Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1697/22.6T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
FUNDO COMUM DE RESERVA
UTILIZAÇÃO DO FUNDO COMUM DE RESERVA
Nº do Documento: RP202511261697/22.6T8MTS.P1
Data do Acordão: 11/26/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O Fundo Comum de Reserva, cuja constituição é obrigatória no âmbito da propriedade horizontal, destina-se a custear obras de conservação do edifício (ou do conjunto dos edifícios), ou seja, destina-se a custear obras necessárias para evitar ou impedir o agravamento da deterioração, destruição, perda do edifício, isto é, obras que sejam indispensáveis para a conservação do imóvel, obras essas cuja execução aquele Fundo visa garantir.
II - A deliberação da assembleia de condóminos que aprovou as contas do exercício anterior, que implicou a utilização de quantias do Fundo Comum de Reserva pela administração de condomínio, para pagamento de despesas com a “manutenção de equipamentos” e de “manutenção e equipamento de incêndio”, deu cobertura a um uso indevido do fundo comum de reserva e dessa forma, ao aceitar a redução daquele fundo, violou a norma imperativa do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, invalidando com uma nulidade a deliberação impugnada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 1697/22.6T8MTS.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 2

Juíza Desembargadora Relatora:

Alexandra Pelayo

Juízes Desembargadores Adjuntos:

Alberto Taveira

Maria Eiró.

SUMÁRIO:

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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO:

AA, com o NIF ...50, residente na Rua ..., ..., intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO ..., com o NIPC ...31, com sede na Rua ..., ... ..., peticionando:

a) A declaração de nulidade da ata e a declaração de ineficácia da reunião da Assembleia de Condóminos de 29/01/2022, por impedir a participação dos condóminos na mesma;

b) A eliminação dos dados pessoais do autor do conteúdo da ata da referida reunião;

c) A declaração de inexistência, por serem anuláveis ou nulas as deliberações ou conteúdos resultantes dos pontos 4, 6 e 7, bem assim a declaração de ineficácia em relação ao autor e demais condóminos de tais deliberações.

Alegou para o efeito e em síntese que, as deliberações tomadas na referida reunião da Assembleia de Condóminos de 29/01/2022 são nulas, porquanto, tendo a mesma decorrido em regime presencial e através de meios eletrónicos à distância, tal possibilidade não tinha cobertura legal, tendo impedido a participação plena dos condóminos, até porque não foi enviado ou disponibilizado o link da reunião para que os condóminos que pretendessem participar por via eletrónica, acedessem à mesma; ao contrário do teor da referida ata, o autor nunca consentiu que a administração o contactasse por email, nomeadamente, para envio das convocatórias e deliberações de futuras assembleias de condóminos, assim como também não deu consentimento para que o seu email fosse disponibilizado e divulgado naquela assembleia e na ata, como sucedeu, o que é violador do Regulamento Geral de Proteção de Dados; a deliberação tomada no ponto 4 da ordem de trabalhos, referente à ratificação da criação de uma portaria, é inválida por se tratar de uma obra de inovação que depende da aprovação da maioria dos condóminos, representando 2/3 do valor total do prédio, o que não se mostrou respeitado; no âmbito da deliberação tomada no ponto 6 da ordem de trabalhos, as contas referentes aos períodos anteriores não se encontram aprovadas, ou não foram objeto de cabal esclarecimento, informação ou documentação pela administração do Condomínio que justifiquem os gastos apresentados e demonstrem com fidelidade as contas apresentadas, visando tão-só esconder um desvio ao orçamento que excede uma centena de milhares de euros; das referidas contas parece resultar que foi utilizado o Fundo Comum de Reserva, sem justificação ou fundamento e sem autorização expressa da Assembleia de Condóminos; quanto ao seguro coletivo incluído na quota ordinária de cada condómino, na parte em que o mesmo abrange as frações autónomas não pode ser incluído como despesa de orçamento, nem podendo tal despesa ser imposta aos condóminos, violando o disposto no artigo 1429.º do Código Civil e o artigo 29.º n.ºs 5 a 7 do Regulamento do Condomínio; não estando devidamente prestadas as contas e não sendo conhecido o saldo concreto do Condomínio (passivo e ativo) o orçamento carece de validade.

Regularmente citado, o réu contestou, apresentando defesa por exceção e por impugnação. Suscitou a exceção dilatória da litispendência e a exceção dilatória da ilegitimidade passiva.

Invocou a litigância de má-fé do autor, por deduzir pretensão já objeto de análise noutro processo anterior.

O autor respondeu à matéria de exceção, pugnando pela respetiva improcedência.

Foi dispensada a realização da audiência prévia tendo-se proferido despacho saneador, no qual se julgaram improcedentes as exceções dilatórias da ilegitimidade passiva e da litispendência.

Foi, ainda, proferida despacho de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento no decurso da qual, as partes “… acordaram em conjunto em remeter para a decisão do processo proferida nos autos da ação n.º 3624/21.9T8MTS, as questões suscitadas relativamente à deliberação do ponto 4 da ordem de trabalhos da reunião da Assembleia de Condóminos em causa, referente à ratificação da deslocalização da portaria do edifício, bem assim a questão suscitada quanto à quota do seguro multirriscos, impugnada no âmbito do ponto 6 da ordem de trabalhos da referida reunião”.

No final, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência:

1. Condena-se o réu a proceder ao apagamento dos dados pessoais do autor, consistentes no respetivo endereço de email, do conteúdo da ata da reunião da Assembleia de Condóminos de 29 de Janeiro de 2022.

2. Absolve-se o réu dos demais pedidos formulados pelo autor.

3. Julga-se improcedente o pedido de condenação do autor em litigância de má-fé e, em consequência, absolve-se o autor do pedido.

4. Condenam-se o autor e o réu no pagamento das custas processuais na proporção dos respetivos decaimentos, fixando-se em 66% a responsabilidade do autor e em 33% a responsabilidade do réu.”

Inconformado, o Autor AA interpôs o presente recurso de apelação, tendo apresentado as seguintes CONCLUSÕES:

“1ª.) À data da realização da assembleia de condóminos impugnada ainda não tinham entrado em vigor as disposições introduzidas no D.L. 268/94 de 25 de Outubro pela Lei nº 8/2022 de 8 de Janeiro, sendo que este último diploma entrou em vigor no dia 10 de Abril de 2022, não tendo natureza interpretativa mas inovatória.

2ª.) O artº. 4º do D.L. 268/94 de 25 de Outubro seja na redação anterior à entrada em vigor da referida Lei, seja após a entrada em vigor desta, obriga a que a utilização do fundo comum de reserva seja sempre deliberado em assembleia de condóminos.

3ª.) Mesmo que a interpretação do artº. 4º do D.L. 268/94 de 25 de Outubro, com a redação da Lei 8/2022 apenas exigisse a deliberação da assembleia de condóminos para a utilização do Fundo Comum de Reserva para fim diverso do indicado no nº 1 do artº. 4º, ou seja, para outros fins que não fossem encargos de conservação do imóvel, tal como transcorre da sentença recorrida, a deliberação sob censura foi tomada quando ainda não vigorava aquela alteração do nº 3 do artº. 4º, introduzida pela Lei nº 8/2022, revelando-se inútil destrinçar na utilização do Fundo Comum de Reserva do Condomínio Apelado as despesas concernentes a encargos de conservação ou outro fim.

