Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | RUI MOREIRA | ||
| Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO CULPA VALORAÇÃO DANO MORTE DA VÍTIMA DANOS NÃO PATRIMONIAIS EQUIDADE | ||
| Nº do Documento: | RP2025093016195/24.5T8PRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 09/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE REVOGADA A SENTENÇA | ||
| Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - É adequada a fixação da culpa da condutora de um veículo e de uma vítima de atropelamento em 60% e 40% respectivamente, quando a condutora circula a velocidade inferior a 50 km/h, mas não vê a vítima a travessar a via, quando esta era visível para outros utentes da via, no mesmo local, e a vítima atravessava a faixa de rodagem, composta por quatros vias de trânsito (duas para cada lado), fora da passadeira, que se encontrava a menos de 50 metros, e quando, nessa passadeira, o sinal luminoso se encontrava vermelho para o atravessamento de peões e verde para os carros que circulavam como o da atropelante. II - Nas circunstâncias do caso, não merece alteração a sentença que fixou a indemnização pelo dano morte da vítima, que contava 65 anos, em 85.000,00€; a indemnização pelos seus danos morais em 20.000,00€, e a indemnização dos danos morais de cada um dos seus dois filhos em 25.000,00€., valores estes a limitar em função do grau de culpa da própria vítima. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | PROC. N.º 16195/24.5T8PRT.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Central Cível do Porto - ... REL. N.º 979 Relator: Juiz Desembargador Rui Moreira 1º Adjunto: Juiz Desembargador Ramos Lopes 2º Adjunto: Juíza Desembargadora Maria Eiró * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: 1. RELATÓRIO AA, residente na Rua ..., ..., Porto, e BB, residente no Brasil, por si e na qualidade de HERDEIROS DE CC, intentaram a presente acção declarativa comum contra A..., COMPANHIA DE SEGUROS DE VIDA, S.A., com sede no Edifício ... -Praça ... em Lisboa, pedindo a condenação da ré no pagamento das quantias de: a) 100.000,00€ (cem mil euros) a título de compensação pela lesão do direito à vida de CC, vítima mortal de atropelamento b) 20.000,00€ (vinte mil euros) a título de compensação pelos danos morais da própria vítima, sofridos antes da morte; c) 50.000,00 € a título de compensação dos danos não patrimoniais/ danos morais, sofridos pelos próprios Autores em virtude da morte da sua mãe, CC; d) €5.171,84 (cinco mil cento e setenta e um euros e oitenta e quatro cêntimos), a título de compensação dos danos patrimoniais sofridos pelos próprios Autores, relativa a despesas de funeral, cartório, habilitação, procurações: e) €4.887,09 (quatro mil oitocentos e oitenta e sete euros e nove cêntimos), a título de indemnização das despesas com viagens de deslocação do Brasil f) 114. 800,00€ (cento e catorze mil e oitocentos euros), considerando que a vítima tinha 65 anos, 20 anos de vida ativa ainda pela frente, até aos 85 anos como esperança de vida; g) Quantias acrescidas de juros legais a partir da citação até efectivo e integral pagamento. Alegaram que a sua mãe faleceu em consequência de atropelamento da responsabilidade do condutora de veículo seguro na ré. A ré, regularmente citada apresentou contestação, onde se pronunciou pela improcedência da acção, alegando que a culpa do acidente se deveu à conduta da própria vítima de atropelamento. Foi proferido despacho saneador. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré no pagamento aos autores, de forma solidária, da quantia de setenta e oito mil, setecentos e cinquenta euros (78.750,00 €), pelos danos sofridos pela falecida mãe, cumulativamente com o pagamento, a cada um dos autores da quantia de dezoito mil, setecentos e cinquenta euros (18.750,00 €), pelo dano próprio, relacionado com a morte da mãe, quantias estas acrescidas de juros de mora contados desde o dia posterior ao da sentença, à taxa de 4%, até efectivo e integral pagamento. Mais a condenou no pagamento, à autora, da quantia de novecentos e oitenta e oito euros e setenta e três cêntimos (988, 73 €), por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação, à taxa de 4%, até efectivo e integral pagamento. É desta decisão, que vem interposto recurso, pela R, que pretende que à própria vítima seja reconhecida culpa pelo atropelamento, na proporção de 60% (em vez dos 25% arbitrados) bem como a limitação dos valores indemnizatórios fixados para a indemnização do dano da morte e dos danos morais de cada um dos autores. Conclui nos seguintes termos: A) A decisão dos autos viola disposições processuais e substantivas e, por conseguinte, necessita de ser alterada. B) Nos termos do disposto no art.