Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | CARLOS GIL | ||
| Descritores: | INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA ERRO NA DISTRIBUIÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP2025101318041/23.8T8PRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Uma alegada desconformidade dos fundamentos e da decisão com os pertinentes normativos legais constitui um erro de julgamento em matéria de direito, seja por erro na determinação da norma aplicável, seja por errada qualificação jurídica dos factos, seja ainda por errada interpretação das normas legais aplicáveis, erro de julgamento que inquina a sentença de ilegalidade, mas não de nulidade. II - Os Juízos Centrais Cíveis preparam e julgam ações declarativas que sigam a forma comum, mas não preparam e julgam ações de processo especial. III - A instauração de uma ação especial num Juízo Central Cível determina a incompetência absoluta em razão da matéria do referido tribunal (artigo 96º, alínea a) do Código de Processo Civil) e, atenta a fase liminar em que os autos se acham, tem como consequência jurídica o indeferimento liminar da petição inicial (artigo 99º, nº 1 do Código de Processo Civil). IV - O erro na distribuição verifica-se sempre que uma espécie processual é indevidamente distribuída como se fosse outra espécie processual (veja-se o artigo 210º do Código de Processo Civil). | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo: 18041/23.8T8PRT.P1
Sumário do acórdão proferido no processo nº 18041/23.8T8PRT.P1 elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil: ……………………………… ……………………………… ……………………………… *** * *** Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório Em 23 de outubro de 2023, com referência ao Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível, anexando requerimento de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, AA instaurou a presente ação especial de divisão de coisa comum contra: 1. BB; 2. CC; 3. DD; 4. EE; 5. FF; 6. GG; 7. HH; 8. II; 9. JJ e 10. KK. AA pede que se: “a) fixem as respetivas quotas nos termos do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, b) proceda à divisão do usufruto simultâneo para que a sua consequente adjudicação ou venda, c) e consequentemente seja a autora autorizada a proceder ao levantamento do valor apurado da conta n.º ..., da Banco 1...- ....” Para fundamentar as suas pretensões a autora alegou[1], em síntese, que é filha de LL e neta paterna de MM, tendo esta por testamento de 15 de agosto de 1953, por conta da quota disponível, deixado usufruto sucessivo e em conjunto da Quinta ... e ..., situadas no concelho de Penafiel, com todas as suas pertenças e mais direitos, primeiramente, ao seu filho Doutor NN; em segundo lugar e por falecimento deste, a sua nora Dona LL, enquanto ela se conservar no estado de viúva; e em terceiro lugar e em partes iguais, aos seus três netos CC, AA e BB, filhos do seu filho NN e de Dona LL; por óbito da testadora, em 31 de dezembro de 1954, tornou-se usufrutuário das referidas propriedades seu filho NN, pai da autora, vindo este a falecer em 28 de maio de 1985, sucedendo-lhe no usufruto sua mulher, LL; em 1995 foi requerida a expropriação das Quintas de ... e ..., pretensão que correu termos no processo nº 605/98 do Tribunal Judicial de Penafiel; finda a expropriação e deduzidas todas as custas, em 05 de novembro de 2025, foi depositado na Banco 1... o montante de € 162 800,00, na conta n.º ..., titulada pelos réus DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ e KK; da conta antes mencionada, a mãe da autora recebeu os juros vencidos daquele capital até ao seu óbito em 22 de setembro de 2009; em consequência do falecimento de LL sucederam-lhe no usufruto, em simultâneo e em partes iguais, seus três filhos, respetivamente, AA, BB e CC; desde a data do óbito de sua mãe até aos dias de hoje, a autora não recebeu qualquer importância como usufrutuária, pelo que pretende que se proceda à divisão do usufruto e subsequente adjudicação a sair da quota que lhe couber. O processo foi distribuído ao Juízo Central Cível do Porto, Juiz 7. Em 24 de outubro de 2023 foi proferida seguinte decisão[2]: “AA instaurou contra o aqui Requeridos a presente acção de divisão de coisa comum a que corresponde o processo especial previsto nos arts. 925.º e ss. do CPC cujo conhecimento não está previsto entre as competências materiais atribuídas aos Juízos Centrais Cíveis pelo art. 117.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013 de 26/08 Juízos Centrais Cíveis). Na verdade, a preparação e julgamento das acções declarativas cíveis de processo comum de valor superior a 50.000,00 € (n.º 1, al. a)), não contempla o presente processo especial, que, de resto, não cabe em qualquer uma das outras atribuições de competência previstas no mesmo preceito legal. Donde, a competência para conhecer do presente processo não pode deixar de ser dos Juízos Locais Cíveis, nos termos do art 130.º, n.ºs 1, al. a) e 2 da LOSJ e não deste Juízo Central que, assim, é materialmente incompetente para o efeito nos termos dos arts. 65.º e 96.º, al. a) do CPC, excepção dilatória (art. 577.º, al. a) do CPC), do conhecimento oficioso (art. 97.º, n.º 1, 2.ª parte e n.º 2 do CPC) que dita o indeferimento liminar do processo (art. 99.º, n.º 1 do CPC). Pelo exposto, declara-se este Tribunal materialmente incompetente para conhecer do presente processo que, assim, ao abrigo do art. 590.