Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0631320
Nº Convencional: JTRP00038983
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: ALIMENTOS
ALIMENTOS PROVISÓRIOS
Nº do Documento: RP200603230631320
Data do Acordão: 03/23/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: Existem diferenças entre o conceito de alimentos definitivos e o de alimentos provisórios.
Os primeiros são integrados por tudo quanto seja “indispensável” à satisfação das referidas necessidades, sendo mais reduzido o perímetro dos alimentos provisórios, conceito que abarca tudo aquilo que se mostrar “estritamente necessário” para o efeito
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO.

1. B….. instaurou, no Tribunal de Família e Menores do Porto, contra C….., o presente procedimento cautelar de alimentos provisórios, pedindo a fixação de uma prestação alimentícia provisória mensal de 1.000 Euros, a suportar pelo requerido.
Para o efeito, alegou, em síntese, que:
- São casados entre si, tendo em comum uma filha com dois anos de idade e encontrando-se grávida de um segundo filho do casal;
- A vida em comum foi-se degradando de tal forma no período temporal que refere, devido nomeadamente ao problema de alcoolismo que afecta o requerido, ao ponto de a ter inviabilizado, tendo-se visto obrigada, por imposição do requerido, a sair da casa de morada de família no passado dia 3 de Outubro, data a partir da qual cessou a comunhão de vida entre ambos, habitando ela num apartamento arrendado tipo T2;
- Aufere o salário mensal de 750 Euros e não tem vínculo laboral definitivo, prevendo-se que o mesmo venha a cessar no mês de Fevereiro de 2006, data em que, devido às características do trabalho que desempenha e ao estado de gestação do segundo filho, e por prescrição médica, ficará impedida de exercer a sua actividade profissional, sendo-lhe praticamente impossível arranjar trabalho;
- O requerido tem rendimentos que lhe permitem a prestação de alimentos no montante que peticiona, a fim de poder fazer face às despesas, que descrimina, com a sua alimentação e sustento, bem como as da filha do casal.

2. Designado dia para o julgamento, a que se procedeu com observância do formalismo legal, apresentou o requerido contestação na qual, impugnando a necessidade de alimentos por parte da requerente, bem como os factos que ela lhe imputa como causadores da ruptura da vida em comum e aduzindo que os rendimentos que aufere, tendo em conta os encargos mensais com o seu próprio sustento, da filha e do nascituro, não lhe permitem fazer face a outras despesas, conclui pela improcedência da providência.

