Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1049/25.6T8VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUÍSA LOUREIRO
Descritores: DIVÓRCIO
DIREITO A ALIMENTOS ENTRE EX-CÔNJUGES
Nº do Documento: RP202510091049/25.6T8VCD.P1
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Não obstante o direito a alimentos entre ex-cônjuges, previsto na al. a) do art. 2009.º do Cód. Civil, ter os mesmos pressupostos das obrigações dos demais obrigados – as necessidades do alimentando, as possibilidades do obrigado, conforme resulta do disposto no artigo 2004.º do Código Civil –, há ainda que ter em conta o disposto no n.º 1 do art. 2016.º e no n.º 3 do art. 2016.º-A do Cód. Civil.
II – Destas disposições resulta que a carência que justifica a obrigação necessita de uma justificação acrescida, considerando que depois do divórcio cada cônjuge deve prover à sua subsistência – cfr. artigo 2016.º do Código Civil – e que o cônjuge credor de alimentos não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio – cfr. n.º 3 do artigo 2016.º-A do Cód. Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 1049/25.6T8VCD.P1

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Sumário:

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Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

Identificação das partes e indicação do objeto do litígio

AA instaurou procedimento cautelar de alimentos provisórios a ex-cônjuge contra BB, pedindo a condenação do requerido a pagar-lhe uma pensão de alimentos de € 500,00 mensais.

Para tanto, alegou, em síntese, que é divorciada do requerido, com quem foi casada até 7 de fevereiro de 2023, e que não exerce qualquer trabalho remunerado desde 2004, em virtude das suas incapacidades físicas, não obstante a procura ativa de emprego que desenvolve, sobrevivendo com poupanças que tinha e com o apoio monetário da filha (maior de idade) do dissolvido casal, enquanto o requerido aufere uma pensão de € 3.090,00 mensais. Tendo tal filha comunicado que não pode manter a ajuda financeira dada à requerente, carece esta da fixação imediata de alimentos provisórios, tendo o requerido condições económicas para o efeito, enquanto a requerente não possui meios para se auto sustentar.

Citado, o requerido deduziu oposição, impugnando parcialmente a factualidade alegada e defendendo não se verificarem os pressupostos de que depende o deferimento do pedido.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente, por não demonstrada, a providência de alimentos provisórios requerida e, consequentemente, absolveu o requerido BB, do pedido formulado por AA.

Inconformada, a requerente apelou desta decisão, apresentando as seguintes conclusões:

EXISTE:

A prolação de uma sentença fora do prazo legal, existindo

Erro de julgamento na apreciação da prova, por que, e apesar do princípio da livre apreciação desconsiderou:

a) A prova testemunhal direta

b) Valorando apenas a indireta, e mesmo esse não cumprindo com os requisitos necessários, por exemplo ao atender ao testemunho obtido de forma ilícita ou

c) Desatender da pessoa que o próprio Tribunal por sua iniciativa chamou ao julgamento

d) Desconsiderando a prova documental junta com o RI, bem como a que foi pedida por oficio e que veio inequivocamente provar que nenhum dos elementos solicitados os tinham e não se dignado solicitar a renovação de documentos que considerou desatualizados, ou outros que entendesse para verificar da condição de recursos da Recorrente, bem como da situação de saúde, tal como o fez relativamente à Requisição de diversas Certidões, v.g- Carta de Condução e Pesquisas na Segurança Social

Erro de Direito por que apesar do pouco que ficou provado:

e) A Recorrente não desenvolve qualquer trabalho remunerado, e não tem fontes de rendimento, o requisito que preenchem o periculum in mora, pelo contrário o

f) O Recorrido recebe uma pensão de 3009€

g) Valorou positivamente prova (indireta) obtido de modo ilícito, com desrespeito do princípio da privacidade, dos dados pessoais de terceiro alheio aos Autos

4 º Com a Sentença ficaram diretamente prejudicados os seguintes dispositivos legais:

Da Constituição da República Portuguesa - artºs 26º, 1, 32º, 8,

Do Código Civil - artº 9º, 2016º -A

Do Código Processo Civil - artigos 362º, 2, 365º, 385, 3

Com as alegações de recurso apresentou – em «(…) II – DA JUNÇÂO DE DOCUMENTOS ao abrigo do artigo 651ª do CPC (ex vi 425º do mesmo Código) (…)» – 10 documentos.

Conclui que «(…) deverá ser considerada como procedente a APELAÇÃO, e em consequência ARBITRAR-SE uma pensão de alimentos provisórios no valor de 500 euros mensais, valor estritamente necessário para que a Recorrente possa sobreviver de um modo minimamente digno.» e junta 10 documentos.

O apelado apresentou resposta às alegações de recurso, pronunciando-se pela sua improcedência, e pela não admissibilidade da junção dos documentos apresentados.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II – Objeto do recurso:

Previamente à apreciação dos fundamentos do recurso, há que emitir pronúncia quanto à (in)admissibilidade da junção dos documentos apresentados pela apelante com as alegações de recurso.