º 483.º n.º 1 do CC, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos que desse facto resultarem. C) No âmbito da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos emergentes de acidentes de viação, a apreciação da culpa do agente, bem como a verificação de eventual concorrência de culpas do lesado, rege-se pelos princípios gerais da responsabilidade civil, com as especificidades constantes do Código da Estrada. D) Dispõe o art.º 101.º n.º 1 do Código da Estrada que os peões devem utilizar as passadeiras e passagens assinaladas para atravessarem a faixa de rodagem, sendo-lhes vedado fazê-lo fora desses locais sempre que os mesmos existam a uma distância inferior a 50 metros. E) No caso sub judice, provou-se que a infeliz sinistrada/peão atravessava a faixa de rodagem fora da passadeira, o que consubstancia uma infração ao disposto no artigo 101.º n.º 1 do Código da Estrada e uma atuação negligente da sua parte. F) Pese embora se tenha provado que a condutora do veículo segurado na Ré não se apercebeu da presença da sinistrada/peão, apesar de o peão visível na medida em que nada na estrada impedia que a mesma fosse vista, não resultou como provado que tenha sido tal facto que levou ao atropelamento do peão. G) Ao contrário daquilo que é defendido pelo Tribunal a quo, apenas o peão violou, de forma clara, uma disposição do código da estrada: art.º 101.º do Código da Estrada. H) Tendo uma passadeira disponível para atravessar (facto provado m)) e estando o sinal vermelho para a travessia de peões (factos provados o) e p)), dúvidas não restam de que foi o comportamento da sinistrada que deu causa ao sinistro. I) O facto de a condutora do veículo segurado na Ré não ter visto o peão e de não ter travado antes do embate não pode resultar, sem mais, numa atribuição de culpa à mesma pelo sinistro dos autos. J) O facto de a sinistrada, de forma completamente desatente e violando as mais ele mentares regras estradais, ter procedido ao atravessamento da via, ter voltado para trás (factos provados v) e w)), e, tudo isto, quando tinha uma passadeira a menos de 50 metros de distância e o sinal para atravessamento de peões de encontrar na posição de vermelho. K) Como se tratava de uma reta com mais de 50 metros de comprimento (facto provado h)), o peão tinha todas as possibilidades de ver o veículo segurado antes de ter iniciado a travessia da via. L) O peão, violou as mais elementares normas estradais – art.ºs 3.º, n.º 2, 99.º, n.º 1 e 101.º, n.º 1, 3 e 4, todos do Código da Estrada pelo que a responsabilidade pela eclosão do sinistro dos autos deve-se, em exclusivo, À mesma. M) A douta sentença violou, por erro de interpretação e de avaliação, o disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2, 99.º, n.º 1 e 101.º, n.º 1, 3 e 4, todos do Código da Estrada e dos art.ºs 483.º e seguintes do Código Civil. N) Caso se tenha a perspectiva de distribuição de responsabilidade definida pelo Tribu nal a quo (art.º 570.º do CC), considera a Ré que a divisão de 75%-25% é manifestamente desajustada. O) Atento o disposto no artigo 570.º n.º 1 do CC, havendo culpa de ambas as partes, a responsabilidade fixa-se na medida das culpas de cada uma. P) Como ficou referido anteriormente, o peão violou, de forma clara, uma disposição do código da estrada: art.º 101.º do Código da Estrada. Q) Tendo uma passadeira disponível para atravessar (facto provado m)) e estando o sinal vermelho para a travessia de peões (factos provados o) e p)), não hesitou em tomar a acção que levou ao infeliz desfecho verificado. R) Como se tratava de uma reta com mais de 50 metros de comprimento (facto provado h)), o peão tinha todas as possibilidades de ver o veículo segurado antes de ter iniciado a travessia da via. S) Deve ser reconhecida a responsabilidade parcial de sinistrada pelo acidente, nos termos dos art.ºs 483.º, 487.º e 570.º do Código Civil e art.ºs 3.º e 101.