3. Proferida decisão que, julgando procedente a providência cautelar quanto ao direito a alimentos, e parcialmente procedente quanto ao respectivo montante, condenou o requerido a pagar à requerente, a título de alimentos provisórios, a quantia mensal de 500 Euros, com início no mês de Dezembro e a entregar nos primeiros cinco dias do mês a que respeitasse, dela agravou o requerido que, nas pertinentes alegações, formulou as seguintes conclusões:
1ª: Quando está em causa a atribuição de alimentos provisórios, como sucede no caso em apreço, quer porque a apreciação do invocado direito é feita sumariamente, quer porque aquilo que for prestado não é restituído (nº 2 do artº 2007º do Cód. Civil), por imposição legal, a prestação alimentícia deve ser fixada em função do estritamente necessário para o sustento, habitação e vestuário do requerente;
2ª: Assim, fixar alimentos na medida do estritamente necessário significa.
I – Num primeiro passo, verificar, sumariamente, se o requerente carece de alimentos em termos tais que não pode esperar pela decisão que venha a ser proferida no processo principal;
II – E, num segundo passo, se lhe for reconhecido o estado, aparente, de necessidade, fixar o montante da prestação alimentícia, no mínimo para o alimentando fazer face às despesas de sustento, habitação e vestuário;
3ª: É dentro destes parâmetros legais que se deve situar o prudente arbítrio do Tribunal a que alude o nº 1 do artº 2007º do Cód. Civil, preceito este que deve, pois, ser aplicado em conjugação com o citado artº 399º, nº 2, do Cód. Proc. Civil;
4ª: Deste modo, em sede de atribuição de alimentos provisórios só se deverá levar em conta os meios daquele que houver de prestá-los se, eventualmente, tais meios forem insuficientes para fazer face às despesas que, no entender do Tribunal, são as estritamente necessárias para o sustento, habitação e vestuário do alimentando;
5ª: O rendimento mensal da agravada, no montante de 750 Euros, correspondente, sensivelmente, ao dobro do salário mínimo nacional (actualmente, de 374,70 Euros), é mais do que suficiente para prover ao mínimo com o seu sustento, habitação e vestuário;
6ª: Da actuação da agravada, constata-se que ela própria estava e está convicta que tem meios próprios para pagar tais encargos;
7ª: Com excepção do cômputo feito para os gastos com a alimentação, as outras quantias arbitradas pelo Tribunal a quo, maxime para a habitação, pecam por exagero;
8ª: O Tribunal a quo quantificou os alimentos não, como devia ser e o impõe a lei, com base nas estritas necessidades da agravada, mas sim com base nos gastos que esta, por sua livre iniciativa, se decidiu vincular, designadamente no que toca ao arrendamento para habitação;
9ª: Por outro lado, a dimensão da habitação tomada de arrendamento pela Agravada é desproporcionada para as suas necessidades, mesmo que se leve em conta que tem a viver consigo a filha, com dois anos, e situa-se numa zona da cidade do Porto demasiado cara;
10ª: Se, porventura, se entender que a tipologia da habitação escolhida pela Agravada não é desproporcionada, neste caso ter-se-à de concluir que o andar arrendado pela Agravada se destina a satisfazer as necessidades de habitação não só dela como, também, da filha do casal, pelo que metade do gasto com a renda, isto é 275 Euros, respeitam aos alimentos da filha do casal;
11ª: Atento o disposto nos artigos 68º, 79º, nº 1, al. a), e 85º, nº 1, al. a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (C.I.R.S.), o rendimento líquido da agravada corresponde ao mesmo valor do rendimento ilíquido;
12ª: De acordo com os supra citados parâmetros legais, nomeadamente a estrita necessidade do alimentando, reputa-se como mais adequada a quantia de 75 Euros para as despesas que a Agravada precisa para vestuário;
13ª: Deste modo, seguindo os mesmos passos contabilísticos da decisão recorrida, apuram-se os seguintes dispêndios necessários para os alimentos provisórios da Agravada:
- 275 Euros para habitação;
- 166 Euros para alimentação;
- 55 Euros para água, gás, electricidade e telefone;
- 75 Euros para vestuário;
- 50 Euros para a consulta médica mensal;
14ª: Totalizando, tudo, 621 Euros, valor este para o qual é suficiente o vencimento auferido pela Agravada;
15ª: Em todo o caso, se, porventura, se vier a entender que a Agravada, não obstante ter um rendimento de 750 Euros, que ascende ao dobro do salário mínimo nacional, carece de alimentos, o que se não concede e apenas se admite como mera hipótese e cautela de patrocínio, sempre se dirá que o montante de 500 Euros, arbitrado à Requerente, juntamente com o rendimento por ela auferido, que perfazem o total de 1.125 Euros, é manifestamente exagerado, sobretudo, se tivermos em conta que tal quantia se destina, por imperativo legal, ao estritamente necessário para o sustento, habitação e vestuário da alimentanda;
16ª: Pelo que, em tal situação hipotética, os alimentos não deverão ultrapassar o montante de 200 Euros, que, somados ao rendimento da Agravada perfazem o valor de 950 Euros;
17ª: Esta quantia permitiria à Agravada fazer face à totalidade da exagerada e indevida renda, restando-lhe, ainda, a quantia de 400 Euros para fazer face aos restantes encargos.
Termina pelo provimento do agravo e pela revogação do despacho recorrido e sua substituição por acórdão que, julgando improcedente a providência cautelar o absolva do pedido de alimentos ou, se assim não for entendido, pela redução da prestação para o montante de 200 Euros.

