Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | CARLOS CUNHA RODRIGUES CARVALHO | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR INDEFERIMENTO LIMINAR | ||
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Nº do Documento: | RP202507101861/25.6T8AVR.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | O despacho liminar de indeferimento de requerimento inicial de providência cautelar não tem de se centrar na prova do que se alegou: tratando-se de um despacho liminar «perspectiva» as consequências jurídicas do que alegado está em termos de poder ajuizar-se das condições do prosseguimento dos autos, projectando-se tal matéria como virtualmente provada. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 1861/25.6T8AVR.P1
Apelantes: AA / BB Apelados: CC e marido DD
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I.[1] AA e mulher BB, residentes na Travessa .... ... ..., requereram procedimento cautelar não especificado contra CC e marido DD, residentes na Rua ..., ..., pedindo que:
a) sejam registados o presente procedimento cautelar e respetivas providências cautelares, nos termos do Artigo 3.º, n.º 1, das alíneas d) e e) do Código do Registo Predial, para que a mesma seja oponível a terceiros;
b) seja suspensa, com a máxima urgência e sem audição da parte contrária, a realização da escritura de compra e venda do imóvel sito na Travessa ...., ... ..., ou, caso esta já tenha sido realizada, a suspensão dos seus efeitos, até que a ação principal seja decidida;
c) sejam suspensos os efeitos da oposição à renovação do contrato de arrendamento, até que a ação principal seja decidida, permitindo que o Requerente permaneça no imóvel até decisão final.
Alegam, para o efeito que:
- os requeridos são os legítimos proprietários da fração “D” correspondente ao 1º andar direito do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...45/19930119;
- os requerentes são os arrendatários da referida fração. A 25/05/2023, os requeridos enviaram uma missiva aos requerentes na qual declaravam opor-se à renovação do contrato de arrendamento celebrado, cessação essa cujos efeitos se produziriam a 31/07/2025;
- em 10/03/2025, os requeridos comunicaram aos requerentes a sua intenção de vender o imóvel pelo preço de € 120.000,00, concedendo-lhes um prazo de 30 dias para exercer o direito de preferência e de 2 dias (subsequentes a esse prazo) para realização da escritura de compra e venda;
- a 08/04/2025, os requerentes manifestaram, por escrito, a sua intenção de exercer o direito de preferência, dentro do prazo que lhes foi concedido, aceitando o preço proposto, mas solicitando que lhes fosse concedido um prazo mais alargado para a celebração da escritura ou, em alternativa, fosse celebrado um contrato promessa, uma vez que necessitavam de recorrer a financiamento bancário;
- Em 14/04/2025, os requeridos comunicaram aos requerentes que não aceitavam as condições por estes propostas e que, pese embora, o primeiro negócio não tivesse prosseguido, teriam recebido nova proposta para compra do imóvel, no montante de € 150.000,00, proposta essa que teriam aceitado e, nessa medida, agendado escritura de compra e venda para o dia 30/05/2025, pelas 10:00 horas, na A... ..., pelo que deveriam os requeridos exercer direito de preferência nessas mesmas condições.
* Sobre este requerimento/pretensão incidiu decisão de indeferimento liminar de 30.05.2025, fundando-se na «impossibilidade superveniente da lide» por se entender que a fracção em relação à qual, alegadamente, os requerentes exerceram o direito de preferência atrás referido havia sido vendido.
* Por requerimento de 2.6.2025 pediu-se a reforma da decisão nos seguintes termos:
«Reforma da Sentença – cfr. arts. 613.º e ss do CPC
Nos termos e com os seguintes fundamentos
I. Identificação incorreta das partes 1. A sentença proferida apresenta erros na identificação dos Requerentes e da sua mandatária, passível de retificação nos termos do art.º 614.º do CPC, por se tratar de lapso manifesto ou erro material 2. Com efeito, os requerentes não são “residentes na Avenida ..., ...”, nem estão “representados pela procuradora EE, residente na Travessa ..., ...”. No mais, não prescindido do prazo de recurso, mas por razões de economia processual, sempre se dirá que
II. Da nulidade da sentença e do erro manifesto de julgamento
3. A sentença padece de nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, porquanto o Tribunal deixou de se pronunciar sobre questão essencial: a ausência de prova quanto à realização da escritura e, por conseguinte, a inexistência de comprovação da transmissão da propriedade, com todas as implicações daí decorrentes em sede de legitimidade. 4. A decisão incorre ainda em erro manifesto de julgamento, à luz do artigo 616.º, n.º 2, alínea b), dado que ignora a prova documental junta pelos Requerentes, da qual resulta clara a falta de identificação dos putativos compradores e, por conseguinte, a impossibilidade de aferir da alegada ilegitimidade passiva. 5. A sentença parte do pressuposto de que a escritura foi realizada e que os atuais Requeridos deixaram de ser proprietários e senhorios, sem que exista prova efetiva disso nos autos. 6. Ora, os documentos juntos demonstram precisamente o contrário: não só a identidade dos alegados compradores nunca foi revelada, como não há qualquer registo atualizado da venda na certidão permanente. 7. Assim, e na ausência de prova da realização da escritura, deve reconhecer-se que subsiste a legitimidade passiva dos Requeridos. 8. Mas, a considerar-se como possível que tal escritura tenha efetivamente acontecido, o tribunal não poderia ter conhecido uma exceção dilatória de ilegitimidade passiva sem antes proporcionar a Requerentes qualquer possibilidade de suprimento ou aperfeiçoamento, nem de exercer o contraditório. 9. O Tribunal apreciou matéria que, nos termos do art.º 590.º, n.º 1, apenas permitiria indeferimento liminar em caso de exceções dilatórias insupríveis ou manifesta improcedência — o que não é o caso dos autos. 