Atentas as conclusões das alegações de recurso – que, exceto quanto a questões de conhecimento oficioso, delimitam o objeto e âmbito do recurso, nos termos do disposto nos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil –, são as seguintes as questões suscitadas no recurso interposto:

– Prolação da sentença fora do prazo legal;

– Impugnação da decisão de facto (invocação de erro de julgamento na apreciação da prova);

– Quanto à questão de direito, revogação da decisão de improcedência, por a requerente carecer de alimentos e o requerido ter meios para os prestar.

Acresce a fixação da responsabilidade pelas custas.

III – Fundamentação:

A apreciação do mérito do recurso implica que se tenha em consideração a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, que se passa a elencar.

Factos indiciariamente provados

1. Requerente e requerido contraíram casamento em 5/08/1995, sem convenção antenupcial, a que respeita o assento n.º ..., da CRC de Vila do Conde;

2. Por sentença datada de 06/02/2023, transitada em julgado, foi decretada a dissolução, por divórcio sem consentimento do outro cônjuge, tendo aí sido declarado que os efeitos do divórcio ora decretado retroagem à data de 21/03/2022 (art. 1º).

3. Na sentença mencionada em 2) foi dada como provada a seguinte factualidade:

(…)

2) O casal fixou residência em moradia sita na Avenida ..., rés-do-chão esquerdo, Vila do Conde;

3) Desde o ano de 2004, a ré não exerce trabalho remunerado.

4) O autor sofreu burnout.

5) No dia 21.03.2022, a ré foi informada pela Advogada do autor de que este pretendia divorciar-se de si.

6) A partir de 21.03.2022, o autor não mais mantem residência na casa de morada de família, onde permanece a ré.

7) Pelo menos a partir de 21.03.2022, autora e réu não mais dormiram na mesma cama;

8) Não mais comeram juntos;

9) E não mais saíram juntos;

10) E não mais trocaram gestos de carinho ou afeto.

11) A partir de 21.03.2022, a ré não mais procurou saber do estado de saúde ou das necessidades médicas e medicamentosas do autor.

12) Nos dias 28.02.2022 e 09.03.2022, a ré procedeu ao levantamento de quantias depositadas em contas bancárias tituladas no Banco 1....

13) O autor não pretende restabelecer a vida em comum com a ré.

14) A presente ação foi instaurada em 22.04.2022.

Do Requerimento inicial:

4. A requerente em 09/08/2023 e 26/10/2023 encontrava-se inscrita no Centro de Emprego, desde 22/05/2015 (art. 2º).

5. Actualmente a requerente não declara qualquer actividade remunerada (art. 4º).

6. A requerente reside com a filha, CC, nascida em ../../1996, que tem contribuído, em quantia concretamente não apurada, para as despesas domésticas com a alimentação, o vestuário, a eletricidade, luz, água.

7. O filho da requerente e do requerido, DD, nascido a ../../2003, encontrava-se à data da propositura da presente providência a frequentar o Ensino Superior em Lisboa (art. 6º).

8. O requerido aufere a título de pensão de reforma a quantia de € 3.662,69 sendo que mercê da penhora no valor de € 1.003,23, que incide sobre a mesma, decorrente do Processo executivo nº ... que corre termos nos Juízos de Execução do Porto, aufere actualmente a quantia liquida mensal de € 2006,46 (art. 8º).

Da contestação:

9. Em 2004 a requerente deixou de exercer trabalho remunerado por conta da empresa A... Lda em virtude da cessação do contrato de trabalho, tendo auferido de prestações de desemprego de 05/03/2004 a 04/09/2005 (arts. 7º e 8º).

10. A requerente cuida da casa onde reside, foi vista a sacudir tapetes e a cuidar da caixilharia pertencente à habitação de EE, a conduzir o veículo da falecida mulher de EE, a fazer compras no supermercado e a levar as compras para sua casa e para a habitação pertencente a EE (art. 12º)

11. A requerente AA efectuou descontos junto do Instituto da Segurança Social, I.P como trabalhadora independente, o que se manteve até Maio de 2017 (art. 16º).

12. A requerente AA declarou junto do Serviço de Finanças rendimentos da categoria B entre os anos de 2004 e 2017, declarando os respetivos rendimentos auferidos em cada um desses anos, tudo conforme declarações de IRS referentes aos anos de rendimentos de 2004 a 2017 do Serviço de Finanças, juntos como doc. n.º 3 da contestação e cujo teor e conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais (art. 17º).

13. Cumulativamente com essa actividade de mediadora de seguros, a requerente manteve a sua inscrição no Centro de Emprego e em 2017 a requerente cessou a sua actividade como mediadora de seguros, invocando não gostar desse trabalho, tendo encerrado a sua carteira de clientes (arts. 18º e 19º).