º do Código da Estrada, sendo que a proporção deverá ser de, pelo menos, 60%. T) A douta sentença violou, por erro de aplicação e de interpretação, o disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2, 99.º, n.º 1 e 101.º, n.º 1, 3 e 4, todos do Código da Estrada e dos art.ºs 483.º e seguintes do Código Civil. U) No que diz respeito ao dano morte o valor atribuído pelo Tribunal a quo – €85.000,00 – é desajustado em face daquelas que têm vindo a ser as mais recentes decisões neste sentido. V) É fundamental levar em consideração as decisões mais recentes do STJ nesta matéria, por forma a se alcançar o tão desejado objectivo de aproximação das decisões tomadas perante casos semelhantes. W) A título de exemplo, cita-se o caso das indemnizações por danos não patrimoniais atribuídas aos pais em caso de morte de filhos (valores que oscilam entre os €15.000,00 e os €20.000,00), indemnizações que são, invariavelmente, inferiores àquelas que o Autor, por vontade do Tribunal a quo, receberia (cfr. se pode aferir, entre outros, pelo teor do Ac. Do STJ n.º 08P459, de 25.02.2009, in www.dgsi.pt, no qual é atribuído, a cada um dos pais do sinistrado, a quantia de €20.000,00 devido aos danos não patrimoniais pela morte de um filho). X) Tendo presente a matéria de facto dada como provada, a Recorrente considera, como já salientou anteriormente, que a decisão do Tribunal a quo merece censura, quando fixou a indemnização pela supressão do direito à vida em €85.000,00! Y) Trata-se de um montante indemnizatório que não se inscreve nos padrões de cálculo mais recentes quer dos Tribunais da Relação quer deste Supremo Tribunal de Justiça. Z) São os próprios Tribunais superiores que apontam como valor razoável e justo, em caso de perda da vida, o valor de €70.000,00 (e, até, valores inferiores!). AA) Deste modo, deverá ser este o montante – €70.000,00 – atribuído aos Recorridos em virtude da supressão do direito à vida que os mesmos peticionaram nos autos uma vez que, de acordo com o disposto no art.º 494.º do Código Civil, este é o montante que se afigura como razoável e justo. BB) Também no que aos danos não patrimoniais sofridos pelos Recorridos diz respeito, o valor de €25.000,00 atribuído a cada um dos Autores afigura-se como exagerado, isto se tivermos por base aquele que tem sido o padrão utilizado pelos Tribunais Superiores para casos similares e as concretas cinrcunstâncias do caso concreto. CC) Tendo em conta aquelas que têm sido as decisões dos Tribunais Superiores quer em situações idênticas quer na atribuição de valores indemnizatórios noutro tipo de danos não patrimoniais, entende a Recorrente que deverá ser atribuído aos Autores, a título de danos não patrimoniais sofridos pela morte do infeliz sinistrado, a quantia de €10.000,00 para os danos próprios da sinistrada e de €15.000,00 para cada um dos filhos, com a perspectiva divisória resultante da culpa do lesado. DD) A douta sentença recorrida violou os art.ºs 494.º e 496.º, do Código Civil. Termos em que deverá a douta sentença ser revogada e substituída por decisão que absolva a Ré do pedido, com todas as devidas e legais consequências. Assim se fará JUSTIÇA. * Os AA., ora recorridos, apresentaram resposta ao recurso, onde concluíram pela confirmação da sentença. * O recurso foi admitido, como de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo. Foi depois recebido nesta Relação. Cumpre decidir. 2- FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 639º e 635º nº 4, do C.P.Civil. As questões a resolver, extraída de tais conclusões, são: 1 – A reavaliação do grau de culpa da vítima para a produção do acidente, que o tribunal fixou em 25% e a apelante defende ser exclusivamente sua ou, pelo menos, fixável em 60%; 2- A reavaliação da indemnização do dano morte, que o tribunal fixou em 85.000,00€ e que a apelante defende dever ser fixado em 70.000,00€; 3 - A reavaliação da indemnização dos danos sofridos por cada um dos autores, filhos da vítima, que o tribunal fixou em 25.000,00€ e que a apelante defende dever ser fixado em 15.000,00€. 4 - A reavaliação da indemnização dos danos sofridos pela própria vítima, antes da sua morte, que o tribunal fixou em 20.000,00€ e que a apelante defende dever ser fixado em 10.000,00€. * A decisão destas questões impõe que se tenha presente a decisão do tribunal sobre a matéria de facto controvertida a) Os autores são os únicos herdeiros legitimários de CC: b) No dia 28/09/2021 cerca das 20:20pm, ocorreu o atropelamento de CC, Passaporte n.