Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ISABEL SILVA | ||
Descritores: | EXPROPRIAÇÃO SOLOS EM ZONA VERDE OU DE LAZER AVALIAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP20250604210/21.7T8ESP.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/04/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O nº 12 do art.º 26º do CE não prescreve apenas para os “solos aptos para construção”, posto que contempla os “solos em zona verde ou de lazer” que manifestamente não são zonas onde se possa construir. II - O nº 12 do art.º 26º do CE constitui uma cláusula de salvaguarda no sentido que, nos casos em que a parcela expropriada não possa ser classificada com “solo apto para a construção” do ponto de vista estrito, ainda assim pode e deve ser avaliada em função do valor de edifícios ou construções envolventes, desde que reunidas as condições estipuladas no art.º 26º nº 12 e 28º do CE. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 210/21.7T8ESP.P1
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I – Resenha do processado 1. Foi declarada a utilidade pública, com caráter de urgência, da expropriação de um conjunto de parcelas de terreno necessárias à execução da obra do IC ... – .../... – 1.º trecho (2.ª fase), entre as quais parte da parcela n.º ..., terreno com a área de 912 m², correspondente a parte do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Espinho com o n.º ..., pertencente a AA (Expropriado). A entidade expropriante foi o Instituto para a Construção Rodoviária, depois substituído pela A..., S.A. O auto de posse administrativa aconteceu em 19 de junho de 2001, e a adjudicação da propriedade da parcela em 19 de outubro de 2021. Não concordando com a proposta que lhe foi feita sobre o valor indemnizatório, seguiu-se o procedimento de expropriação litigiosa. Na decisão arbitral fixou-se o valor global de indemnização em € 7.012,00, sendo € 6.712,00 referente ao valor do solo e € 300,00 referente a benfeitorias e frutos pendentes. Não concordando com tal decisão arbitral, o Expropriado interpôs recurso, pretendendo uma indemnização não inferior a € 63.840,00, a atualizar nos termos gerais, acrescido de juros de mora vencidos à taxa legal desde a data de declaração de utilidade pública até à decisão final e efetivo e integral pagamento. A entidade expropriante respondeu, invocando a ilegitimidade do expropriado/recorrente e pugna pela improcedência do recurso. Procedeu-se à realização de avaliação. Apresentadas alegações por ambas as partes, foi proferida sentença que decidiu julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo expropriado AA e fixar o montante a pagar pela entidade expropriante em € 37.480,00, montante este a ser atualizado nos termos do n.º1 do art.º24.º e do AUJ n.º7/2001, de 25.10 [ou seja, desde 23.03.2000 (data da DUP) até 20.12.2022 (data em que foi autorizado o levantamento da quantia sobre a qual havia acordo), com recurso ao índice de preços do consumidor fixado pelo INE, para cada ano; sendo que, a partir daí, a referida atualização incidirá apenas sobre a quantia correspondente à diferença entre o valor ora e qui fixado e o que já foi recebido pelo expropriado].
2. A sentença considerou provada a seguinte factualidade 1. Por despacho de Sua Ex.ª o Ministro do Equipamento Social n.º6694-B/2000, de 23.03, publicado na 2.ª série do DR n.º73, de 27.03.2000, foi declarada a utilidade pública, cm caráter urgente, para expropriação de terrenos, necessária à realização da obra IC ... – .../.... 2. A parcela ..., que se encontra dentro dos limites da expropriação e, como tal, abrangida pela DUP aludida em 1), integra o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º... e inscrito na matriz predial sob o artigo ..., da freguesia ..., concelho ..., tendo uma área registada na matriz de 6.710m² e na Conservatória de 7.480,00m². 3. Foi realizada vistoria ad perpetuam rei memoriam em 09.02.2001. 