14. A requerente auferiu rendimentos como trabalhadora por conta própria até 2017 (art. 21º).

15. Desde pelo menos há um ano e meio a requerente presta serviços domésticos, não declarados à Segurança Social, na residência sita na Rua ..., n.º ..., 2º direito, na cidade de Vila do Conde, em horas, dias e valores não concretamente apurados (art. 23º).

16. Reside nessa habitação EE, viúvo de FF, falecida em 22/05/2024, sendo que a requerente é quem faz habitualmente as compras para tal habitação e deslocando-se na viatura registada ainda em nome da falecida FF, procedendo à limpeza de tal habitação (art. 24º).

17. A requerente ficou a residir na casa de morada de família do extinto casal, desde a data da sua separação - 21 de Março de 2022-, até à actualidade (art. 27º).

18. A casa de morada de família é um apartamento T3 situado no início da Avenida ..., localizada no centro da cidade de Vila do Conde, em frente de um empreendimento denominado “casa verde”, numa das suas zonas mais nobres da cidade de Vila do Conde (art. 28º).

19. A requerente e o requerido contraíram na constância do casamento um crédito bancário para a sua aquisição (art. 29º).

20. A prestação mensal de tal crédito situa-se actualmente em valor não inferior a 500,00 euros (art. 30º).

21. Desde a separação de facto do casal que a requerente nunca pagou, as prestações mensais do mesmo, residindo naquela que foi a casa de morada de família a título gratuito (art. 31º).

22. Consigo reside a filha mais velha do casal - adulta, trabalhadora e com salário e apoios bolseiros nunca inferiores a 1.300,00 euros líquidos mensais, e o filho, DD, quando não está em Lisboa (art. 32º).

23. Os estudos do filho do casal foram assegurados com o aforro que o casal fez, durante o casamento, para tal fim, em conta bancária a que o filho acedeu após a separação dos pais (art. 36º)

24. Com o valor da sua pensão de reforma o requerido liquida a renda de habitação no montante mensal de € 800,00 (oitocentos euros) (art. 43º).

25. O requerido suporta ainda as seguintes quantias:

a. prestação do veículo automóvel no valor mensal de € 318,89 (trezentos e dezoito euros e oitenta e nove cêntimos);

b. empréstimo bancário contraído junto do Banco 1... no montante de € 100,63 (cem euros e sessenta e três cêntimos);

c. empréstimo bancário contraído junto do Banco 1... no montante de € 105,77 (cento e cinco euros e setenta e sete cêntimos);

d. despesas de manutenção de conta junto do Banco 1... no montante de € 7,21 (sete euros e vinte e um cêntimos);

e. água no valor mensal de € 19,28 (dezanove euros e vinte e oito cêntimos);

f. electricidade no valor mensal de € 37,21 (trinta e sete euros e vinte e um cêntimos);

g. despesas MEO do filho DD no valor mensal de € 113,39 (cento e treze euros e trinta e nove cêntimos) (art. 45º).

26. O requerido despende mensalmente, valor nunca inferior a € 77,13 (setenta e sete euros e treze cêntimos) com medicação (art. 46º).

27. Devido aos problemas de saúde de que o requerido padece tem que proceder à toma diária de vária medicação, tendo ainda que aplicar diariamente o creme biafine e administrar uma injecção mensal (caverject) (art. 47º).

28. O problema oncológico de que padece provocou uma fragilidade geral e no estado da sua dentição (art. 48º).

29. Que carece de vigilância e tratamentos frequentes, por regra bimensais (art. 49º).

30. Em consultas médicas dentárias o requerido carece de despender quantia não inferior a 40,00 euros mensais (art. 50º).

31. A sua acuidade visual ficou diminuída, o que careceu da aquisição de novos óculos e lentes progressivas, tendo suportado um custo de € 500,00 (quinhentos euros) (art. 51º).

32. O requerido despende de dinheiro com a sua alimentação, vestuário e calçado, em valor nunca inferior a 300,00 euros mensais (arts. 54º e 55º).

33. O requerido necessita de pagar o seguro da viatura automóvel e o combustível necessário para as suas deslocações (nomeadamente às consultas e ao recebimento dos tratamentos no IPO e para comparecer neste Tribunal), despendendo quantia não concretamente apurada (art. 56º)

34. O requerido solicitou junto de familiares, um empréstimo particular para repor as prestações do empréstimo bancário da habitação onde reside a Requerente e os filhos (art. 57º).

35. Para impedir a penhora e venda da casa que foi casa de morada de família e único património imóvel do extinto casal, o requerido resolveu pagar as prestações da casa (vencidas e vincendas) em montante mensal nunca inferior a 500,00 euros mensais (art. 58º).

Mais se provou que:

36. Não são conhecidos à requerente e aos filhos rendimentos declarados, por conta de outrem, subsídios e/ou pensões, excepto quanto à CC os mencionados em 22) supra.

