Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JORGE LANGWEG | ||
| Descritores: | SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA PRESSUPOSTOS ANTECEDENTES CRIMINAIS CONTEXTUALIZAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP20251119338/19.3GAILH.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/19/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
| Decisão: | JULGADO PROVIDO O RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO | ||
| Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Tendo em conta o critério enunciado no artigo 50º, nº 1, do Código Penal, é necessário ponderar na apreciação da possibilidade de suspensão da execução da pena, igualmente, as circunstâncias do crime, o mesmo é dizer, aquilo que caraterizou a sua prática. II – Um arguido com setenta e cinco anos de idade, com inúmeros antecedentes criminais por crimes de burla, tendo cometido um novo crime de burla qualificado há cerca de seis anos, com um grau de culpa e de ilicitude diminuto, tendo em conta o reduzidíssimo grau de artifício usado na prática do crime, ainda poderá beneficiar da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, pelo período máximo de cinco anos, desde que indemnize, pelo menos parcialmente, as pessoas lesadas (arts. 50º, 1, 2, 4 e 5 e 51º, 1, a), ambos do Código Penal). (Sumário da responsabilidade do Relator) | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº 338/19.3GAILH.P1
Data do acórdão: 19 de Novembro de 2025
Desembargador relator: Jorge M. Langweg Desembargadora 1ª adjunta: Maria dos Prazeres Silva Desembargador 2º adjunto: William Themudo Gilman Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo de Competência Genérica de Ílhavo
Acordam, em conferência e por unanimidade, os juízes acima identificados da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido AA;
I – RELATÓRIO
1. Em 3 de Junho de 2025 foi proferida nos presentes autos a sentença condenatória que terminou com o dispositivo seguidamente reproduzido: «Pelo exposto, o Tribunal decide: i) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão efetiva. ii) Declarar perdido a favor do Estado o valor correspondente à vantagem obtida pela prática do facto ilícito descrito no ponto precedente, que se cifra em € 4.095,00 (quatro mil e noventa e cinco euros) e, em consequência, por impossibilidade de confisco de bens, condenar o arguido AA no pagamento ao Estado do referido valor. iii) Condenar o arguido AA, ao abrigo do disposto nos artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1 do Código Penal, no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) Unidades de Conta. Proceda ao depósito da presente sentença após leitura – artigo 372.º, n.º 5 e 373.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. Após trânsito: i) Remeta boletins ao registo criminal (cf. artigo 6.º, alínea a) da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio); ii) Remeta certidão da presente sentença, com nota de trânsito em julgado, ao TEP; iii) Emita os competentes mandados de condução do arguido ao Estabelecimento Prisional.»
2. Inconformado com a efetividade da pena de prisão aplicada, o arguido interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões: «I. O Recorrente foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão efetiva (negrito e sublinhado nosso). II. Acontece, todavia, que não se pode de todo concordar com a decisão do Tribunal a quo, aplicando uma pena de prisão efetiva ao arguido em violação do disposto nos artº 40º, 70º e 50º todos do Código Penal. III.A medida da pena aplicada, bem como a execução da mesma, parece-nos, salvo o devido respeito por opinião diversa, desajustada á situação concreta sub judice, tanto mais que o arguido conta já com 75 anos de idade, perfazendo no dia 19 de Agosto do corrente ano a idade de 76 anos, para além de se encontrar social e familiarmente integrado. IV.O Tribunal, na aplicação das penas, deve observar, para além dos princípios da legalidade, aplicação da lei mais favorável e da Justiça, o princípio da proporcionalidade nas suas vertentes da necessidade, adequação e racionalidade previsto no art. 18º da CRP. V. No que concerne à determinação da medida concreta da pena, dita o art. 71º do C.P. que a mesma é feita em função da culpa e das exigências de prevenção. VI. Entende-se, salvo melhor opinião, de que a pena aplicada no presente caso, peca por excessiva e desproporcional aos fins