Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3315/21.0T8AVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: PERÍCIA MÉDICO-LEGAL
RELATÓRIO COMPLEMENTAR
RECLAMAÇÃO DAS PARTES
Nº do Documento: RP202504103315/21.0T8AVR-A.P1
Data do Acordão: 04/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Após a notificação do relatório final da perícia médico-legal, a parte pode reclamar das respostas sobre questões do foro da psiquiatria abordadas no parecer complementar que o perito, para realizar à perícia médico-legal, entendeu solicitar a um perito médico dessa especialidade, mesmo que a parte, quando foi notificada da junção do documento com aquele parecer, não tenha apresentado qualquer reclamação em relação a este.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO DE APELAÇÃO
ECLI:PT:TRP:2025:3315.21.0T8AVR.A.P1
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SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. Relatório:
No processo instaurado por AA, contribuinte fiscal n.º ..., residente em ..., contra a A..., SA, pessoa colectiva com n.º de identificação ..., com sede em Lisboa, e no qual o autor pede a condenação da ré a pagar-lhe uma indemnização pelos danos que sofreu em resultado de um acidente de viação causado pela actuação culposa do condutor de um veículo segurado pela ré, e do qual resultaram, entre outros, danos corporais, foi ordenada a realização de perícia médico-legal para avaliação das lesões sofridas pelo autor e respectivas sequelas.
Após várias diligências o INMLCF informou que «para uma avaliação mais completa das consequências médico-legais do evento será necessária a realização de perícias complementares de especialidade, tendo sido já solicitadas a este Instituto: Psiquiatria […].»
Em 26.01.2023 o Gabinete médico-legal enviou para o processo «Relatório da Perícia Médico-legal. Psiquiatria. Perícias e exames», o qual foi notificado às partes por ofício de 27.01.2023.
Na nota de notificação é dito: «Fica V. Ex.ª notificado do relatório pericial de que se junta cópia, podendo dele reclamar, ou pedir esclarecimentos, no prazo de 10 dias».
Foram igualmente efectuadas outras diligências para realizar exames e perícias complementares relacionadas com a especialidade da neurocirurgia.
Por fim, em 04.11.1024, o INMLCF apresentou o «relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível», o qual foi notificado às partes por oficio de 13.11.2024.
Notificada o relatório, a ré veio apresentar a seguinte «reclamação e pedido de esclarecimentos»:
«O relatório ora notificado apresenta conclusões que, salvo melhor opinião, não se encontram devidamente fundamentadas.
2. Conforme resulta dos Autos, após o sinistro, o Autor foi seguido nos serviços clínicos da Ré, tendo, a final, a mesma realizado exame de avaliação de dano corporal.
3. Durante todo o período em que foi seguido nos serviços clínicos, não há um único registo de psiquiatria.
4. Ou seja, ao longo de mais de um ano e meio o Autor não revelou qualquer queixa de sintomatologia de psiquiatria.
5. Com base na documentação clínica, datada de Setembro de 2020, ou seja, quase dois anos após o sinistro, é possível fixar um nexo causal, sem mais, para o sinistro?
6. É razoável que o evento traumático em causa, possa ter causado stress pós-traumático apenas passados dezoito meses?
7. Será importante, por isso, esclarecer e fundamentar o relatório notificado, pois que só assim estará a Ré em condições de avaliar as conclusões extraídas pelo senhor perito e da razoabilidade de tais conclusões à luz da fundamentação que apresenta.
8. Isto é, concluir sem afirmar os motivos pelos quais concluiu o senhor perito pelo nexo de causalidade, determina que o relatório e as suas conclusões padecem de obscuridade e, nesse sentido, se mostra necessário que o mesmo seja objecto dos seguintes esclarecimentos.
9. Tudo isto no contexto em que dos relatórios médicos da USF ... de Lotus Relatório da Dr.ª BB, de 17/03/2022, referindo “Síndrome dolorosa da coluna cervical desde 2016, com pedido de primeira consulta de Medicina Física e de Reabilitação a 07-01-2016; Perturbação do sono, com insónia terminal, descrita em 2017.
10. Ou seja, já antes do sinistro, anos de 2016 e 2017, o Autor manifestava problemas de perturbação do sono, sem que tenha sido, aparentemente, valorado e valorizado tal circunstância.
11. Finalmente, foi considerada a necessidade de consultas de psicologia, sem que haja, até ao momento e ao longo de mais de seis anos, qualquer referência a registo clínico de que o Autor tenha tido alguma.