37. O filho da requerente e do requerido, DD, trabalha desde 15/06/2025, no Banco 2..., S.A. em Lisboa.

38. Os presentes autos de providência cautelar deram entrada no dia 29/05/2025 e os autos de execução mencionados em 8º, relacionados com o empréstimo mencionado em 34º, deram entrada em 29/01/2025.

Questão prévia – (in)admissibilidade da junção de documento

Pretende a apelante, com as alegações apresentadas, juntar documentos ao abrigo do art. 651.º do Cód. Proc. Civil para serem considerados como meios de prova no âmbito do recurso.

Para fundamentar tal junção alega apenas o seguinte:

«(…) [O]s documentos que ora se juntam, sendo os mesmos em grande parte documentos autênticos constituíram:

a) suporte aos Documentos feitos pela testemunha CC e com ela confrontados em sede de Audiência. (Doc nº 1, 2 e 3)

b) documentos que não foram possíveis juntar no decorrer da audiência, nomeadamente o Atestado Multiusos, que à altura estava em fase de emissão como referido pela mesma testemunha:

i – declaração do Centro de emprego, emitida em agosto de 2025 (doc nº 4)

ii – Atestado Médico de Incapacidade, referido pela Testemunha CC, quando na contra instância referiu que o documento estava em fase de emissão (doc nº 5)

iii – Relatórios médicos datados de maio, junho e julho de 2025 (Doc nº 6 a 8)

iv – Comprovativos de fisioterapia (Doc nº 9 e 10) (…)».

O apelado pronunciou-se pelo indeferimento da pretendida junção.

Dispõe o art. 651.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, que «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.».

Nos termos do disposto no art. 425.º – Apresentação em momento posteriordo Cód. Proc. Civil, «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.»

Assim, encerrada a discussão apenas se admite a junção «(…) em sede de recurso de apelação, para além dos documentos que sejam objetiva e subjetivamente supervenientes (tendo em conta o encerramento da discussão na audiência final) (…) [d]aqueles cuja necessidade se revelar em função da sentença proferida, o que pode justificar-se pela imprevisibilidade do resultado (v.g. quando a sentença se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes ou quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam). Não é admissível a junção com a alegação de recurso de um documento que, ab initio, já era potencialmente útil à apreciação da causa. (…)» – assim, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, 2018, Coimbra, p. 502.

Como é referido no Ac. do STJ de 30-04-2019, proc. n.º 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2, «[d]a leitura articulada dos artigos 651.º, n.º 1, 425.º do CPC decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância.».

A superveniência de documento é objetiva quando o documento foi produzido posteriormente ao momento do encerramento da discussão, e é subjetiva quando a parte só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele momento – Acórdão do TRC de 08-11-2011, proc. 39/10.8TBMDA.C1.

Os documentos cuja junção a apelante pretende efetuar são:

Doc. 1 a 3 Várias faturas maioritariamente de supermercado, todas com datas de emissão entre novembro de 2023 e janeiro de 2024.

Doc. 4 Declaração do Centro de Emprego da Póvoa do Varzim com data de 01-08-2025 – na qual se declara que a requerente “(…) se encontra inscrita como candidata a emprego desde 22-05-2015, na situação de desempregado à procura de novo emprego.”, e requerimento subscrito pela requerente, com data de 06-08-2025, dirigido ao referido Centro de Emprego da Póvoa do Varzim a solicitar a emissão de “(…) declaração/extrato de todo o meu percurso (convocatórias e formações) no IEFP desde a minha inscrição em 22/maio/2015, até à presente data.”.

Doc. 5 Atestado médico de Incapacidade Multiuso com data de assinatura de 16-07-2025.

DOC. 6 a 10Duas credenciais de medicina física e reabilitação, uma com data de 05-03-2025 e outra com data de 29-05-2025; duas declarações emitidas pela Clínica de medicina de física e reabilitação de Vila do Conde, uma datada de 16-05-2025 e outra datada de 07-07-2025 referentes aos tratamentos de fisiatria da requerente aí iniciados e sessões previstas; um Relatório de Eco Dopler dos membros inferiores com data de realização de 02-06-2025.

A apresentação do requerimento inicial do procedimento cautelar ocorreu no dia 29-05-2025; o julgamento (produção de prova) terminou no dia 30-07-2025.

Quanto a todos os documentos com data anterior a 30-07-2025, se a requerente entendia serem pertinentes para a prova ou contraprova da factualidade controvertida, tinha que os ter apresentado perante o tribunal a quo, nos momentos processualmente previstos para o efeito (arts. 293.º e 423.º, ambos do Cód. Proc. Civil).