º, n.º 1 do CPC, se indefere liminarmente. Custas do incidente pela A. fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC (arts. 539.º, n.º 1 do CPC e 7.º, n.º 4 do RCP). Registe e Notifique.” Em 06 de novembro de 2023, a autora veio requerer a remessa dos autos à distribuição em conformidade com a decisão proferida em 24 de outubro de 2023. Em 09 de novembro de 2023 foi proferido o seguinte despacho: “Esgotado o poder jurisdicional do Tribunal, nada mais há a ordenar (art. 613.º, n.ºs 1 e 3 do CPC).” Em 04 de dezembro de 2023, inconformada com a decisão proferida em 24 de outubro de 2023, AA interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “1º Face ao factualismo apresentado, tem-se a SENTENÇA É NULA, pois os fundamentos a decisão estão em contradição com os dispositivos legais invocados 2º Não existe incompetência material do Tribunal recorrido 3º E mesmo que em se se entendesse que seriam os Juízos Locais os competentes, tal, jamais seria 4º Motivo para indeferimento liminar, outrossim 5º Ordenar-se a redistribuição da PI, por erro na classificação dos “ papéis, e tudo, isto, 6º Dentro dos princípios da celeridade e boa gestão processual 7º Ficaram violadas com a decisão Recorrida o preceituado nos a 117º, 13º do LOSJ, e 6º 65º, 66º, 210 e 212º do CPC”. Em 07 de dezembro de 2023, o recurso não foi admitido por intempestividade, citando-se em abono desta decisão o disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 644º do Código de Processo Civil. Em 12 de dezembro de 2023, a autora reclamou do despacho que precede. Os serviços da Segurança Social informaram do indeferimento do requerimento de apoio judiciário formulado pela autora. Em 20 de maio de 2024 foi proferida decisão singular a indeferir a reclamação, tendo a autora reclamado para a conferência e sendo em 18 de junho de 2024 proferido acórdão que deferiu a reclamação, admitindo-se o recurso interposto como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo, requisitando-se o processo principal ao tribunal a quo. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, em 30 de setembro de 2024, foi proferido despacho ordenando o cumprimento do disposto no nº 7 do artigo 641º do Código de Processo Civil. Veio devolvido o expediente para citação dos réus FF, GG e HH. Em 08 de outubro de 2024 determinou-se o cumprimento do nº 1 do artigo 226º do Código de Processo Civil, designadamente, procedendo-se à citação nos termos do disposto no artigo 231º do Código de Processo Civil. Todos os réus foram citados. Em 10 de fevereiro de 2025, BB e CC ofereceram contestação[3] excecionando que a divisão pretendida pela autora já se realizou em processo de inventário por sentença transitada em julgado, o erro na forma de processo em virtude de a ação de divisão de coisa comum não ser aplicável quando o objeto da ação respeita a coisas fungíveis, a incompetência material do tribunal, a ilegitimidade passiva de DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ e KK e, à cautela, suscitaram a intervenção provocada de OO, PP e QQ, na qualidade de herdeiros e proprietários dos valores resultantes da expropriação, requerendo a condenação da autora como litigante de má-fé em indemnização não inferior a dez mil euros. Por efeito da jubilação da primitiva relatora, os autos foram redistribuídos. Uma vez que o objeto do recurso tem natureza estritamente jurídica, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensaram-se os vistos, cumprindo agora apreciar e decidir. 2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil 2.1 Da nulidade da decisão recorrida por contradição dos fundamentos e da decisão com as normas legais aplicáveis; 2.2 Da inexistência de incompetência material e do erro na distribuição. 3. Fundamentos de facto Os factos necessários e suficientes ao conhecimento do objeto do recurso constam do relatório deste acórdão, não se reproduzindo nesta sede por evidentes razões de economia processual, factos que resultam dos próprios autos e que, nesta vertente estritamente adjetiva, têm força probatória plena. 4. Fundamentos de direito 4.1 Da nulidade da decisão recorrida por contradição dos fundamentos e da decisão com as normas legais aplicáveis A recorrente suscita a nulidade da decisão recorrida com fundamento em contradição dos fundamentos e da decisão com as normas legais aplicáveis, sem invocar a previsão legal que contempla este vício. Cumpre apreciar e decidir. As causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enunciadas no nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil. Assim, são fundamento de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz (alínea a) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil), a não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (alínea b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil), a oposição dos fundamentos com a decisão ou a ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil) e a omissão ou o excesso de pronúncia do julgador (alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil). A patologia que a recorrente invoca para fundamentar a nulidade da sentença não está prevista legalmente como causa desse vício. A existir a alegada desconformidade dos fundamentos e da decisão com os pertinentes normativos legais, como afirma a recorrente, tratar-se-á de um erro de julgamento em matéria de direito, seja por erro na determinação da norma aplicável, seja por errada qualificação jurídica dos factos, seja ainda por errada interpretação das normas legais aplicáveis, erro de julgamento que inquina a sentença de ilegalidade, mas não de nulidade. Tanto basta para com toda a segurança concluir que a decisão recorrida não enferma da nulidade que a recorrente lhe imputa, improcedendo esta questão recursória. 