12. Pelo que carecerá de justificar tal necessidade de ajuda complementar.
13. Considerando que, só com a resposta a todas as questões acima detalhadas se deve considerar que o relatório se encontrará completo, deve o Senhor Perito dar resposta às seguintes questões:
1- O nexo de causalidade foi estabelecido apenas com base no relatório datado de Setembro de 2020?
2- Foi valorada e valorizada a circunstância de já em 2016 e 2017 o Autor manifestar perturbação do sono?
3- Tal circunstância poderia já constituir uma pré-existência?
4- É razoável o Autor, durante dezoito meses, não ter manifestado qualquer sintoma do stress pós-traumático?
5- Ademais, em que medida é que, sendo um problema médico-psiquiátrico, poderá o Autor beneficiar de melhoria por consultas de psicologia, num contexto em que, mais de seis após o sinistro, o mesmo não teve ainda uma qualquer consulta?
Muito respeitosamente se requer a V. Exa. se digne ordenar a notificação do Senhor Perito/peritos que elaboraram o relatório pericial para que o completem e fundamentem as suas conclusões, devendo responder às questões acima formulados.»
O autor respondeu à reclamação, opondo-se-lhe.
Sobre a reclamação foi proferido o seguinte despacho (que se reproduz na parte que importa para o recurso):
«Requerimento de 02/12/2024:
Todas as questões suscitadas pela Ré na reclamação são, como bem refere o A. no seu requerimento de 06/12/2024, do foro da especialidade de psiquiatria.
A Ré foi notificada do relatório de psiquiatria, a 27/01/2023, e não apresentou nenhuma reclamação nem requereu nenhum esclarecimento, pelo que tem de se concluir que se conformou com o mesmo.
Tendo-se a Ré conformado com o teor do relatório de psiquiatria, a 27/01/2023, não pode vir agora requerer que o Senhor Perito que elaborou o referido relatório venha fundamentar e completar as suas conclusões.
Quanto ao relatório pericial apresentado a 04/11/2024, o mesmo, quanto à atribuição de incapacidade por perturbação pós-stress traumático, remete para a perícia complementar de psiquiatria. Foi para isso que esta perícia complementar foi requerida.
Não se justifica, por isso, que sejam pedidos a este Senhor Perito quaisquer outros esclarecimentos, pois vai-se limitar a remeter, como já fez no relatório pericial de apresentado a 04/11/2024, para o teor do relatório da especialidade de psiquiatria.
Indefere-se, pelo exposto, o requerido.»
Do assim decidido, a ré interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1. […]. 2. Com o devido respeito, notificada de um relatório pericial, pode a parte, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 485.º CPC, reclamar contra o relatório – foi o que a aqui Apelante fez por requerimento de 02.12.2024.
3. Sendo certo que esta reclamação só tem de ser apresentada após a notificação do relatório pericial com as respectivas conclusões finais.
4. Assim como o pedido de segunda perícia só tem de ser exercido com a notificação do mesmo relatório pericial com as respectivas conclusões finais.
5. Donde, para o exercício dos direitos previstos nos artigos 485.º e 487.º CPC nada releva a circunstância de as partes irem sendo notificadas dos relatórios complementares das especialidades, porquanto só com o relatório final e em função da resposta que for dada pelo Senhor Perito é que as partes estão em condições de reagir.
6. Mais, em face do requerimento apresentado, o Tribunal a quo subentendeu aquela que seria a resposta que o Senhor Perito iria dar (remeter para o relatório da especialidade) – o que, sempre com o devido, não cumpre ao Tribunal fazer, nem é fundamento para recusar a reclamação ao relatório pericial.
7. Deste modo, há um só relatório pericial e um só perito responsável pelo mesmo, pelo que é em função das conclusões finais do relatório pericial que as partes têm de reagir e é ao perito responsável que cumpre prestar os respectivos esclarecimentos.
8. Dito de outro modo, a reclamação e pedido de esclarecimentos formulados pela aqui Apelante a 02.12.2024 não se mostra extemporâneo, devendo ser admitido.
9. A decisão recorrida violou o disposto no artigo 485.º do CPC, devendo, assim, o referido despacho ser revogado e substituído por outro que admita a reclamação e ordene ao senhor perito para prestar os esclarecimentos pretendidos.
Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, julgando procedente o presente recurso e julgando de conformidade com as precedentes conclusões, será feita uma verdadeira e sã Justiça!
O recorrido respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida se na reclamação do relatório final da perícia médico-legal apresentado pelo INMCF o autor pode reclamar das respostas sobre questões do foro da psiquiatria constantes do relatório complementar que o INMLCF, para realizar à perícia médico-legal, entendeu solicitar a um perito médico dessa especialidade, e das quais o autor não reclamou quando foi notificado da junção do relatório complementar.