Os únicos documentos com data de emissão ulterior ao encerramento da discussão são os identificados como Doc. 4. No entanto, tal não é suficiente para se poder afirmar o preenchimento da previsão legal do art. 651.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil. A existência de superveniência objetiva exige que não tenha sido possível obter o documento anteriormente ao encerramento da discussão. Nenhuma justificação é apresentada para que o requerimento da requerente/apelante datado de 06-08-2025, dirigido ao referido Centro de Emprego da Póvoa do Varzim, não pudesse ter sido efetuado em data anterior à instauração da providência. De igual modo quanto à Declaração do Centro de Emprego da Póvoa do Varzim datada de 01-08-2025. Não colhe, quanto a este documento, qualquer argumentação da sua necessidade com base na apreciação probatória efetuada pelo tribunal a quo na decisão apelada: como acima já ficou dito, não preenche o requisito da necessidade de junção em função da sentença proferida a apresentação de um documento que, ab initio, já era potencialmente útil à apreciação da causa.

Pelo exposto, não se admite a pretendida junção de documentos com as alegações de recurso.

Arguição de incumprimento de prazo prolação decisão

Dispõe o n.º 2 do art. 363.º [1] do Cód. Proc. Civil que os procedimentos instaurados perante o tribunal competente devem ser decididos, em 1.ª instância, no prazo máximo de dois meses ou, se o requerido não tiver sido citado, de 15 dias.

Invoca a apelante, como questão prévia, o incumprimento pelo tribunal a quo do prazo de 2 meses para decisão do procedimento cautelar.

Trata-se de uma alegação estéril e inconsequente, absolutamente impertinente e insuscetível de fundamentar a impugnação recursiva da decisão apelada (como, de resto, resulta do facto de nem a apelante indicar no recurso interposto qualquer consequência dessa invocação).

Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Nas conclusões do recurso refere a apelante que ‘existe erro de julgamento na apreciação da prova, por que, e apesar do princípio da livre apreciação [o tribunal a quo] desconsiderou:

a) A prova testemunhal direta;

b) Valorando apenas a indireta, e mesmo esse não cumprindo com os requisitos necessários, por exemplo ao atender ao testemunho obtido de forma ilícita ou

c) Desatender da pessoa que o próprio Tribunal por sua iniciativa chamou ao julgamento

d) Desconsiderando a prova documental junta com o RI, bem como a que foi pedida por ofício e que veio inequivocamente provar que nenhum dos elementos solicitados os tinham e não se dignado solicitar a renovação de documentos que considerou desatualizados, ou outros que entendesse para verificar da condição de recursos da Recorrente, bem como da situação de saúde, tal como o fez relativamente à Requisição de diversas Certidões, v.g- Carta de Condução e Pesquisas na Segurança Social.’.

Dispõe o art. 640.º do Cód. Proc. Civil sobre os Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto nos seguintes termos:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Conforme é referido no Ac. do STJ de 12-10-2023, proc. n.º 1/20.2T8AVR.P1.S1, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça «(…) na aferição do cumprimento dos ónus consagrados no art. 640.º do CPC, tem adoptado um critério de proporcionalidade e de razoabilidade, propugnando que aqueles ónus pretendem garantir uma adequada inteligibilidade do fim e do objecto do recurso. (…)», no sentido de que a rejeição do recurso por incumprimento de tais ónus está afastada desde que no recurso sejam (de forma percetível) identificados os concretos pontos da matéria de facto que o recorrente entende que foram incorretamente apreciados, especificados os concretos meios de prova que impunham decisão diversa e indicada(s) a(s) resposta(s) alternativa(s) que deve(m) ser dada(s) a tal matéria de facto.

Neste âmbito, tem sido efetuada pelo Supremo Tribunal de Justiça uma distinção entre o cumprimento dos requisitos previstos nas alíneas do n.º 1 do art. 640.º do CPC – que integram o que Supremo Tribunal de Justiça tem denominado de ónus primário –, e o cumprimento da exigência prevista na al. a) do n.º 2 do referido art. 640.º do CPC, que tem sido considerado que integra um ónus secundário. Assim, «(…) integram um ónus primário, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas als. a), b) e c) do nº1 do citado art. 640º, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.

Mas, já constituirá um ónus secundário, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na al. a) do nº 2 do mesmo art. 640º, pois tem, sobretudo, por função facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência.

E se é certo cominar a lei o incumprimento do ónus primário e do ónus secundário de igual forma, ou seja, com a sanção da rejeição imediata do recurso [cfr. art 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do mesmo artigo], não sendo consentida a formulação ao recorrente de um convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, a verdade é que, tal como se afirma no citado Acórdão do STJ, de 29.10.2015, «não poderá deixar de ser avaliada diferentemente a falha da parte consoante ocorra num ou noutro âmbito».

Dito de outro modo e nas palavras do Acórdão do STJ, de 19.02.2015 (processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1)[7], enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1 do referido art. 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, al. a) do mesmo artigo, tal sanção deverá ser aplicada com algum tempero, só se justificando nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame por banda do tribunal de recurso.

Desde que não exista essa dificuldade, apesar da indicação pelo recorrente da localização dos depoimentos não ser totalmente exata e precisa, não se justifica a rejeição do recurso.

