Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ISOLETA DE ALMEIDA COSTA | ||
Descritores: | ALIMENTOS ENTRE EX-CONJUGES PRESSUPOSTOS FACTOS ESSENCIAIS FACTOS COMPLEMENTARES OU CONCRETIZADORES | ||
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Nº do Documento: | RP2025041036/23.3T8SJM.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Na obrigação de alimentos entre ex cônjuges o pressuposto nuclear da obrigação é a demonstrada incapacidade do/a requerente prover à satisfação das suas necessidades alimentares /vestuário/saúde/ habitação, como referido no artigo 2004º do CC e, só uma vez, esta demonstrada, se convocam os critérios que resultam do teor do artigo 2016-A, do mesmo diploma. II - Ao tribunal não é lícito conhecer de factos essenciais que pelas partes não hajam sido alegados (salvo as exceções previstas nos artigos 412º e 612º, do Código de Processo Civil) sem prejuízo, de quanto os “factos essenciais complementares ou concretizadores” dos factos essenciais, resultantes da instrução da causa se admitir que o juiz possa deles conhecer oficiosamente, desde que sobre os mesmos e sobre a sua atendibilidade (na sentença) seja exercido o prévio contraditório. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo: 36/23.3T8SJM.P1 SUMÁRIO ……………………………… ……………………………… ……………………………… ACORDAM OS JUIZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO. AA demandou BB, ambos melhor id. nos autos, requerendo que seja decretado o divórcio entre si e o Réu, e fixado a seu favor o montante da prestação de alimentos a cargo do Réu no montante de €200,00 mensais. O Réu citado não compareceu à tentativa de conciliação nem contestou. Os autos prosseguiram para julgamento. Foi proferida sentença que decidiu: A) - julgar a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, decreto o divórcio entre AA e BB, com base na separação de facto consecutiva superior a um ano e na rutura definitiva do casamento, declarando-se dissolvido o seu casamento a que se reporta o Assento de Casamento nº ..., do ano de 2014, da Conservatória do Registo Civil de São João da Madeira. B) - Julgar o pedido de fixação de alimentos improcedente, por não provado, dele se absolvendo o Réu. Foi a seguinte a factualidade convocada na sentença: Factos provados: 1 - A Autora e o Réu celebraram casamento civil no dia 14 de abril de 2000 no Fórum ..., comarca de João Pessoa, Estado de ..., República Federativa do Brasil, tinha ele na altura 46 anos de idade e ela 36 anos de idade. 2 – O casamento foi transcrito em Portugal, conforme consta do Assento de Casamento nº ... do ano de 2014 da Conservatória do Registo Civil de São João da Madeira. 3 - Autora e Réu têm quatro filhos, todos maiores de idade. 4 - A presente ação foi proposta no dia 12/01/2023. 5 – Desde janeiro de 2022 que a Autora e Réu perderam a estima e o afeto que tinham um pelo outro, passaram a residir em habitações diferentes, ela continuou na casa de morada de família e ele passou a morar numa roulotte, deixaram de trocar carinhos, de dormir juntos, de tomar refeições juntos, de sair e passear juntos, vivendo separados um do outro, com economias separadas, não desejando a Autora restabelecer a vida em comum com o Réu. 6- Ao longo do casamento era a Autora quem se ocupava das lides domésticas e das tarefas da casa e por volta dos 34 anos de idade começou a ter problemas na coluna vertebral e a ter dificuldades em cuidar de casa e dos filhos, sendo que quando estava doente era o Réu quem lhe prestava assistência e cuidava dela. 7 – A Autora, não obstante as doenças de que padece desde há vários anos, sempre foi quem cuidou dos filhos, enquanto menores e do lar, realizando todas as tarefas domésticas. 8 – No dia 15/12/2022 foi atribuída à Autora uma “incapacidade permanente global definitiva” de 68%, recebendo prestação social para a inclusão e complemento, no valor mensal de €550,67, sendo que foi titular de uma pensão social de invalidez, paga pelo Centro Nacional de Pensões até 12/2017, recebendo, desde 01/2018, a referida prestação social para a inclusão e complemento. 