º ...64, à data com 65 (sessenta e cinco anos) de idade, por um veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-VT, MARCA ... ..., conduzido por DD; c) O atropelamento ocorreu quando o peão atravessava a via pública, junto ao cruzamento entre a Rua ... e Rua ..., ..., Porto; d) A Rua ... tem dois sentidos de circulação automóvel: um no sentido Estádio .../Av. ... e outra no sentido Av. .../Estádio .... e) A referida artéria apresenta duas faixas de rodagem, com duas hemi-faixas cada uma, sendo que cada uma delas tem uma largura de cerca de 6,4 m. f) As faixas de rodagem encontram-se separadas através de uma linha longitudinal contínua. g) Já as hemi-faixas de cada uma daquelas vias encontra-se separadas através de linha longitudinal descontinua. h) A Rua ..., na zona do sinistro dos autos, e atento o sentido de marcha do VT, caracteriza-se por ser uma recta, com mais de 50 m de comprimento. i) Estava a anoitecer, e o tempo estava seco. j) Havendo iluminação pública; k) O pavimento da via era de asfalto e encontrava-se em bom estado de conservação. l) A Rua ... é ladeada de passeios para peões de ambos os lados. m) Na Rua ..., atento o sentido de marcha prosseguido pelo VT, existe uma passagem para peões; n) O peão encontrava-se a atravessar a faixa de rodagem fora da passadeira existente no local, a distância não concretamente apurada; o) Quando o sinal para os veículos estava verde; p) E para peões estava vermelho; q) A condutora do VT não travou antes do embate com o peão; r) Não se tendo apercebido do peão antes do embate, apesar deste ser visível para os condutores que ali seguiam; s) Sendo que, se tivesse apercebido do peão quando este iniciou a travessia da faixa de rodagem, poderia ter evitado o atropelamento; t) Em consequência do embate, o peão ficou imobilizado a cerca de 12 metros da passadeira mais próxima ali existente; u) Antes do embate, o VT circulava a menos de 50 km/h; v) Quando estava a atravessar a faixa de rodagem, a vítima voltou para trás; w) Tendo sido nessa altura, se deu o embate entre o VT e o peão, embate que ocorreu no capot do VT, no lado direito frontal; x) A falecida CC sofreu dores em consequência do acidente, e apercebeu-se do seu estado de saúde até algum tempo antes da morte; y) CC foi socorrida e transportada pela tripulação da ambulância da Cruz Vermelha que estava ao serviço do INEM, para o Serviço de Urgências do Hospital ... do Porto, onde veio a falecer no dia seguinte, 29 de Setembro, pela 05h50, z) A morte de CC foi resultado directo do referido atropelamento, devido às lesões sofridas, nomeadamente politraumatismos com traumatismo crânio-encefálico grave, com evidencia de múltiplas lesões intra-cranianas, múltiplas áreas de contusão hemorrágica parenquimatosa cortico-subcortical em topografia temporal e fronto-opercular esquerda, mais exuberantes no lobo temporal; encontravam-se rodeadas por edema vasogénico, hematoma subdural agudo fronto-temporo-parietal esquerdo, que se prolonga sobre a tenda do cerebelo à esquerda, apresentando cerca de 4,5 mm de maior espessura, hematomas face lateral do terço superior da coxa com hemorragia ativa, fractura cominutiva dos ramos ilio e ísquio-públicos direitos, fractura do ilíaco direito na sua vertente postero-inferior; aa) Os autores eram próximos da sua mãe; ab)Tendo ficado muito abalados com a notícia da sua morte; ac) Ficando mesma a autora afetada com uma depressão; ad) A falecida CC, à data dos factos, vivia com o neto, no Porto, sendo este jogador de formação do ... Futebol Clube; ae)Tinha um rendimento mensal médio de cerca de 600,00 €, proveniente da venda on-line de roupas e joias; af) A contribuía para as despesas do seu neto, menor de idade, que consigo vivia, em montante não apurado. ag) por causa do atropelamento que vitimou a mãe, a autor viajou para Portugal, em 29/09/2021, pagando o valor de 8.334, 11 reais, que correspondia, à data, a €1.318, 31 ah)Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...97 a proprietária do veículo automóvel de matrícula ..-..