4ª.) Tal como ficou provado no ponto 23. da matéria de facto, na reunião da Assembleia de Condóminos de 5 de Junho de 2021 não foi aprovada qualquer deliberação de autorização de aplicação do fundo comum de reserva, o que sempre inviabilizaria a sua utilização lícita.

5ª.)A utilização do fundo comum de reserva sem autorização da assembleia constitui portanto, violação expressa daquele dispositivo legal, em qualquer das versões do artº. 4º do D.L. 268/94 de 25 de Outubro, gerando a anulabilidade da deliberação que aprove contas do exercício onde o fundo comum de reserva tenha sido utilizado sem o prévio consentimento da assembleia de condóminos, nos termos consagrados no artº. 1433º do Código Civil.

6ª.) Nos termos do artº. 28º nº 2 do Regulamento de Condomínio do Edifício Apelado, o fundo só pode ser movimentado pelo administrador mediante as deliberações da Assembleia de condóminos, definindo a Assembleia o valor e o montante do seu pagamento, em observância com o disposto no artº. 4º do D.L. 298/94 de 25 e Outubro, conforme facto 24. dado como provado.

7ª.) A regra regulamentar prevalece sobre a lei, uma vez que aquela não ofende qualquer norma de interesse público.

8ª.) Nunca poderia a administração do Condomínio demandado ter utilizado o Fundo Comum de Reserva, fosse qual fosse o fim prosseguido nessa utilização – despesas de conservação ou qualquer outro – sem que houvesse deliberação e que esta estabelecesse o quando e o quantum.

9ª.) Não só não se aplica os autos o nº 3 do artº. 4º do D.L. 268/94 com a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 8/2022, não sendo esta uma lei interpretativa, como o Tribunal teria sempre de dar prevalência ao regulamento do condomínio e verificar a conformidade ou desconformidade deste com a deliberação em crise.

10ª.) Mesmo que a interpretação da sentença recorrida lograsse provimento, o que não se concede, os autos oferecem matéria abundante que comprova claramente que a administração do condomínio Apelado utilizou o Fundo Comum de Reserva para outros fins, concretamente para “Manutenção de equipamentos”, Manutenção e Equipamentos de Incêndio” e “Manutenção Geral”, conforme materialidade constante do ponto 21. dos factos provados, assinaladas por cruzes, do lado direito, por baixo do item “Fundo Comum de Reserva”.

11ª.) Da matéria de facto constante dos pontos 17., 21., incluindo o quadro inserto no mesmo, 23. e 24. da sentença conclui-se de forma cristalina que a Administração de Condomínio utilizou o Fundo Comum de Reserva sem qualquer deliberação da assembleia de condóminos, ao arrepio do regulamento do condomínio e, na falta deste, do disposto no nº 4 do D.L.268/94 de 25 de Outubro com a redação anterior à Lei nº 8/2022 de 8 de Janeiro, usando aquele fundo para fim distinto dos encargos de conservação do edifício.

12ª.) A anulabilidade da deliberação constante do ponto 6 da ordem de trabalhos provoca a anulabilidade do ponto 7 da ordem de trabalhos porquanto influencia o orçamento das despesas previstas para o exercício de 2022.

13ª.) Decidindo como decidiu, violou o Tribunal “a quo” o comando dos artºs. 28º nºs. 1 e 2 do Regulamento do Condomínio, artº. 4º do D.L. 268/94 de 25 de Outubro, com a redação anterior à introduzida pela Lei nº 8/2022 de 8 de Janeiro e o artº. 1433º do Código Civil.

Termos em que, deve ser concedido provimento ao recurso e serem anuladas as deliberações da assembleia de condóminos de 29 de Janeiro de 2022 relativamente aos pontos 6 e 7 da ordem de trabalhos.”

O Réu CONDOMÍNIO EDIFÍCIO ..., veio responder ao recurso, pugnando pela sua improcedência, concluindo da seguinte forma:

“A. O Recurso é destituído de fundamento, sendo igualmente carentes de sustentação os argumentos e as conclusões apresentadas pela Recorrente, uma vez que a Decisão a quo não merece, pelo menos naquilo a que se reportam as Alegações da Recorrente, qualquer censura, bem tendo aplicado o Direito.

B. O Recorrente, nas suas Alegações, desconsidera a fundamentação exposta da Douta Sentença, que bem considerou pela improcedência do pedido impugnatório das deliberações aprovadas na reunião da Assembleia de Condóminos de 29 de Janeiro de 2022.

C. Perante a factualidade que em diante se exporá, os Exmo. Srs. Desembargadores só poderão comungar da decisão do TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA que competentemente instruiu e julgou a situação sub judice.

D. Em suma, alega o Recorrente o seguinte:

a. À data da realização da assembleia de condóminos impugnada, ainda não tinham entrado em vigor as disposições introduzidas no DL 268/94 de 25 de Outubro pela Lei nº 8/2022 de 10 de Janeiro, nomeadamente e para o que aqui releva, o n.º 3 do artigo 4.º, relativamente à utilização do fundo de reserva.

b. A interpretação do n.º 4 do mesmo artigo obriga a que a utilização do fundo comum de reserva seja sempre deliberada em Assembleia de Condóminos, na versão atual e anterior.

c. Ocorreu uma violação expressa do DL 268/94 de 25 de Outubro que implica a anulabilidade da deliberação que aprova as contas do exercício onde o fundo de reserva tenha sido utilizado sem prévio consentimento da Assembleia de Condóminos.

d. A regra constante no Regulamento do Condomínio prevalece sobre a lei, e expressa que o fundo só pode ser movimentado pelo administrador mediante as deliberações da Assembleia de condóminos, definindo esta o montante do pagamento.

e. A administração do condomínio utilizou o fundo para outros fins, de manutenção, e não de conservação.

f. A anulabilidade do ponto 6 da ordem de trabalhos, implica necessariamente a anulabilidade do ponto 7 da ordem de trabalhos, uma vez que influencia o orçamento das despesas previstas para o exercício de 2022. Vejamos:

E. No respeitante à alteração ao artigo 4.º do D.L. 268/94 de 25 de Outubro, feito pela Lei 8/2022, de 10 de janeiro, em que é aditado o n.º 3, este veio dispor o seguinte:

“3 - No caso de, por deliberação da assembleia, o fundo comum de reserva ser utilizado para fim diverso do indicado no n.º 1, os condóminos devem assegurar o pagamento, no prazo máximo de 12 meses a contar da deliberação, da quotização extraordinária necessária à reposição do montante utilizado, aplicando-se o disposto no artigo 6.º no caso de não cumprimento dessa obrigação.”