4. Foi elaborado auto de posse administrativa sobre a parcela em 19.06.2001. 5. A entidade expropriante depositou a quantia de € 7.012,00 nos autos em 12.10.2021. 6. Em 19.10.2021 foi determinada a adjudicação da propriedade da parcela em causa (1111.1) à entidade expropriante e, em 20.12.2022, atribuído ao expropriado o montante sobre o qual se verificou acordo (€ 7.012,00). 7. Da certidão predial constam os seguintes registos: a. AP...., de 1986/12/02 – aquisição, por morte, a favor de AA. b. Ap...., de 2004/04/14 – constituição de hipoteca voluntária a favor do Banco 1..., S.A., pelo capital de € 184.000,00 e de montante máximo assegurado de € 238.180,64, convertida em definitiva pela Ap..., de 2008/04/14 e cancelada pela Ap..., de 2011/07/05. c. Ap..., de 2010/11/29 – Dação em cumprimento a favor do Banco 1..., S.A., sendo sujeito passivo AA. 8. Os arruamentos junto da parcela aludida em 2) dispõem das seguintes infraestruturas urbanísticas: a) Acesso rodoviário pavimentado a betuminoso, por arruamento com 4 metros de largura; b) Rede de abastecimento de água; c) Rede de energia elétrica/ iluminação pública; d) Rede telefónica. 9. A parcela integra-se em núcleo urbano existente, tendo acesso pela via pública. 10. O prédio tem como confrontações: Norte: BB; Sul: CC e DD; Nascente: CC e EE; Poente: FF. 11. A parcela a expropriar tem as seguintes confrontações: Norte: parcela ..., ... e ...; Sul: parcela sobrante; Nascente: parcela ...; Poente: parcela .... 12. A parcela a expropriar tem a área de 912 m². 13. Na parcela aludida em 12) existem 10 carvalhos adultos. 14. No âmbito do Plano Diretor Municipal (PDM) de ... [aprovado pela resolução do conselho de ministros n.º36/94 em 21 de Abril de 1994 e cujo Regulamento foi publicado no Diário da República (I série B) n.°117, de 20.05.94] a parcela insere-se em “Áreas de não Ocupação Urbanística — Espaços de Ocupação Condicionada”. 15. À data da inspeção ao local, a parcela já se encontrava ocupada na sua totalidade pela obra. 16. O IC ... é uma infraestrutura rodoviária, prevista no Plano Nacional Rodoviário datado de 2000. 17. Num aproveitamento economicamente normal, o custo de construção corrente na zona é de € 500,00, à data da DUP, sendo que convertendo tal valor em área bruta, pela aplicação do coeficiente de 0,85, fixa-se o seu valor unitário em € 425,00/m². 18. Dada a localização da parcela, próxima do centro cívico e urbano de ... e dos equipamentos existentes na envolvente, a percentagem de localização, equipamentos e qualidade ambiental daquela é de 12%. 19. Quanto às infraestruturas urbanas existentes à data da DUP, supra aludidas em 8), a percentagem é de 4,5%. 20. O índice máximo de construção, fixado de acordo com a edificação possível nos prédios situados numa área envolvente de 300m à parcela, é de 0,60 m². 21. O arruamento tem 4m de largura e está pavimentado e betuminoso, tendo a rede de eliminação pública e rede telefónica e abastecimento de água da rede pública a cerca de 50m. 22. Dispõe de água proveniente de dois poços existentes no prédio. 23. Existem habitações junto à parcela e na área envolvente para poente da parcela expropriada. 24. A parcela em causa dispõe de bons acessos, boa exposição solar, boas condições ambientais. 25. Por sentença proferida no âmbito do processo que correu os seus termos sob o n.º 26/2002 do (extinto) Tribunal judicial da Comarca de Espinho, 2.º Juízo, a parcela ..., contígua à parcela ..., foi classificada como “solo apto para construção”, e o cálculo do valor do solo, foi efetuado aplicando o n.º 12 do artigo 26º, tendo obtido para o solo um valor unitário de € 39,60/m2.
