Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1836/24.2T8OVR-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO VENADE
Descritores: ERRO MATERIAL DE ESCRITA
IRREGULARIDADE DE CITAÇÃO
PRAZO DE ARGUIÇÃO
Nº do Documento: RP202507101836/24.2T8OVR-B.P1
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não há motivo para se retificar decisão, ao abrigo do disposto no artigo 614.º, n.º 1, do C. P. C. se dos autos não resultam elementos para se concluir que ocorreu lapso manifesto.
I.I - Se a executada, que deduziu oposição à execução, confrontada com rejeição liminar da mesma por ser extemporânea, só depois invoca que não foi citada na sua pessoa, constando do a/r da carta de citação uma assinatura com dois dos seus nomes, não se pode concluir que ocorre aquele lapso manifesto.
II - A executada tinha o prazo de dedução de oposição para alegar a nulidade da sua citação por, eventualmente, não ter sido cumprido o disposto no artigo 233.º, do C. P. C..
II.I - Tendo apresentado aquele pedido de retificação já decorrido esse prazo, não pode convolar-se o mesmo para um pedido de declaração de nulidade de citação.

(Sumário da responsabilidade do Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1836/24.2T8OVR-B.P1.

João Venade.

Carlos Cunha Carvalho.

José Manuel Monteiro.


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1). Relatório.

Banco 1..., S. A., com sede na Rua ..., ... Porto, intentou

Ação executiva para pagamento de quantia certa, contra

AA, residente na Rua ..., Ed. ..., .... ..., ...

BB, residente na Praceta ..., ..., ..., ...

CC e DD, residentes na Rua ..., ..., ....

Pede o pagamento coercivo da quantia de 19 347,60 EUR, acrescida de juros de mora.

A execução assenta no pagamento de duas livranças, com origem em dois contratos de mútuo n.º ...10 e ...61, livranças que, apresentadas a pagamento na data do seu vencimento, não foram pagas.

As livranças e os contratos foram subscritos por EE e DD.

Aquele EE faleceu, tendo deixado como herdeiros BB, AA e CC.


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Foi ordenada a citação dos executados, nos termos e para os efeitos do artigo 726.º, n.º 6, do C. P. C., sendo enviada carta para BB para a morada acima constante.

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Por nota datada de 28/10/2024, constante na carta enviada para a executada BB, exarou-se que a morada constante da carta era insuficiente, tendo sido devolvida sem se efetuar a citação.

Após consulta nas competentes base de dados, enviou-se carta para citação para a seguinte morada:

«Rua ..., ... .... (...) ... ....»

Essa carta foi recebida em 06/11/2024, estando assinada com os nomes BB

Em 06/12/2024, a executada BB apresenta embargos de executado, onde alega:

. a sua ilegitimidade;

. ter direito de regresso sobre os demais executados;

. o exequente goza de direito real de garantia sobre duas viaturas automóveis.

Pede ainda a suspensão da execução.


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Por decisão de 08/01/2025, tribunal não admite liminarmente os embargos, por os considerar extemporâneos, em suma, pelo seguinte:

«No caso vertente, a ora Embargante foi pessoalmente citada, nos termos do art. 223.º, n.ºs 1 e 3 do Novo Código de Processo Civil, no dia 6 de Novembro de 2024 (cfr. A/R com a Ref.ª Elect.ª 1689973, de 11.11.2024, dos autos principais), começando aí o decurso do prazo para a dedução dos embargos de executado.

Por força do preceituado no art. 245.º, n.º 1, al. b) do Novo Código de Processo Civil, a Executada, aqui Embargante, ainda dispunha de um prazo de dilação de cinco dias, uma vez que foi citada fora da área da comarca sede deste Tribunal. Assim, sendo o prazo para deduzir oposição mediante embargos de executado, acrescido da referida dilação, terminou no dia 2 de Dezembro de 2024 (segunda- feira). A esse prazo acresce, ainda, a possibilidade da prática do acto nos três dias úteis seguintes, de harmonia com o preceituado no art. 139.º do Novo Código de Processo Civil, prazo esse que terminou no dia 5 de Dezembro de 2024.

Consequentemente, aquando da entrada em juízo da petição de embargos de executado já havia integralmente decorrido o prazo legalmente estipulado para o efeito, pelo que os mesmos se mostram extemporâneos.».