III. Matéria de Direito:
A questão suscitada nos autos é assaz curiosa mas a resposta para a mesma não parece tão óbvia quanto qualquer das partes pretende.
Está em causa saber se no âmbito da realização de um prova pericial de natureza médico-legal, quando o perito designado entende que parte da matéria sobre a qual recai a perícia exige conhecimentos especiais que ele não possui e convoca um especialista da área em causa para emitir parecer sobre tal matéria, sendo junto aos autos a resposta deste especialista, a parte que pretenda reclamar dessa resposta deverá fazê-lo no prazo legal contado dessa notificação ou pode aguardar pela notificação do relatório final do perito para só então reclamar das respostas a essa matéria dadas pelo especialista.
Para a recorrente só há uma prova pericial, logo só há um relatório pericial ainda que para o elaborar o perito se tenha socorrido de outros peritos que deram o seu parecer por escrito, razão pela qual a parte só tem e só pode reclamar do relatório final e quando este lhe for notificado.
Para o recorrido cada um dos especialistas que intervém na perícia médico-legal é autónomo e único responsável pela perícia que realiza, a resposta às matérias da especialidade da psiquiatria cabe ao perito dessa especialidade, essa resposta é dada através de um relatório, o qual é notificado às partes com indicação de poderem reclamar do mesmo, pelo que as reclamações sobre matéria desse relatório devem ser apresentadas então, sob pena da prática de actos inúteis.
Estas duas visões opostas convocam preceitos legais que, salvo melhor opinião, estão longe de tornar inequívoca a leitura que a parte deles faz.
A recorrente apoia-se nas normas do Código de Processo Civil atinentes ao regime adjectivo da prova pericial.
O n.º 3 do artigo 467.º desse diploma, estabelece que «as perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta».
O n.º 2 do artigo 478.º institui que «quando se trate de exames a efectuar em institutos ou estabelecimentos oficiais, o juiz requisita ao director daqueles a realização da perícia, indicando o seu objecto e o prazo de apresentação do relatório pericial».
O n.º 1 do artigo 480.º consagra que «definido o objecto da perícia, procedem os peritos à inspecção e averiguações necessárias à elaboração do relatório pericial».
O n.º 1 do artigo 481.º dispõe que «os peritos podem socorrer-se de todos os meios necessários ao bom desempenho da sua função, podendo solicitar a realização de diligências ou a prestação de esclarecimentos, ou que lhes sejam facultados quaisquer elementos constantes do processo».
O n.º 1 do artigo 484.º prescreve que «o resultado da perícia é expresso em relatório, no qual o perito ou peritos se pronunciam fundamentadamente sobre o respectivo objecto».
Por fim, o artigo 485.º estabelece o regime das reclamações contra o relatório pericial nos seguintes termos:
1 - A apresentação do relatório pericial é notificada às partes
2 - Se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações.
3 - Se as reclamações forem atendidas, o juiz ordena que o perito complete, esclareça ou fundamente, por escrito, o relatório apresentado.
4 - O juiz pode, mesmo na falta de reclamações, determinar oficiosamente a prestação dos esclarecimentos ou aditamentos previstos nos números anteriores.
À partida parece ser como diz a recorrente.
Mesmo que os peritos se sirvam de qualquer diligência, meio, averiguação ou esclarecimento das partes ou de terceiros, a lei processual apenas prevê a apresentação de um relatório da perícia, o qual é elaborado e subscrito pelo perito encarregue da sua elaboração (directamente por nomeação do tribunal ou indirectamente por designação da entidade a quem o tribunal pediu a perícia).
Com fundamento em deficiência, obscuridade ou contradição do respectivo teor ou falta da devida fundamentação das respectivas conclusões, as partes podem reclamar desse relatório. Logo, o prazo para a apresentação de reclamações inicia-se com a notificação desse relatório.
No entanto, salta de imediato à vista que estas normas adjectivas são genéricas, valem para qualquer perícia, independentemente da sua concreta configuração, e, portanto, têm como previsão a situação comum em que a pessoa encarregue da peritagem é um perito ou um colégio de peritos e é só a ele que cabe elaborar o relatório.
Como todos sabemos, a realidade é bem mais complexa que isto; em resultado da complexidade da matéria que constitui o seu objecto e dos meios e conhecimentos convocados para a sua realização, as perícias podem ter dimensões muito diferenciadas e exigir a intervenção de vários especialistas.