9 – A Autora reside na casa que foi de morada de família, habitação social, propriedade do Município ..., em regime de “Renda Apoiada”, sendo a Autora a única titular do contrato de arrendamento, celebrado no dia 28/03/2013, custando a renda e as despesas de condomínio cerca de €16,50 mensais. 10 – A Autora gasta em alimentação, água, eletricidade, telecomunicações, gás, despesas normais de vestuário, calçado e produtos de higiene quantia não concretamente apurada. 11 – Os problemas clínicos de que padece implicam a toma diária de medicação prolongada clinicamente prescrita. 12 – Tem tido melhorias ao nível da saúde, desde que o marido saiu de casa. 13 – Em razão de ser portador de uma incapacidade resultante de acidente de trabalho, o Réu aufere uma pensão vitalícia paga por Entidade Suíça (“SUVA”) e que no ano de 2023 era do montante de CHF 1.363,85. 14 – O mesmo reside numa roulotte cuja propriedade está registada em seu nome, aparcada num terreno por cuja ocupação paga €50,00 mensais. 15 – À data de 15/01/2024, com exceção da referida roulotte, não constam veículos automóveis registados em nome das partes. 16 – Com referência à data de 23/01/2024 o Réu não recebe pensão/subsídios, nem tem qualificação de trabalho por conta de outrem, nem remunerações declaradas, tendo atividade independente desde 2022/02/04 e enquadrado, com responsabilidades de fazer declaração contributiva e pagamento de contribuições a partir de 2023/02/01, pagamentos esses em dívida, tem situação ativa- com CAE – …-Outras Atividades Desportivas, NE. 17 - Até à data de 27 de setembro de 2024 não consta junto da AT a entrega e qualquer declaração mod. 3 de IRS, e embora conste coletado desde 04-02-2022, não consta a emissão de qualquer “recibo verde”. 18 - Com referência à data de 30 de setembro de 2024 o mesmo não recebe qualquer pensão, subsídio ou prestação social paga pelo Centro Nacional de Pensões ou Segurança Social Portuguesa. 19 – A Autora nasceu no dia ../../1963 e o Réu no dia ../../1953. Factos não provados: Não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa, designadamente: - que a incapacidade de que padece a Autora seja incompatível com o exercício de qualquer atividade profissional, ou que a mesma esteja, de todo, “incapacitada”, mesmo para pequenos esforços; - que a Autora receba mensalmente auxílio do Centro Comunitário Porta Aberta da Santa Casa da Misericórdia de ..., recebendo um cabaz com produtos alimentícios (farinha, arroz, massa, óleo, azeite e por vezes carne e peixe congelados); - que a mesma despenda mensalmente a quantia de €25,00 em medicamentos. - que a mesma despenda, mensalmente, em deslocações de táxi de e para o Hospital a quantia de €35,00. - que o Réu acumule a pensão que aufere da Suíça com algum outro trabalho a tempo parcial, designadamente na formação do A..., ou outro. DESTA SENTENÇA APELOU A AUTORA QUE FORMULOU AS SEGUINTES CONCLUSÕES (…) 4. Com base no teor dos relatórios clínicos, do atestado de incapacidade e da prescrição de medicação prolongada deveria ter sido dado como provado, com relevância para a boa decisão da causa, os seguintes factos: “facto 20. A incapacidade de que padece a Autora é incompatível com o exercício de qualquer atividade profissional e a mesma está “incapacitada”, mesmo para pequenos esforços.” “facto 21. A Autora despende mensalmente, pelo menos, a quantia de €120,00 em medicamentos”. 