3. Inconformado com a decisão, dela apelou a Expropriante, formulando as seguintes conclusões: I. Na expropriação, como processo especial que é, a avaliação, sendo uma diligência instrutória obrigatória, confere ao juiz um elemento fundamental, mas não único, para chegar à decisão, uma vez que não pode ser ignorado o laudo arbitral, o qual foi elaborado, por unanimidade, por 3 peritos da lista oficial. II. Quando estejam em causa especiais conhecimentos técnicos ou científicos que em razão da sua formação académica escapem ao juiz, este tem ao seu dispor, não apenas os critérios e parâmetros fornecidos pela perícia, mas também os que se encontram presentes na decisão arbitral. III. Além do mais a avaliação do bem expropriado suscita questões de direito, não se encontrando a decisão das mesmas na alçada dos peritos, o que implica que o julgador não esteja vinculado a uma subscrição acrítica do laudo pericial. IV. Sustentando-se nas suas características, bem como no aproveitamento económico do prédio e da parcela à data da publicação da DUP, a mesma foi corretamente classificada pelos árbitros como solo para outros fins. V. Aliás, nos termos do artigo 25.º/2 do CE outra classificação não lhe pode ser atribuída. VI. A parcela, assim como o prédio à data da DUP, conforme consta do auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam, não eram servidas por acesso rodoviário pavimentado nem dispunha de infraestruturas em serviço junto da mesma, pelo que não se encontra preenchida a alínea a) do n.º 2 do artigo 26.º do CE. VII. O mesmo se dirá quanto à alínea b), pois inexistem infraestruturas nem tão pouco a parcela integra núcleo urbano existente. VIII. E, finalmente, quanto à alínea c), também aqui em face da localização da parcela no PDM, também não se enquadra a mesma nesta possibilidade para ser classificada como “solo apto para construção”. IX. Então, e assim sendo, resta-nos a alínea d), a qual, face à inexistência de alvará ou licença de construção em vigor à data da DUP determina que a parcela tenha de ser classificada como “solo para outros fins”. X. Aliás, a sentença em crise entra em contradição, assim como o laudo maioritário no qual se fundou. XI. Refere o laudo maioritário que a parcela não se enquadra em nenhuma das alíneas do artigo 25.º/2 do CE, defendendo que a classificação do solo como “solo apto para construção” foi o facto de no PDM estar previsto a execução do IC ..., via para a qual foi necessária expropriar a parcela em apreço. XII. Pelo que não se pode invocar o n.º 12 do artigo 26.º do CE para classificar o solo como apto para construção, quando esta norma se aplica a terrenos previamente classificados como “solo apto para construção” nos termos do artigo 25.º/2, que não é o caso. XIII. Sem conceder, por mera exposição de raciocínio, mesmo que por mera hipótese académica a parcela pudesse ter a classificação de solo apto para construção, também não seria de aplicar o artigo 26.º/12 do CE, pois esta norma aplica-se somente a terrenos inseridos em zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, o que não é o caso. XIV. A sentença em crise socorre-se da localização e classificação atribuída pelo PDM, ignorando as restrições e limitações impostas pelo mesmo, as quais determinam que o valor unitário do solo, com base na potencialidade construtiva reduzida admitida pelo PDM conduz a um valor unitário do solo inferior ao de um solo para outros fins! XV. Para se alcançar a justa indemnização deve se calcular quais os valores obtidos de acordo com os aproveitamentos económicos efetivo e possível, condicionado pelas leis e regulamentos em vigor, e dos 2, escolher o que for superior, já que é o que corresponderá ao valor real e corrente do bem. XVI. Em vez de cumprir as normas e disposições legais em vigor para avaliar a parcela, os peritos maioritários adotaram um critério ilegal, determinando um valor muito superior ao real e justo a fixar para a parcela. XVII. Não tem qualquer sustentação a aplicação do n.º 12 do artigo 26.º do CE ao caso concreto. XVIII. É ilegal aplicar uma majoração do solo em 100% com a expectativa de o mesmo ser vendido para construção urbana. XIX. Ora, conforme dispõe o artigo 23.º/1 do C.E. não relevam cenários futuros, mas sim as circunstâncias de facto e o valor real e corrente à data da publicação da DUP. XX. Assim sendo, não podemos concordar com a majoração aplicada pelos peritos maioritários, a qual derrogou todos os critérios e valores aplicados nos cálculos anteriores. XXI. Além de ter violado os princípios da legalidade, igualdade e justa indemnização. XXII. A majoração em causa não está prevista no Código das Expropriações. XXIII. Como aumenta o valor da indemnização, afastando-o injustificadamente, do valor de mercado do bem. XXIV. Pelo que não deve ser atendida a majoração aplicada pelos peritos maioritários, não só por ilegalidade manifesta, mas também porque a justificação apresentada não assume credibilidade, aliás, sendo desde logo contrariada pelo estado atual do prédio. XXV. O decurso de 20 anos sem que tenha sido dado outro destino ao prédio e zona envolvente, demonstram qual a sua real capacidade económica. XXVI. Pela outra alternativa não resta senão classificar e avaliar a parcela como “solo para outros fins”, tal qual o fizeram os Srs. Árbitros e a Perita minoritária. XXVII. Na realidade, considerando todas as caraterísticas da parcela, devidamente expostas no auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam, a localização da mesma em sede de PDM, uso e destino que lhe vinha sendo dado até à data da DUP, bem como do disposto no artigo 25.º/2 do CE, do qual os Srs. Peritos também assim concluíram, outra classificação não pode ser atribuída à mesma do que “solo para outros fins”. XXVIII. Pelo que a avaliação do solo deverá realizar-se nos termos do artigo 27.º do CE, conforme, e bem, o fizeram os Srs. Árbitros e a Perita minoritária. XXIX. Assim sendo, deverá a sentença ser anulada e fixar-se o valor da indemnização para a parcela em 7.012,00€, em conformidade com a arbitragem, classificando e avaliando o solo como sendo “solo para outros fins”, fixando o valor unitário do mesmo em 8,00 €/m2. Nestes termos e nos melhores de direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deve a apresente apelação ser julgada procedente, e em consequência, ser revogada a sentença em crise, com as respectivas consequências legais. Assim decidindo, farão V. Ex.as a habitual JUSTIÇA.