F. O n.º 3 do referido artigo 4.º vem expor que a utilização do fundo de reserva apenas fica dependente de autorização expressa da Assembleia de Condóminos se o mesmo visar a sua afetação a um fim diverso do indicado no n.º 1 do mesmo artigo, isto é, o custeamento das despesas de conservação do edifício.

G. Caso o legislador pretendesse que a utilização do Fundo de Reserva, para despesas de conservação, ficasse igualmente dependente de deliberação em Assembleia de Condóminos, a escolha da letra da lei, no n.º 3 do artigo 4.º teria, certamente, sido outra.

H. O que nos conduz à mesma interpretação da norma dada pela Douta Sentença, que o espírito da mesma é, e sempre foi, mesmo nas redações anteriores, que não se exige a votação expressa em Assembleia de Condóminos para a utilização do Fundo de Reserva em despesas de conservação do edifício.

I. Até porque, caso assim fosse, era totalmente desnecessária a menção do artigo 4.º às ditas despesas de conservação, uma vez que qualquer uso teria de se subsumir à votação dos condóminos, o que, em nosso entender, retiraria toda a razão de ser ao próprio Fundo, que foi especialmente criado para suprir necessidades que, pela sua natureza, não podem ficar dependentes da vontade.

J. Como se tal não bastasse, corolário do que se expôs é que o n.º 2 do 1436.º do Código Civil tem uma ressalva importante, referindo que apenas obras de conservação extraordinária e de inovação exigem deliberação da Assembleia. Veja-se:

“2 - Sempre que estiver em causa deliberação da assembleia de condóminos relativamente a obras de conservação extraordinária ou que constituam inovação, a realizar no edifício ou no conjunto de edifícios, o administrador está obrigado a apresentar pelo menos três orçamentos de diferentes proveniências para a execução das mesmas, desde que o regulamento de condomínio ou a assembleia de condóminos não disponha de forma diferente.”

K. Assim, jamais se pode considerar que existiu uma violação do D.L. 268/94 de 25 de Outubro que implica a anulabilidade da deliberação. Mas mais:

L. É referido, pela Recorrente, que a Administração de Condomínio utilizou o Fundo para outros fins, nomeadamente de manutenção.

M. Esclareça-se, com o devido respeito, o Recorrente, que no conceito de despesas de conservação estão, naturalmente, intrínsecas as despesas de manutenção necessárias ao bom funcionamento do edifício como, aliás, em dispõe o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do processo 4678/18.0T8ALM-A.L1-2, de 15-12-2022.

N. No mesmo sentido vai a doutrina de Pires de Lima e Antunes Varela, e de Rui Pinto Duarte, que consideram, sumariamente, que as despesas de conservação e fruição são todas que servem para manter as partes comuns em condições de uso.

O. Por tudo isto, cai por terra o argumento do Recorrente.

Alega ainda o Recorrente:

P. que se extrai do Regulamento do Condomínio do Edifício Apelado que o Fundo apenas pode ser movimentado pelo Administrador mediante deliberações da Assembleia de Condomínios, e que o mesmo prevalece sobre a lei. Tal não pode colher.

Q. Em primeiro lugar, porque o Regulamento não está, nem pode estar, acima da lei.

R. Em segundo lugar, porque o que é referido no artigo 28.º do referido regulamento, é que o Fundo deverá ser movimentado de acordo com as deliberações da Assembleia de Condóminos, em observância com o disposto no Artigo 4.º do DL 268/94 de 25 de Outubro, ou seja, de acordo com a lei.

S. O Regulamento não refere que a deliberação é exigida em toda e qualquer utilização do Fundo de Reserva, o que o Regulamente expressamente dispõe é que, nas deliberações, deve ser observado o disposto no artigo 4.º do DL supramencionado.

T. Ora, o mencionado artigo 4.º não obriga a uma deliberação quando a utilização se prenda, exclusivamente, com despesas de manutenção, pelo que não poderá, o Recorrente, “imputar” uma argumentação a um artigo do Regulamento que não refere o que o Recorrente pretende que refira. Por fim,

U. Não estando o ponto 6 da ordem de trabalhos da Assembleia de Condóminos inquinado de nenhum vício que implique a sua anulabilidade, igualmente não pode ser vislumbrada qualquer inquinação do ponto 7 da mesma ordem de trabalhos, uma vez que nem vício existe no exercício de 2021, pelo que o ponto 7 da ordem de trabalhos, e a deliberação do orçamento de 2022, jamais pode enfermar de anulabilidade.

V. Perante todo o exporto, merece confirmação integral, no âmbito do presente Recurso, a Sentença recorrida. Assim decidindo os Venerados Desembargadores farão, certamente, Justiça!”

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - OBJETO DO RECURSO:

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.

As questão decidenda delimitada pelas conclusões do recurso é a de saber se devem ser anulados os pontos 6 e 7 da ordem de trabalhos da Assembleia de Condóminos de 29.01.2022, por a Administração de Condomínio ter utilizado o Fundo Comum de Reserva sem prévia deliberação da assembleia de condóminos, ao arrepio do regulamento do condomínio e, na falta deste, do disposto no nº 4 do D.L. 268/94 de 25 de Outubro com a redação anterior à Lei nº 8/2022 de 8 de Janeiro, usando aquele fundo para fim distinto dos encargos de conservação do edifício.

III - FUNDAMENTAÇÃO:

Com relevância para a decisão de mérito da causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. Encontram-se registadas a favor do autor a aquisição das frações identificadas pelas letras JP e ME do prédio, sito na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos com o n.º ...23 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...23.º da União das Freguesias ... e ... (anterior artigo ...25.º da extinta freguesia ...), correspondentes a 4,35º/oo e 0,32º/oo do total do edifício.

2. Através de convocatória, foram os condóminos daquele prédio convocados para uma reunião da Assembleia de Condóminos a realizar no dia 29 de Janeiro de 2022, pelas 14h30m.

3. A referida convocatória tinha o seguinte teor:

“(…)















4. Para a realização da reunião em causa através de videoconferência, a administração do Condomínio remeteu o link da reunião para todos os condóminos que, na plataforma informática Gecond, usada pela administração do Condomínio no contacto com os condóminos, haviam autorizado o envio da convocatória por email.

5. O autor, na respetiva página da plataforma Gecond, autorizou o envio de convocatórias apenas em formato papel.

6. O autor, na respetiva página da plataforma Gecond, pelo menos desde 01/10/2021, autorizou o envio de avisos, recibos, cartas e circulares por email.

7. A 22 de Janeiro de 2022, através da respetiva mandatária, o autor remeteu um email à administração do Condomínio com o seguinte teor:

“Ao cuidado da Administração do Condomínio do Edifício ...

Exmos. Senhores,

Considerando o conteúdo dos últimos emails trocados, nomeadamente, trazendo assuntos a meu ver totalmente irrelevantes para o presente momento, é no mínimo estranho e revelador que algum problema subsiste do passado ao invés de demonstrar vontade de resolver as questões actuais, como seria expectável e normal.