5. Os relatórios clínicos e o atestado de incapacidade foram elaborados com base em conhecimentos técnicos constantes e que ademais encontraram eco na prova testemunhal inquirida em sede de audiência de julgamento, deviam ter sido dados como provados, designadamente no depoimento das testemunhas CC, BB e DD. 6. No que concerne ao montante mensal gasto com medicamentos consta dos autos prova documental referente à prescrição prolongada de medicamentos e o custo mensal dos mesmos decorre do depoimento das testemunhas CC, BB e DD (…) BB (…) 8.O Tribunal devia ter dado como provados os seguintes factos: “ Facto 22. Na constância do casamento e da união de facto que o precedeu, a Autora nunca trabalhou, porque o Réu não permitiu que ela trabalhasse”. (cfr. depoimento da testemunhas CC (…) BB (…) DD. “Facto 23. A Autora depende da ajuda de familiares para prover fazer face a despesas de medicação e despesas de água e de luz.” (cfr. depoimento da testemunhas CC (…) BB” (…) DD 9. Decorre de forma unânime do depoimento das testemunhas que a Autora necessita da ajuda de terceiros para fazer face às despesas inerentes à sua subsistência básica, designadamente, no dizer das próprias testemunhas, despesas de medicação, despesas de água e luz, donde decorre a necessidade de alimentos. (…) 12. In casu, estamos perante alguém com mais de 60 anos de idade, com uma incapacidade de 68%, com um estado de saúde manifestamente frágil, que demanda necessidade de medicação permanente, o que per se, tal como alegado na petição inicial e resulta das regras da experiência comum, lhe acarreta necessidades especiais, nomeadamente, em termos alimentares e, por exemplo, de aquecimento, com os inerentes custos acrescidos. 13. Ponderando o gasto mensal em medicamentos que ultrapassa os 120,00€, conforme decorre da prova testemunhal, bem como o aumento constante do preço dos géneros alimentícios, mormente dos de primeira necessidade, considera-se que a satisfação das necessidades alimentares básicas, mínimas e indispensáveis com que se vê confrontada a Recorrente demandam um dispêndio superior àquele de que uma criança necessita e àquele de que um homem médio necessita. 14. Crê a Recorrente que, nas particulares circunstâncias do caso concreto, utilizar o Indexante dos Apoios Sociais é atentatório do princípio da dignidade da pessoa humana plasmado no art. art. 1º da Constituição da República Portuguesa. 15. Reconhecida a incapacidade da Recorrente para prover ao seu sustento e a necessidade de alimentos, o art. 2016.º-A do Código Civil, prevê os critérios de fixação do montante dos alimentos a prestar, critérios esses que o Tribunal a quo devia ter considerado in casu e que desconsiderou. 16. Aplicando tais critérios ao caso sub judice resulta, no que diz respeito à duração do casamento, que, pese embora o casamento remonte ao ano 2000, o mesmo foi precedido de uma situação de união de facto, que remonta a mais de 20 anos antes e de uma relação sentimental que existe, desde que a Recorrente tinha apenas 16 anos de idade e o Réu 26 anos, sendo que durante toda a vida em comum a Autora não trabalhou, porque o Réu não consentiu que tal acontecesse. (…) 19. A sentença ora em recurso deu como provado que o Recorrido auferia no ano 2023 uma pensão vitalícia no montante mensal de CHF 1.363,85 e que o mesmo reside numa roulotte cuja propriedade está registada em seu nome, aparcada num terreno por cuja ocupação paga €50,00 mensais, sendo que mesmo que considerando que o Recorrido terá de fazer face a normais despesas de alimentação e vestuário, bem como as despesas de saúde, dúvidas não restarão de que o mesmo tem capacidade económica para pagar mensalmente à Recorrente a quantia de 200,00€ a título de alimentos. (…) 22. (…) o direito a alimentos, não poderá deixar de se considerar que tal direito deve ser perpétuo. (…) (cfr. art. 2012º, 2013º e 2019º do CC), (…) 26. A douta sentença violou os art.ºs. 8.º, n.º 2 e 3, 9º, n.º 1, 1671 n.º 1, 1672º, 2003º, 2004º, 2009º n.º 1 al. a), 2016º-A todos do Código Civil e 1º, 13.º n.º 1, 18.