10. E não é o caso dos autos porque: por um lado, se a escritura não se tiver realizado, não há mais partes a chamar à instância 11. E, por outro lado, se se realizou a dita escritura, então, até ser comunicada aos Requerentes a transmissão da posição contratual dos locadores (Requeridos), estes permanecerão com “interesse em contradizer” a presente causa, 12. Não obstante, considerando o Tribunal que a ausência dos putativos compradores geraria a ilegitimidade passiva, poderia a mesma ser suprida mediante intervenção principal provocada – cfr. arts. 316.º e ss. do CPC. 13. Certo é que, no limite, atuais proprietários e putativos terceiros compradores, a existirem, terão interesse em contradizer a presente causa, mas esse mesmo juízo hipotético não fundamenta um indeferimento liminar. 14. Nesse caso, deveria este tribunal ter convidado os Requerentes ao aperfeiçoamento, os quais, para esse efeito, requereriam ao tribunal que notificasse os Requeridos para confirmarem a realização da escritura e identificassem os terceiros compradores ou poderia oficiosamente o tribunal notificar os Requeridos para que prestassem essa mesma informação. Acresce que, 15. Como supra se referiu, nos autos constam documentos que provam a inexistência de qualquer prova da identidade dos compradores ou da realização da escritura —conformes e extraidas comunicações juntas aos autos pelas partes, nas quais nunca foi revelada a identidade dos putativos compradores, e da inexistência de registo atualizado na certidão permanente (documentos que se deram e se dão novamente por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais). 16. A decisão recorrida assenta num pressuposto factual não provado (a realização da escritura) e, consequentemente, exclui de forma indevida os Requeridos da relação processual, por suposta transmissão da propriedade, sem prova efetiva da mesma. 17. Veja-se que, mesmo à data de hoje,os Requeridos é que figuram como proprietários do dito imóvel – cfr. se retira da certidão permanente que se junta sob Doc. 1, consultada nesta data com o código PP...03-...45 e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais. 18. Nestes termos, verifica-se um erro manifesto de julgamento com base em prova plena constante dos autos que, só por si, imporia decisão diversa – conforme permite o art.º 616.º, n.º 2, al. b) do CPC».
* Sobre este requerimento incidiu o seguinte despacho:
«Requerimento de 02/06/2025:
Os Requerentes vieram requerer a reforma da sentença.
O art. 613.º, nº 1, do CPC, estabelece a regra de que a prolação da sentença leva ao esgotamento do poder jurisdicional.
Esta regra tem exceções no nº 2 do citado artigo 613.º: é lícito ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença “nos termos dos artigos seguintes”.
Vejamos.
1º - Os Requerentes vieram apontar lapso na indicação da sua residência e na identificação da sua Mandatária.
Na decisão proferida a 30/05/2025, por manifesto lapso de escrita, consta “AA e mulher BB, residentes na Avenida ..., ..., representados pela procuradora EE (…)” quando se pretendia escrever apenas “AA e mulher BB, residentes na Travessa ..., ... (…)”.
O lapso de escrita é, repete-se, manifesto, face à identificação dos Requerentes que consta do formulário e da petição inicial.
Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos arts. 613.º. nº 2, e 614.º, nº 1, ambos do CPC, ordeno a retificação do referido lapso manifesto, passando a constar da primeira página da decisão proferida a 30/05/2025 “residentes na Travessa ..., ...” onde se lê “residentes na Avenida ..., ..., representados pela procuradora EE”.
Notifique.
* 2º - Os Requerentes vieram requerer a reforma da referida decisão de 30/05/2025 por manifesto erro de julgamento, a revogação da decisão de indeferimento liminar e o prosseguimento dos autos, com convite ao aperfeiçoamento ou impulso oficioso do tribunal nos termos legais.
Porém, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa – nº 1 do art. 613.º do CPC.
As nulidades só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades – nº 4 do art. 615.º do CPC.
Cabendo recurso da decisão que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar (como os próprios Requerentes reconhecem quando referem não prescindirem do prazo de recurso), a mesma só pode ser modificada por via de recurso.
Acresce que, se bem vemos, a presente providência foi instaurada com a finalidade de ordenar a suspensão “com a máxima urgência” da realização da escritura de compra e venda do imóvel identificado designada para o dia 30/05/2025 ou, caso esta já tenha sido realizada, ser ordenada “a suspensão dos seus efeitos”.
Se a escritura não se realizou no dia 30/05/2025 deixou de existir urgência que justifique a propositura do procedimento cautelar, não se compreendendo a razão pela qual os Requerentes não instauram a competente ação de processo comum. Se a escritura sempre se realizou no dia 30/05/2025, os pedidos nunca poderiam ser conhecidos e decididos nesta providência cautelar por, entretanto, a fração ter sido vendida e a providência não ter sido instaurada também contra os compradores da fração “D”, que os Requerente alegam nem sequer saber quem são.
Indefere-se, pelo exposto, nesta parte, o requerido.
Notifique.»
* Reage-se da decisão de indeferimento por via do presente recurso, concluindo-se nos seguintes termos:
A. Os Recorrentes celebraram com os Recorridos, em 29/08/2022, um contrato de arrendamento referente a uma fração autónoma situada na Travessa ..., ..., ....
B. Em 25/05/2023, os Requeridos opuseram-se à renovação do contrato, produzindo efeitos a 31/07/2025.
C. Posteriormente, comunicaram aos Recorrentes, em 10/03/2025, a intenção de vender o imóvel pelo valor de €120.000,00, concedendo-lhes o exercício do direito de preferência, o qual os Requerentes exerceram tempestivamente, solicitando apenas maior prazo para obtenção de financiamento ou a celebração de contrato-promessa.
D. Sem aceitar essa proposta, os Recorridos informaram, a 14/04/2025, ter recebido nova proposta de aquisição no valor de €150.000,00, comunicando aos Requerentes que teriam de exercer a preferência por esse montante e nos mesmos termos, agendando escritura para 30/05/2025.