4. O Expropriado contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO 5. Apreciando o mérito do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC). A questão essencial a decidir é a de apurar qual o montante da indemnização a atribuir ao Expropriado. Tendo em conta as conclusões formuladas pela Apelante, a resposta à referida questão pressupõe a análise dos seguintes items:
5.1. Da indemnização a atribuir § 1º - Classificação do solo e a aplicabilidade do nº 12 do art.º 26º do CE O ordenamento do território é hoje preocupação de qualquer Estado, cada vez mais regulador dos tipos e formas da utilização dos solos, designadamente definindo quais as zonas e áreas do território urbanas ou urbanizáveis, as áreas agrícolas e florestais, as infraestruturas e equipamentos considerados como promotores do bem-estar social e da qualidade de vida (jardins, recintos desportivos, etc.) Ao nível municipal, esse desiderato é perseguido pelos planos municipais de ordenamento do território (incluindo os planos diretores municipais, os planos de urbanização e os planos de pormenor), também eles definidores de quais os solos rurais e os solos urbanos ou com vocação de urbanização, de acordo com a evolução previsível da ocupação humana: art.º 69º e seguintes do Decreto-Lei nº 380/99, de 22.09 (com as suas diversas alterações). Ora, uma das caraterísticas destes planos municipais de ordenamento do território é a mobilidade das suas normas, no sentido de conterem, pela sua própria natureza e ab initio, a previsão da possibilidade da sua revisão e/ou alteração: art.º 93º e seguintes do Decreto-Lei nº 380/99. Assim, não obstante a aptidão construtiva dum terreno, pode qualquer construção vir a ser inviabilizada se ele estiver inserido em zona a que o plano de ordenamento do território determine um destino agrícola. Ou, dito de outro modo, um solo que apesar de reunir os pressupostos de um “solo apto para construção” prescritos nas diversas alíneas do art.º 25º nº 2 do CE, não poderia ser assim classificado pelo simples facto de existir um plano municipal de ordenamento do território a determinar que esse solo seja destinado a zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos. É no contexto desta realidade urbanística (e, cremos, ciente da flexibilidade dos planos urbanísticos), que o nº 12 do art.º 26º do CE veio estatuir um critério de valorização ou cláusula de salvaguarda: “Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada”. Daqui decorre que um solo que merece a classificação de “solo para outros fins” pode, afinal, vir o seu valor ser encontrado, para efeitos de indemnização por expropriação, como se dum “solo apto para construção” se tratasse (cum grano salis). Citando Alves Correia, refere Pedro Elias da Costa [[1]], «Alves Correia, referindo-se ao preceito homólogo do C.E. de 1991, que estava inserido no artigo referente ao “cálculo do valor do solo para outros fins”, defendeu que este método de valorização evitava quaisquer tentativas de manipulação das regras urbanísticas por parte da Administração, que se poderiam traduzir na classificação dolosa por parte de um município, num plano urbanístico por si aprovado, de um terreno como zona verde, desvalorizando-o, para, mais tarde, o adquirir, por expropriação, pagando por ele um valor correspondente ao de solo não apto para construção.»