º, 205º, e 266 n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, bem como o disposto nos artigos 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, violando ainda o dever de fundamentação e o princípio da livre apreciação da prova. Impondo-se a condenação do Recorrido no pagamento da prestação de alimentos à Recorrente, de valor mensal nunca inferior a 200,00€ (…) Nada obsta ao mérito. O OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil). Atentas as conclusões da recorrente as questões a decidir são as seguintes: 1- Recurso da matéria de facto 2- Divórcio. Direito a alimentos do ex cônjuge. Pressupostos. Ónus da Prova O MÉRITO DO RECURSO: FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra. I FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: I.1 O recurso de impugnação da matéria de facto Pretende a Recorrente a alteração da seguinte matéria de facto não provada constante da sentença: “- que a incapacidade de que padece a Autora seja incompatível com o exercício de qualquer atividade profissional, ou que a mesma esteja, de todo, “incapacitada”, mesmo para pequenos esforços”; “- que a mesma despenda mensalmente a quantia de €25,00 em medicamentos”. Requer que em sua substituição seja dado como provado que: “ facto 20. A incapacidade de que padece a Autora é incompatível com o exercício de qualquer atividade profissional e a mesma está “incapacitada”, mesmo para pequenos esforços.” “facto 21 A Autora despende mensalmente, pelo menos, a quantia de €120,00 em medicamentos” Sustenta a sua pretensão (i) no teor dos relatórios clínicos juntos aos autos; (ii) na prescrição medicamentosa junta (iii) e no depoimento das testemunhas CC, BB e DD. Por sua vez a sentença motivou os factos não provados pela seguinte forma: (…) quanto à aquisição dos medicamentos, em razão de a Autora ser portadora de invalidez certificada por Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, e da existência de benefícios sociais associados a portadores de invalidez, designadamente por parte do Município ..., conforme Programa de Apoio às Famílias do Município ... — «...», Aviso n.º 2197/2024, Diário da República, 2.ª série, Parte H, pese embora a prescrição médica dos medicamentos, a Autora não demonstrou, neste contexto, que seja a mesma a suportar o custo da sua aquisição; Não obstante do “Atestado de Doença” de 17/06/2022 e “Declaração Médica” de 15/11/2022, ambos juntos aos autos, constar, no campo da “Limitação Funcional/Incapacidade”, que que a Autora apresenta “incapacidade para pequenos esforços”, na Junta Médica a que foi sujeita para a avaliação da incapacidade, conferiram-lhe o grau de “incapacidade permanente global definitiva” de 68%, sendo que a Autora não alegou que não consiga, ainda que com dificuldades, por exemplo, deslocar-se às consultas, ir à farmácia, ir às compras, fazer a sua higiene sozinha ou tratar das suas lides domésticas, tais como tratamento da roupa, confecionar as refeições, fazer a higiene e limpeza da sua habitação, nem alegou que necessite ou esteja dependente de ajuda de terceiros para fazer tal tipo de tarefas, na certeza também de que, conforme a mesma alegou na petição, e foi dado como provado, a Autora, não obstante as doenças de que padece, desde há vários anos, sempre foi quem cuidou dos filhos, enquanto menores e do lar, realizando todas as tarefas domésticas”. I.2 Requer ainda o aditamento dos seguintes factos alegadamente decorrentes da prova testemunhal produzida: “22. Na constância do casamento e da união de facto que o precedeu, a Autora nunca trabalhou, porque o Réu não permitiu que ela trabalhasse. 