4.2 Da inexistência de incompetência material e do erro na distribuição A recorrente pede a revogação da decisão recorrida porque, na sua perspetiva, estando em causa matéria cível e sendo o valor da causa superior a € 50.000,00, competente em razão da matéria seria o Juízo Central Cível do Porto, Comarca do Porto, não entendendo como o fundamento invocado na decisão sob censura a pode justificar, face ao disposto no artigo 130º da Lei de Organização do Sistema Judiciário; finalmente, a recorrente alega que o tribunal a quo, mesmo depois de proferida a decisão sob censura, sempre poderia ter, como requerido pela autora, dar sem efeito a distribuição por erro na qualificação da petição inicial. Cumpre apreciar e decidir. Nos termos do disposto no artigo 65º do Código de Processo Civil, inserido na Secção I, relativa à competência em razão da matéria, do Capítulo III referente à competência interna, do Título IV, do Livro I do Código de Processo Civil, “[a]s leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada.” De acordo com o disposto no nº 2 do artigo 40º da Lei nº 62/2013 de 26 de agosto, essa lei determina “a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada.” No caso dos autos, a autora instaurou uma ação especial de divisão de coisa comum, atribuindo à causa o valor de € 162.800,00 e endereçou a petição inicial aos Juízos Centrais Cíveis do Porto. A competência material dos juízos centrais cível vem definida no artigo 117º da Lei nº 62/2013 de 26 de agosto. Assim, é da competência dos Juízos Centrais Cíveis a preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a € 50.000,00 (alínea a) do nº 1 do artigo 117º da Lei nº 62/2013 de 26 de agosto), o exercício no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a € 50.000,00, das competências previstas no Código de Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de juízo ou tribunal (alínea b) do nº 1 do artigo 117º da Lei nº 62/2013 de 26 de agosto), preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência (alínea c) do nº 1 do artigo 117º da Lei nº 62/2013 de 26 de agosto) e exercer as demais competências conferidas por lei (alínea d) do nº 1 do artigo 117º da Lei nº 62/2013 de 26 de agosto). Além disso, nas comarcas em que não haja juízo de comércio, o disposto no nº 1 do artigo 117º da Lei nº 62/2013 de 26 de agosto é extensivo às ações que caibam a esses juízos (nº 2 do artigo 117º da Lei nº 62/2013 de 26 de agosto). Finalmente, são remetidos aos Juízos Centrais Cíveis os processos pendentes em que se verifique alteração do valor suscetível de determinar a sua competência (nº 3 do artigo 117º da Lei nº 62/2013 de 26 de agosto). A ação instaurada pela autora é uma ação especial e, independentemente do valor que lhe seja atribuído, não é da competência dos Juízos Centrais Cíveis, que apenas preparam e julgam ações declarativas que sigam a forma comum. A competência para preparar e julgar a ação instaurada pela autora caberá ao Juízo Local Cível do Porto, se não tiver sido atribuída a outro juízo ou tribunal de competência alargada (artigo 130º, nº 1 da Lei nº 62/2013 de 26 de agosto). A instauração da presente ação especial num Juízo Central Cível materialmente incompetente para o efeito, determina a incompetência absoluta em razão da matéria do Juízo Central Cível do Porto (artigo 96º, alínea a) do Código de Processo Civil) e, atenta a fase liminar em que os autos se acham, tem como consequência jurídica o indeferimento liminar da petição inicial (artigo 99º, nº 1 do Código de Processo Civil). Conclui-se assim que foi correta a decisão do tribunal recorrido – Juízo Central Cível do Porto – que considerou carecer de competência material para preparar e julgar esta ação especial e que por isso indeferiu liminarmente a petição inicial (artigo 590º, nº 1, do Código de Processo Civil). E poderia o tribunal a quo dar sem efeito a distribuição e ordenar a redistribuição ao tribunal competente? A resposta é negativa. O erro na distribuição verifica-se sempre que uma espécie processual é indevidamente distribuída como se fosse outra espécie processual (veja-se o artigo 210º do Código de Processo Civil). No caso dos autos, a distribuição terá sido corretamente efetuada na terceira espécie, pelo que não havia qualquer erro na distribuição que cumprisse corrigir, mas antes um caso de incompetência absoluta por violação das regras da competência em razão da matéria. E a incompetência absoluta é insuprível, ao contrário da incompetência relativa (veja-se o nº 3 do artigo 105º do Código de Processo Civil). Pelo exposto, conclui-se que também estas questões recursórias improcedem, improcedendo totalmente o recurso, com custas a cargo da recorrente já que a sua sucumbência foi total (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). 5. Dispositivo Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por AA e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida proferida em 24 de outubro de 2023. Custas a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso. *** O presente acórdão compõe-se de nove páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário. |