É que, como adverte o Acórdão do STJ, de 28.04.2016 (processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1), dando voz à jurisprudência cada vez mais consolidada neste Supremo Tribunal[8], «(…) é necessário que a verificação do cumprimento do ónus de alegação regulado no art. 640 do CPC seja compaginado com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo maior relevo aos aspectos de ordem material», por forma a não se exponenciarem os efeitos cominatórios previstos no mesmo artigo, havendo, por isso, que extrair do texto legal soluções conformes com estes princípios. (…)» – cfr. Ac. do STJ de 03-10-2019, proc. n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2.

Aplicando o supra expendido ao recurso aqui em análise, verificamos que a apelante não cumpriu, minimamente, tal ónus primário. Não indica a apelante, nas conclusões do recurso, quais são os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (nem os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa, nem qual a decisão que entende dever ser proferida sobre tais – não indicados – pontos de facto impugnados).

Ora, como acima ficou dito [2], sendo as conclusões das alegações de recurso que delimitam o objeto e âmbito do recurso, nos termos do disposto nos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil, mostra-se essencial e indispensável que destas constem as indicações previstas na al. a) do n.º 1 do art. 640.º do Cód. Proc. Civil, na medida em que «(…) as mesmas delimitam a atividade de reapreciação junto do tribunal da Relação, do julgado quanto à matéria de facto. (…)» – cfr. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 12/2023, publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 2023-11-14. Resulta incontroverso deste aresto que a falta de indicação nas conclusões do recurso dos pontos da decisão de facto incorretamente julgados acarreta a rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão de facto, por tal ser essencial à definição do objeto do recurso. Tal resulta claramente do seguinte trecho da fundamentação deste Acórdão de Uniformização de Jurisprudência:

«(…) Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso.

Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso.

Quan[t]o aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador(58), chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso(59), conforme o n.º 1, alínea c) do artigo 640.º (…)

(…) Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.

O recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, cumpre o ónus constante do n.º 1, c), do artigo 640, se a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, constar das conclusões, mas também da leitura articulada destas últimas com a motivação do vertido na globalidade das alegações, e mesmo na sequência do aludido, apenas do corpo das alegações, desde que do modo realizado, não se suscitem quaisquer dúvidas. (…)».

Daqui resulta – como é referido no Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de
26-06-2025, proc. n.º
9903/24.6T8VNG.P1, relatado pelo aqui 1.º adjunto –, que «(…) encontra-se agora fixado o entendimento, que os Tribunais da Relação deverão seguir, de que para cumprir minimamente os requisitos específicos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e permitir que essa seja uma das questões a apreciar pelo tribunal de recurso, o recorrente tem de indicar nas conclusões das alegações de recurso, pelo menos, quais os concretos pontos da matéria de facto cuja decisão pretende ver modificada, podendo os restantes requisitos estar cumpridos apenas no corpo das alegações. (…)».

Afigura-se-nos apodítica a essencialidade da indicação prevista na al. a) do n.º 1 do art. 640.º do Cód. Proc. Civil à definição do próprio objeto do recurso, sendo a indicação nas conclusões dos concretos pontos da decisão de facto impugnados essencial ao cumprimento dos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, não havendo justificação – nem tendo acolhimento na letra e espírito da lei – que se vá procurar saber qual é a concreta factualidade impugnada no corpo das alegações, quando das conclusões – que, como se disse, definem o objeto do recurso, ou seja, o que é colocado à apreciação do tribunal ad quemnada consta, e a lei processual, de forma absolutamente clara, determina a necessidade de identificação nas conclusões dos concretos pontos da matéria de facto impugnados, sancionando o incumprimento desse ónus com a rejeição do recurso.

Concluímos, deste modo, face ao incumprimento pela aqui apelante do ónus previsto na al. a) do n.º 1 do art. 640.º do Cód. Proc. Civil, pela rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto.

Análise dos factos e aplicação da lei

1. Falta de preenchimento dos requisitos da providência requerida

Defende a apelante existir erro na decisão recorrida, alegando que da factualidade apurada resulta o preenchimento dos requisitos necessários ao deferimento da providência, que se basta com a prova de que a requerente não tem rendimentos, de que o requerido aufere uma pensão de € 3.090,00 e da demonstração da necessidade dos alimentos peticionados, que constitui o periculum in mora.

A providência cautelar (nominada) de alimentos provisórios encontra-se prevista e regulada nos arts. 384.º a 387.º do Cód. Proc. Civil, aplicando-se-lhe, nos termos do disposto no art. 376.º do Cód. Proc. Civil, as disposições reguladoras do procedimento cautelar comum (com exceção do disposto no n.º 2 do art. 368.º do Cód. Proc. Civil), nomeadamente o disposto no art. 362.º e no art. 368.º do Cód. Proc. Civil.

São, assim, pressupostos do decretamento deste procedimento cautelar especificado a probabilidade séria da existência do direito invocado e o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável a tal direito.