No laudo pericial, os peritos entenderam (por maioria, com voto discordante da perita da Expropriante) que a parcela era de classificar como “solo apto para a construção”, fazendo uso do disposto no art.º 26º nº 12 do CE. Na sentença sufragou-se tal classificação. A Apelante entende que a classificação correta é de “solo para outros fins”. Como é sabido, o Tribunal não está vinculado ao relatório pericial, o qual não passa de mais um elemento de prova, cuja força persuasiva é fixada livremente pelo tribunal: art.º 389º do CC [[2]]. Assim, para que o Tribunal possa exercer esse controlo e ponderação, necessário se torna que os peritos mencionem os fundamentos ou razões em que se estribaram. E, de acordo com o relatório de peritagem, foi a seguinte a fundamentação maioritária dos 4 peritos: «Quando o solo não se encontra em qualquer das situações previstas no n.º 2, então considera-se solo para outros fins, conforme o n° 3 do mesmo artigo. No nosso caso em análise, a parcela em causa, não se enquadraria em qualquer uma das quatro alíneas do n.º 2 do Artigo 25º e assim, nos termos do nº 3 do mesmo artigo, seria, em princípio, considerada como solo para outros fins. Contudo, estabelece o número 12 do artigo 26º do C.E. uma exceção para alguns casos em que se verifique que, como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada”. Ora vejamos: Já a perita indicada pela Expropriante discordou desse entendimento: «A Perita da Expropriante discorda desta posição assumida pelos demais Peritos, porquanto, e se quanto à classificação do solo nos termos do n.º 2 do art. 25.º do CE, os Peritos são unânimes em classificar a mesma como solo para outros fins, conforme atrás justificado, classificação da qual a Perita da Expropriante concorda plenamente, entende que a interpretação dos Peritos do Tribunal e dos Expropriados ao considerarem uma exceção a aplicação do disposto no n.º 12 do art. 26.º do CE no presente caso é errada, pois, o solo ao ser classificado como solo para outros fins e sendo aquela norma especificamente destinada a solos classificados como solo apto para construção a mesma não tem aqui aplicabilidade. Assim sendo, sendo classificado o solo da parcela como solo para outros fins, e conforme já assim avaliaram a parcela os Srs. Árbitros, a Perita da Expropriante promoverá a sua avaliação considerando a sua capacidade de produção florestal, nos termos do n.º 3 do artigo 27.º do CE.» Em sede de esclarecimentos promovidos pela Expropriante, reiteraram a qualificação da parcela como solo apto para a construção, nos termos do art.º 26º nº 12 do CE, referindo que tiveram em conta a seguinte “matéria factual e técnica”: «Sentença proferida no âmbito da parcela contígua a esta, ou seja a parcela n.º ..., que se encontra mas mesmas condições da parcela ..., a qual considerou o solo apto para a construção, e o calculo do valor do solo foi efetuado aplicando o n.º 12 do artigo 26.º, tendo obtido para o solo, um valor unitário de 39,60, que se anexa; Encontra-se junto dos autos, uma certidão de inventário, datada de 1970, e registo predial de aquisição a favor do herdeiro, aqui expropriado AA, pela apresentação AP.1 de 1986.12.02; O PDM ... entrou em vigor em 1994, pela resolução do conselho de ministros n.º 36/94, portanto muito posterior à aquisição do prédio pelos expropriados; O Plano Nacional Rodoviário, onde está prevista a construção da infraestrutura IC ..., é do ano de 2000; A Perita da Expropriante classificou e avaliou a parcela como “solo para outros fins”, pois outra classificação não seria dada à parcela uma vez que esta não se enquadra no previsto no n.º 2 do artigo 25.º para ter a classificação de solo para outros fins. Assim, obviamente, que não tem aplicabilidade no caso presente o disposto no n.º 12 do art. 26.