que se visam alcançar. VII. O Tribunal a quo devia ter substituído a pena aplicada ao arguido por uma pena de substituição de modo a não privar o arguido da liberdade, atendendo que o mesmo se encontra, tal como demonstrado nos autos plenamente inserido, profissional, familiar e socialmente, e tendo as penas um efeito ressocializador enviar de novo o arguido para a prisão não terá certamente essa função e efeito. VIII. Determinando-se uma concreta pena de prisão, haverá que verificar se ela pode ser objeto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida, tendo o Tribunal a quo entendido, erroneamente a nosso ver, sempre com o devido respeito por opinião diversa, que não seria possível aplicar ao caso uma pena de substituição entre as previstas no nosso Código Penal. IX. Atentas as finalidades das penas, como seja a reintegração do arguido na sociedade, a pena de prisão efetiva aplicada ao mesmo acarretará efeitos dessocializantes para o arguido. X.A pena aplicada encontra-se dentro do limite legal de suspensão (inferior a 5 anos). XI. O recorrente tem 75 anos, o que justifica especial ponderação e prognose favorável. XII. A existência de antecedentes com pena suspensa não impede nova suspensão. XIII. A suspensão da execução pode ser acompanhada de deveres adequados à prevenção. XIV. A prisão efetiva viola os princípios constitucionais da proporcionalidade e dignidade. XV. Jurisprudência do STJ e dos Tribunais da Relação corrobora a aplicação da suspensão. XVI. Pelo que deve a Sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que suspenda a pena de prisão aplicada ao arguido, pois dessa forma ainda assim se poderá promover a ressocialização do Recorrente, e, bem assim, acautelar as finalidades da punição, a prevenção geral e a prevenção especial do caso concreto, pois constituirá sobejamente um sacrifício real para o Recorrente. Nestes termos, requer-se que o presente recurso seja julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida na parte em que determinou a execução efetiva da pena de prisão e substituindo-se por suspensão da execução da pena, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, com ou sem imposição de deveres nos termos dos artigos 51.º e 52.º do mesmo diploma, como é de Direito e Justiça.»
3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo imediatamente e com efeito suspensivo.
4. Na sequência da notificação da motivação do recurso, o Ministério Público respondeu, pugnando pela sua improcedência, nos seguintes termos: «(…) 1.º O Recorrente interpôs recurso da sentença recorrida que o condenou pela prática, em autoria material, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão efetiva, alegando nesta sede recursiva que a mesma se afigura excessiva e desadequada. 2.º Porém, entendemos que a pena ora fixada se mostra ajustada e proporcional e nunca excessiva, considerando as necessidades preventivas de índole geral e especial, o dolo directo com que o Recorrente actuou, a elevada ilicitude da sua conduta, a falta de interiorização do seu desvalor, evidenciado pela não admissão dos factos e ausência de arrependimento, bem como a existência, aquando da prática dos factos, de diversas condenações pela prática de idêntico crime, com o mesmo modus operandi. 3.º Tendo presente tais factores de determinação da medida concreta da pena por referência à moldura penal abstracta aplicável, há que sublinhar que o tribunal recorrido aplicou uma pena muito próxima ao limite mínimo, ante a factualidade dada como provada. 4.º Não pode é o Recorrente pretender que, ante a gravidade dos factos por si cometidos, a reiteração do mesmo comportamento delituoso que adoptou no passado e a ausência de autocensura e responsabilização, o tribunal fixe a pena concreta no mínimo legal da moldura penal aplicável e, após, a suspenda na sua execução. 5.º Por isso, bem andou o tribunal recorrido ao afastar a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão, ante as elevadas exigências preventivas do caso concreto, à culpa do Recorrente, à sua personalidade e à conduta anterior e posterior aos factos, conforme resulta da fundamentação tecida na sentença. 6.º Não se olvide que a suspensão da execução da pena de prisão apenas tem lugar sempre que seja possível ao Tribunal, aquando da prolação da decisão condenatória, elaborar um juízo de prognose favorável sobre a conduta futura do agente, concluindo que a prevenção da prática de novos crimes será suficientemente assegurada com a censura do facto e com a mera ameaça do cumprimento da pena de prisão, o que não sucede “in casu." 7.