23. A Autora depende da ajuda de familiares para prover fazer face a despesas de medicação e despesas de água e de luz.” 2. Questão prévia à apreciação do recurso da matéria de facto. Os factos cujo aditamento se requer sob os nº “22. Na constância do casamento e da união de facto que o precedeu, a Autora nunca trabalhou, porque o Réu não permitiu que ela trabalhasse” e “23. A Autora depende da ajuda de familiares para prover fazer face a despesas de medicação e despesas de água e de luz.” não foram alegados pela requerente no seu articulado. Aliás, o requerido aditado facto 22, encontra-se até em contradição com o facto alegado pela requerente/recorrente no artigo 13 da petição inicial com o seguinte teor: “ Era o R. que geria todos os rendimentos do casal, quer os auferidos por si, quer os auferidos pela esposa, enquanto esta trabalhou”(a indiciar até uma lide recursiva temerária). Por outro lado o requerido aditado facto 23, é uma asserção meramente conclusiva, desgarrada de qualquer materialidade concreta e como tal insuscetível de figurar na fundamentação de facto (cfra artigo 607º nº 4 e 5 do Código de Processo Civil). 2.1 Ainda que assim não fosse e sem prejuízo, no que respeita aos factos não alegados pelas partes o seu aditamento à fundamentação de facto depende da verificação dos requisitos impressos no artigo 5º nº 2, do Código de Processo Civil. Com efeito, como fizemos constar no acórdão de 23/01/2025 da mesma Relatora, 6578/23.3T8VNG.P1, in dgsi, que aqui transcrevemos na parte aplicável a este recurso por comodidade de escrita (…) “Os factos essenciais são os que integram a causa de pedir, isto é, aqueles em que se baseia a pretensão do A. deduzida judicialmente; são os factos que concretizam e densificam a previsão normativa em que se funda a pretensão deduzida ou integram as exceções materiais opostas à pretensão do autor. Os factos essenciais constitutivos da causa de pedir/exceção devem ser alegados pelas partes (nos termos do art. 5.º/1 do CPC) e só por estas. Este mesmo artigo 5º, no nº 2, vem prever: “2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; Assim é que são ainda essenciais os factos que sejam complemento ou concretização da causa de pedir/exceção (nos termos do art. 5.º/2/b) do CPC), embora não façam parte do núcleo essencial da situação jurídica alegada nos articulados. Ao tribunal não é lícito conhecer de factos essenciais que por elas não hajam sido alegados (salvo as exceções previstas nos artigos 412º e 612º, do Código de Processo Civil) sem prejuízo, porém, de no que respeita aos “factos essenciais complementares ou concretizadores” dos factos essenciais, resultantes da instrução da causa se admitir que o juiz possa deles conhecer oficiosamente, desde que sobre os mesmos e sobre a sua atendibilidade (na sentença) seja exercido o devido contraditório (atento o disposto nos art. 3.º/3 e 5.º/2/b) do CPC), ou seja, desde que o juiz anuncie às partes, antes do encerramento da audiência, que está a equacionar tal “mecanismo” (previsto no art. 5.º/2/b) do CPC) de ampliação da matéria de facto. Por sua vez, os factos instrumentais são aqueles cuja ocorrência conduz à demonstração, por dedução, dos factos essenciais. São factos de cuja prova não depende a procedência da ação ou da exceção (não integram a causa de pedir/exceção), a sua função é probatória, porquanto servem fundamentalmente para formar a convicção do julgador sobre a ocorrência ou não dos factos essenciais que dos mesmos se possam inferir. Os factos instrumentais não carecem de alegação, como claramente resulta do art. 5.º/2 alinea a) do CPC; e resultando provados da discussão e julgamento da causa nada impede que sejam considerados na fundamentação da decisão da matéria de facto (é por isto que a discriminação dos factos que o juiz considere provados, imposta pelo art. 607.º/3 do CPC, respeita tão só aos factos essenciais, situando-se o campo privilegiado dos factos instrumentais na motivação da convicção do julgamento de facto, sendo este o sentido do segmento “indicando as ilações tiradas de factos instrumentais” constante do art. 607.º/4 do CPC). Neste sentido Neto, Abilio - Novo Código de Processo Civil anotado. 