º do CE.» Posteriormente, em segundos esclarecimentos, mais referiram os Senhores Peritos: «1) Se a parcela se enquadra na alínea a) do nº 2 do art. 25º do código das Expropriações. Em caso afirmativo queiram justificar; Esclarecimento - Não. O arruamento junto da parcela ou prédio dispunha das seguintes infraestruturas urbanísticas: a) Acesso Rodoviário pavimentado a betuminoso; b) Rede de Abastecimento de Água; c) Rede de Energia Elétrica; d) Rede Telefónica; 2) Se a parcela se enquadra na alínea b) do nº 2 do art. 25º do código das Expropriações. Em caso afirmativo queiram justificar; Esclarecimento - Sim. O arruamento junto da parcela ou prédio dispõe apenas das seguintes infraestruturas urbanísticas: e) Acesso Rodoviário pavimentado a betuminoso; f) Rede de Abastecimento de Água; g) Rede de Energia Elétrica; i) Rede Telefónica; E integra-se em núcleo urbano existente. A Perita da Expropriante entende que não, dado considerar que a parcela não se encontra inserida em núcleo urbano existente. 3) Se a parcela se enquadra na alínea c) do nº 2 do art. 25º do código das Expropriações. Em caso afirmativo queiram justificar; Esclarecimento - Sim. De acordo com o artigo 38.º do Regulamento do PDM ... em vigor à data da DUP, publicado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 36/94, é possível a sua ocupação com construções: A Perita da Expropriante entende que não, pois a alínea a) não é cumprida. 4) Se a parcela se enquadra na alínea d) do nº 2 do art. 25º do código das Expropriações. Em caso afirmativo queiram justificar; Esclarecimento - Não. (…) O Perito Indicado pelos Expropriados acrescenta: Não obstante o cálculo feito anteriormente, neste ponto 5, foi feito no entender do perito por mera ficção, uma vez que o prédio/terreno na data da sua expropriação tinha potencial edificativo, conforme se justifica nos dois pontos seguintes. Primeiro: o prédio, de acordo com o registo predial, tinha uma área de 7.480,00 m², ou seja, com mais de 5.000,00 m², já era possível construir uma casa de habitação unifamiliar, artigo 38.º, n.º 1 alínea a) do RPDM, em vigor à data da DUP (veja-se extrato do artigo 38.º do regulamento na página 3 destes esclarecimentos); Segundo: a envolvente já apresentava construções de moradias, o que no entender do perito, mais uma vez reforça a situação injusta e desigual deste cálculo, relativamente aos proprietários que não foram expropriados, e mesmo ao que foi expropriado pela parcela contígua, que foi pago o terreno pelo Tribunal ao valor unitário que apresentamos no relatório inicial.» Daqui decorre que a Sr.ª perita da Expropriante nunca apresentou propriamente alguma razão técnica para a sua discordância. A divergência entre os Senhores peritos radica mais numa questão de interpretação da lei, ou seja, saber se um solo em que se conclui não reunir os requisitos do nº 2 do art.º 25º pode, ainda assim, ser avaliado nos termos do art.º 26º nº 12 do CE. Resulta para nós claro que primeiro há que qualificar e só depois avaliar, como resulta dos artigos 25º a 27º do CE, sendo que a epígrafe do art.º 26º refere expressamente “cálculo do valor do solo apto para a construção”. O CE prescreve como regra um critério dicotómico no art.º 25º: solo apto para a construção ou solo para outros fins. Nesse aspeto, seria de concordar com a Sr.ª perita da Expropriante, no sentido de que seria um contrassenso concluir-se que a parcela não respeita os requisitos para “solo apto para construção” (art.º 25º) e depois ir usar-se os critérios de avaliação do art.º 26º que respeita exatamente aos “solos apto para construção”. Esse art.º 26º, depois de enunciar vários critérios, claramente reportados a “construções”, refere no nº 12: 12 - Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada. O preceito refere expressamente que contempla solos que estejam classificados por plano municipal de ordenamento do território como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos. O Decreto Regulamentar nº 9/2009, de 29 de maio procedeu à definição dos conceitos técnicos usados nos domínios do ordenamento do território e do urbanismo, assim dispensando a respetiva definição nos instrumentos de gestão territorial: art.º 1º e 2º. Ora, segundo as definições do seu anexo, zona é “cada uma das áreas homogéneas, do ponto de vista do regime de ocupação, uso e transformação, delimitadas no quadro da aplicação da técnica de zonamento”, sendo que, “no contexto de aplicação da técnica de zonamento, para maior rigor e clareza, o termo “zona” deve ser utilizado apenas para designar as áreas de solo homogéneas às quais estão associadas regras de uso, ocupação e transformação”. Por seu turno, definem-se os espaços verdes de utilização coletiva como “as áreas de solo enquadradas na estrutura ecológica municipal ou urbana que, além das funções de proteção e valorização ambiental e paisagística, se destinam à utilização pelos cidadãos em atividades de estadia, recreio e lazer ao ar livre”. Dando como exemplos os parques e jardins públicos, e excluindo os logradouros. Daqui se vê que o nº 12 do art.