-VT, à data do acidente, havia transferido para a Ré A..., COMPANHIA DE SEGUROS, S.A, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros, em virtude da circulação de tal veículo. Factos não provados: a) Que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em a) dos factos assentes, o peão atravessasse a faixa de rodagem na passadeira ali existente, e com o sinal verde para os peões; b) que a condutora do VT c) que, por causa do atropelamento que vitimou a mãe, os autores tenham tido, com viagem de regresso a Portugal e testes de Covid, uma despesa de €4.887,09 d) e que com o funeral, gastos com cartórios para a Habilitação de herdeiros, bem como os valores despendidos com procurações, os AA. despenderam a quantia de €5.171,84; e) que a vítima contribuísse com a quantia mensal de 500,00€ para a ajuda nas despesas dos seus familiares, nomeadamente os aqui autores. * Como acima se assinalou, são muito concretas as questões suscitadas pela apelante. E a respectiva apreciação não depende de qualquer alteração do substrato factual da decisão recorrida, o qual, por isso, se mantém integralmente. A primeira questão refere-se à determinação do grau de culpa da infeliz vítima na produção do evento, pois que, como refere o nº 1 do art. 570º do C. Civil, a ponderação da culpa de cada um dos intervenientes é factor determinante da indemnização a atribuir, que, por isso, poderá ser parcial ou totalmente excluída. A imposição de um juízo de culpa, como pressuposto no nº 1 do art. 483º do C.Civil e tal como no referido art. 570º, pode traduzir-se no merecimento de um juízo de censura, segundo os padrões ético-jurídicos da comunidade, por se concluir que, nas concretas circunstâncias do caso, ao agente era exigido e possível actuar em termos diferentes do que os que se verificaram, com o que teria sido possível evitar o evento danoso. Avaliando a conduta da tripulante do veículo VT e a conduta da vítima, atropelada enquanto atravessava a via por onde o VT se aproximava, o tribunal recorrido concluiu que ambas justificavam um tal juízo de censura. Não há como discordar desta conclusão. Em relação a qualquer das intervenientes no acidente – a condutora e a vítima – era exigível e possível actuar de forma diferente daquela que se verificou, que lhes permitiria evitar o atropelamento, decorrendo essa exigibilidade das regras que regulam a utilização da via pública por veículos e peões. Assim, em relação à condutora do VT, era exigível que o tripulasse de forma a colocar em perigo um peão, como utilizador vulnerável que é, como previsto no nº 3 do art. 11º do Código da Estrada, bem que o conduzisse em ordem a prevenir o embate em qualquer obstáculo com que se viesse a deparar na via por onde circulava (nº 2 do mesmo art. 11º). Porém, o que se provou foi que a condutora do VT, apesar de circular numa recta e em condições que lhe permitiriam visualizar qualquer peão- como a infeliz vítima - que se atravessasse à sua frente, pois que outros utentes da mesma via a viram, e sem qualquer explicação apurada para o efeito, simplesmente não viu a CC sobre a via e, apesar de circular a velocidade pelo menos moderada (a menos de 50 km/h, segundo a al. u) dos factos provados), não logrou evitar que o veículo a viesse a colher, atropelando-a e projectando-a. Como se mostra provado, nas als. q), r) e s), a condutora do VT não viu a vítima, não travou e, se o tivesse feito, teira podida evitar o atropelamento. Conclui-se, assim, que a condutora do VT infringiu as regras de circulação estradal citadas, o que de per si é de ordem a fazer presumir a sua culpa, pois revela a adopção de uma conduta diferente da que lhe era exigível, isto é, diferente da conforme à norma, e que teria sido adequada a prevenir o evento danoso. Mas, para além disso, a própria direcção de um veículo, como meio apto a provocar danos se a sua marcha não for permanentemente condicionada pelas condições e posicionamento de outros utentes da via, em especial os vulneráveis, exige a permanente atenção e controlo da sua marcha, o que, no caso, manifestamente se não verificou, pois que a condutora do VT não se apercebeu de um peão que, inequivocamente, ocupou a via em local que seria passível de conflito com a movimentação do veículo, não tendo ela prevenido que essa movimentação culminasse no embate contra o peão. Em suma, a falta de cuidado da condutora do VT, culminou na agressão ao direito de outrem, conformando um acto ilícito, e é merecedor de um juízo de culpa, por inobservância de deveres de atenção, cuidado, perícia, que lhe eram exigíveis, designadamente pela legislação citada. Todavia, também a CC era exigível um comportamento diferente daquele que adoptou. Dispõe o art. 101º, nos seus nºs 1 a 3: “1 - Os peões não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que, tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respetiva velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente. 2 - O atravessamento da faixa de rodagem deve fazer-se o mais rapidamente possível. 