2º Edição revista e ampliada. Lisboa: Ediforum. Janeiro/2014, pp.25-26 escreve que “os factos instrumentais que resultam da instrução da causa, como resulta do artigo 5º nº 2, do Código de Processo Civil, são aqueles que são suscetíveis de esclarecer e clarificar os factos essenciais que são parte integrante da discussão da causa . Deste regime legal, singelamente transcrito, se, retiram duas conclusões: a primeira, é que o aditamento de factos complementares/concretizadores dos factos essenciais não alegados é admissível na fase do julgamento em primeira instância e precedido de contraditório prévio (artigo 3º nº 3 e 5º nº 2 al b), do Código de Processo Civil) e a segunda, é que o aditamento dos factos instrumentais visa tão somente a motivação do julgamento de facto destinando-se estes a servir à demonstração dos factos essenciais alegados na ação. Isto posto, é para nós fora de duvida, que a Relação excetuados os casos referidos nos artigos 412º e 612º do Código de Processo Civil, não pode proceder ao aditamento de factos essenciais ou complementares não alegados pelas partes, por a tanto, obstar o disposto no artigo 5º nº 1 e 2 b) do Código de Processo Civil. Já no que respeita aos factos instrumentais atenta a sua natureza e finalidade e porquanto os mesmos apenas interessam indiretamente à solução do pleito, não pertencendo à norma fundamentadora do direito são-lhe, em si, indiferentes, pelo que o seu aditamento ou convocação apenas se justifica se destinados a servir ao juízo de prova (neste caso de reapreciação da prova dum facto essencial). 2.2 Também por esta razão de índole estritamente processual a pretensão da recorrente neste segmento não pode ser atendida porquanto não estamos perante factos instrumentais dado que os mesmos não servem para fundamentar qualquer juízo de reapreciação da prova. Donde, a manifesta falta de fundamento deste segmento da pretensão recursória da Recorrente que em tais termos, se, desatende. 2.3 A fundamentação supra é igualmente aplicável à requerida alteração da matéria de facto não provada redação proposta para o facto 21 com o seguinte teor: “A Autora despende mensalmente, pelo menos, a quantia de €120,00 em medicamentos” É que as despesas da requerente/recorrente constituem alegações de facto essenciais ao direito de alimentos reclamado (artigo 2003 do CC ), pelo que, tendo a requerente alegado no artigo 58º da petição inicial que “ despende mensalmente a quantia de 25,00€ em medicamentos”, não pode nos termos já referidos pretender que o tribunal adite um facto novo essencial, não alegado por si e até em contradição com a sua versão trazida ao processo seja porque tal não é permitido pelo artigo 5º nº 1 e nº 2 do Código de Processo Civil seja porque tal pretensão ofende inclusive as regras da boa fé processual. Desatende--se também aqui à sua pretensão recursória, liminarmente. 2.4 Prosseguindo e quanto à demais alteração pretendida no recurso da impugnação de facto consistente na alteração de não provado para provado da asserção: “ a incapacidade de que padece a Autora seja incompatível com o exercício de qualquer atividade profissional, ou que a mesma esteja, de todo, “incapacitada”, mesmo para pequenos esforços”; há que refletir que a questão suscitada prende-se com o reclamado direito a alimentos da Recorrente a prestar pelo seu ex cônjuge. O conhecimento da impugnação da matéria de facto pelo tribunal da Relação está interligado aos efeitos que da mesma se podem retirar no que respeita à alteração da decisão recorrida. Daí que sempre que a alteração do julgamento dos factos no sentido preconizado pelo recorrente se mostre irrelevante para a definição do direito aplicável, não deve conhecer-se da mesma por se tratar de atividade inútil. Veja-se por todos o acórdão da Relação de Coimbra, de 27/01/2014 (Moreira do Carmo) e o acórdão da Relação de Guimarães (de 11/07/2017, Maria João Matos) “…por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente”. Donde o necessário juízo prévio de prognose da utilidade do conhecimento desta matéria de facto em relação à definição do direito reclamado. 