, afigura-se adequado fixar em 5 Unidades de Conta a taxa de justiça devida. III 64. Pelo exposto, acordam os da 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto em, negando provimento ao presente recurso, confirmar a decisão recorrida. 65. Custas pelo recorrente (artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) Unidades de Conta. Cidade e Tribunal da Relação do Porto, 26 de março de 2025. Pedro M. Menezes (relator) Maria Luísa Arantes Lígia Trovão (acórdão assinado eletronicamente). |