No despacho que ordena a realização da perícia o tribunal nomeia os peritos, ou seja, as pessoas encarregues da resposta às questões de facto que o tribunal pretender ver esclarecidas. Para efeitos da prova pericial a produzir, os peritos são as pessoas nomeadas e apenas estas.
As diligências, meios, averiguações ou esclarecimentos, das partes ou de terceiros, de que os peritos se podem servir visam apenas reunir a informação suficiente para o perito se pronunciar sobre o objecto da perícia e elaborar o respectivo relatório.
Ainda que essa informação possa exigir um conhecimento ou competência técnica que o perito não possua (o perito não tem de ter todo o conhecimento técnico indispensável, nem tem de ser capaz de realizar por si os exames que a peritagem reclama, até porque isso pode não ser possível face à extensão e indivisibilidade do objecto da perícia) e para cuja obtenção seja necessário pedir a colaboração de um especialista (nesse sentido estrito, um perito nessa matéria), este não adquire a qualidade de perito na prova pericial.
Trata-se ainda e sempre de um colaborador que é chamado a participar na prova pericial, como sucede, por exemplo, com o radiologista que é chamado a fazer um exame radiológico para o perito médico-legal avaliar a extensão das lesões ou das respectivas sequelas.
A situação que nos ocupa é diferente porque no caso a peritagem é solicitada a uma entidade pública cujo razão de ser e fim estatutário é precisamente a avaliação médico-legal do dano corporal, para o possui uma estrutura destinada a organizar e realizar a perícia médico-legal, distribuindo entre os seus agentes a intervenção na perícia.
Vejamos então agora o que nos oferece o regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses aprovado pela Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto, que o recorrido convoca para defender a necessidade de as reclamações serem feitas na sequência da notificação de cada um dos relatórios apresentados pelos diversos médicos que tenham intervenção na perícia.
O artigo 2.º estabelece que, em regra, «as perícias são realizadas, obrigatoriamente, nas delegações e nos gabinetes médico-legais e forenses do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P. nos termos dos respectivos estatutos».
O artigo 3.º determina que «as perícias solicitadas por autoridade judiciária ou judicial são ordenadas por despacho da mesma, nos termos da lei de processo, …»..
O artigo 5.º prescreve o seguinte:
1- As perícias e pareceres solicitados às delegações e aos gabinetes médico-legais do Instituto… são realizados pelos peritos designados pelos dirigentes ou coordenadores dos respectivos serviços.
[…] 4 - No exercício das suas funções periciais, os médicos e outros técnicos especialistas em medicina legal, os médicos ou outros técnicos contratados nos termos do disposto nos artigos 28.º e 29.º para o exercício dessas funções, os médicos dos serviços de saúde e as entidades terceiras referidas nos n.os 2, 4 e 5 do artigo 2.º gozam de autonomia e são responsáveis pelas perícias, relatórios e pareceres por si realizados.
5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, os peritos e entidades nele referidos encontram-se obrigados a respeitar as normas, modelos e metodologias periciais em vigor no Instituto, bem como as recomendações decorrentes da supervisão técnico-científica dos serviços.
6 - Por urgente conveniência de serviço ou em caso de manifesta impossibilidade do perito que efectuou o exame pericial, a elaboração ou conclusão do respectivo relatório poderá ser cometida pelos dirigentes ou coordenadores dos respectivos serviços a outro perito, desde que detentor de qualificação profissional igual ou superior à do primeiro e disponha das condições necessárias para esse efeito.
O artigo 9.º prevê que «o INMLCF, I. P., pode celebrar protocolos com instituições públicas ou privadas ou celebrar contratos com médicos ou outros técnicos, …, com vista à realização de exames periciais complementares e de exames complementares de diagnóstico requeridos pelas perícias efectuadas nos seus serviços».
O artigo 12.º estatui que «na prestação de esclarecimentos complementares posteriores à realização da perícia e envio do respectivo relatório médico-legal deverá prescindir-se, sempre que possível, da presença do perito, devendo a autoridade judicial que a solicita usar os meios técnicos processualmente previstos».
Por sua vez a Portaria n.º 19/2013, de 21 de Janeiro, que aprovou os Estatutos do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P., prevê a existência de serviços específicos para a realização de perícias e exames de psiquiatria e psicologia forense.
Ao contrário do recorrido, entendemos que o artigo 5.º, n.º 4, não dá resposta à questão colocada nos autos.
A autonomia dos peritos e a responsabilidade destes pelas perícias e respectivos relatórios referidas na norma referem-se, claramente, à autonomia técnica, à autonomia na realização da perícia, isto é, ao modo como eles aplicam o respectivo conhecimento técnico e científico para responderem às questões que lhe são colocadas.