2.4.1. Assim é que, numa aproximação necessariamente breve porquanto não se justifica uma análise detalhada do instituto que de resto foi apreciado na sentença, por modo que secundamos sem reserva, relembramos que a Reforma do Divórcio de 2008 tendo alterado o paradigma anterior e assumido o modelo do divórcio-constatação da rutura do casamento na sua plenitude, reclama “maior liberdade na vida privada, mais margem de manobra individual” e a possibilidade de voltar à conjugalidade. (Cfra Exposição de Motivos do Projeto de lei n.º 509/X, 6 e 7) num “clean break”, com consequências também nos alimentos e consagração do princípio da autossuficiência acolhido expressamente com a nova formulação do n.º 1 do art. 2016.º do CC Passou a determinar-se no presente regime que qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, “independentemente do tipo de divórcio” (art. 2016.º, n.º 2 do CC). As situações de alimentando e o alimentante a partir de então passam a ser apreciadas apenas à luz dos critérios de “necessitado” e de “habilitado a prover”, nos termos gerais, donde que a obrigação alimentícia pós-divórcio funda-se hoje num quadro de pressupostos que comunga com a obrigação alimentar comum — o binómio constituído pelas necessidades do alimentando e pelas possibilidades do obrigado. (cfra Guilherme de Oliveira, A Nova Lei do Divórcio, 30) Daí que a situação de “necessidade” do alimentando é que justifica o recurso ao mecanismo alimentar, que, grosso modo, só se efetivará se o chamado tiver “possibilidades” de lhe corresponder. Esta “necessidade” da obrigação alimentícia, pelo alimentando é o pressuposto central desta. E “é na centralidade da necessidade que se pode apoiar uma primeira conclusão de que a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges tem como finalidade suprir uma carência” “assumindo, desta forma, natureza alimentar”. (ver, Maria de Nazareth Lobato de Guimarães, Alimentos, 206, apud Paula Távora Vítor Revista Julgar nº 40- os alimentos pós-divórcio — entre a solidariedade e a responsabilidade ). 2.4.1.1. De resto, desde a versão original do atual Código Civil, que na fixação dos alimentos se impõe atender “à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência” (art. 2004.º, n.º nº 1e 2, CC ) Vaz Serra já classificava os alimentos como “um meio extremo”, que não seria justificável “[s]e o alimentando puder prover às suas necessidades através do trabalho ou outros meios”. Adriano P. S. Vaz Serra, Obrigação de alimentos, 117; ainda no contexto do regime anterior a 2008, Pereira Coelho e Guilherme Oliveira consideravam que a referência expressa do n.º 2 do art. 2004.º à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência, reforçada pela abertura do art. 2016.º, n.º 3, a outros critérios, tornava nítido que “o ex-cônjuge deve procurar angariar proventos com o seu trabalho, exercendo as suas qualificações profissionais” — F. M. Pereira Coelho, Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2008, vol. I, 698 — e Remédio Marques encontrava este princípio implícito no art. 2003.º do Código Civil. J. P. Remédio Marques, Algumas Notas sobre Alimentos (Devidos a Menores) “Versus” o Dever de Assistência dos Pais Para Com os Filhos (Em Especial Filhos Menores), 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2007, 42, nota 44. Rita Lobo Xavier também reconhece que “(...) já resultava da norma do n.º 2 do art. 2004.º, integrada nas disposições gerais do Código Civil sobre alimentos”. Rita Lobo Xavier, Recentes Alterações, 38, todos apud Paula Távora Revista Julgar nota 44. 2.4.2. Decorre de todo o exposto que se o (a) requerente dos alimentos conseguir responder às suas necessidades através do trabalho ou através de outros meios, o crédito não deve existir (ver, neste sentido, Adriano P. S. Vaz Serra, ibidem pp, 117). A medida da “necessidade” convoca subsequentemente uma obrigação de alimentos que deve ser determinada ainda em função dos critérios conformadores da necessidade que são enunciados no art. 2016.