4. Contra-alegou a requerente no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Na decisão recorrida foram dados como indiciariamente provados os seguintes factos:
A) C….. e B….. casaram entre si em 9 de Setembro de 2000 segundo a forma católica e sob o regime de separação de bens.
B) Daquele casamento nasceu em 29 de Setembro de 2003 D…… .
C) A Requerente está grávida, contando-se, em 10/11/2005, 16 semanas e não sendo aconselhável a partir da 28ª à 30ª semana fazer esforços nem longos períodos de condução.
D) O trabalho da Requerente obriga-a a fazer grandes deslocações em veículo automóvel que conduz.
E) A Requerente aufere 750 Euros mensais ilíquidos acrescidos de um valor por cada quilómetro realizado não inferior a 0,45 Euros por km.
F) O valor referido supra é recebido pela Requerente pela prestação de serviços de relações públicas.
G) A Requerente tem o 9º ano de escolaridade como habilitações literárias.
H) A Requerente arrendou uma casa tipologia 2 na qual vive com a sua filha pagando 550 Euros de renda mensal.
I) A Requerente em alimentação despende mensalmente para si e para a sua filha a quantia de 250 Euros, em despesas médicas, dado que está grávida, paga por cada consulta mensal 50 Euros e por uma ecografia 70 Euros, e em despesas de transporte, nas quais se incluem as deslocações em trabalho, entre 100 e 200 Euros.
J) O Requerido, no corrente ano, auferiu, em Abril 2.052 Euros, em Maio 2.068 Euros, em Junho 20.207,11 Euros, tendo sido pagas neste mês as comissões a que tinha direito; em Julho 2.146 Euros, em Agosto 2.152 Euros, em Setembro 2.152 Euros e em Outubro 2.140 Euros.
L) Pelo empréstimo contraído para aquisição da habitação, empréstimo adicional e respectivos seguros, o Requerido paga mensalmente 527,60 Euros, e pelo empréstimo intercalar contraído para a aquisição de nova habitação o Requerido paga 250 Euros.
M) O relacionamento entre a Requerente e o Requerido mostrava nos últimos tempos algum esfriamento manifestando aquela por este algum desprezo.
N) Durante o último ano o Requerido, em encontros sociais, ingeria bebidas alcoólicas em quantidade suficiente para que se alterasse o seu comportamento, ficando irascível e discutindo.
O) No dia 3 de Outubro passado próximo a requerente saiu de casa juntamente com a sua filha.
P) Desde aquela data a Requerente e o Requerido nunca mais viveram na mesma casa, não tomaram quotidianamente as refeições juntos nem dormiram na mesma cama, não manifestando vontade de voltar a viver juntos.

2. Tendo em consideração que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que nelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil), e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões a decidir são:
- a necessidade de alimentos da requerente e
- o montante da prestação alimentícia.

A obrigação de alimentos entre os cônjuges – situação presente no caso dos autos - vigora não só durante a vigência da sociedade conjugal, como pode manter-se para além dela, ou seja, mesmo após a extinção do vínculo conjugal, ou mesmo perante a sua anulação (cfr. artºs 2009º, nº 1, al. a), 2015º, 2016º e 2017º do CCivil, diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar, sem outra indicação de origem).
Essa obrigação entre os cônjuges nasce com a celebração do casamento e decorre, desde logo, do dever geral de assistência a que ambos os cônjuges estão reciprocamente obrigados (artº 1672º), dever esse que compreende, como decorre do artº 1675º, nº 1, a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar, mas também da disposição contida no artº 2015º, ao estabelecer que “na vigência da sociedade conjugal, os cônjuges estão reciprocamente obrigados à prestação de alimentos, nos termos do artº 1675º”.

Estando requerente e requerido apenas separados de facto (e portanto ainda vinculados pelo matrimónio), a obrigação de alimentos integra-se no dever de assistência conjugal, que se mantém durante a separação de facto – artº 1675º, nº 2 -, obrigação que tem natureza e conteúdo diferentes da obrigação de alimentos após a dissolução do vínculo conjugal, e que melhor se denominaria dever de manutenção (Ac. STJ de 13/11/90, BMJ nº 401, pág. 591).