Parece-me, contudo, necessário fazer alguns reparos para reposição da veracidade dos factos, nomeadamente:

- é incompreensível continuarem a referir e inclusivamente remeter um email remetido pela Administração à Sra. Dra. BB, que aliás na data já não representava o m/Cliente e, sobretudo, por naquela data aquela resposta já não produzir qualquer efeito útil, uma vez que os esclarecimentos solicitados seriam para preparação prévia à Assembleia de Condóminos, que lamentavelmente nunca chegaram nem antes nem depois da realização daquela;

- assim como nunca obtivemos resposta a m/ carta de 11.08.2021, email de 19.09.2021 e 15.12.2021 (neste caso houve resposta ao email sem esclarecer as questões colocadas), bem como ao email do m/ Cliente de 25.10.2021 (note-se neste caso houve uma resposta apenas na consequência do e-mail enviado em 06/12/2021, demonstrativa da total falta de consideração ou diligência) – comunicações que nos escusamos de reenviar pois são todas do v/ conhecimento.

Relativamente à questão do consumo de energia elétrica, não pode esta Administração negar que sempre foi intenção do m/ Cliente pagar pontual e integralmente qualquer consumo que seja da sua responsabilidade. Aliás, muitas vezes, teve que ser o Dr. AA a solicitar que informassem quais os valores, pois que a Administração nunca diligenciou por tais cobranças e menos ainda por prestar informações quanto a valores eventualmente em dívida.

Curiosamente, (ou talvez não) a partir de Agosto último a Administração resolveu assumir esta cobrança como ponto fulcral na relação com o Condómino, m/ Cliente, querendo inclusivamente cobrar valores, sem discriminar ao que se deviam ou pelo menos explicar a fórmula de cálculo. Tomou a Administração a iniciativa de tentar pagar-se dos consumos elétricos do Condómino m/ Cliente como bem entendeu, indevidamente, através do valor pago para quotas e veio cobrar, também indevidamente, multas.

Tal sucede quando o m/ Cliente tem pago por adiantamento, no primeiro mês de cada trimestre, o valor total desse trimestre, o que demonstra que nunca, em momento algum o Condomínio, ou como apregoam “todos Vós” pagaram a energia consumida pelo meu cliente como é mencionado no vosso e-mail com o único propósito de atingir deliberadamente a dignidade e honra do m/ cliente.

Contudo, relativamente a estes pedidos de explicação não houve esclarecimentos, foram pedidas explicações e documentos para se poder compreender a forma de cálculo que pretendem utilizar, mas infelizmente, o retorno resulta em acusações graves à pessoa e seriedade do m/ Cliente Ora, apesar de não ser obrigação do m/ Cliente, foi o Condómino quem diligenciou para identificar os seus consumos e contabilizar os valores que devia. Contudo, tal obrigação não é sua, como certamente bem sabem, mas da Administração. Pelo que, é esperado que no relatório de contas esteja perfeitamente claro qual o consumo de cada um dos Condóminos e que demonstrem que todos os consumos foram efetivamente contabilizados (e como).

Como compreenderão, os valores a cobrar tem que ser claros e percetíveis para quem paga, tem que haver equidade e não discricionariedade, sob pena de existir discriminação e abuso de direito. Será também um abuso de direito efetuarem uma alteração de critérios e consequente aumento de preço sem que previamente disso deem qualquer informação, não obstante aquando do primeiro pedido de pagamento o m/ cliente vos ter solicitado esclarecimentos por e-mail e sem qualquer resposta (cfr. e-mail de 25/10/2021). Tiveram nesse momento uma excelente oportunidade para dar a conhecer as alterações de critério de determinação de custo do valor de KWh e não o fizeram, por razões que desconhecemos e que lamentavelmente continuam a não querer informar. Ora, o dever de informação está subjacente à vossa função e quando a informação é sonegada e disso pode resultar um acréscimo de custo, esse custo é e será da responsabilidade direta dos titulares do cargo que desempenham.

Pelo exposto, e por entender que apesar do conteúdo do último email enviado, as justificações não são suficientemente clarificadoras, solicito:

1 o envio de cópia de fatura da energia com os valores que são cobrados ao condomínio e como determinaram o recentemente comunicado valor de 0,1419€;

2) que apresentem, como seria expectável, contagem inicial e final de cada um dos pedidos de pagamento;

3) que retifiquem as contas e considerem os valores de consumo multiplicados pelo valor de KWh que era do conhecimento do meu cliente (a relação é com a administração, não com quem desempenha esse cargo);

4) esclareçam a razão de considerarem que ainda antes de comunicarem que existe um valor em débito (mesmo que indevido) o meu cliente já está em mora relativamente a esse pagamento;

5) na falta de fundamento para a alínea anterior, como se entende, sejam imediatamente anulados os valores que apresentam a título de multas na conta corrente do Condómino m/ Cliente, pois em momento algum o mesmo esteve em mora;

6) finalmente, que clarifiquem em que qualidade o Sr. CC enviou o e-mail de 12/12/2021, nomeadamente se vos representa, e se o seu conteúdo é subscrito pela Administração do condomínio e, nessa medida, intervém na relação entre os contactos da Administração com os Condóminos através de algum mandato.

Por último, relativamente à Assembleia de Condóminos agendada para o próximo dia 29, solicito o envio de documentação com informação detalhada relativamente às propostas que vão ser apresentadas para cada um dos pontos da ordem de trabalhos, para que o meu cliente possa, em tempo útil, analisar essas propostas e definir o seu sentido de voto. Presumo que toda essa documentação já esteja disponível pelo que solicito que o façam de imediato, dado o aproximar da data.

Considerando que um dos pontos da ordem de trabalhos é a comunicação aos Condóminos a acção proposta pelo m/ Cliente, relativa às deliberações tomadas na última Assembleia, suponho que pelo menos a Petição Inicial seja disponibilizada a todos para que conheçam claramente aquilo que é alegado e peticionado, caso por lapso não o tenham assim considerado, e uma vez que se trata de um assunto que diz respeito diretamente ao m/ Cliente, desde já manifestamos expressamente que a mesma deve ser dada a conhecer e ser junta à Ata, fazendo daquela parte integrante, para que os condóminos a possam analisar livremente.

Pese embora a limitação física (quanto ao número de pessoas) que V. Exas. pretendem fazer não é legítima, pois que é obrigação da Administração assegurar um espaço onde os Condóminos que assim queiram, possam estar presentes.

Note-se que atualmente não existe sequer qualquer limitação legal extraordinária.

A participação do Condómino na Assembleia é um direito daquele que não pode ser limitado ou sonegado nos termos que V. Exas. fazem através da convocatória enviada. Cabe ao Condómino decidir no dia se participa ou não na Assembleia e em que moldes, pelo que salvo o devido respeito por opinião diversa, sugerimos que esta questão seja revista para evitar discricionariedades.

Sem mais de momento e na expectativa de uma resposta e envio dos documentos solicitados antes do início da próxima Assembleia e num período suficiente para a sua análise, (…)”.