º Com efeito, apesar do Recorrente já contar com antecedentes criminais pelo mesmo crime, há que notar que não se inibiu de reiterar exatamente a mesma conduta delituosa volvido apenas 1 (um) mês da extinção da pena de prisão de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na execução por igual período e sujeita a regime de prova, que lhe havia sido aplicada no Processo n.º ... que correu termos no Juízo de Competência Genérica da Mealhada. 8.º E, ainda assim, o tribunal recorrido aplicou uma pena inferior àquela, considerando a sua avançada idade e o tempo entretanto decorrido. 9.º Sucede que, a prática destes factos, volvido apenas um mês da extinção daquela pena é suficientemente revelador de que a sentença proferida naqueles autos não teve qualquer efeito dissuasor, gorando qualquer juízo de prognose favorável, conforme exigido pelo artigo 50.º do Código Penal. 10.º Acresce que, tendo prestado declarações sobre os factos e apesar da clara e inquestionável prova que foi feita em audiência, o Recorrente manteve a mesma postura de desresponsabilização, não admitindo a sua prática, denotando uma total falta de interiorização do desvalor da sua conduta, ainda mais agudizada em face dos seus antecedentes criminais. 11.º Pelo que, perante a personalidade do Recorrente, a sua conduta anterior e posterior aos factos e as concretas circunstâncias da sua prática, a sua idade pouco releva para daí se concluir que as necessidades de prevenção especial serão satisfeitas através de uma pena substitutiva da pena de prisão, in casu, a suspensão da sua execução. 12.º Aliás, estes autos comprovam que não, na medida em que o Recorrente voltou a delinquir com a prática de idêntico crime, volvido apenas um mês da extinção de tal pena substitutiva no âmbito daqueles autos, o que é demonstrador de um impressivo desrespeito, indiferença e desinteresse pela ordem jurídica e inviabiliza a formulação de um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão. 13.º Ademais, as exigências de prevenção geral e especial no caso concreto são deveras elevadas, bem como a própria culpa do Recorrente. 14.º Assim, o cumprimento efectivo da pena de prisão aplicada é, pois, a única forma de acautelar as finalidades da punição, dado que o Recorrente não foi capaz de aproveitar as diversas oportunidades que anteriormente lhe foram concedidas, de se retratar e de alterar o seu comportamento em liberdade, antes persistiu na prática do mesmo crime, afrontando e desprezando a ordem jurídica instituída. 15.º Posto que, bem andou o tribunal a quo, ao não ter suspendido a execução da pena de prisão aplicada, decisão esta que está fundamentada, de facto e de direito, e não merece qualquer censura. 16.º Inexistindo qualquer violação do preceituado nos artigos 40.º, 50.º e 71.º do Código Penal e 18.º da Constituição da República Portuguesa, ou de quaisquer outras normas jurídicas ou princípios. 17.º Nestes termos, não merece qualquer reparo a decisão recorrida, a qual deverá ser mantida nos seus precisos termos. Por tudo o exposto, com o douto suprimento de V. Exas., deve negar-se provimento ao recurso que ora se responde, por carecer de fundamento, mantendo-se a decisão recorrida, nos seus precisos termos.» 5. Nesta instância, o Ministério Público[1] emitiu parecer, reiterando os termos da resposta produzida na primeira instância. 6. O recorrente não apresentou resposta. * Questões a decidir Do thema decidendum do recurso: Para definir o âmbito do recurso, a doutrina [2] e a jurisprudência [3] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso. A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito. Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir, unicamente, uma questão jurídica colocada na motivação de recurso: um alegado erro em matéria de direito, por não se ter optado pela suspensão da execução da pena de prisão aplicada, violando o disposto nos artigos 40º, 70º e 50º todos do Código Penal. Para decidir tal questão, importa recordar, primeiramente, os factos provados e os fundamentos jurídicos vertidos na sentença recorrida, que sustentaram a aplicação de pena de prisão efetiva. * II – FUNDAMENTAÇÃO EM MATÉRIA DE FACTO Factos provados: 1. Em data não apurada, mas sempre anterior ao dia 10 de Dezembro de 2019, o arguido delineou um plano com o intuito de convencer terceiros de que era proprietário de terrenos florestais e de árvores que aí se encontrassem plantadas, vendendo-as como se do seu legítimo dono se tratasse, obtendo assim para si quantias monetárias que de outra forma não receberia. 