Embora estejam vinculados ao Instituto e inseridos na respectiva organização, razão pela qual a sua actividade é regulada, em boa parte, pelas normas de funcionamento do Instituto, quando realizam as perícias e elaboram os respectivos relatórios os peritos não obedecem a ordens de terceiros, não se encontram numa relação de subordinação, eles aplicam com autonomia o seu conhecimento técnico e científico e, portanto, respondem com inteira liberdade e responsabilidade pessoal às questões que são chamados a apreciar.
Tudo, note-se, sem prejuízo do que dispõe o n.º 5 da norma, isto é, de ainda assim os peritos deverem «respeitar as normas, modelos e metodologias periciais em vigor no Instituto, bem como as recomendações decorrentes da supervisão técnico-científica dos serviços».
Nada disso tem a ver com a questão de saber como se relacionam entre si os vários peritos que possam ser chamados a produzir relatórios sobre o objecto da perícia determinada pelo tribunal.
Curiosamente, é a Portaria n.º 19/2013, ao prever a existência de serviços específicos para a realização de perícias e exames de psiquiatria e psicologia forense, que mais milita no sentido preconizado pelo recorrido uma vez que se existe no Instituto um serviço com a finalidade específica de realizar perícias e exames de natureza psiquiátrica, então não deverá ser o perito designado para realizar a perícia médico-legal a responder às questões dessa natureza, ou seja, estas deverão ser objecto de resposta específica pelo perito de psicologia e psiquiatria forense.
Todavia, a verdade é que nem o próprio Instituto daí retira as ilações defendidas pelo recorrido.
Por um lado porque designa a intervenção do perito psiquiatra como uma mera «perícia complementar de especialidade» necessária «para uma avaliação mais completa das consequências médico-legais do evento». O Instituto não dividiu a perícia médico-legal por matérias, designando um perito para responder a questões de uma especialidade e outro para responder a questões de outra especialidade; designou um único perito e foi este que entendeu que para (ele) avaliar convenientemente as consequências médico-legais necessitava de exames e relatórios clínicos e ainda de pareceres complementares de dois colegas especialista, um dos quais da área da psicologia e da psiquiatria forense.
Por outro lado, porque o relatório pericial final pronuncia-se sobre a totalidade da matéria que a perícia obrigou a analisar, isto é, o perito médico-legal elaborou relatório pericial sobre a totalidade das questões compreendidas no âmbito da perícia médico-legal, ainda que em resultado parcial da assimilação (porventura acrítica) do parecer psiquiátrico, de modo que as respostas dadas o vinculam a ele e não ao autor do parecer complementar de psiquiatria.
Daí que em rigor nenhuma das normas até agora analisadas permita responder à questão colocada: querendo reclamar das respostas do psiquiatra que, a pedido do perito médico-legal encarregue da realização da perícia, elaborou o parecer complementar sobre matéria da sua especialidade médica, a ré necessitava de o fazer assim que foi notificada da junção desse parecer, ainda antes de saber se e como aquele perito iria reflectir no relatório da perícia as indicações do parecer complementar?
Como decidir então essa questão?
Em tese ambas as soluções são possíveis. A nosso ver, contudo, a resposta terá de ser encontrada nos princípios gerais do processo civil, interpretados e aplicados em conformidade com os princípios constitucionais.
A propósito do processo equitativo, afirma-se no Acórdão n.º 462/2016 do Tribunal Constitucional:
«O artigo 20.º da Constituição garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efective através de um processo equitativo (n.º 4).
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente: (a) o direito de acção, no sentido do direito subjectivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (veja-se, neste sentido, entre outros, o Acórdão n.º 440/94, acessível na internet em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/, assim como os restantes acórdãos adiante referidos sem outra menção expressa).
Como resulta também da vasta jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta matéria, o direito de acção ou direito de agir em juízo, efectivado através de um processo equitativo, entendido num sentido amplo, significa não apenas que o processo deverá ser justo na sua conformação legislativa, mas também que deverá ser um processo informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais, de modo a que seja adequado a uma tutela judicial efectiva.
Neste mesmo sentido, a doutrina e a jurisprudência têm procurado densificar o princípio do processo equitativo através de outros princípios: (1) direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo, com proibição de todas as discriminações ou diferenças de tratamento arbitrárias; (2) o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas; (3) direito a prazos razoáveis de acção ou de recurso, proibindo-se prazos de caducidade exíguos do direito de acção ou de recurso; (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em tempo razoável; (6) direito ao conhecimento dos dados processuais; (7) direito à prova, isto é, à apresentação de provas destinadas a demonstrar e provar os factos alegados em juízo; (8) direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas peias formalísticas. (Cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, págs. 415 e 416).