º 26º do CE não prescreve apenas para os “solos aptos para construção”, posto que contempla os “solos em zona verde ou de lazer” que manifestamente não são zonas onde se possa construir. Assim também o considerou Salvador da Costa em anotação ao art.º 26º nº 12 [[3]]: «Abrange, assim, os solos que, se não fosse a sua classificação como zona verde ou de lazer ou a sua reserva para a implantação de infraestruturas e equipamentos públicos, seriam qualificados como aptos para a construção, face à sua localização, respetivas acessibilidades, desenvolvimento urbanístico da zona e infraestruturas urbanísticas. (…) Em síntese, dir-se-á, por um lado, que se toda a área correspondente ao círculo cujo perímetro se situe a trezentos metros do limite do terreno expropriado estiver ocupada por edifícios ou construções, o valor do terreno em causa deve ser calculado com base no valor médio dessas edificações, nos termos do artigo 28º nº 1 deste Código.» Donde se vê que, afinal, o contrassenso é apenas aparente, e não se verifica. A razão está do lado do entendimento do laudo maioritário pelo que, face ao atrás referido quanto às caraterísticas da parcela (relatório pericial e os dois esclarecimentos posteriores atrás transcritos), bem como ao preceituado no art.º 38º do Regulamento do Plano Diretor Municipal de ... vigente à data (que permitia a construção, em condições que o terreno respeitava), concordamos que a parcela deveria ser avaliada em conformidade com o art.º 26º nº 12 e 28º do CE. Concluindo, nos casos em que a parcela expropriada não possa ser classificada com “solo apto para a construção” do ponto de vista estrito, ainda assim ele pode e deve ser avaliado em função do valor de edifícios ou construções envolventes, desde que reunidas as condições estipuladas no art.º 26º nº 12 e 28º do CE.
§ 2º - Da majoração aplicada Reage ainda a Apelante considerando ilegal a majoração aplicada de 100%, posto que não relevam cenários futuros, mas sim as circunstâncias de facto e o valor real e corrente à data da publicação da DUP. Porém, é de considerar esta questão prejudicada face ao que se decidiu no parágrafo anterior. Na verdade, a questão da majoração só se colocava na perspetiva de a parcela vir a ser avaliada como solo para outros fins, nos termos do art.º 27º do CE. Tal decorreu da reclamação da Expropriante que, confrontada com o relatório pericial, e considerando que a parcela devia ser avaliada como solo para outros fins pois que se deviam considerar todas as soluções plausíveis de direito, requereram ao Tribunal “que seja ordenado aos peritos maioritários que elaborem laudo complementar em que a parcela seja avaliada como solo para outros fins, de acordo com a classificação que os mesmos, e bem, lhe atribuíram, nos termos dos critérios do artigo 27.º/3 do CE”. E foi isso o que os Senhores peritos fizeram, como se vê dos segundos esclarecimentos por eles prestados: «Esclarecimento Avaliação do solo nos termos do artigo 27.º do CE: (…) Atendendo a que o prédio se localiza no perímetro urbano de ... e as boas acessibilidades de que o prédio dispunha à data da DUP, não obstante as mesmas vieram a ser melhoradas com a obra para a qual a parcela se mostrou necessária, entendeu-se majorar o valor obtido em 100 %, pois, potencialmente, à data da DUP, o terreno tinha elevadas expectativas de venda para terreno para construção urbana. Assim, o valor unitário do solo da parcela à data da DUP é de 12,42 ² O valor da parcela a expropriar é de: 912 m² x 12,42 €/m2 = 11.327,04 (onze mil trezentos e vinte e sete euros e quatro cêntimos)» Portanto, tendo-se concluído que a parcela não seria avaliada como solo para outros fins, fica prejudicada a questão da majoração.
6. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC) ……………………………… ……………………………… ………………………………
III. DECISÃO 7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Tendo sucumbido no recurso, as custas ficam a cargo da Apelante: art.º 527º nº 1 e 2 do CPC. |