2. Assim, na execução de tal plano, no dia 10 de Dezembro de 2019, o arguido dirigiu-se ao legal representante da empresa A..., Lda., BB, apresentando-se como legítimo dono de um conjunto de eucaliptos que se encontravam plantados no terreno florestal, sito na Rua ..., em ..., Ílhavo (...), e negociou a venda de tais árvores pelo montante de € 6.095,00, valor este que o arguido efetivamente recebeu. 3. Acontece que o referido terreno florestal, bem como todas as árvores que nele se encontravam plantadas, pertenciam, à data, à herança aberta pelo óbito de CC, da qual é cabeça-de-casal DD, sendo os demais herdeiros EE e FF. 4. Ainda nesse mesmo dia 10 de Dezembro de 2019, a empresa A..., Lda. revendeu tais árvores à empresa B..., Lda., pelo montante de € 8.215,00. 5. Em data não apurada, mas sempre entre os dias 10 e 17 de Dezembro de 2019, a empresa B..., Lda. contratou a empresa C..., Lda. para se deslocar ao supra mencionado terreno florestal e proceder ao corte das mencionadas árvores, o que aconteceu. 6. Pelo que, no dia 17 de Dezembro de 2019, pelas 10:00 horas, no mencionado terreno florestal, EE foi surpreendido pela presença de GG e HH, trabalhadores da empresa C..., Lda., os quais se encontravam a cortar as árvores aí existentes, tendo-os interpelado, esclarecendo que o terreno e as árvores que cortavam pertenciam à herança aberta pelo óbito de CC, do qual era herdeiro, tendo tais trabalhos de corte sido interrompidos. 7. O arguido agiu na prossecução de um plano previamente gizado, criando a aparência de que se tratava do legítimo proprietário de um terreno, bem como das árvores que nele se encontravam plantadas, negociando a sua venda, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia sem o conhecimento e contra a vontade dos seus legítimos donos, os herdeiros de CC. 8. O arguido quis, assim, e conseguiu ludibriar o legal representante da empresa A..., Lda., fazendo-o acreditar que se tratava do legitimo proprietário das referidas árvores e terreno, levando-o a dispor da quantia de € 6.095,00 e a confiar que as árvores que adquiria eram pertença do arguido. 9. O arguido bem sabia que tais árvores não lhe pertenciam e mesmo assim recebeu e fez sua a quantia monetária referida supra, a qual só conseguiu por artificio ardiloso, com recurso à mentira, criando a confiança no legal representante da empresa A..., Lda. de que este estaria a negociar uma compra legítima, nessa medida se locupletando em prejuízo deste. 10. Assim, o arguido quis obter para si, à custa do património da herança aberta pelo óbito de CC e da sociedade A..., Lda, um enriquecimento que sabia ser indevido, o que conseguiu ludibriando o legal representante da empresa A..., Lda., levando-o a acreditar que adquiria as mencionadas árvores do seu legítimo proprietário, bem sabendo que tais árvores não lhe pertenciam e que, dessa forma, causava um prejuízo aos seus legítimos donos e à sociedade acima identificada de pelo menos € 6.095,00. 11. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e punida criminalmente, não se abstendo, porém, de agir como se descreveu supra Mais se provou que: 12. O arguido devolveu à sociedade A..., Lda. a quantia de € 2.000,00.
(Condições socioeconómicas) 13. O arguido reside sozinho numa autocaravana, estacionada dentro de um barracão agrícola. 14. A referida autocaravana serve apenas para pernoitar, não dispondo de instalações sanitárias, nem de condições para confecionar as refeições. 15. O arguido é viúvo. 16. Tem 2 filhos, com 37 e 40 anos, respetivamente. 17. Encontra-se reformado. 18. Aufere uma reforma mensal (de velhice e de sobrevivência) de cerca de € 700,00. 19. Possui, como habilitações literárias, a 4.ª classe. 20. A habitação do arguido não reúne as condições mínimas de habitabilidade, conforto e salubridade que permita o recurso a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância no âmbito de eventual pena de prisão a executar em regime de permanência na habitação. 21. O arguido não prestou o seu consentimento à utilização de meios de vigilância eletrónica para a fiscalização de eventual pena de prisão a executar em regime de permanência na habitação.