A noção legal de alimentos consta do artº 2003º, nº 1, que estipula que “por alimentos entende-se tudo aquilo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário”.
O conteúdo da expressão “alimentos” não corresponde apenas ao seu sentido literal. Se se considerasse que o sustento abrangia apenas as necessidades ligadas à alimentação, e uma vez que as expressões “habitação” e “vestuário” têm alcance preciso, ficaria demasiado restrito o âmbito da definição, pois o alimentando pode carecer de mais alguma coisa para viver, como, por exemplo, despesas de tratamentos clínicos e medicamentos, de deslocações e outras. Assim, deve entender-se como alimentos tudo o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida segundo a situação social do alimentado – neste sentido A. Abrantes Santos Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Vol., págs. 106/107, Vaz Serra, RLJ 102º, pág. 262, e Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos, pág. 37, nota 40, para quem, a expressão legal “sustento” deve ser interpretada em sentido lato, de modo a incluir ainda aquilo que respeite à saúde e à segurança.

No que se refere à medida dos alimentos, eles serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade do que houver de recebê-los e, na sua fixação, deve atender-se à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência – artº 2004º.
Assim, para definir a medida da necessidade do que houver de receber alimentos, há que atender a múltiplos factores, designadamente ao valor dos bens e montante dos rendimentos do alimentado, à circunstância de ele ter possibilidades de ganhar a vida, à sua condição social e estado de saúde, factores que também relevam no que se refere ao alimentante.

A prestação provisória de alimentos, como forma de garantir a subsistência do alimentando, encontra-se genericamente prevista no artº 2007º, nos termos do qual, enquanto se não fixarem definitivamente os alimentos, pode o tribunal conceder alimentos provisórios, que serão taxados segundo prudente arbítrio, não havendo, em caso algum, lugar à restituição dos recebidos.
Ou seja, o preceito legal acabado de citar indica como linha de orientação geral o prudente arbítrio do juiz, próximo dos juízos de equidade mas que se não confunde com a arbitrariedade.

Existem diferenças entre o conceito de alimentos definitivos e o de alimentos provisórios.
Os primeiros são integrados por tudo quanto seja “indispensável” à satisfação das referidas necessidades, sendo mais reduzido o perímetro dos alimentos provisórios, conceito que abarca tudo aquilo que se mostrar “estritamente necessário” para o efeito – cfr. Abrantes Geraldes, obra e locais citados, em que, citando Wilson e Sílvia Batalha, Cautelares e Liminares, escreve que “os alimentos provisionais constituem acção cautelar destinada a suprir as necessidades elementares da vida e subsistência, dentro do padrão normal da pessoa credora, tendo em vista o seu status social”.
E, estando-se no âmbito de providência cautelar de alimentos provisórios, regulada no artº 399º e seguintes do CPCivil, isso mesmo resulta do nº 2 desse preceito legal, nos termos do qual a prestação alimentícia provisória é fixada em função do estritamente necessário para o sustento, habitação e vestuário do requerente.
Aos alimentos provisórios presidem todos os interesses que é comum invocar quando se abordam os procedimentos cautelares, sendo a respectiva medida jurisdicional daquelas que mais reflecte a necessidade de a ordem jurídica proteger, devida e antecipadamente, situações de risco, interessando, mais do que a consagração abstracta do direito a uma prestação alimentícia, assegurar aos interessados os meios de subsistência básicos.
Os alimentos provisórios funcionam, deste modo, como “primeiro socorro” prestado a quem se encontra numa situação de carência no que concerne à satisfação do que é essencial à condição humana, servindo, como os restantes procedimentos cautelares, para “colmatar os inconvenientes das demoras naturais das acções” – neste sentido o Ac. STJ de 3/3/1998, sumariado em www.dgsi.pt..
Assim, sem necessidade de exemplificar com situações em que é visível uma maior fragilidade (v.g. menores ou idosos), para a ordem jurídica intervir basta que a lei substantiva reconheça, em abstracto, o direito a alimentos a qualquer interessado e adicionar-lhe circunstâncias que determinem um corte abrupto nos rendimentos ou a cessação dos meios necessários à provisão com as despesas com o sustento, habitação ou vestuário.