E. Os Recorrentes reiteraram que o direito de preferência fora validamente exercido pelo valor inicialmente proposto de €120.000,00.
F. Apesar de várias tentativas de resolução extrajudicial e de chegar à identidade dos putativos compradores, não logravam impedir a marcação da escritura de compra e venda com terceiro nem chegar à sua identidade, pelo que deduziram procedimento cautelar no dia 29/05/2025, peticionando que: a) fosse suspensa, com a máxima urgência e sem audição da parte contrária, a realização da escritura de compra e venda do imóvel sito na Travessa ...., ... ..., ou, caso esta já tivesse sido realizada, a suspensão dos seus efeitos, até que a ação principal seja decidida; b) fossem suspensos os efeitos da oposição à renovação do contrato de arrendamento, até que a ação principal fosse decidida, permitindo que o Requerente permaneça no imóvel até decisão final.
G. O Tribunal a quo rejeitou liminarmente o procedimento cautelar alegando a extemporaneidade do mesmo (face à data da marcação da escritura) e não estarem presentes na lide os putativos compradores.
H. Em despacho posterior, veio o Tribunal a quo acrescentar que: “(...) Acresce que, se bem vemos, a presente providência foi instaurada com a finalidade de ordenar a suspensão “com a máxima urgência” da realização da escritura de compra e venda do imóvel identificado designada para o dia 30/05/2025 ou, caso esta já tenha sido realizada, ser ordenada “a suspensão dos seus efeitos”. Se a escritura não se realizou no dia 30/05/2025 deixou de existir urgência que justifique a propositura do procedimento cautelar, não se compreendendo a razão pela qual os Requerentes não instauram a competente ação de processo comum. Se a escritura sempre se realizou no dia 30/05/2025, os pedidos nunca poderiam ser conhecidos e decididos nesta providência cautelar por, entretanto, a fração ter sido vendida e a providência não ter sido instaurada também contra os compradores da fração “D”, que os Requerente alegam nem sequer saber quem são (...)”.
I. Supervenientemente (dia 12/06/2025), foram os Recorrentes informados, por parte da Imobiliária na qual ocorreria a escritura em causa que a mesma não ocorreu, confirmando-se, portanto, que os Recorridos são ainda proprietários da aludida fração e, consequentemente, partes legítimas nos presentes autos, pelo que só pode concluir-se pela regularidade da instância originalmente composta – cfr. Doc. 1 que ora se junta, nos termos dos artigos 651.º e 425.º do CPC, por não ter sido possível até este momento, dada a sua superveniência em relação à decisão de indeferimento liminar, e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
J. Entendem os Recorrentes que a decisão recorrida padece de nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, por simultaneamente excesso e omissão de pronúncia sobre duas questões essenciais (respetivamente): i) a ausência de prova da realização da escritura de compra e venda e consequente transmissão da propriedade; ii) o pedido de suspensão dos efeitos da oposição à renovação do contrato de arrendamento.
K. Ainda que se considerasse não padecer de nulidade, é inegável que a mesma viola várias normas jurídicas, interpreta-as erradamente ou não aplica as normas que, de facto, deveriam ser aplicadas (artigo 639, n.º 2, als. a) a c) do CPC) e dá como provado um facto sem qualquer fundamento, contrariando aliás a prova documental relevante para o efeito (artigo 640.º, n.º 1 do CPC). Vejamos.
L. Desde logo, incorre em erro manifesto de julgamento ao presumir um facto essencial não provado – a realização da escritura – sem qualquer suporte documental nos autos ou registo atualizado na certidão permanente: “Mesmo que tais pedidos tivessem fundamentação legal, nunca poderiam ser conhecidos e decididos nesta providência cautelar por, entretanto, a fração ter sido vendida e a providência não ter sido instaurada também contra os compradores da fração “D”.”
M. Ora, as presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, nos termos do art.º 349.º, do CC.
N. No tocante ao direito de propriedade, há uma presunção legal prevista no art.º 7 do Código do Registo Predial, segundo a qual “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”
O. À data da sentença, os Recorridos figuravam ainda como legítimos proprietários, conforme certidão permanente junta sob Doc. 1 com o requerimento inicial (código ...45), integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
P. O erro de julgamento é, assim, agravado pela desconsideração da prova documental junta pelos Recorrentes, a qual demonstra, por um lado, a ausência de identificação dos putativos compradores; por outro, a inexistência de qualquer transmissão registada do imóvel.
Q. Ora, as presunções judiciais são apenas admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, nos termos do art.º 351.º do CC, ora, conforme decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa [MARIA DO ROSÁRIO MORGADO], de 06/10/2009, proc. n.º 652/05.5TBSSB.L1-7, “A prova do direito de propriedade poderá ser feita através da alegação de factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originária do domínio, excepto se se verificar a presunção legal da propriedade, resultante da posse ou do registo.”
R. No caso, não se mostra ilidida a presunção legal, pelo que ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os artigos 607.º, n.º 5 do CPC, 7.º do CRP e 349.º, 350.º e 351.º do CC.
S. Na dúvida quanto à eventual realização da escritura, com as respetivas consequências ao nível da ilegitimidade passiva decorrente de eventual preterição de litisconsórcio necessário, deveria o Tribunal a quo ter convidado os Requerentes, ora Recorrentes ao aperfeiçoamento, momento no qual os mesmos poderiam solicitar ao Tribunal que notificasse os Requeridos, ora Recorridos, para que viessem confirmar a realização da aludida escritura de compra e venda, procedendo à junção do respetivo documento, no qual estariam identificados os eventuais terceiros compradores, ou, em alternativa, poderia o próprio Tribunal a quo ter notificado oficiosamente os Recorridos para esse mesmo efeito, dando a oportunidade aos Recorrentes de lançar mão da intervenção principal provocada (cfr. art.º 316.º do CPC), já que, conforme consta da prova documental (mormente no que respeita aos Docs. 1, 2, 6, 8, 10, 11 e 12), apesar de instados a fazê-lo, os Recorridos nunca identificaram os putativos compradores e não havia outro meio de chegar à sua identidade enquanto não houvesse registo da eventual aquisição – nestes termos, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o Dever de Gestão Processual previsto nos artigos 6.º e 590.º do CPC e o princípio do contraditório (artigos 3.º, n.º 3, 316.º e 590.º do CPC).