8. No referido dia 29 de Janeiro de 2022, pelas 15h, em segunda convocatória, decorreu a reunião da Assembleia de Condóminos convocada.

9. A referida reunião realizou-se no Hotel ... e por videoconferência, via Microsoft Teams.

10. No dia e hora agendada para a realização da reunião da Assembleia de Condóminos do Condomínio do Edifício ..., o presidente da mesa, CC, confirmou e validou as procurações apresentadas e verificou a presença dos condóminos, contabilizando um quórum de 33,24% do valor do edifício.

11. Estiveram presentes e representados os proprietários das frações F, G, M, AA, AM, AS, CH, CI, EC, ER, FI, GD, HI, HQ, HX, IO, JH, LC, LD, LE, LI, LQ, LX, LZ, MN, DJ.

12. Intervieram ou fizeram-se representar por videoconferência, via Microsoft Teams os proprietários das frações B, E, H, I, R, S, AB, AH, AJ, AN, AZ, BI, BQ, BU, CJ, CP, CS, CV, DC, DR, DU, EA, ED, EE, EF, EG, EL, EQ, ET, FA, FC, FJ, FL, FR, FX, GE, GJ, GM, GQ, GR, GU, HC, HL, HR, IH, IN, IP, IT, JF, JI, JO, JX, LA, LV, MA, MI, ML, MM, MO, MP, MR, MT, NF, NS, EH, JS.

13. Os proprietários das demais frações estiveram ausentes e não se fizeram representar.

14. O autor não esteve presente, nem se fez representar.

15. Nem o autor, nem nenhum dos demais condóminos foram impedidos de entrar na reunião ou solicitar o envio do link para intervir através de videoconferência e aí participar e votar.

16. A respeito da alínea a) do ponto 2 da ordem de trabalhos, fez-se consignar na ata da reunião de 29 de Janeiro de 2022, o seguinte:

“(…)



(…)


(…)


(…)


(…)

17. No âmbito do ponto 6 da ordem de trabalhos, fez-se consignar na ata da reunião de 29 de Janeiro de 2022, o seguinte:

(…)


(…)


(…)


(…)

18. As contas apresentadas pela administração na reunião da Assembleia de Condóminos de 5 de Junho de 2021, referentes ao período compreendido entre Outubro a Dezembro de 2020, foram objeto de impugnação no âmbito do processo que, com o n.º 3624/21.9T8MTS, correu termos neste Juízo Local Cível de Matosinhos – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto.

19. Nos referidos autos, a 11/02/2024, foi proferida sentença na qual se decidiu: “Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência:

1. Declara-se anulada a deliberação tomada no âmbito do ponto 5 da ordem de trabalhos da Assembleia de Condóminos realizada a 05/06/2021, apenas na parte em que corresponde à aprovação de uma quota sobre todos os condóminos para pagamento do seguro coletivo do edifício.

2. Declara-se anulada a deliberação tomada no âmbito do ponto 7 da ordem de trabalhos da Assembleia de Condóminos realizada a 05/06/2021, consistente na aprovação da “alteração da localização da portaria”.

3. Absolve-se o réu dos demais pedidos formulados pelo autor. (…)”.

20. Nos mesmos autos, a 04/06/2024, foi proferido acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que decidiu: “Pelo exposto, em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso do Autor e em julgar parcialmente procedente o recurso do Réu Condomínio, revogando-se a sentença na parte em que declarou anulada a deliberação tomada no âmbito do ponto 5 da ordem de trabalhos da Assembleia de Condóminos realizada a 05/06/2021, na parte em que corresponde à aprovação de uma quota sobre todos os condóminos para pagamento do seguro coletivo do edifício. (…)”.

21. As contas que foram objeto de aprovação no referido ponto 6 da ordem de trabalhos da reunião de 29 de Janeiro de 2022 foram anexadas à respetiva ata, tendo o seguinte teor













(…)




(…)

(…)


(…)



22. No âmbito do ponto 7 da ordem de trabalhos foi deliberado:



(…)


23. Na reunião da Assembleia de Condóminos de 5 de Junho de 2021, não foi aprovada qualquer deliberação de autorização de aplicação do fundo comum de reserva.

24. Do Regulamento do Condomínio consta, além do mais, que:



25. A ata da reunião da Assembleia de Condóminos de 29 de Janeiro de 2022 foi remetida ao autor por email e por carta registada.

26. A carta com a ata da reunião da Assembleia de Condóminos de 29 de Janeiro de 2022 não foi entregue ao autor, nem o mesmo procedeu ao seu levantamento no posto dos CTT.

27. Em data não concretamente apurada, a administração do Condomínio remeteu um email automático para o endereço eletrónico de todos os condóminos, com o seguinte teor:

“(…) Exmo(a) Sr(a)

Estamos empenhados na privacidade e segurança dos seus dados pessoais, de acordo com o novo regulamento geral de proteção de dados pessoais, em vigor a de 2018.

Para todos os assuntos relacionados com a gestão do condomínio, e caso não altere a sua preferência, iremos continuar a comunicar consigo pelos meios que comunicamos.

Caso pretenda alterar a preferência ou os seus dados de contacto por favor [clique aqui]. (…)”.

28. A 30 de Abril de 2021, o autor remeteu à administração do Condomínio um email com o seguinte teor:


Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a presente causa.

IV-APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS.

A discordância do Recorrente relativamente à sentença é apenas na questão concernente á utilização do Fundo Comum de Reserva, pela administração do condomínio, defendendo o apelante que o mesmo foi usado para fim distinto dos encargos de conservação do edifício, sem deliberação prévia da Assembleia de condóminos, tornando anulável os ponto 6 e 7 da ordem de trabalhos da Assembleia de Condóminos de 29.01.2022.