Por outro lado, conforme tem sido entendimento do Tribunal Constitucional, se é certo que a exigência de um processo equitativo não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo, impõe, contudo, no seu núcleo essencial, que os regimes adjectivos proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efectiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.»
A propósito da imposição de ónus processuais às partes, o Tribunal Constitucional resume assim a sua jurisprudência no Acórdão n.º 96/2016, depois repetidamente citado e acompanhado:
«[…] A questão em causa nos autos enquadra-se num conjunto vasto de casos, que o Tribunal já foi chamado a apreciar, em que é imposto um ónus processual às partes (…) e em que a lei prevê uma determinada cominação ou consequência processual para o incumprimento de tal ónus (…).
Ora, a respeito das exigências decorrentes da garantia constitucional de acesso ao direito e à justiça, quando estejam em causa normas que impõem ónus processuais, o Tribunal tem afirmado que tal garantia não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo, não sendo incompatível com a imposição de ónus processuais às partes (cf., neste sentido, entre outros, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 122/02 e 46/05).
No entanto, com também tem sido salientado pelo Tribunal, a ampla liberdade do legislador no que respeita ao estabelecimento de ónus que incidem sobre as partes e à definição das cominações e preclusões que resultam do seu incumprimento está sujeita a limites, uma vez que os regimes processuais em causa não podem revelar-se funcionalmente inadequados aos fins do processo (isto é, traduzindo-se numa exigência puramente formal e arbitrária, destituída de qualquer sentido útil e razoável) e têm de se mostrar conformes com o princípio da proporcionalidade. Ou seja, os ónus impostos não poderão, por força dos artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, impossibilitar ou dificultar, de forma arbitrária ou excessiva, a actuação procedimental das partes, nem as cominações ou preclusões previstas, por irremediáveis ou insupríveis, poderão revelar-se totalmente desproporcionadas face à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta cometida, colocando assim em causa o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva (cfr., sobre esta matéria, Carlos Lopes do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, in «Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa», Coimbra Editora, 2003, pp. 839 e ss. e, entre outros, os Acórdãos n.ºs 564/98, 403/00, 122/02, 403/02, 556/2008, 350/2012, 620/13, 760/13 e 639/14 do Tribunal Constitucional).
O Tribunal Constitucional, procurando densificar, na sua jurisprudência, o juízo de proporcionalidade a ter em conta quando esteja em questão a imposição de ónus às partes, tem reconduzido tal juízo à consideração de três vectores essenciais: – a justificação da exigência processual em causa; – a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado; – e a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento dos ónus. (cf., neste sentido, os Acórdãos n.os 197/07, 277/07 e 332/07). […]».
A propósito da conformidade com a Constituição de uma cominação processual por omissão de um acto que não se encontra expressamente previsto na lei processual (que documento deve a parte juntar no recurso fundado em contradição de Acórdãos), afirma-se no Acórdão n.º 620/2013 do Tribunal Constitucional:
«[…] Apesar de vigorar, na definição da tramitação do processo civil, uma ampla discricionariedade legislativa que permite ao legislador ordinário, por razões de conveniência, oportunidade e celeridade, fazer incidir ónus processuais sobre as partes e prever quais as cominações ou preclusões que resultam do seu incumprimento, isso não significa que as soluções adoptadas sejam imunes a um controle de constitucionalidade que verifique, nomeadamente, se esses ónus são funcionalmente adequados aos fins do processo, ou se as cominações ou preclusões que decorram do seu incumprimento se revelam totalmente desproporcionadas perante a gravidade e relevância da falta, ou ainda, se de uma forma inovatória e surpreendente, face ao texto legal em vigor, são impostas às partes exigências formais que elas não podiam razoavelmente antecipar, sendo o desculpável incumprimento sancionado em termos irremediáveis e definitivos (vide, neste sentido, Lopes do Rego, em “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade, dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, em “Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa”, pág. 839 e seg.).