T. Mas, ainda que se admitisse que a escritura se veio a realizar, o Tribunal violou, também, o princípio do contraditório e o Dever de Gestão Processual, ao decidir com base numa exceção dilatória de ilegitimidade passiva, sem facultar suprimento ou contraditório aos Recorrentes (violando os artigos 3.º, n.º 3, 6.º, 33.º, 316.º e 590.º do CPC).
U. Em suma, os elementos disponíveis revelam que não há escritura, sendo as partes legítimas e, persistindo dúvidas, sempre deveriam ser dilucidadas, notificando-se os requeridos para, em obediência aos princípios da boa-fé e cooperação processual, virem, em tempo, informar se outorgaram a escritura pública e, na afirmativa, juntarem aos autos tal documento, com vista ao chamamento processualmente oportuno dos compradores.
V. Não podem os requerentes ser penalizados por desconhecerem a identidade, e pior, até mesmo a efetiva existência de compradores.
W. Foi, portanto, cometida uma nulidade processual prevista no artigo 195º do CPC, por omissão de ato legalmente prescrito suscetível de influir negativamente no desfecho do processo, afetando a validade da própria decisão subsequente, por excesso de pronúncia, tornando-a nula (art.º 615º, nº 1, d) do CPC).
X. No mais, o indeferimento liminar com fundamento na suposta perda de urgência constitui novo erro de julgamento, pois subsiste o pedido de suspensão dos efeitos da oposição à renovação, que mantém caráter urgente, dada a ameaça de despejo iminente.
Y. A sentença ignorou os requisitos das providências cautelares, violando o artigo 362.º do CPC: o fumus boni iuris, evidenciado pelo exercício atempado do direito de preferência, e o periculum in mora, traduzido no risco sério e iminente de perda da habitação, agravado pela vulnerabilidade dos Recorrentes.
Z. Com efeito, o direito de preferência do arrendatário encontra-se previsto legalmente no artigo 1091.º, do CC e a comunicação da intenção de venda e a manifestação de vontade de exercer o direito de preferência demonstram a existência de um direito aparentemente válido.
AA. Tanto mais que, o Supremo Tribunal de Justiça [ABRANTES GERALDES], no seu Acórdão de 14/10/2021, versando sobre situação praticamente idêntica decidiu que: “I. A declaração negocial que tenha um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida e, nos casos em que contenha uma proposta contratual e seja fixado um prazo para a sua aceitação por parte do destinatário, mantém-se até findar esse prazo (arts.224º,nº1,e228º,nº1,al.a),do CC). II. A comunicação escrita par aefeitos de ser exercitado o direito de preferência, com indicação dos elementos essenciais do projeto de venda (identificação do terceiro interessado, preço e prazo para a outorga da escritura) traduz uma verdadeira proposta venda que, uma vez recebida e aceite pelo titular do direito de preferência, não pode ser revogada pelo obrigado à preferência. III. A conjugação entre essa proposta contratual e a declaração de aceitação emitida pelo titular do direito de preferência e recebida pelo obrigado à preferência permite afirmar a existência de um contrato-promessa de compra e venda. IV. Perante a recusa do obrigado à preferência em celebrar o contrato de compra e venda, é legítimo ao titular do direito de preferência obter judicialmente a execução específica daquela promessa de venda, nos termos do art. 830º, nº 1, do CC.” (negritos nossos)
BB. E não restam dúvidas, também, quanto ao periculum in mora, já que, não se suspendendo os efeitos da oposição à renovação do contrato de arrendamento, os Recorrentes teriam que encontrar nova habitação em pouco mais do que um mês (o que é praticamente impossível na conjuntura atual), ficando ainda expostos a uma eventual ação de despejo, vendo-se forçados, em idade avançada, a desocupar a habitação e procurar nova morada num curto espaço de tempo – tudo quanto seria evitado com o decretamento da providência e definitivamente acautelado com a decisão na ação principal, sendo certa que esta nunca será proferida antes da eventual cessação do contrato, caso não sejam suspensos os efeitos da oposição levada a cabo pelos Recorridos.
CC. Ademais, a decisão violou o caráter excecional do indeferimento liminar (artigo. 590.º, n.º 1, do CPC conjugado com o artigo 226.º, n.º 4, alínea b), do mesmo diploma), ao aplicar medida extrema sem fundamento legal suficiente, nem exceção dilatória insanável, nem manifesta improcedência.
DD. A jurisprudência é clara: “o indeferimento liminar de um procedimento cautelar reservado aos casos de verificação, na fase liminar, de situações em que a posição do requerente não tenha possibilidade de ser acolhida (manifesta inviabilidade) ou em que ocorram exceções dilatórias insupríveis de que o juiz possa conhecer oficiosamente (cfr. al. b), do nº4, do art. 226º e nº1, do art. 590º, do CPC), vedado está ao julgador proferi-lo fora desse contexto, de excecionalidade.” – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto [EUGÉNIA CUNHA], de 09/10/2023, proc. n.º 4439/22.2T8AVR.P1.
EE. E, no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto [CARLOS PORTELA], de 06/06/2024, proc. n.º 5826/23.4T8MAI.P1: “I - O despacho liminar de indeferimento de providência cautelar deve estar reservado para situações de manifesta e indiscutível improcedência do pedido. II - Assim, nos casos limite, onde se coloquem dúvidas, deverá dar-se seguimento ao procedimento, mesmo quando se admita à partida como possível o seu insucesso numa fase processual ulterior.” (negritos nossos).