Contudo, como é referido no já acima citado Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 26-06-2025 (ao qual pertencem os excertos sem seguida transcritos –, se quanto ao requisito da probabilidade séria da existência do direito – fumus boni iuris – se aplica a necessidade de a requerente demonstrar, ainda que em termos de prova sumária, o preenchimento dos elementos constitutivos do direito que invoca, já quanto ao requisito do periculum in mora, «(…) a necessidade dos alimentos, sendo embora um elemento constitutivo do direito, encerra em si mesma a demonstração da suficiente necessidade da tutela provisória desse direito.», ou seja, «(…) a alegação dos pressupostos do direito a alimentos provisórios não exige do requerente que alegue mais que a necessidade dos mesmos, designadamente, não exige que se alegue que se os alimentos não forem prestados a sua vida, a sua saúde ou o seu bem-estar correm perigo. (…)

Daqui decorre que o direito a alimentos provisórios não está subordinado a nenhum outro pressuposto para além da titularidade do direito a alimentos … definitivos cuja fixação falta fazer. Face à natureza do direito cuja tutela provisória é reclamada, havendo necessidade de que um terceiro preste alimentos ao requerente o pressuposto do periculum in mora está presente de modo natural.». Ou seja, cabe-lhe alegar e fazer prova do direito a alimentos: da sua necessidade de alimentos e da possibilidade do requerido os prestar – cfr. art. 2004.º e 342.º, n.º 1, ambos do Cód. Civil.

Funda a apelante a titularidade do invocado direito a alimentos na alegação de que foi casada com o requerido, de quem se divorciou, não tendo a mesma meios de prover ao seu sustento, por não ter emprego em virtude das suas incapacidades físicas (apesar da procura ativa que desenvolve e comprova pelas sucessivas inscrições no Centro de emprego da ) nem rendimentos, vivendo de poupanças e da ajuda financeira da filha, enquanto o requerido aufere uma pensão de € 3.009,00 mensais, devendo ser fixada uma pensão de alimentos provisórios de € 500,00 mensais para cobrir “(…) 50 euros para a medicação, 200 euros para alimentação, 50 euros para vestuário e calçado, 100 euros para luz e água, 50 euros para internet e 50 euros para transportes (…)”.

O direito a alimentos (cuja noção consta do n.º 1 do art. 2003.º do Cód. Civil [3]) entre ex-cônjuges encontra-se previsto na al. a) do art. 2009.º - Pessoas obrigadas a alimentos do Cód. Civil: «1. Estão vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada: a) O cônjuge ou o ex-cônjuge; (…)».

Relevam aqui ainda as seguintes disposições legais, integradas no CAPÍTULO II - Disposições especiais.do TÍTULO V- Dos alimentos do Livro IV - DIREITO DA FAMÍLIA do Código Civil:

ARTIGO 2016.º

Divórcio e separação judicial de pessoas e bens)

1 - Cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.

2 - Qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio.

3 - Por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado.

4 - O disposto nos números anteriores é aplicável ao caso de ter sido decretada a separação judicial de pessoas e bens.

Artigo 2016.º-A

Montante dos alimentos

1 - Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.

2 - O tribunal deve dar prevalência a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do cônjuge devedor sobre a obrigação emergente do divórcio em favor do ex-cônjuge.

3 - O cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.

4 - O disposto nos números anteriores é aplicável ao caso de ter sido decretada a separação judicial de pessoas e bens.

Não obstante a obrigação de prestação de alimentos ao ex-cônjuge ter os mesmos pressupostos das obrigações dos demais obrigados – as necessidades do alimentando, as

possibilidades do obrigado, conforme resulta do disposto no artigo 2004.º do Código Civil –, há aqui que ter em conta o disposto no n.º 1 do art. 2016.º e no n.º 3 do art. 2016.º-A do Cód. Civil. Destas disposições resulta que, no caso da obrigação de prestação de alimentos a ex-cônjuge, «(…) a carência que justifica a obrigação necessita de uma justificação acrescida uma vez que, nos termos do artigo 2016.º do Código Civil, depois do divórcio cada cônjuge deve prover à sua subsistência, e, nos termos do n.º 3 do artigo 2016.º-A do mesmo diploma, o cônjuge credor de alimentos não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.

Estas disposições traduzem não apenas o princípio da auto-responsabilidade dos cônjuges pela obtenção, após o divórcio, dos meios necessários para assegurar a sua subsistência que afastará a necessidade de alimentos de terceiro, mas ainda o princípio do auto-sucesso nos termos do qual após o divórcio cada cônjuge aspirará ao padrão de vida que lograr obter por si mesmo, ainda que se trate de um padrão substancialmente diferente daquele que o casamento lhe permitia ter.