A exigência que o recorrente, neste tipo de recursos, juntamente com o requerimento de interposição, não se limite a juntar uma cópia do acórdão-fundamento, devendo antes apresentar uma certidão judicial que ateste a existência, o teor e o trânsito daquela decisão, não deixa de revelar-se funcionalmente adequada aos fins do recurso, não sendo uma exigência arbitrariamente imposta, sem qualquer sentido útil para a tramitação processual. Na verdade, visando este tipo de recursos a uniformização da jurisprudência, através da prolação de uma decisão que solucione uma contradição entre a fundamentação jurídica de decisões proferidas por tribunais superiores em processos distintos, é necessário assegurar-se a existência, o conteúdo e o trânsito em julgado da decisão-fundamento. E se, algumas vezes, a localização do processo onde foi proferida essa decisão e a obtenção da pretendida certidão pode colocar alguns problemas, não é possível afirmar que a imposição desse ónus à parte recorrente dificulte de modo excessivo ou intolerável a sua actuação procedimental com vista à utilização do direito ao recurso nestas situações, até porque essa exigência não é incompatível com o deferimento de um pedido do recorrente no sentido do tribunal de recurso lhe conceder um prazo suplementar que lhe permita superar os obstáculos surgidos (vide, sustentando essa possibilidade, Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, em “Código de Processo Civil anotado”, vol. 3.º, Tomo I, pág. 156, da 2.ª ed., da Coimbra Editora), ou que colabore na ultrapassagem desses escolhos.
É certo que a solução de exigir da parte do recorrente a obtenção e apresentação de elementos que o tribunal de recurso poderá obter com maior facilidade, uma vez que respeitam a decisões judiciais, inclusive de decisões que podem ter sido proferidas por esse mesmo tribunal (quando a contradição ocorre relativamente a uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça), não é seguramente necessária para a obtenção dos elementos necessários à decisão do recurso, como também não se revela a menos onerosa para as partes, mas isso não é suficiente para a excluir da área de conformação do legislador ordinário.
O problema de constitucionalidade da norma sob fiscalização reside sobretudo na consequência estabelecida para a inobservância de um requisito formal que não se encontra expressamente previsto no texto legal. Enquanto a letra do artigo 721.º-A, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, exige a mera junção de cópia do acórdão fundamento, a interpretação efectuada pela decisão recorrida, impõe que o recorrente junte certidão com nota de trânsito daquele acórdão, sob pena de, irremediavelmente, o recurso não ser admitido. A exigência de uma certidão não se compreende nos sentidos possíveis do termo “cópia”, não sendo possível retirar da necessidade do acórdão-fundamento ter transitado em julgado, a obrigatoriedade do recorrente juntar logo com o requerimento de interposição de recurso a prova documental desse trânsito. E o facto de já existirem anteriores decisões do Supremo Tribunal de Justiça sufragando o mesmo entendimento não é suficiente para se poder concluir que exista uma jurisprudência suficientemente sedimentada para que as partes, num juízo de razoabilidade, devessem contar com ela. Na verdade, a reforma operada, ao nível dos recursos, que introduziu o recurso de revista excepcional, apenas foi aplicada aos processos entrados em juízo após 1 de Janeiro de 2008, pelo que tem um tempo de vigência demasiado curto para que se possa falar, a este respeito, de uma jurisprudência de tal modo consolidada e publicitada em termos de as partes poderem ser sancionadas com a perda irremediável de um direito tão importante como é o direito ao recurso por não terem observado essa orientação jurisprudencial, sem que lhes tenha sido dado uma específica oportunidade de suprirem essa inobservância.
Neste quadro, em que o ónus imposto pela interpretação impugnada não é discernível no texto legal para os interessados em recorrer, mesmo que estes cumpram os deveres de uma conduta processual diligente e observem os ditames de prudência técnica, a sanção do não recebimento do recurso com fundamento no incumprimento desse ónus, sem que lhes seja dada uma específica oportunidade para o cumprir, revela-se uma solução manifestamente injusta.
A imposição de um ónus imprevisto, perante a letra de lei, e por isso de difícil cumprimento pelas partes, tendo como consequência para a sua inobservância a perda imediata e irremediável de um importante direito de defesa processual, como é o direito ao recurso, não é seguramente conforme a um fair trial.
Ora, a garantia da via judiciária estatuída no artigo 20.º, da Constituição, conferida a todos os cidadãos para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, abrange não só a atribuição do direito de acção judicial, mas também a garantia de que o processo, uma vez iniciado, deve seguir as regras de um processo equitativo, conforme impõe o n.º 4, do referido artigo 20.º da Constituição.
A expressão constitucional um processo equitativo é premeditadamente aberta, estando dotada de uma força expansiva que lhe permite alcançar aqueles casos, como o presente, em que o incumprimento de um ónus imprevisível é sancionado com a perda definitiva de um importante direito processual, como é o direito ao recurso (vide, neste sentido, Lopes do Rego, na ob. cit., pág. 846-849).