FF. Por todas estas razões, deve a sentença recorrida ser revogada, por padecer nulidade e erro de julgamento de facto e de direito, com as devidas consequências legais.
Pede-se a final:
«Termos em que, e nos mais que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, determinando-se o prosseguimento do procedimento cautelar, com a suspensão dos efeitos da oposição à renovação do contrato de arrendamento.»
* Não foram apresentadas contra-alegações uma vez que, ao abrigo do artº641º nº7 do CPC, parte final, não se procedeu à citação dos requeridos.
* O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
* II. É consabido que resulta dos art.s 635.º, n.º3 a 5 e 639.º, nº1 e 2, ambos do CPC, que o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das respetivas alegações[2], sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.
Não obstante a deficiente conformação das conclusões[3], que como sabemos tem aquela função específica, da sua leitura, essencialmente na relação com o corpo das alegações, para além de outras que no correr do texto também serão tratadas por relacionadas, retiram-se essencialmente as seguintes questões:
a. nulidade da decisão por omissão e excesso de pronúncia; b. violação do dever de gestão processual e do princípio do contraditório; da manutenção da utilidade da providência; do direito de preferência; relevância autónoma do pedido da suspensão da oposição à renovação do contrato arrendamento e sua subsistência (nestes tópicos se pretendendo englobar todos os temas que subjazem ao ponto B – G do corpo das alegações).
*
É a seguinte a decisão posta em crise e nos segmentos que relevam:
«(…) Vejamos. I - “Os procedimentos cautelares representam uma antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao resultado do processo principal e assentam numa análise sumária (summaria cognitio) da situação de facto que permita afirmar a provável existência do direito (fumus boni juris) e o receio justificado de que o mesmo seja seriamente afetado ou inutilizado se não for decretada uma determinada medida cautelar (periculum in mora)”. Os requisitos do procedimento cautelar comum são os indicados no art. 362.º do CPC: a) fundado receio de lesão grave e de difícil reparação a direito do requerente; b) a probabilidade da existência do direito ameaçado, ou seja, o fumus boni juris; c) a adequação da providência. No caso dos autos, os Requerentes começam por requerer que seja suspensa a realização da escritura de compra e venda do imóvel sito na Travessa ...., ... ..., que está designada para o dia 30 de junho, pelas 10,00 horas. Porém, têm conhecimento (ao que alegam) desde 14/04/2025 que a realização da referida escritura está designada para o dia 30/05/2025 e vieram instaurar a presente providência cautelar apenas no dia anterior (29/05/2025), pelas 13,27 horas, sabendo (estão devidamente assistidos por Mandatária) que se o juiz a quem a providência cautelar fosse distribuída estivesse em julgamento a mesma só lhe poderia ser apresentada (como sucedeu) quando o mesmo terminasse a diligência. E que era impossível designar data para a inquirição das testemunhas antes do dia e hora designados para a realização da escritura de compra e venda. A presente providência foi instaurada extemporaneamente (digamos), isto é, com uma antecedência de poucas horas em relação à hora e data da realização da escritura de compra e venda que os Requerentes pretendiam ver suspensa, o que tornou impossível que fosse conhecida e decidida tempestivamente.
II – Os Requerentes requerem, ainda, a “suspensão” dos efeitos da escritura pública de compra e venda, e que sejam suspensos os efeitos da oposição à renovação do contrato de arrendamento, até que a ação principal seja decidida, permitindo que o Requerente permaneça no imóvel até decisão final. Mesmo que tais pedidos tivessem fundamentação legal, nunca poderiam ser conhecidos e decididos nesta providência cautelar por, entretanto, a fração ter sido vendida e a providência não ter sido instaurada também contra os compradores da fração “D”. Isto é, estes pedidos não podem ser conhecidos e decididos à revelia dos atuais proprietários da fração “D”. A presente providência cautelar tem, por conseguinte, de ser indeferida por impossibilidade da lide. * Nos termos e pelos fundamentos exposto indefiro liminarmente o presente procedimento cautelar não especificado. Custas pelos Requerentes. Notifique.»
*
a. Nulidade da decisão por omissão - artº615.º1, al.d), do CPC[4].
a.1. Omissão de pronúncia quanto à ausência de prova da realização da escritura e transmissão da propriedade.
«Entendem os recorrentes que a decisão recorrida padece de nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, por simultaneamente excesso e omissão de pronúncia sobre duas questões essenciais (respetivamente): i) a ausência de prova da realização da escritura de compra e venda e consequente transmissão da propriedade; ii) o pedido de suspensão dos efeitos da oposição à renovação do contrato de arrendamento.»
Quanto ao fundamento da citada omissão de pronúncia encontram-na os recorrentes na circunstância do tribunal a quo argumentar que a fracção a que se refere o requerimento inicial, objecto de alegado exercício de preferência pelos apelantes na compra e venda de locado, já teria sido vendida e os compradores do imóvel não constariam como partes da providência, não obstante não contendo a decisão qualquer pronúncia quanto à prova da citada venda (escritura pública).
Depois de afirmarem que não lhes foi dado conhecimento da identidade dos compradores do imóvel em relação ao qual alegadamente exerceram o direito de preferência, concluem: «ao presumir a realização da escritura e a transmissão da propriedade sem qualquer suporte probatório nos autos, e sem se pronunciar sobre a flagrante ausência dessa prova[5], o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia sobre uma questão essencial para a aferição da legitimidade.
Num outro segmento do recurso, sustenta-se a citada nulidade afirmando-se: «A douta sentença recorrida centrou a sua análise e indeferimento exclusivamente na questão da suspensão da venda do imóvel, considerando a providência cautelar extemporânea e inviável dada a proximidade da data da escritura e a suposta venda a terceiros. No entanto, o Tribunal a quo omitiu por completo uma análise e pronúncia crucial sobre um dos pedidos formulados pelos Recorrentes: o pedido de suspensão dos efeitos da oposição à renovação do contrato de arrendamento.»