Na sentença, onde foram apreciadas as demais questões suscitadas nesta ação, relativamente a esta matéria respeitante à utilização do Fundo Comum, ficou decidido o seguinte: “No que toca ao alegado recurso indevido do fundo comum de reserva, caberá notar, antes de mais, que, nos termos do artigo 4.º n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, “é obrigatória a constituição, em cada condomínio, de um fundo comum de reserva para custear as despesas de conservação do edifício ou conjunto de edifícios.”, para o qual devem contribuir todos os condóminos com uma quantia correspondente a, pelo menos, 10%, da sua quota-parte nas restantes despesas do condomínio. Contudo, de acordo com o n.º 3 do mesmo preceito, o recurso a tal fundo por parte da administração do Condomínio só fica dependente de autorização expressa da Assembleia se o mesmo visar a sua afetação a um fim diverso do indicado no n.º 1 daquele artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, ou seja, se se pretender destinar o mesmo a um fim que não seja o custeio de despesas de conservação do edifício. Pretendendo a administração do Condomínio, no âmbito das suas funções próprias, realizar os atos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns (cfr. artigo 1436.º n.º 1 alínea g) do Código Civil), abarcando-se, aqui, atos de reparação tendentes a evitar a deterioração ou destruição do edifício, nada impede que aquela administração, mesmo sem o consentimento da Assembleia de Condóminos, recorra ao fundo comum de reserva, limitando a sua aplicação ao fim próprio a que o mesmo se destina. Neste pressuposto, ainda que do próprio teor da ata da reunião de 29 de Janeiro de 2022 tenha resultado demonstrado o uso, pela administração do Condomínio, do fundo comum de reserva (no contexto da discussão realizada no âmbito do ponto 6 da ordem de trabalhos, esclarece a administração, além do mais, que, “temos de salientar, que neste orçamento de 2021, houve o pedido de mobilização do Fundo Comum de Reserva e por isso, na tabela, chamamos à atenção para as rúbricas que foram pagas pelas quotas de orçamento, como as que foram pagas pelo Fundo Comum de Reserva”) e ainda que se tenha demonstrado também que, em reuniões anteriores à de 29 de Janeiro de 2022, não houve deliberações da Assembleia de Condóminos que tenham aprovado o recurso àquele fundo, das verbas de despesas integrantes das contas apresentadas não é possível discernir onde e em que medida é que o tal fundo comum de reserva do Condomínio foi aplicado. Desde logo, não é possível afirmar, à luz da prova produzida, nem tão pouco em face da própria alegação do autor, que as verbas daquele fundo comum de reserva não foram aplicadas estritamente em despesas de conservação do edifício e dentro do fim a que tal fundo se destina. Pelo que ao aprovar as contas do exercício de 2021 nos termos em que o fez não é, a nosso ver, possível concluir que a Assembleia de Condóminos deu cobertura a um uso indevido do fundo comum de reserva e, dessa forma, aceitando a redução daquele fundo, violou a norma imperativa do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, invalidando com uma nulidade a deliberação impugnada.”

Na sentença afirma-se não ser possível discernir onde e em que medida é que o fundo comum de reserva do Condomínio foi aplicado.

Porém, do facto 21 dos factos provados, nomeadamente do teor das contas apresentadas pela administração do condomínio, consta a utilização do fundo para pagamento das seguintes despesas: “manutenção de equipamento”;manutenção de equipamento de incêndio” e “manutenção geral”.

E ficou a constar da Assembleia de Condóminos o seguinte:


A administração do condomínio chama a atenção da Assembleia para o facto de ter mobilizado quantias do Fundo Comum de Reserva naqueles valores, que foram usados, como do mesmo gráfico resulta, para completar valores orçamentados que não se mostraram suficientes para cobrir a despesas orçamentadas.

Aliás, como resulta do facto 16, a administração do Condomínio, explicita, na sequência da intervenção duma condómina que,


Provou-se ainda nesta matéria que, na reunião da Assembleia de Condóminos de 5 de Junho de 2021, não foi aprovada qualquer deliberação de autorização de aplicação do fundo comum de reserva (cfr. facto supra 23), pelo que há que apurar se, na situação em apreço, em que parte do FUNDO COMUM DE RESERVA foi utilizado para pagamento parcial de despesas orçamentadas de “manutenção de equipamento”; “manutenção de equipamento de incêndio” e “manutenção geral”, era ou não necessária deliberação prévia da Assembleia.

Os valores em causa explicitados no gráfico como desvios ao orçamento, que constam supra do facto 21, que foram cobertos com quantias do Fundo Comum de Reserva, são os seguintes:

-manutenção de equipamento: foi utilizado do Fundo Comum de Reserva a quantia de €6.921,03, para pagamento parcial de despesa que estava orçamentada em €9.627, 40);

-manutenção de equipamento de incendio: foi utilizado do Fundo Comum de Reserva a quantia de €16.485,78, para pagamento parcial de despesa que estava orçamentada em €2.289,19 e,

-manutenção geral: foi utilizado do Fundo Comum de Reserva a quantia de €11.468,26 para pagamento parcial de despesa que estava orçamentada em 600€.

No presente recurso está fundamentalmente, em causa saber se a deliberação da assembleia dos condóminos do aqui réu que deliberou aprovar as contas de 1.1.2021 a 31.12.2021 na parte relativa à utilização do fundo comum de reserva, padecem de algum vício que determine a sua nulidade.

Vejamos.

A obrigação dos condóminos de suportarem as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento dos serviços de interesse comum é uma típica obrigação real ou propter rem, que decorre do próprio estatuto do condomínio e não de uma relação creditória autónoma.

Tal obrigação está regulada no artigo 1424.º do CC que, sob a epígrafe Encargos de conservação e fruição, dispõe o seguinte:

«1 – Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.

2 – Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.

3 – As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.

4 – Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas.

5 – Nas despesas relativas às rampas de acesso e às plataformas elevatórias, quando colocadas nos termos do n.º 3 do artigo seguinte, só participam os condóminos que tiverem procedido à referida colocação.»

O n.º 1 deste artigo, para além de preceituar que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e os serviços de interesse comum são suportados pelos condóminos, consagra a regra geral em matéria de repartição dessas despesas, estabelecendo que as mesmas são pagas por aqueles na proporção do valor das suas frações, o qual é fixado no título constitutivo da propriedade horizontal, como impõe o artigo 1418.º, n.º 1, do Código Civil. Este valor, expresso em percentagem ou permilagem, constitui a matriz da repartição dos encargos relativos à conservação e fruição das partes comuns.

Trata-se, porém, de uma regra geral supletiva, como decorre do uso da expressão “Salvo disposição em contrário” e é corroborado pelo n.º 2 do mesmo artigo, no qual se permite que o regulamento do condomínio afaste aquela regra geral no que respeita à repartição das despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum.

A regulação legal dos encargos de conservação e fruição das partes comuns do edifício constituído em regime de propriedade horizontal não se esgota no Código Civil, designadamente no seu artigo 1424.º do C.Civil.

Com efeito, o Regime da Propriedade Horizontal, constante do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro versa sobre a mesma questão nos seus artigos 4.º e 6.º.

Sob a epígrafe “Fundo comum de reserva”, dispõe assim o primeiro destes artigos, na versão aplicável na data da deliberação:

1 - É obrigatória a constituição, em cada condomínio, de um fundo comum de reserva para custear as despesas de conservação do edifício ou conjunto de edifícios.

2 - Cada condómino contribui para esse fundo com uma quantia correspondente a, pelo menos, 10% da sua quota-parte nas restantes despesas do condomínio.

3-O fundo comum de reserva deve ser depositado em instituição bancária, competindo à assembleia de condóminos a respetiva administração.

A letra da lei é expressa e clara quando afirma que a constituição do fundo comum de reserva é obrigatória, não conferindo aos condóminos qualquer margem de manobra para deliberar a não constituição do referido fundo.

Trata-se de uma norma de cariz imperativo, como do teor da mesma decorre – ver neste sentido o acórdão desta Relação de 28.02.2023.[1]

Ora, a norma em apreço tutela o interesse público quando assegura a existência de um fundo de reserva destinado à conservação das partes comuns dos edifícios constituídos em propriedade horizontal e quando fixa um valor mínimo que assegure que o mesmo cumpra as suas finalidades.

Resta saber o que se pode considerar por “despesas de conservação do edifício”.