Focados os preceitos legais aplicáveis, apreciemos o caso em apreço, tendo presente que as exigências quanto às decisões finais dos procedimentos cautelares são naturalmente menores do que as impostas nas sentenças destinadas a dirimir os conflitos, simplificação que resulta até do texto legal (artº 400º, nº 3, parte final, do CPC), ao estabelecer que a sentença é sucintamente fundamentada.
E, face aos factos provados, afigura-se indubitável a necessidade da requerente de alimentos já que, auferindo 750 Euros mensais, tal quantia é quase inteiramente consumida com a renda mensal (550 Euros) e com as despesas de alimentação (cerca de 170 Euros mensais, correspondentes a 2/3 de 250 Euros, pois, como bem foi entendido na decisão agravada 1/3 destinar-se-à à alimentação da filha menor do casal com ela convivente).
A estas despesas acrescem 50 Euros de consulta mensal e as despesas de transporte, nas quais se incluem as deslocações em trabalho, entre 100 e 200 Euros.
Ora, e sem considerar as despesas com vestuário as quais, devido à gravidez da requerente, serão necessariamente superiores às de uma pessoa normal, os rendimentos da requerente são insuficientes para prover ao seu sustento, habitação e vestuário, ou seja, está indiciada a necessidade de alimentos da requerente.
Por outro lado, não colhe o argumento do agravante de que as despesas com vestuário contabilizadas na decisão recorrida devem ser reduzidas, como igualmente não colhe, por nada ter sido apurado nesse sentido, a alegação de que a requerente poderia arrendar um apartamento por preço inferior (“habitação situada numa zona da cidade do Porto demasiado cara”) e de que a dimensão da habitação tomada de arrendamento é desproporcionada para as suas necessidades, mesmo que se leve em conta que tem a viver consigo a filha, com dois anos, nem fazendo sentido, como pretende o agravante, que o montante da renda mensal seja repartido pela requerente e pela filha menor.

Acresce que o requerido tem possibilidades de os prestar, atendendo às suas receitas e despesas, ou seja, à parte disponível dos seus rendimentos normais pois, para além do montante das comissões que auferiu, que excederam 20.000 Euros (se se tratar, na pior das hipóteses, de comissões auferidas durante um ano, elas correspondem a um montante mensal de cerca de 1.500 Euros), aufere um salário médio mensal de 2.100 Euros, pelo que, descontando os montantes mensais que paga pelo empréstimo contraído para aquisição da habitação, empréstimo adicional e respectivos seguros, de 527,60 Euros, e pelo empréstimo intercalar contraído para a aquisição de nova habitação de 250 Euros, ainda lhe sobram para o seu sustento e vestuário cerca de 2.800 Euros.

Verificada a necessidade de alimentos da requerente, passemos à sua quantificação.
Nesta questão, tendo a sentença arbitrado a quantia mensal de 500 Euros, entende o requerido que é suficiente o montante de 200 Euros, porquanto, estando-se no âmbito de providência cautelar de alimentos provisórios, eles devem limitar-se ao estritamente necessário para o sustento, habitação e vestuário da requerente.
Não obstante na quantificação dos alimentos a lei indicar como linha de orientação geral o prudente arbítrio do julgador (artº 2007º, nº 2), e o artº 399º, nº 2, do CPCivil, determinar que a fixação da prestação deve ter em conta o que for “estritamente necessário para o sustento, habitação e vestuário da requerente”, entendemos que o agravo não procede, atentas as possibilidades do devedor de alimentos e as necessidades do credor, bem como o estado sócio-económico de ambos.

É que, como defende Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 119, a expressão “estritamente necessário” não pode ser interpretada literalmente, permitindo abarcar tudo quanto se revelar imprescindível a uma vida condigna. E, em apoio dessa afirmação, cita o Ac. deste Tribunal de 12/12/96, sumariado em www.dgsi.pt. (também sumariado no BMJ nº 472, pág. 484), nos termos do qual nos alimentos provisórios a prestação deve ser fixada em valor razoável, segundo o prudente arbítrio do juiz, atendendo aos meios de quem deve pagá-los e às necessidades de quem vai recebê-los.
Por outro lado, como acima se acentuou, os alimentos provisórios destinam-se a suprir as necessidades elementares da vida e subsistência, dentro do padrão normal da pessoa credora, tendo em vista o seu status social.

III. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juizes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao agravo e manter a decisão recorrida.
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Custas pelo agravante.
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Porto, 23 de Março de 2006
António do Amaral Ferreira
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Ana Paula Fonseca Lobo