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Em 24/01/2025, a embargante veio apresentar o que denominou de incidente de reclamação àquela decisão, nos seguintes termos:

. a citação foi recebida no dia 06/11/2024;

. acrescem 5 dias de dilação por a citação ter sido efetuada fora da área da comarca sede do Tribunal;

. a citação foi efetuada em pessoa diversa da executada, acrescendo 5 dias de dilação;

. quem assinou o a/r foi FF, senhorio do local onde a embargante se encontra a residir;

. assim, o prazo para deduzir embargos, findou em 06/12/2024.

Pede assim a retificação da sentença, anulando-a por lapso manifesto e ordenando que os embargos deduzidos sigam os trâmites legais.


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O tribunal, em 05/02/2025, indefere o requerimento de reclamação, em síntese, afirmando o seguinte:

«Resulta, pois, patente dos elementos constantes dos autos que a decisão não resulta de qualquer lapso manifesto, na medida em que o Aviso de Recepção junto aos autos vem assinado com o nome da Executada BB, sem que tenha sido tempestivamente alegado pela Executada que a carta não foi recepcionada pela própria, tendo a assinatura dela constante sido elaborada por um terceiro.».


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Inconformada, recorre a embargante, de ambas as decisões, formulando as seguintes conclusões:

«1. Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença e do Despacho complementar subsequente (ref. citius 136977056), na medida em que o Tribunal indeferiu liminarmente os embargos de executado apresentados por extemporâneos, o que, salvo o devido respeito, não corresponde à realidade.

2. A citação para o processo executivo foi recebida no dia 06-11-2024.

3. Ao prazo para a dedução dos embargos acrescia uma dilação de 5 dias, uma vez que a citação foi efetuada fora da área da comarca sede do Tribunal de 1.ª instância – n.º 1 do art. 245.º do C.P.C.

4. Além desse prazo dilatório, acrescia ainda um prazo de dilação de 5 dias, pelo facto de a citação ter sido efetuada em pessoa diversa da Executada – al. b) do n.º 2 do art. 228.º do C.P.C.

5. Pois, efetivamente, no dia 06-11-2024, o Sr. FF, percecionando na caixa de correio um aviso de levantamento dos CTT dirigido à sua inquilina e sabendo que a Executada/Embargante se encontrava ausente da sua residência por uns dias, decidiu dirigir-se ao Posto CTT e receber a correspondência dirigida à Executada/Embargante, para que a mesma não fosse devolvida ao remetente.

6. Para o efeito, e estando na posse dos dados necessários, colocou o nome da Executada/Embargante no Aviso de Receção e depositou a correspondência na caixa de correio da Executada, de modo que esta, quando regressasse, tomasse conhecimento da mesma - Cfr. Documento n.º 1.

7. Ora, a Executada e os seus mandatários apenas tomaram conhecimento do concreto nome aposto no A.R. após a notificação da Sentença, quando foram confrontados com a folha de suporte do processo principal onde consta a sua cópia – isso mesmo provam os Docs. n.º 2 e 3.

8. Assim sendo, a citação dever-se-á considerar efetuada na pessoa da Executada no dia 16-11-2024, terminando o prazo de 20 dias para a dedução dos embargos no dia 06-12-2024, prazo esse que foi cumprido pela Executada, pelo que devem os embargos deduzidos ser admitidos.

9. Previamente ao recurso, a Recorrente, inconformada com o indeferimento liminar, requereu a retificação da sentença (ref.ª citius 17233540), a qual foi indeferida com o fundamento de que “o AR junto aos autos vem assinado com o nome da Executada (…), sem que tenha sido tempestivamente alegado pela Executada que a carta não foi rececionada pela própria” – cfr. despacho a que coube a ref.ª citius 136977056.

10. Salvo o devido respeito, e conforme já se deixou exposto, a Executada não poderia alegar uma coisa de que, antes de proferida a sentença, não tinha conhecimento.

11. Assim, e por razões de Justiça e verdade material, deve a sentença de indeferimento liminar dos embargos apresentados ser substituída por outra no sentido oposto, com as demais consequências legais, revogando-se também o despacho com a ref. citius 136977056.».