Como se escreve no ac. do TRL, de 10.09.2020[2] «o legislador utiliza no RGEU certos conceitos (obras de edificação de alteração ou conservação) que não coincidem com os conceitos utilizados no Código Civil como noutra legislação avulsa (obras de conservação ordinária, extraordinária e beneficiação, inovações); por exemplo, na propriedade horizontal, que nos ocupa, o legislador distingue as obras destinadas à conservação e fruição das partes comuns (art.º 1424) das obras que constituam inovações (…). Em causa o conceito de obras de conservação utilizado pelo legislador aquando da criação do Fundo de Reserva. Da panóplia de conceitos legais resulta para nós evidente que as obras de conservação ordinária e mesmo extraordinária têm na sua génese a ideia da necessidade de evitar ou impedir o agravamento da deterioração, destruição, perda da coisa, a indispensabilidade para a conservação do imóvel, ou seja das características que o imóvel possuía aquando da sua construção ou reconstrução. E, de novo o conceito de deterioração já acima suficientemente explanado que traz associadas as ideias de dano, decomposição, estrago».

Afigura-se-nos assim, na esteira do acórdão desta Relação, de 30.5.2023[3], que “as obras de conservação ordinária e mesmo extraordinária têm na sua génese a ideia da necessidade de evitar ou impedir o agravamento da deterioração, destruição, perda da coisa, a indispensabilidade para a conservação do imóvel, ou seja das características que o imóvel possuía aquando da sua construção ou reconstrução. E, de novo o conceito de deterioração já acima suficientemente explanado que traz associadas as ideias de dano, decomposição, estrago».

Também em acórdão recente desta Relação, de 28.4.2025 [4], pode ler-se a propósito da finalidade do Fundo Comum de Reserva: “Salvo melhor opinião, esta previsão visa a constituição de um capital em cada condomínio a fim de, chegada a hora própria, existir capital suficiente ou algum capital para custear as despesas necessárias com a conservação do edifício ou do conjunto de edifícios, já que um condomínio pode abarcar um conjunto de edifícios (veja-se o artigo 1438º-A do Código Civil).

A nosso ver, não resulta desta previsão legal que o legislador tenha em vista apenas as despesas com obras de conservação extraordinária, ou seja, todas as que não sejam legalmente impostas periodicamente (vejam-se o artigo 9º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo decreto-lei nº 38 382 de 07 de agosto de 1951 e o artigo 89º, nº 1, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo decreto-lei nº 555/99 de 16 de dezembro). De facto, por força do disposto na alínea f) do artigo 2º do já citado do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, as obras de conservação são “as destinadas a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução, ampliação ou alteração, designadamente as obras de restauro, reparação ou limpeza”.

O Apelante alega que “os autos oferecem matéria abundante que comprova claramente que a administração do condomínio Apelado utilizou o Fundo Comum de Reserva para outros fins, concretamente para “Manutenção de equipamentos”, Manutenção e Equipamentos de Incêndio” e “Manutenção Geral”, conforme materialidade constante do ponto 21. dos factos provados, assinaladas por cruzes, do lado direito, por baixo do item “Fundo Comum de Reserva”. (conclusão 10).

E ainda que, para além da utilização do Fundo para fim diverso do legalmente previsto, também ocorre anulabilidade da deliberação, por contrária a uma norma do Regulamento do Condomínio dos autos.

Como é sabido, o regime jurídico de um edifício constituído em propriedade horizontal é regulado por diversas fontes:

- Em primeiro, o fixado pela lei (o legislador fixa um conjunto de normas inderrogáveis pelos particulares);

- Em segundo, pelo título constitutivo da propriedade horizontal;

-Em terceiro, pelo regulamento do condomínio; e,

- Em quarto, pelas deliberações da assembleia de condóminos.

O regulamento do condomínio do edifício dos autos, estabelece, nesta matéria o seguinte:


Ou seja, de acordo com o Regulamento do Condomínio (cuja validade e eficácia não se mostra posta em causa), existe ainda uma exigência acrescida para a movimentação das quantias depositadas no Fundo de Reserva, pois o nº 2 exige que o “fundo deverá ser movimentado pelo Administrador de acordo com as deliberações da Assembleia de Condóminos, que definirá, o valor e o momento do seu pagamento.

Se a assembleia de condóminos define o valor e o momento do pagamento, tarar-se-á seguramente de uma deliberação prévia á utilização do Fundo.

Esta deliberação não existe, sabendo-se apenas de acordo com as contas apresentadas pela Administração do condomínio, que a mesma “mobilizou” dinheiro depositado no Fundo Comum de Reserva que utilizou para pagamento de despesas de “manutenção de equipamento”; “manutenção de equipamento de incêndio” e “manutenção geral”, na parte em que estas despesas excederam o orçamento para as mesmas anteriormente aprovado.

Ora, por um lado, conservação do edifício e manutenção de equipamento são conceitos, com significados distintos.

Uma obra de conservação tem como objeto manter a edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução, ampliação ou alteração, designadamente obras de restauro, reparação ou limpeza (alínea f) do artigo 2 º do RJUE).

Já a manutenção é formada por um conjunto de ações dedicadas a manter, sustentar, consertar ou conservar alguma coisa ou algo. Trata-se de um conjunto de ações que ajudam no bom e correto funcionamento de máquinas, equipamentos industriais, prédios, etc.

A manutenção de um equipamento, em princípio não constitui “manutenção de edifício”, sendo que seguramente a manutenção do equipamento de incendio, que determinou a utilização da quantia de €16.485,78 do Fundo de Reserva, não o será seguramente.

Ora na constituição obrigatória do Fundo, está o “interesse público na conservação dos edifícios”.

Destinam-se os valores do Fundo a custear as despesas de conservação do edifício, garantindo a sua manutenção e segurança a longo prazo, a financiar obras necessárias para a manutenção do edifício, como reparações de telhados, fachadas ou sistemas comuns; a cobrir custos de manutenção preventiva e reparos estruturais para garantir a segurança dos moradores e a valorização do património, bem como a fazer face a despesas imprevistas, podendo servir como um fundo de emergência para lidar com situações inesperadas que possam surgir, como por exemplo, a necessidade de substituir um elevador ou de realizar uma reparação ou despesa extraordinária, não prevista no orçamento de despesas correntes.

Ora no caso em apreço o Fundo foi mobilizado, como vimos para custear despesas de manutenção de equipamentos, que haviam sido previamente objeto de orçamento aprovado pela Assembleia de condóminos, orçamentadas, sem que tivesse havido, como manda o regulamento do Condomínio, prévia definição, do valor que pudesse ser utilizado, sendo certo que, também as despesas em causa tal como foram definidas pela Administração de Condomínio de forma genérica como “manutenção de equipamentos e manutenção geral”, não “encaixam” na finalidade que decorre do artigo 4º nº 1 do DL º 268/94, de 25 de outubro.