(Antecedentes criminais) 22. Por acórdão transitado em julgado em 30-09-2014, proferida no âmbito do processo n.º …, que correu termos no Juízo Central Criminal de Aveiro – Juiz 3, foi o arguido condenado pela prática de 1 crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo artigo 165.º, n.º 2 do Código Penal, praticado em 24-10-2010, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, a qual se encontra extinta. 23. Por sentença transitada em julgado em 23-05-2016, proferida no âmbito do processo n.º …, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Estarreja – Juiz 1, foi o arguido condenado pela prática de 3 crimes de burla, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal, praticados em 03-06-2014, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, a qual se encontra extinta. Neste processo provou-se, entre outros factos, que: a. Em data não concretamente apurada, mas durante o mês de Janeiro de 2014, na execução do plano que havia delineado, que consistia em se fazer passar por proprietário de terrenos em que houvesse arvoredo vendável, e desta forma induzir em erro outras pessoas e por via disso, a obter para si um benefício ilegítimo, o arguido, tendo tido conhecimento que II pretendia proceder á compre de eucaliptos e pinheiros, contactou-o. b. Nesse contacto, o arguido, arrogando-se como proprietário dos terrenos dos ofendidos, supra descritos, questionou o II se estaria interessado em adquirir os pinhais/arvoredo aí existente. c. Com vista a fechar o negócio, o arguido e o II deslocaram-se ao local. d. Tendo chegado a acordo quanto ao montante a pagar pelo terreno, no valor de € 6.000,00, II, convencido que estava a negociar com o legítimo proprietário do terreno, pagou ao arguido esse montante. e. Ao agir da forma ardilosa acima descrita, sabia o arguido que induzia em erro II, a quem se tinha apresentado como proprietário dos terrenos em questão e que obtinha daquele a entrega de valores monetários a que não tinha direito, assim como sabia estar a fazer incorrer em prejuízo, como efetivamente veio a acontecer, os proprietários dos terrenos mencionais, os ora ofendidos. 24. Por sentença transitada em julgado em 15-05-2017, proferida no âmbito do processo sumaríssimo n.º ..., que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Bairro – Juiz 2, foi o arguido condenado pela prática de 1 crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218.º do Código Penal, praticado em 23-04-2016, na pena de 550 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, a qual se encontra extinta. O referido processo assentou, entre outros, nos seguintes factos: a. Em data não concretamente apurada do início de Janeiro de 2016, entrou o arguido em contacto telefónico com JJ, na qualidade de legal representante de D... Ldª, referindo-lhe falsamente que era proprietário de dois terrenos plantados com árvores prontas para corte, um sito em Albergaria, e outro em Oliveira do Bairro, este junto à E.... b. Nessa mesma altura questionou-o no sentido de apurar se não estaria interessado em adquirir a madeira existente em tais imóveis. c. Convencendo-se de forma insuspeita o JJ de que o arguido era de facto proprietário de tais terrenos, pela forma como identificou os mesmos e indicou os limites respectivos, bem assim as árvores que pretendia ver cortadas, acedeu em adquiri-las, oferendo para aquisição, 5.000 € relativamente às plantadas no terreno de Albergaria, e 6.000 € às de Oliveira do Bairro. d. No contexto de tal negócio, fez a sociedade F... Ldª a entrega dos valores referidos ao arguido, mais precisamente, 5.000 € em 29 de Janeiro de 2016, titulado pelo cheque nº ..., e em 3 de Maio de 2016, 6.000 € titulados pelo cheque nº ..., ambos do Banco 1..., cheques esses que foram, apresentados pelo arguido a pagamento e vieram a obter boa cobrança por parte do mesmo. e. O arguido sabia que a nunca fora proprietário de qualquer um dos terrenos referidos e que o ardil por si utilizado era apto a criar no visado convicção insuspeita sobre uma realidade inexistente, apta a fazer-lhe a entrega das quantias referidas em troco de nada, tendo sempre agido com o propósito de obter indevidamente semelhante avultada quantia, com consequente prejuízo para o ofendido. 25. Por sentença transitada em julgado em 11-05-2018, proferida no âmbito do processo n.º ..., que correu termos no Juízo de Competência Genérica da Mealhada, foi o arguido condenado pela prática de 1 crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218.