Aliás o Tribunal Constitucional em situações semelhantes não tem deixado de intervir, recorrendo quer a este parâmetro constitucional quer ao princípio da protecção da confiança, imanente a um Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição), como ocorreu nos Acórdãos n.º 431/02 e 213/12 (acessíveis no site www.tribunalconstitucional.pt). […]»
Esta jurisprudência do Tribunal Constitucional fornece-nos os parâmetros à luz dos quais, cremos, devem ser interpretadas as normas legais atinentes e resolvida a questão que nos ocupa.
Parece vedado interpretar o artigo 485.º do Código de Processo Civil como impondo às partes a obrigação de reclamarem de qualquer exame ou parecer complementar pedido pelo perito nomeado para realizar a perícia, logo que ele seja junto aos autos, antes da junção do relatório final da peritagem.
Tal exigência não se encontra expressamente enunciada na lei processual e, por isso, a parte não pode razoavelmente contar com ela, mesmo que actuando com a diligência devida (e isso independentemente da notificação feita oficiosamente pela secretaria com indicação de poder reclamar, uma vez que a notificação não ocorre por efeito de prévio despacho judicial que assinale à parte a necessidade de reclamar logo, sob pena de não o poder fazer mais tarde).
Além disso, constitui uma cominação processual (não poder depois reclamar do relatório final da peritagem na parte em que ele aborda a matéria sobre que recaiu o exame ou parecer complementar) que não se justifica ou não é proporcional ou adequada na medida em que a parte desconhece se e em que medida o perito nomeado irá avaliar o exame ou parecer complementar e repercuti-lo nas conclusões do relatório final da perícia, cuja autoria e responsabilidade é sua, e, por isso, a parte não sabe sequer, antes de conhecer este relatório final, se terá mesmo necessidade de reclamar para defender cabalmente os seus direitos.
O argumento de que essa obrigação de reclamar logo que tem conhecimento do exame ou parecer complementar é útil para a regular tramitação do processo e a respectiva celeridade porque evita que mais tarde se torne a abordar a questão, não procede. Enquanto o perito nomeado para realizar a perícia não elaborar e juntar o relatório final da perícia não há respostas ou conclusões periciais e, por isso, nenhuma questão que possa estar relacionada com a fundamentação e as conclusões da perícia pode considerar-se ultrapassada, razão pela qual a reclamação é tempestiva e não constitui, ela mesma, causa de qualquer atraso ou estorvo processual que não esteja compreendido no direito de acesso aos tribunais, no direito a um processo justo e equitativo e no direito à prova.
Também não colhe o argumento de que confrontado com a reclamação o perito que subscreve o relatório pericial se limitará a remeter para o parecer complementar elaborado pelo psiquiatra, como parece ocorrer no relatório pericial.
Para decidir se admite a reclamação, o tribunal deve fiscalizar se a reclamação obedece ao respectivo fundamento legal (fundar-se em deficiência, obscuridade ou contradição do relatório pericial ou falta da fundamentação devida das conclusões) e se não é manifestamente impertinente ou dilatória. Mas apenas deve fazer essa avaliação; o tribunal não pode, por exemplo, fazer projecções (a projecção do julgador) sobre a resposta que o perito dará à reclamação porque não lhe cabe substituir-se ao perito (por isso é que foi necessária a perícia).
Mesmo que o perito venha defender que sobre a matéria da reclamação terá de ser ouvido o autor do parecer complementar, porque no seu relatório se limitou a aceitar e absorver as conclusões desse parecer, isso não obsta à pertinência da reclamação, nem impede que as questões suscitadas nesta sejam respondida pelo especialista da matéria cujo contributo influenciou o relatório pericial e as correspondentes conclusões.
Por tudo isso, sem prejuízo de opinião diversa, afigura-se-nos que, desde que devidamente interpretadas em conformidade com as normas e princípios constitucionais, as normas processuais permitem à parte reclamar do relatório final da perícia, no prazo legal contado da notificação deste, ainda que sobre matérias para as quais o perito autor daquele relatório solicitou a outro especialista um parecer que deu origem a uma documento escrito anteriormente junto aos autos e notificado à parte.
Procede, por isso, o recurso.

IV. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida, admitindo a reclamação do relatório pericial deduzida pela ré.
Custas do recurso pelo recorrido, o qual vai condenado a pagar à recorrente, a título de custas de parte, o valor da taxa de justiça que suportou e eventuais encargos.
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Porto, 10 de Abril de 2025.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 886)
Paulo Duarte Teixeira
Álvaro Monteiro

[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]