Pede assim a revogação da sentença recorrida, sendo a mesma substituída por outra no apontado sentido, revogando-se ainda o despacho de indeferimento da reclamação.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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As questões a decidir são:

. abrangência do requerimento de retificação da decisão de indeferimento liminar dos embargos de executado;

. fundamento do mencionado indeferimento liminar.


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2). Fundamentação.

2.1). De facto.

Dá-se por reproduzido o teor do relatório que antecede.


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2.2). Do mérito do recurso.

Como se constata pelo teor do antecedente relatório, a recorrente deduziu embargos de executado que foram rejeitados liminarmente por terem sido deduzido fora de prazo, nos termos do artigo 732.º, n.º 1, a), do C, P. C..[1]

E, na verdade, tendo a recorrente sido citada em 06/11/2024 para os termos da execução e para, querendo, deduzir oposição, o prazo de 20 dias previsto no artigo 728.º, n.º 1, do C. P. C. findou em 02/12/2024, podendo o ato ser praticado até ao 3.º dia útil subsequente, conforme artigo 139.º, do mesmo diploma, ou seja, até ao dia 05/12/2024.

A oposição deu entrada no dia 06/12/2024, ou seja, um dia depois do último prazo legalmente admissível para o ato ser praticado.

Correto assim o entendimento vertido na decisão recorrida.

Posteriormente, a ora recorrente solicitou, em rigor, a retificação da decisão por, alegadamente, incorrer em lapso já que a mesma não teria sido citada na sua própria pessoa mas num terceiro, o que implicaria que houvesse ainda que contar com a dilação de 5 dias, prevista no artigo 245.º, n.º 1, a), do C. P. C..[2]

Alega, nesse requerimento de 24/01/2025, que foi o senhorio do local onde reside que, sabendo de um aviso deixado pelos C. T. T., foi recolher a carta aos correios e assinou o aviso de receção com o seu nome, fazendo depois chegar a carta à mesma recorrente (depositando-a na sua caixa de correio).

Ora, em primeiro lugar, também foi correto o indeferimento do pedido de retificação da decisão pois não ocorre nenhum erro na decisão e, muito menos, um erro/lapso manifesto, tal como exige o artigo 614.º, n.º 1, do C. P. C..[3] O tribunal, quando profere a decisão, o que tem em mãos, é um a/r assinado com o nome da executada/opoente, ou seja, pela própria, não se revelando, pelo próprio documento, que tenha sido assinado por terceira pessoa.

Em segundo lugar, só quando a opoente deduz tal pedido, é que o tribunal (pode) fica(r) a saber que existe a eventualidade de aquela assinatura não ser da executada, tendo sido o a/r recebido por terceira pessoa.

Mas essa eventualidade, sempre dependente de produção de prova, não inquina a decisão de qualquer erro; o que poderia suceder é que se viria a constatar que a citação tinha sido efetuada noutra pessoa que não a executada e haveria, então, que retirar consequências dessa conclusão.

Porém, a recorrente, atendendo aos elementos constantes dos autos, não só deduziu embargos de executada em momento que levaram àquele indeferimento liminar, como não terá deduzido a tempo a eventual nulidade da sua citação (sempre dependente da produção de prova, desde logo aquela que apresentou) que seria, na nossa opinião, o modo adequado de agir.

Na realidade, atento o por si alegado, poderia vir a constatar-se que estava em causa a sua citação em terceira pessoa, o que implicava que tivesse de ser cumprido o disposto no artigo 233.º, do C. P. C.[4]; não tendo sido cumprida tal formalidade, existiria nulidade de citação, nos termos do artigo 191.º, n.º 1, do C. P. C.: «1. Sem prejuízo do disposto no artigo 188.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.».

A recorrente alegaria a mesma situação mas invocando que essa omissão a prejudicou, arguindo a nulidade da citação; concluindo-se que a mesma citação era efetivamente nula, além de se procurar corrigir essa situação (porventura nos termos do artigo 192.º, do C. P. C - Quando a falta ou a nulidade da citação tenha sido arguida pelo citando, a notificação do despacho que a atenda dispensa a renovação da citação desde que seja acompanhada de todos os elementos referidos no artigo 227.º), concluir-se-ia que havia que somar 5 dias de dilação ao prazo de dedução de embargos de executado, o qual que iria correr de novo.