Não concordamos com a sentença quando diz que não é possível afirmar, à luz da prova produzida, nem tão pouco em face da própria alegação do autor, que as verbas daquele fundo comum de reserva não foram aplicadas estritamente em despesas de conservação do edifício e dentro do fim a que tal fundo se destina.

É ao Condomínio, que utilizou tais verbas que incumbe demonstrar que as mesmas se destinaram à conservação do edifício. Porém, o Condomínio apresenta tais despesas à votação da Assembleia, em sede de aprovação de contas, como despesas de manutenção de equipamentos, que da forma vaga e genérica como são tratadas, não se pode concluir que integrem o conceito de obras de conservação do edifício, até porque se tratavam de obras previamente aprovadas e orçamentadas, que deveriam ser custeadas, nos termos previstos no artigo 1424.º do CC que, dispõe que, salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.

Ora o fundo comum de reserva não se destina a assegurar despesas de fruição ou outras que não sejam de conservação”, estando aqui em causa como vimos o “interesse público na conservação dos edifícios”, tendo a norma natureza imperativa.

Para ser utilizado o Fundo de Reserva comum as intervenções que justifiquem a sua utilização tem de ser devidamente concretizadas, porque não pode aquele Fundo ser utilizado para outras despesas que não sejam a de conservação do edifício.

Relativamente á alteração legislativa discutida nestes recurso, quanto à eventual aplicabilidade á situação em apreço das alterações introduzidas pela a Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro, diremos o seguinte.

De entre as alterações introduzidas pela Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro, ao DL n.º 268/94, de 25 de outubro consta atualmente a previsão no nº 3 do artigo 4º da Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, que no caso de, por deliberação da assembleia, o fundo comum de reserva ser utilizado para fim diverso do indicado no n.º 1, os condóminos devem assegurar o pagamento, no prazo máximo de 12 meses a contar da deliberação, da quotização extraordinária necessária à reposição do montante utilizado.

“Decorre desta norma que o fundo nela previsto se destina a solver as despesas de conservação do prédio, permitindo-se agora à assembleia de condóminos deliberar a sua utilização para fim diverso, mas, nesse caso, os condóminos devem assegurar o pagamento, no prazo máximo de 12 meses, da quotização extraordinária necessária à reposição do montante utilizado.

Esta Lei entrou em vigor, nos termos do seu artº 9º, 90 dias após a sua publicação, ou seja em 10.4.2022.

Usando as regras de interpretação da lei, na versão aplicável, o intérprete da lei não deve limitar-se à letra da lei, devendo antes reconstituir o pensamento legislativo a partir dos textos, tendo em atenção a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as exigências específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9º, nº 1 do Código Civil)

Porém, o intérprete não poderá relevar o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, mesmo que deficientemente veiculado (artigo 9º, nº 2 do Código Civil).

Perante uma norma imperativa relativa á criação do Fundo Comum de Reserva que estabelece a finalidade do mesmo – custear as despesas de conservação do edifício ou do conjunto de edifícios - sem contemplar norma que permitisse a utilização do fundo para fim diverso, (como resulta da atual redação), não podemos aceitar a legalidade da deliberação da assembleia de condóminos que aprovou o orçamento em causa.

Não estamos também aqui numa situação de norma eventualmente interpretativa, que permitisse a sua aplicabilidade nos termos do art. 13º do C.Civil.

Aliás a nosso ver, a alteração legislativa introduzida vem até reforçar a necessidade do fundo se encontrar provido para a finalidade a que é destinado - custear as despesas de conservação do edifício – sendo que a sua utilização para outro fim apenas será permitida, na condição de reposição, no prazo de um ano da quantia usada para fim diverso daquela para a qual o fundo foi criado.

A proibição em causa de utilização do fundo para finalidade diversa da conservação de edifício e no caso, contraria ainda, no caso deste Condomínio, a disposição do Regulamento do Condomínio, (artigo 28º nº 2) que exige prévia aprovação do valor a utilizar, encontra fundamento nas razões de ordem pública que justificam a obrigatoriedade da constituição do fundo comum de reserva.

Portanto, ao aprovar as contas do exercício de 2021 nos termos em que o fez não é possível concluir, (ao contrário do entendimento vertido na sentença) que a Assembleia de Condóminos deu cobertura a um uso indevido do fundo comum de reserva e dessa forma, ao aceitar a redução daquele fundo, violou a norma imperativa do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, invalidando com uma nulidade a deliberação impugnada.

O art. 1433º, nº 1, do Código Civil, dispõe que as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.

No entanto, “no âmbito desta disposição não estão compreendidas, nem as deliberações que violem preceitos de natureza imperativa, nem as que tenham por objeto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia de condóminos”, pois que as primeiras são nulas e as segundas ineficazes[5]

Anuláveis serão apenas aquelas deliberações tomadas dentro da área de competência da assembleia e que não ponham em causa normas de carácter imperativo.[6]

As normas de natureza imperativa não podem ser afastadas por vontade dos condóminos, nem por unanimidade, pois têm natureza imperativa”, não sendo também afastadas pelo disposto no art. 1433º do Código Civil.

Tratando-se de norma de natureza imperativa, a sua violação constitui nulidade e não mera anulabilidade (cfr. art. 280º, nº 1, do Código Civil).

A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal – art. 286º do Código Civil.

Conclui-se assim que a deliberação que incidiu sobre o ponto 6 da convocatória é nula, por violar a norma no art. 4º do D.L. nº 268/94, de 25/10, sobre o fundo comum de reserva.

Já não procede a pretensão do apelante de ver anulada a deliberação que incidiu sobre o ponto 7 da ordem de trabalhos, por entender que a nulidade da primeira deliberação “influencia o orçamento das despesas previstas para o exercício de 2022”, porquanto a aprovação dum orçamento pode ser sempre objeto de retificações no futuro, que se mostrem necessárias.

Improcede, pois nesta parte o recurso.

V-DECISÃO:

Pelo exposto e em conclusão acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se parcialmente a sentença, nessa parte, julgando-se nula a deliberação da Assembleia de Condóminos de 29/01/2022, resultante do ponto 6, mantendo-se a sentença no demais.

Custas deste recurso em partes iguais por ambas as partes, atento o decaimento (art. 527º do CPC).

Porto, 28 de novembro de 2025

Alexandra Pelayo

Alberto Taveira

Maria Eiró

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[1] Proferido no proc. n.º 1533/19.0T8PVZ.P1, rel. Rodrigues Pires, disponível in www.dgsi.pt.
[2]Proferido no proc. n.º 19286/18.8T8LSB.L1-2, rel. João Vaz Gomes, disponível no mesmo sitio.
[3] Proferido no P. 1499/20.4T8PVZ.P1, rel Artur Dionísio Oliveira, disponível no mesmo sitio.
[4] 709/23.0T8PVZ.P1, relator Carlos Gil, disponível in www.dgsi.pt.
[5] P. Lima – A. Varela, Código Civil anotado, vol. III, 2ª ed. revista e atualizada, 1987, págs. 447 e 448.
[6] cfr. J.A. Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Condóminos e Condomínios, 2ª ed., págs. 183, nota 1, e 189