3 - Os peões só podem atravessar a faixa de rodagem nas passagens especialmente sinalizadas para esse efeito ou, quando nenhuma exista a uma distância inferior a 50 m, perpendicularmente ao eixo da faixa de rodagem.” No caso, é óbvio e incontroverso que CC iniciou o atravessamento da faixa de rodagem em total incumprimento destas regras e num local particularmente perigoso para esse efeito. Assim estava claramente a menos de 50 m. de uma passadeira, pelo que lhe era proibido fazer o atravessamento da faixa de rodagem no local em que o fez. Acresce que, contrariamente á tese dos apelados, inexiste aquilo que quase entendem como uma faixa de protecção nas imediações da passadeira, por onde os peões também podem atravessar, impondo um cuidado especialíssimo aos condutores de veículos que por ali transitem. Além disso, as circunstâncias em que esse atravessamento da via foi iniciado são particularmente adversas a essa actuação. No local, a faixa de rodagem tem quase 13 metros de largura e tem duas vias de trânsito em cada sentido. Ou seja, o atravessamento fora da passadeira implica atravessar duas vias em que o trânsito vem de um lado e, chegado o eixo central da via, atravessar outras duas vias em que o trânsito vem do outro lado. E, por fim, CC iniciou o atravessamento da via a menos de 50 metros da passadeira próxima, na qual o atravessamento para peões estava momentaneamente vedado por sinal vermelho, encontrando-se o sinal verde para a marcha dos veículos que circulavam como o VT. Em suma, CC infrigiu a proibição de atravessar naquele local e, fazendo-o, não teve sequer atenção à distância e velocidade de aproximação do VT, que não lho permitiam fazer sem perigo de acidente, tanto mais que o VT circulava em ordem a ultrapassar o cruzamento quando a sinalização luminosa lho permitia, tal como não permitia o atravessamento de peões que tratassem de o fazer pela passagem especialmente dedica para o efeito, existente naquele local. É, por isso, inequívoco que também CC infringiu regras de utilização da via pública, que lhe impunham uma conduta diferente da que empreendeu e que, se tivessem sido observadas, seriam adequadas a que o acidente não acontecesse. A sua conduta é, portanto, culposa, merecendo um juízo de censura segundo a consciência ético-jurídica da comunidade, à semelhança daquele que se deve impor sobre a condutora do VT. Entendeu o tribunal recorrido que, em concreto, a proporção de tais responsabilidades deveria ser fixada em 75% para a condutora do VT e em 25% para a infeliz vítima. Entendemos dever ser corrigida tal proporção, pois que nos parece ser bem mais elevada a responsabilidade de CC do que aquela que a percentagem de 25% revela. Assim, por um lado, a capacidade de causar lesões a terceiros de um veículo, por comparação à marcha de um peão, que exige um permanente e especial cuidado na sua direcção, em associação com a conduta da tripulante do EV, que está longe de ser irrepreensível, pois que devia ter visto e não viu o peão, devia ter evitado o embate e não o evitou, levam a que se considere superior o grau da sua contribuição para o infeliz resultado. Mas, por outro lado, a conduta de CC infringiu em nível muito elevado as obrigações que lhe eram impostas enquanto utilizadora da via, naquele local e com o objectivo do seu atravessamento. A sua conduta censurável, que não era expectável por parte da condutora do EV, contribuiu também, em grau muito elevado, para a produção do sinistro. Nestas circunstâncias, entendemos graduar em 60% a contribuição da condutora do EV para a produção do acidente, imputando recíproca responsabilidade, na proporção de 40%, à vítima do mesmo. A este propósito, colherá então parcial provimento a apelação da ré A.... * A questão sucessivamente colocada pela apelante é a da valoração do dano de perda da própria vida, para a vítima. Não estão em causa os pressupostos