Porém, a opoente suscita esta questão da sua citação em terceira pessoa depois da dedução dos embargos de executado, o que viola o disposto no n.º 2, do mesmo artigo 191.º, 1.ª parte, do C. P. C. quanto ao prazo de alegação da nulidade, a saber:

2 - O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação, ou seja, o prazo de 20 dias que dispunha para deduzir oposição. Na verdade, não está em causa a falta de citação mas uma citação que foi efetuada e de que o Réu/opoente teve conhecimento; por isso, tendo conhecimento desse ato, dispõe do prazo que lhe é concedido para praticar um ato para arguir a nulidade da citação.

No caso concreto, podia arguir a nulidade de citação em requerimento autónomo, sem deduzir oposição, correndo naturalmente o risco de, sendo indeferida a arguição, ficar ultrapassada a possibilidade de se opor.

Ou poderia apresentar o indicado requerimento autónomo e deduzir oposição ou cumular com esta a dedução da nulidade da citação, enxertando esse incidente no mesmo momento e requerimento em que apresentava a oposição.

Todavia, a embargante nada arguiu sobre a falta de citação naquele prazo de 20 dias (só o tendo feito em 24/01/2025), estando vedado ao tribunal conhecer dessa eventual irregularidade (artigo 196.º, do C. P. C.).

Aquele requerimento poderia, se tivesse sido apresentado em tempo, convolar-se para uma arguição de nulidade de citação em vez de um pedido de retificação da decisão; mas como não foi tempestivamente apresentado, não há possibilidade de se proceder desse modo.

Não compreendemos a alegação da recorrente quando menciona que a Executada e os seus mandatários apenas tomaram conhecimento do concreto nome aposto no Aviso de Receção após a notificação da Sentença, quando foram confrontados com a folha de suporte do processo principal onde consta cópia do mesmo já que, certamente, a recorrente ou sabia que não tinha assinado qualquer aviso de receção ou então tinha o dever de o saber.

Acresce que juntou mail no requerimento de 24/01/2025, que é uma resposta ao seu advogado, informando que foi a dona do café que assinou o aviso, mail esse com data de 13/11/2024, tendo os embargos sido deduzidos em 06/12/2024. Por fim, nessa altura, para aferir do prazo correto para deduzir embargos, bastaria a consulta dos autos para verificar a data da assinatura do mesmo e, em especial, quem o tinha assinado.

Não existe assim qualquer circunstancialismo que possa fazer com que o prazo para se arguir a nulidade em causa se iniciasse só com a notificação da decisão de indeferimento liminar; é também porque a executada foi citada, ainda que irregularmente, que tem aquele prazo da contestação para ou deduzir embargos (acaba por ter conhecimento suficiente para o fazer) ou não os deduz por não ter esse conhecimento mas argui a nulidade de citação, tendo todo o processo ao seu dispor para análise.

Por isso, não tendo a parte interessada invocado, em tempo, a nulidade da sua citação, o tribunal é confrontado com embargos de executado deduzidos para além do prazo legalmente previsto, não existindo factualidade demonstrada que pudesse alterar essa sua conclusão. Essa factualidade foi alegada também de modo extemporâneo.

Deste modo, foi correta a decisão do tribunal recorrido, confirmando-se a mesma, improcedendo o recurso.


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3). Decisão.

Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas do recurso pela recorrente.

Registe e notifique.

Porto, 2025/07/10.

João Venade.

Carlos Cunha Carvalho.

José Manuel Monteiro.

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[1] Os embargos, que devem ser autuados por apenso, são liminarmente indeferidos quando tiverem sido deduzidos fora do prazo.
[2] Ao prazo de defesa do citando acresce uma dilação de cinco dias quando a citação tenha sido realizada em pessoa diversa do réu, nos termos dos n.os 2 do artigo 228.º e 2 e 4 do artigo 232.º;
[3] Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
[4] Sempre que a citação se mostre efetuada em pessoa diversa do citando, em consequência do disposto no n.º 2 do artigo 228.º e na alínea b) do n.º 2 do artigo anterior, ou haja consistido na afixação da nota de citação nos termos do n.º 4 do artigo anterior, é ainda enviada, pelo agente de execução ou pela secretaria, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe:
a) A data e o modo por que o ato se considera realizado;
b) O prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta;
c) O destino dado ao duplicado; e
d) A identidade da pessoa em quem a citação foi realizada.