Vejamos.
«A falta (ou omissão) de pronúncia está prevista na primeira parte da referida al. d) e decorre da violação das normas que impõem ao tribunal o dever de tomar posição sobre certa questão, o que ocorre tanto para as questões de conhecimento oficioso (cf., por ex., os artigos 578.º e 579.º), como para as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (cf. a primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º). Trata-se, pois, de uma omissão de julgamento de forma ou de mérito a qual não se confunde com uma decisão efetiva de não conhecimento da questão, por inadmissibilidade ou falta de pressupostos processuais.»[6]
As questões a resolver são as questões de direito correspondentes aos pedidos, causa de pedir e excepções.
Por outro lado «[n]ão há omissão de pronúncia para as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, por força da conjugação do artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte, com o artigo 608.º, n.º 2.»[7]
Rui Pinto cita alguns exemplos a propósito desta última asserção, nos quais inclui a questão coberta pelo caso julgado: «se o tribunal “entendeu que se verificava um "caso julgado" que impedia o conhecimento de determinada questão, não padece de nulidade de omissão de pronuncia ao não conhecer tal questão” (STJ 1-3-1990/Proc. 002335 (DIAS ALVES)); se “o Tribunal equacionou a questão suscitada pela Impugnante, a enunciou como questão a decidir e, posteriormente, decide expressamente não proceder à sua apreciação, por a julgar prejudicada por força de decisão anteriormente tomada em relação a outra questão, não há nulidade por omissão de pronúncia” (TCAS 29-09-2016/Proc. 09569/16 (ANABELA RUSSO).»[8]
Quanto ao primeiro fundamento da citada omissão importa trazer à colação que o despacho em causa não tem de se centrar na prova do que quer que seja: trata-se de um despacho liminar que perspectiva as consequências jurídicas do que alegado está em termos de ajuizar das condições do prosseguimento dos autos, claro está «projectando-se» tal matéria como provada.
O tribunal a quo entendeu, e bem, porque estava alegado, sendo, por conseguinte, matéria que teria de ser provada pelos recorrentes, que a escritura que transmitiria a propriedade do imóvel estava agendada para o dia 30/05/2025, ou seja, o dia em que foi proferida a decisão posta em crise, um dia após a entrada em juízo da providência.
O tribunal ajuizou, «projectando», como o devia fazer, o facto alegado em causa como provado para daí tirar em sede de despacho inicial as consequências que excogitou.
O facto em causa, na economia da pretensão dos recorrentes, corresponde a facto estruturante da causa de pedir da providência, é ele, a venda, o fautor do «perigo» que se quer evitar[9].
O Tribunal a quo não tem de «virtualizar» que naquele dia a venda não seria concretizada, como de facto não se concretizou, como de facto não se concretizará em qualquer data entretanto agendada por, em documento junto pelos recorrentes com o recurso, constar informação da desistência do negócio por parte dos «compradores».
Na economia da interpretação da decisão o que dela se retira é que o tribunal «projectou» como verdadeiro um facto alegado, a benefício dos requerentes, ou seja, que a escritura estava agendada para o dia referido, que estando agendada seria realizada, e sendo-o antes da possibilidade de se decidir da providência, considerou que se exauriu o respectivo objecto.
Não tinha de fundamentar em fase vestibular (art.º590.º, n.º1, do CPC) porque relevou como verdadeiro um facto que teria de conformar como tal para, considerando-o, dele, na relação com os demais estruturantes, tirar consequências do ponto de vista da utilidade da providência.
Conclui-se, pois, que não existe quanto ao fundamento em causa qualquer omissão de pronúncia, por conseguinte qualquer nulidade da decisão posta em crise.
* a.2. Omissão de pronúncia quanto ao pedido de suspensão dos efeitos da oposição à renovação do contrato de arrendamento.
Num outro segmento do recurso, sustenta-se a epigrafada nulidade por omissão de pronúncia afirmando-se que «[a] douta sentença recorrida centrou a sua análise e indeferimento exclusivamente na questão da suspensão da venda do imóvel, considerando a providência cautelar extemporânea e inviável dada a proximidade da data da escritura e a suposta venda a terceiros. No entanto, o Tribunal a quo omitiu por completo uma análise e pronúncia crucial sobre um dos pedidos formulados pelos Recorrentes: o pedido de suspensão dos efeitos da oposição à renovação do contrato de arrendamento.»
Do que se retira da decisão é que o tribunal, considerando exaurido o objecto do processo por a decisão jamais poder evitar a concretização da escritura, entendeu prejudicado o conhecimento do pedido de suspensão dos efeitos da oposição à renovação do contrato de arrendamento no quadro do qual os recorrentes são arrendatários.
Veja-se o que diz a decisão nesta parte:
«[o]s Requerentes requerem, ainda, a “suspensão” dos efeitos da escritura pública de compra e venda, e que sejam suspensos os efeitos da oposição à renovação do contrato de arrendamento, até que a ação principal seja decidida, permitindo que o Requerente permaneça no imóvel até decisão final.
Mesmo que tais pedidos tivessem fundamentação legal, nunca poderiam ser conhecidos e decididos nesta providência cautelar por, entretanto, a fração ter sido vendida e a providência não ter sido instaurada também contra os compradores da fração “D”.
Isto é, estes pedidos não podem ser conhecidos e decididos à revelia dos atuais proprietários da fração “D”. »
Ou seja, entendeu-se e fundamentou-se porque não se conhecia o pedido em causa, e se assim se fez, fez-se porque naturalmente se entendeu que com a venda transferia-se para os novos proprietários a qualidade que os requeridos[10] tinham no contrato de arrendamento celebrado com os recorrentes.
Não estando aqueles em juízo, a decisão não os vincularia – art.º619.º, n.º1, do CPC.