º do Código Penal, praticado em 10-08-2015, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e subordinada ao pagamento da quantia de € 350,00 aos bombeiros da Mealhada, a qual se encontra extinta. Neste processo provou-se, entre outros factos, que: a. Em dia não concretamente apurado, mas do mês de Agosto de 2015, o arguido invocando a sua qualidade de proprietário, de pelo menos dois prédios, sitos na freguesia ..., prédios estes onde se encontravam plantadas um número não concretamente apurado de árvores, nomeadamente, pinheiros e eucaliptos, negociou a venda destas árvores com o denunciante KK, este, na qualidade de representante da firma, “G..., Lda”. b. No âmbito desta negociação o arguido, deslocou-se com o denunciante KK, aos imóveis onde se encontravam plantadas estas árvores. Aí, o arguido indicou ao denunciante, os limites das propriedades onde se encontravam as árvores, que pretendia vender. c. O denunciante acreditando que o arguido era o legítimo proprietário destas árvores, comprou-as ao arguido, tendo entregue a este e para pagamento desta árvores o cheque n.º ..., da Banco 2... da Mealhada, no montante de 10000€. d. O arguido sabia que não era proprietário de nenhum imóvel sito nas freguesias supra referidas, nem possuía qualquer título de propriedade dos imóveis onde se encontravam estas árvores, e que as árvores supra referidas não lhes pertencia. 26. Por sentença transitada em julgado em 19-02-2020, proferida no âmbito do processo n.º ..., que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Albergaria a Velha – Juiz 2, foi o arguido condenado pela prática de 1 crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, praticado em 06-07-2014, e 2 crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217 e 218.º do Código Penal, praticados em 23-03-2014 e 15-05-2014, respetivamente, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e subordinada à condição de o arguido proceder ao pagamento da quantia global de € 7.200,00, a reatear pelos demandantes civis. Neste processo provou-se, entre outros factos, que: a. No dia 23/03/2014 o arguido encontrou-se com LL, sócio e gerente da firma H..., Lda., a qual se dedica ao comércio de extração e venda de madeira, na variante do ... em Albergaria-a-Velha, junto a um terreno no qual se encontravam implantadas várias árvores de pinheiro e eucalipto. b. À data dos factos o arguido declarou ao LL que o terreno lhe pertencia e que pretendia vender as árvores pelo preço de € 5.830,00, tendo inclusive indicado ao LL quais eram as extremas do aludido terreno. c. O LL acreditou na história do arguido e aceitou comprar as árvores do aludido terreno pelo preço de € 5.830,00 tendo entregado ao arguido um cheque no valor de € 5.730,00, com o n.º ... sacado sobre o Banco 3... e a quantia de € 100,00 em dinheiro, para pagamento do respetivo preço. d. O arguido procedeu ao depósito do aludido cheque no dia 24/03/2014 na sua conta bancária com o n.º ... da Banco 4... e Estarreja. e. Sucede, porém, que o terreno e as árvores que nele se encontravam implantadas acima referidas não pertenciam ao arguido mas sim a MM. f. No dia 15/05/2014 o arguido encontrou-se com NN, sócio e gerente da firma I..., Lda., a qual se dedica ao comércio de extração e venda de madeira, no sítio do ..., em ..., Oliveira do Bairro, junto a terrenos onde se encontravam implantadas várias árvores de pinheiro e eucalipto. g. À data dos factos o arguido declarou ao NN que os terrenos lhe pertenciam e que pretendia vender as árvores pelo preço de € 2.500,00, tendo inclusive indicado ao NN quais eram as extremas dos terrenos de modo que este procedeu à marcação das árvores com fitas vermelhas e brancas. h. O NN acreditou na história do arguido e aceitou comprar as árvores, tendo entregado ao arguido um cheque no valor de € 2.500,00, com o n.º ... sacado sobre o Banco 5..., o qual se destinava ao pagamento da madeira aqui em causa e de madeira de 4 (quatro) terrenos. i. Sucede, porém, que o terreno e as árvores que nele se encontravam implantadas acima referidas não pertenciam ao arguido mas sim a OO, o qual nunca autorizou o arguido a vendê-las ou o NN a cortá-las. j. Em resultado da ação do arguido, o ofendido OO, proprietário de um doas referidos terrenos, sofreu um prejuízo no seu património no valor não inferior a €500,00. 27. Por sentença transitada em julgado em 02-10-2023, proferida no âmbito do processo n.º …, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Estarreja – Juiz 2, foi o arguido condenado pela prática de 2 crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º e 218.