Para Guilherme de Oliveira, in A Nova Lei do Divórcio, Lex Familiae - Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 7, nº 13, 2010, Coimbra Editora, «depois do divórcio, é de esperar que os dois ex-cônjuges ganhem a vida, sendo a relação de alimentos um recurso excepcional (...) embora se permita a fixação de uma medida decente que não signifique uma descida radical do estatuto económico, mas que também não transforme o casamento num seguro de bem estar à custa do outro ex-cônjuge (…)» (…)» – cfr. Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 26-06-2025, proc. n.º 9903/24.6T8VNG.P1, já anteriormente citado.

Na avaliação quanto ao preenchimento dos requisitos para deferimento da providência, considerou o tribunal a quo que não ficou provada a alegada fragilidade do estado de saúde da requerente como fator impeditivo da obtenção de um trabalho remunerado, nem que esta procure ativamente emprego. Ficou, de resto, provado que a requerente presta serviços domésticos, não declarados à Segurança Social, nos termos que constam dos n.os 15. e 16. dos factos provados.

É aqui de realçar que ficou provada a inscrição da requerente no Centro de Emprego desde 22-05-2015, nos moldes referidos no n.º 4. dos factos provados (e, em simultâneo, que esta efetuou descontos junto do Instituto da Segurança Social, I.P como trabalhadora independente, o que se manteve até Maio de 2017, auferindo até 2017 rendimentos como trabalhadora por conta própria – cfr. n.os 11. a 14. dos factos provados) –, não tendo a requerente procedido, para prova da sua alegação de procura ativa de emprego e não obtenção deste em virtude da invocada incapacidade física, como referido na decisão recorrida, à junção de “(…) qualquer documentação relativa a entrevistas para emprego, selecção de actividade, recusas, formações etc. (…)”.

Mais se ponderou na decisão recorrida, quanto ao requisito da necessidade de alimentos da requerente, não ter sido feita “(…) prova de qualquer circunstância superveniente desde a separação do ex-casal que justifique a propositura da presente providência, quer relativamente à sua situação laboral (já estava desempregada à data da dissolução do casamento), da sua situação de saúde (não existia à data da dissolução qualquer incapacidade e continua a inexistir) e residia à data da separação com os filhos e continua a residir na mesma casa de morada de família com os filhos (sendo que com um deles com menos frequência), não pagando desde então qualquer quantia a título de utilização. (…)”.

E considerou-se ainda, quanto ao requisito da possibilidade do requerido prestar alimentos, que “(…) a Requerente não logrou demonstrar (como lhe competia) que o Requerido disponha de rendimentos regulares e certos que permitam estabelecer uma obrigação alimentícia a seu favor (…)”. Tal juízo merece confirmação, não obstante o valor da pensão de reforma do requerido de € 3.009,69 [4], considerando que tal rendimento é praticamente exaurida pela penhora de 1/3 sobre tal pensão (€ 1.003,23) e pelas despesas fixas que suporta, que ascendem a € 1.919,15 (n.os 8. e 24. a 33. dos factos provados).

Mais entendemos dever ter-se em conta que resulta da factualidade provada que a requerente, desde a data da separação de facto, vive (juntamente com a filha maior do casal) naquela que era a casa de morada de família, sendo o requerido que suporta a amortização do empréstimo bancário que havia sido contraído pelo dissolvido casal para a aquisição de tal imóvel, a qual se situa em valor não inferior a € 500.00 (vejam-se os n.os 17. a 22. e ainda n.os 34. e 35. dos factos provados).

Não pode olvidar-se tal circunstância, na medida em que se traduz num benefício económico para a requerente – proporcionando-lhe habitação sem pagamento de qualquer contrapartida – à custa do rendimento auferido pelo requerido, não deixando de equivaler a uma forma de prestação de alimentos.

Não se verificando, assim, o invocado erro da decisão recorrida na subsunção dos factos ao direito, improcede o recurso, sendo de confirmar a decisão recorrida.

2. Responsabilidade pelas custas

A decisão sobre custas da apelação, quando se mostrem previamente liquidadas as taxas de justiça que sejam devidas, tende a repercutir-se apenas na reclamação de custas de parte (art. 25.º do Regulamento das Custas Processuais).

A responsabilidade pelas custas (da causa e da apelação) cabe à apelante, por ter ficado vencida (art. 527.º do Cód. Proc. Civil), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.

IV – Dispositivo:

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão apelada.

Custas a cargo dos apelantes.

Notifique.


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Porto, 9/10/2025 (data constante da assinatura eletrónica)
Ana Luísa Loureiro
Francisca Mota Vieira
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] E não o n.º 2 do artigo 362.º do Cód. Proc. Civil que é indicado pela apelante na alegação de recurso.
[2] Cfr. ponto II – Objeto do recurso deste aresto.
[3] Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário.
[4] Existe lapso de escrita manifesto no valor de € 3.662,69 indicado no n.º 8. dos factos provados (veja-se o alegado no art.º 8.º do requerimento inicial e a fundamentação da decisão quanto a tal facto, constante da decisão recorrida).