De facto «(…) nenhum efeito de caso julgado (ou mesmo de autoridade de caso julgado) pode ser extraído de uma decisão relativamente a sujeitos que não tiveram qualquer intervenção na ação em que foi proferida nem se integram na esfera de identidade subjetiva definida pelo art.º581.º, n.º2 (STJ 30-11-21, 697/10, STJ 26.11.20, 7597/15).»[11]
Como refere Rui Pinto em segmento atrás citado, «[n]ão há omissão de pronúncia para as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, por força da conjugação do artigo 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte, com o artigo 608.º, n.º 2.»
Houve pronúncia, por conseguinte, também nesta parte, não se perscruta qualquer nulidade, assim improcedendo o recurso nesta parte.
*
a.3. Excesso de pronúncia.
Utilizando dualmente[12] o mesmo fundamento retro analisado, pretendem os recorrentes que se reconheça que a decisão é nula por excesso de pronúncia, ou seja, a «projecção» da realização da escritura pelo tribunal a quo serviu para os recorrentes afirmarem a omissão de pronúncia e o excesso da mesma.
Veja-se o que se afirma: «[o] Tribunal a quo incorreu em excesso de pronúncia ao presumir a realização da escritura e a consequente ilegitimidade passiva, sem que tal facto estivesse devidamente provado nos autos. Essa presunção, desprovida de qualquer suporte documental ou registral, constitui um manifesto erro de julgamento.»
Como sabemos « (…) o excesso de pronúncia decorre de duas situações: a primeira afere o excesso de pronúncia por relação com o objeto processual colocado pelas partes; a segunda afere, especificamente, o excesso de pronúncia por relação com os pedidos das partes. Em termos breves, “a causa do julgado não se identifi[ca] com causa de pedir ou o julgado não coincid[e] com pedido” (TCAS 11-1-2018/Proc 338/17.8BESNT (JOAQUIM CONDESSO
A saber, e respetivamente:
a) o juiz “conhe[cer] de questões de que não podia tomar conhecimento” (segunda parte da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º), (i) seja por violação da segunda parte do n.º 2 do artigo 608.º (por força do qual, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes”), (ii) seja por já ter esgotado o seu poder jurisdicional, por efeito do disposto no artigo 613.º, n.º 1, (iii) seja por violar caso julgado anterior, o que a força obrigatória o impede, enquanto proibição de repetição decisória (cf. artigos 619.º e 620.º)78, mesmo se o tribunal que decidiu fora outro.
(…)
b) o juiz “condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que [foi] pedido” [ultra petitum] (al. e) do n.º 1 do artigo 615.º), com violação do n.º 1 do artigo 609.º, por força do qual, a “sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.”[13]
Patenteia-se claro que a modalidade de excesso de pronúncia a que os recorrentes apelam não corresponde à segunda atrás referida.
Só pode estar em causa, pois, na perspectiva dos apelantes, o facto do tribunal a quo se ter excedido no conhecimento de aspecto que vai para além do objeto processual definido no requerimento inicial.
Já se ensaiou o iter seguido pelo tribunal a quo, ou seja, «projectando» como provado certo facto alegado, assim, da leitura que disso se faça na relação com a causa de pedir e pedido, se tirando as devidas consequências do ponto de vista da utilidade da providência.
Trata-se, pois, de percurso inteligível.
Não há excesso em se presumir como provado, para efeitos de decisão vestibular e quanto às condições de concludência da providência e manutenção da utilidade da providência, um facto que se alegou, ou seja, uma circunstância contida no perímetro factual alegado: que a escritura seria realizada em certo dia, por conseguinte, que naquele dia tal aconteceria.
Dizer a propósito da relação do pedido com a causa de pedir que, apesar de um segmento do pedido apelar à eventual realização da escritura ((b) Seja suspensa, com a máxima urgência e sem audição da parte contrária, a realização da escritura de compra e venda do imóvel sito na Travessa ...., ... ..., ou, caso esta já tenha sido realizada, a suspensão dos seus efeitos, até que a ação principal seja decidida.[14]), tal facto não surge sequer alegado.
Não obstante ser sustentação de um segmento do pedido, censura-se ora ter o tribunal projectado o mesmo como provado, imputando-se a nulidade por excesso de pronúncia.
Temos, pois, por inexistente qualquer excesso de pronúncia com base no mesmo argumento que serviu a pretensão de ver reconhecida uma omissão: difícil configurar essa função dual à projecção da escritura como realizada.
Improcede, pois, o recurso também nesta parte.[15]
* b. Violação do dever de gestão processual e do princípio do contraditório (neste item também se considerando, por conexionados, as questões contantes dos pontos B, C e D do corpo das alegações)
Alegam as recorrentes que «[m]esmo que, por mera hipótese académica, se admitisse a possibilidade da realização da escritura e, consequentemente, a existência de uma exceção dilatória de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário, o Tribunal não poderia ter conhecido e decidido sobre esta exceção sem antes proporcionar aos Recorrentes a possibilidade de suprimento da mesma ou de aperfeiçoamento da instância, bem como de exercerem o contraditório.
Na dúvida quanto à eventual realização da escritura e as consequências ao nível da ilegitimidade passiva, o Tribunal deveria ter agido em conformidade com o Dever de Gestão Processual (artigos 6.º e 590.º do CPC), convidando os Requerentes ao aperfeiçoamento.
Nesse momento, os Recorrentes poderiam ter solicitado ao Tribunal que notificasse os Recorridos para confirmarem a realização da escritura e identificassem os terceiros compradores.
Em alternativa, o próprio Tribunal poderia ter notificado oficiosamente os Recorridos para que prestassem essa mesma informação, permitindo, assim, que os Recorrentes lançassem mão da intervenção principal provocada, nos termos do artigo 316.º e seguintes do CPC.
Os Recorrentes não podem ser penalizados por desconhecerem a identidade, e até mesmo a efetiva existência, de compradores, uma vez que os Recorridos nunca a revelaram nas comunicações trocadas e não existia qualquer registo público da suposta aquisição.