º do Código Penal, praticados em 16-03-2016 e 01-07-2018, respetivamente, na pena única de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos. Neste processo provou-se, entre outros factos, que: a. Em data não concretamente apurada do mês de março de 2016, o arguido AA contactou com PP, sócio-gerente da “J..., Lda.”, e propôs-lhe a venda da madeira existente em duas parcelas de terreno, uma sita na Rua ..., ..., ..., Estarreja, pertencente a QQ, e outra sita também em ..., pertencente a pessoa não concretamente apurada. b. O arguido transmitiu a PP que os imóveis pertenciam a uns familiares seus residentes no Brasil, que o haviam mandatado para o efeito; c. Em concretização de tal proposta, arguido e PP deslocaram-se aos terrenos para verem a madeira e acordaram a venda da mesma pelo preço global de € 6.600,00. d. Para tanto, em 16 de março de 2016, PP entregou ao arguido o cheque nº ..., da conta nº ..., da Banco 1..., no valor de € 6.600,00, no convencimento de que o arguido tinha autorização para realizar o negócio. e. Após, no dia 20 de abril de 2016, pelas 13:45 horas, PP e alguns trabalhadores da “J..., Lda.” dirigiram-se ao terreno pertencente a QQ e procederam ao corte de quantidade não concretamente apurada de pinheiros e eucaliptos ali existentes, altura em que a GNR compareceu no local e interrompeu os trabalhos. f. Em data não concretamente apurada do mês de junho de 2018, o arguido contactou telefonicamente com RR, na qualidade de sócio-gerente da sociedade “K..., Lda.”, e propôs-lhe a venda da madeira existente em duas parcelas de terreno. g. O arguido transmitiu a RR que se encontrava em representação de seu primo SS, o qual não poderia deslocar-se aos imóveis devido a dificuldades de locomoção. h. Em concretização de tal proposta, arguido e RR dirigiram-se aos imóveis para avaliarem a madeira, altura em que o primeiro identificou as respectivas estremas, denotando pleno conhecimento das mesmas, pelo que o segundo não suspeitou de que aquele não estivesse autorizado a vender a madeira desses terrenos. i. Após, acordaram a venda da madeira pelo preço global de € 7.000,00. j. Para tanto, em 2 de julho de 2018, RR entregou ao arguido o cheque nº ..., da conta nº ..., do banco Banco 6..., no valor de € 3.500,00, com a referida data, e o cheque nº ..., da mesma conta, também no valor de € 3.500,00, este datado de 25 de agosto de 2018, no convencimento de que o arguido tinha autorização para realizar o negócio em questão. k. AA agiu com o propósito concretizado de, através do engano provocado nos adquirentes da madeira quanto à sua legitimidade para realizar os sobreditos negócios de compra e venda, levar os mesmos a efectuar os pagamentos correspondentes, que o arguido fez seus;»
Fundamentação jurídica da efetividade da pena de prisão aplicada: Assim, nestes termos, considerando as circunstâncias em que foram praticados os factos em causa, o grau de ilicitude e de culpa do mesmo, bem como as exigências de prevenção e demais circunstâncias supra referidas, entende-se como justo, adequado e proporcional a condenação do arguido na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão. * Da substituição da pena de prisão aplicada. Uma vez que a pena de prisão a aplicar ao arguido é inferior a dois anos, impõe-se ponderar da possibilidade da respetiva substituição, a qual, atendendo à sua medida concreta, abrange a prestação de trabalho a favor da comunidade (cf. artigo 58.º, n.º 1 do Código Penal) e a suspensão da execução da pena de prisão (cf. artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal). Dispõe, para o efeito, o artigo 58.º, n.º 1 do Código Penal que, «se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição». Conforme assinalado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 22-04-20214, proc. n.º 355/12.4GCFAR.E1, rel. Carlos Berguette Coelho, disponível em www.dgsi.pt, «Quanto à prestação de trabalho a favor da comunidade, como refere Figueiredo Dias, o seu pressuposto material é que ela se revele, suscetível de, no caso, facilitar - e, no limite, alcançar - a socialização do condenado, sem se mostrar incompatível com as exigências mínimas de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico (Figueiredo Dias, ob. cit., p. 378). Tal pena apenas deve ser aplicada, não só quando estiverem criadas as necessárias condições externas de apoio social ao infrator, como quando este não revele ter, pelo seu comportamento anterior recidivo e pelas manifestações anti-sociais da sua conduta atual, uma nítida falta de preparação da sua personalidade para se comportar licitamente (neste sentido, vide Ac. da RP de 17-11-2004, proferido no processo n.