de atribuição desta indemnização aos autores, nem a necessidade de recurso à equidade, tal como previsto no art. 496º, nº 4 do C. Civil, mas apenas o valor indemnizatório, que a sentença recorrida ficou em 85.000,00€. Será, pois, dispensável justificar aqui a indemnização de um tal dano ou discutir os termos em que deve operar-se. Todavia, o recurso à equidade não equivale a arbitrariedade, cumprindo ter presentes, além das circunstâncias do caso, as soluções que a jurisprudência vem produzindo a este propósito. É verificável diversa jurisprudência que, em circunstâncias com maior ou menor semelhança com a dos presentes autos, designadamente quanto ao que se conhece da personalidade da vítima, foi fixando tal indemnização entre 80.000,00 e 85.000,00€, no final da década de 20. No ac. do STJ de 27/9/2022, no proc. nº 253/17.5T8PRT-A.P1.S1, o dano morte, em relação a uma vítima de acidente de “ …41 anos de idade e sendo então uma pessoa saudável, feliz/alegre, com família constituída, com um agregado familiar composto pelo seu marido e uma filha menor, e estabilizada ainda profissionalmente” considerou que os danos não patrimoniais “…particularmente aquele decorrente da perda do direito à vida, devem ser condignamente indemnizados/compensados, tendo sempre como critério nuclear de fundo a equidade, embora sem perder de vista o recurso a outros elementos circunstanciais, quer aqueles de caráter mais geral, e particularmente aqueles que a lei manda atender, quer aqueles que resultam da peculiaridade de que se reveste o caso concreto.” E, tudo ponderado, entendeu adequado fixar em 95.000,00€ o valor adequado à indemnização desse dano. Em acórdão deste TRP, no proc. nº 1830/21.5T8PVZ.P1, que foi alvo de recurso para o STJ, mas não nessa parte, o valor indemnizatório para tal dano foi fixado em 100.000,00€. No caso, constata-se a idade de 65 anos e a integração familiar da vítima, a sua estadia em Portugal para assistir o neto, que veio para tentar ser jogador de futebol, a sua disponibilidade para angariar rendimentos próprios, a sua ligação com os filhos. Nenhum factor se identifica que revele dever ter-se por menos adequado o valor fixado pelo tribunal recorrido. Resta dizer a este respeito que, para o efeito, se não atribui qualquer valor como critério orientador às referências constantes da Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio que, como a própria apelante refere nas suas alegações, tem por objectivo potenciar soluções de consenso em fase pré-judicial, mas que nenhuma utilidade oferece quando o consenso não é alcançado e se defere a decisão para intervenções arbitrais ou judiciais, para as quais um tão simples instrumento regulador nada pode definir, em complemento ou alternativa relativamente a instrumentos legislativos de valor inegavelmente superior. Por isso, nesta parte, não obterá provimento a apelação, cabendo confirmar a decisão recorrida. * Entende também a apelante ter sido fixada em exagero a indemnização relativa aos danos morais sofridos pelos autores, com a perda da mãe de ambos. Provou-se que os autores eram próximos da sua mãe, que ficaram muito abalados com a notícia da sua morte e que a autora entrou mesmo em depressão. Perante tais factos, o tribunal entendeu adequado quantificar a indemnização devida a cada um dos autores, pelos danos não patrimoniais sofridos por eles próprios, em 25.000,00€ a cada um. A apelante refere que tais danos devem ser fixados em 15.000,00€. Tal como a própria apelante reconhece, na atribuição de qualquer valor aos autores, em função da perda da sua mãe, não está em causa uma intervenção indemnizatória, destinada à reposição de qualquer perda com uma representação económica, mas uma compensação, a operar por via da disponibilização de uma quantia que permita alguma recuperação emocional ou afectiva, sempre limitada, através de algum conforto ou bens materiais. Mais uma vez nos encontramos no âmbito da aplicação da equidade, como dispõe o nº 4 do art. 496º do C. Civil. Num tal juízo, além das especificidades de cada caso, onde sobressai a tristeza, a depressão, a afectação emocional pela perda de um ente a quem os autores eram muito chegados, importa também ponderar as soluções que vêm sendo adoptadas pela jurisprudência, de forma a que a decisão correspondente não venha a ter um caracter de anormalidade