Ao não facultar estas possibilidades de suprimento e de exercício do contraditório, o Tribunal a quo violou flagrantemente os artigos 3.º, n.º 3, 6.º, 33.º, 316.º e 590.º do CPC. Esta omissão de ato legalmente prescrito, suscetível de influir negativamente no desfecho do processo, afeta a validade da própria decisão subsequente, tornando-a nula, nos termos dos artigos 195.º e 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.»
Vejamos.
Do autos resulta informação prestada pelos recorrentes de que a escritura, de facto, não se concretizou.
Mais, resulta também que não se concretizará, dado, não obstante, não declarado pelos recorrentes.
Este dado, de que jamais se realizará a escritura, resulta do documento junto com o recurso e cujo teor se segmentou e por forma a trazer ao conhecimento apenas a parte que interessava aos recorrentes:
Boa tarde Dra. FF,
Relativamente imóvel sito na Travessa ...., freguesia ..., venho por este meio informar que não se realizou a escritura no passado dia 30/05/2025, às 10:00h, nas nossas instalações, por desistência da parte compradora.[16]
Com os melhores cumprimentos,
Doc.1 junto com o recurso.
Dizer, pois, que, com a desistência do negócio por parte dos compradores, como consta do citado documento, deixa de ter utilidade, em vista à decisão que concedesse provimento à providência, a intervenção de quem jamais comprará o imóvel identificado nos autos, podendo assim dizer-se que se exauriu o objecto do recurso a propósito (a informação surge em documento junto com o recurso).
Acresce que, como se já se referiu, a perspectiva de fazer intervir os compradores por forma a que, realizada a escritura, determinando-se a suspensão dos seus efeitos até que a acção principal seja decidida, é um verdadeiro «no sense».
A compra e venda opera a sua eficácia real por mero efeito do contrato (art.º879.º, al.a), e art.º408.º1, ambos do CC), não se antevendo como articular isso com a pretensão de obstaculização dos seus efeitos[17].
Que efeitos?
«Suspender o direito de propriedade» na esfera dos novos proprietários?
Eficácia da decisão perante terceiros, assim se impondo a eles? Mas isso resultaria do registo da decisão cautelar (art.º3.º, n.º1, al.e), do CRP).
Ou seja, estamos perante um segmento do pedido ininteligível, aquele que é confuso, «que se apresenta de tal forma obscuro que não se vislumbra, de todo, seu alcance»[18], e que sempre levaria a ineptidão parcial do r.i. com relação ao pedido em causa.
Diremos, pois, que nenhuma utilidade terá a procedência do recurso neste segmento: a informação prestada atrás referida retira qualquer interesse em conhecer-se quem são os compradores porque, de facto, inexistem em face da citada desistência do negócio.
Impondo-se ao tribunal a quo a concessão aos recorrentes da possibilidade de se pronunciarem e requererem o que tivessem por pertinente quanto à efectiva celebração da escritura e seus participantes, impondo-se a concretização do convite com vista supressão de patologia processual, a final sempre se concluiria no sentido que ora se conclui.
Ademais, com a desistência da compra e venda assinalada, a eventual tutela do pedido c) da providência - «Sejam suspensos os efeitos da oposição (…)» - perde sustentação jurídica. - Ponto C. do corpo das alegações.
A relevância desse pedido, que é cumulativo com o da al.b), perde-se com a desconsideração deste (que, como se nota, se exauriu).
Não está alegada qualquer ilegalidade da oposição à renovação do contrato de arrendamento pelos requeridos, contrato no qual os requerentes assumem a qualidade de arrendatários.
Pelo contrário, do r.i. emerge uma patente conformação com esse mecanismo de cessação contratual operado pelos requeridos.
O relevo deste pedido só surge porque, tendo-se alegado o exercício regular do direito de preferência na compra e venda do imóvel arrendado[19], considerada a alegada situação precária em que os arrendatários ficariam com a cessação do arrendamento, outrossim e essencialmente porque sempre acabariam por serem os donos do locado, equacionar-se-ia a possibilidade de se manterem no imóvel, ainda que através de contrapartida[20].
Todavia, como se referiu, está prejudicada a venda a terceiros, pelo menos a equacionada e estruturante da causa de pedir que é objecto desta providência.
Por outro lado, em face do alegado, como se referiu em nota anterior, não se mostra eficaz a comunicação da intenção de exercer o direito de preferência, esta verdadeira trave mestra da sustentação das pretensões cautelares.
Na consideração destes dados retira-se cristalinamente a insubsistência autónoma do pedido a que se refere a citada al.c) do petitório, jamais do alegado se retirando qualquer direito, ainda que sumariamente provado, sustentação da pretensão de suspender os efeitos da oposição à renovação do contrato de arrendamento.
Em face do exposto encontra-se esgotado o objecto do recurso no segmento em causa, de resto, ainda que se entenda supervenientemente, do próprio objecto da providência.
Desapareceu o perigo que se anteviu com a vontade dos recorridos venderem a gente identificada o imóvel referido nos autos, não subsistindo autonomamente nos termos expostos o pedido constante da al.c) do petitório.
Em face do exposto, está prejudicado o conhecimento do recurso no presente segmento.
* Cremos poder afirmar que se retira de tudo quanto se disse, na relação com o teor da informação trazida aos autos em sede recursória e através de documento junto, que se a decisão posta em crise se pudesse apodar, no mínimo, de pouco consistente, acaba, digamos assim, com aquele dado, por revelar-se actual e legal, assim merecendo subsistir.
* III. Pelo exposto acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto em decidir pelo não provimento do recurso, assim se mantendo a decisão posta em crise.
Custas pelos apelantes.
* Sumário: ……………………………………… ……………………………………… ………………………………………
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Porto, 10/7/2025.
Carlos Cunha Rodrigues de Carvalho Ana Vieira Isabel Silva
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