º-A, n.º 1 do CC . Neste sentido se pronunciou o acórdão deste TRP de 15-09-2011 (Filipe Caroço) in dgsi afirmando que: “se o princípio da autonomia económica do ex-cônjuge não foi tão longe quanto se chegou a propor [No texto da Proposta de Lei n.º 509/X, que chegou a ser aprovada no Plenário da Assembleia da República e no âmbito da qual resultou o Decreto da AR n.º 232/X, era então estipulado, no artigo 2016.°-B do C.C, que a obrigação de alimentos devia ser estabelecida por um período limitado, salvo razões ponderosas, sendo que este período podia ser renovado. Aquele preceito foi eliminado], a verdade é que cada um dos ex-cônjuges deverá em princípio prover à sua subsistência. E só se a um deles tal não for de todo possível, terá então o direito a receber alimentos do outro cônjuge, em montante que lhe permita garantir um mínimo de vida digna, e sempre de acordo com as reais possibilidades económicas do ex-cônjuge obrigado a prestá-los. Este direito, assentando num dever assistencial que perdura para além do casamento, passou a ter carácter subsidiário e, seguramente, limitado pela obrigação de socorro numa situação de grande exigência resultante de manifesta carência de meios de subsistência num quadro de impossibilidade ou séria dificuldade de obtenção de rendimento suficiente à realização de uma vida minimamente condigna”. 2.5. Ora, de tudo quanto se expôs é inarredável concluir que o primeiro pressuposto o pressuposto nuclear da obrigação de alimentos entre ex cônjuges é a demonstrada incapacidade da requerente prover à satisfação das suas necessidades alimentares /vestuário/saúde/ habitação como referido no artigo 2004º do CC, a que uma vez demonstrada esta se somam os critérios que resultam do teor do artigo 2016-A, do mesmo diploma. Esta capacidade para prover às suas necessidades tanto pode resultar do trabalho como doutro tipo de fontes de rendimentos como sejam os subsídios ou pensões auferidas, ou outros. Como resulta dos factos provados a Requerente tem um rendimento mensal de 550,69 euros, este rendimento não pode deixar de ser ponderado na definição da sua necessidade em função das despesas mensais que a mesma apresenta. No que diz respeito a despesas resulta apurado que a recorrente despende mensalmente com a renda de casa o valor de €16,50. Não alegou ou demonstrou ter despesas mensais que esgotem o valor dos seus rendimentos, daí desde logo a insubsistência da sua pretensão sendo para o efeito irrelevante quer a situação de incapacidade em que a mesma se encontra e bem assim a sua extensão quer a sua contribuição para a vida conjugal enquanto o casamento durou pois esta apenas importaria caso se verificasse aquela insuficiência no binómio receita/despesa. 2.6 Do exposto se pode concluir que a alteração da matéria de facto, no ponto aqui em análise, mesmo que no sentido preconizado pela recorrente é insuscetível de produzir qualquer efeito na decisão recorrida, pelo que, por inutilidade, se não conhece da mesma. Donde que pela razões expostas concluímos que a requerente/recorrente não logrou demonstrar os pressupostos do direito a alimentos reclamados, merecendo a sentença, por isso, confirmação. Nem tem aqui cabimento a convocação dos princípios constitucionais insertos nos artigos 1º, 23º, nº 1, 18º. 205º e 266º nº 2, cuja violação não surge substanciada/concretizada devidamente; sendo que a fundamentação da decisão recorrida é lateral ao recurso. Com efeito o que é recorrível á a decisão, não a fundamentação (artigo 627º nº 1 do Código de Processo Civil). SEGUE DELIBERAÇÃO. NÃO PROVIDO O RECURSO. CONFIRMADA A SENTENÇA RECORRIDA. Custas pela Recorrente. Porto, 10 de abril, de 2025 Isoleta de Almeida Costa Manuela Machado João Venade |