e arbitrariedade. Em qualquer caso, também cumpre atender à evolução da própria sociedade, da economia, do valor relativo do dinheiro, prevenindo situações de cristalização da jurisprudência, com o inerente afastamento em relação à realidade socio-económica da comunidade. No ac. do STJ de 27/9/2022, proc. nº 253/17.5T8PRT-A.P1.S1os danos morais do marido e da filha da vítima de um acidente de viação foram fixados em 40.000,00 para cada um. Num outro, de 10/4/2024, proc. nº 11126/21.7T8PRT.P1.S1, idêntico valor foi conferido aos pais de uma vítima, que, sendo filha, tinha já uma vida autónoma. Ainda num outro, de 11/12/2019, no proc. nº 107/15.0GAMTL.E1.S2, apesar de ter versado sobre outras questões, foi tida por boa a valoração de um tal dano em 30.000,00€ Perante estes exemplos, considerando as circunstâncias do caso, não se justifica qualquer crítica à decisão recorrida, na opção pela fixação destes valores compensatórios em 25.000,00€, para cada um dos autores. * Por fim, sem que o justifique, mas envolvendo-o numa amálgama de argumentos relativos à compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelos filhos, a apelante acaba por concluir pela redução da indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima, antes do seu falecimento, que o tribunal computou em 20.000,00€, para 10.000,00€. Sobre a questão, provou-se que CC sofreu dores em consequência do acidente, e apercebeu-se do seu estado de saúde até algum tempo antes da morte; foram muito extensas e gravosas as lesões que sofreu e, tendo sido socorrida socorrida e transportada pela tripulação da ambulância da Cruz Vermelha que estava ao serviço do INEM, para o Serviço de Urgências do Hospital ... do Porto, veio a falecer no dia seguinte, 29 de Setembro, pela 05h50. Com referência aos mesmos pressupostos antes enunciados, que presidem à fixação de um valor compensatório por danos morais, configurando, segundo um juízo de normalidade, o sofrimento que a vítima terá suportado em razão das lesões sofridas, até que por causa delas faleceu, e em face de qualquer argumentação que propicie razões para que se pudesse concluir pelo desacerto da decisão recorrida, nesta matéria, entendemos, também aqui pela ausência de qualquer motivo para criticar e alterar a decisão do tribunal recorrido que, por isso, se manterá também neste segmento. * Em suma, alterar-se-á a decisão recorrida no tocante à graduação da culpa imputável à condutora do VT e à própria vítima, que se fixa em 60% e em 40% respectivamente. Por consequência, mesmo mantendo-se os valores relativos à compensação pelos danos identificados, resultará proporcionalmente diminuído o valor das quantias a pagar pela ré, ora apelante, que passarão a ser os seguintes: - dano morte: 85.000,00€ x 60% = 51.000,00€, conferidos, solidariamente, a ambos os autores; - danos morais da própria vítima: 20.000,00€ x 60% = 12.000,00€ conferidos, solidariamente, a ambos os autores; - anos morais de cada um dos autores: 25.000,00€ x 60% = 15.000.00€, a cada um dos autores. Em suma, a ré, ora apelante, será condenada a pagar a ambos os autores, solidários, a quantia de 63.000,00€ (sessenta e três mil euros) e a cada um deles, 15.000,00€ (quinze mil euros), assim se alterando a decisão recorrida que, em tudo o mais, designadamente quanto à indemnização de outros danos e aos juros, se manterá. A apelação obterá, assim, parcial provimento, alterando-se os valores que a apelante deve pagar aos autores tal como acima definido. * Sumariando, nos termos do art. 663º, nº7 do Código do Processo Civil: ………………………………………………….. ………………………………………………….. ………………………………………………….. 3 – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em conceder parcial provimento à presente apelação, em conformidade com o que, alterando nessa parte a sentença recorrida, fixam a condenação da ré no pagamento a ambos os autores, solidários, da quantia de 63.000,00€ (sessenta e três mil euros), bem como, a cada um deles, a quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros), mantendo-se a sentença em tudo o mais, designadamente quanto à indemnização de outros danos e aos juros. Custas por recorrentes e recorridos, na proporção do decaimento. Reg e notifique. Porto, 30/9/2025 Relator: Juiz Desembargador Rui Moreira 1º Adjunto: Juiz Desembargador Ramos Lopes 2º Adjunto: Juíza Desembargadora Maria Eiró |