º 0415662, in www.dgsi.pt)». Ora, compulsados os autos, entende-se que a referida pena de substituição não se mostra adequada para acautelar as finalidades da punição anteriormente descritas, tendo em consideração o facto de o arguido ter já antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza, tendo igualmente sido já aplicado ao mesmo penas de substituição, as quais se não se mostraram idóneas a acautelar as finalidades pretendidas com a referida punição. Por outro lado, entende-se inexistirem quaisquer elementos nos autos que permitam sustentar que a prestação de trabalho a favor da comunidade seja, neste momento, idónea a cumprir as finalidades da punição – seja ao nível da prevenção geral, seja ao nível da prevenção especial –,tendo em consideração o número de condenações anteriores já sofridas pelo arguido e, bem assim, a proximidade dos factos que subjazem às mesmas; as quais revelam uma personalidade avessa e desconforme ao Direito. Entendendo ainda o tribunal, a acrescer, que a avançada idade do arguido não depõe favoravelmente à aplicação, neste momento, de uma obrigação de prestação de trabalho por parte do mesmo. Destarte, conclui-se não ser possível formular qualquer juízo de prognose positivo no sentido de que a aplicação da pena substitutiva acima descrita, neste momento, se afigura idónea a dissuadir o arguido de voltar a praticar factos de idêntica natureza. Já no que respeita à suspensão da execução da pena de prisão aplicada, prescreve o artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal que «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». A suspensão da execução da pena de prisão constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o arguido conduza a vida de modo socialmente adequado e responsável. A eventual suspensão depende, no entanto, da possibilidade formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao arguido, no sentido de que a mesma realize, por si só e de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição já anteriormente descritas. Ora, no caso dos autos, entende-se não ser possível formular qualquer tipo de juízo de prognose favorável relativamente ao arguido, o que decorre, por um lado, da circunstância de se entender que a eventual suspensão da pena de prisão ora aplicada não logrará acautelar minimamente as necessidades de prevenção especial que se verificam in casu, tendo em consideração a circunstância de o arguido já ter sido condenado pela prática do mesmo tipo de crime; o que revela, conforme se disse já, a inexistência de qualquer tipo de auto-controlo por parte do mesmo. Por outro lado, entende-se igualmente que a referida suspensão da pena de prisão aplicada afigurar-se-ia, em concreto e tendo em conta o quadro factual apurado nos autos, como desadequada em face das necessidades de prevenção geral existentes, mormente considerando que o arguido praticou os factos ora em apreço decorrido apenas um mês após a extinção de uma pena de prisão suspensa na sua execução que lhe foi aplicada em processo judicial anterior, no âmbito do qual o mesmo foi igualmente condenado pela prática do crime de burla qualificada, não se tendo revelado a referida suspensão como minimamente inibidora para prática de novo crime. Ademais, não deixará de se assinalar que é entendimento do tribunal que o risco de que o arguido volte a praticar novos crimes afigura-se bastante elevado, atenta a ausência de auto-crítica por parte do mesmo; o qual, conforme se disse, não confessou a prática do crime ora em apreço, nem demonstrou qualquer tipo de arrependimento quanto ao mesmo. Por outro lado, e ainda no que concerne especificamente às necessidades de prevenção geral existentes, entende-se que a comunidade jurídica não compreenderia que, tendo o arguido praticado dez crimes de burla durante os anos de 2014, 2015, 2016, 2018 e 2019, sem demonstrar qualquer tipo de reconhecimento do desvalor da respetiva conduta e/ou arrependimento e não tendo o mesmo reparado integralmente os danos provocados com a respetiva atuação, ainda assim o tribunal pudesse concluir pela aplicação ao mesmo de uma pena substitutiva não privativa da liberdade; pena essa que, no caso em apreço, foi inclusivamente já aplicada anteriormente ao arguido, sem que se tenha revelado idónea a evitar que o mesmo voltasse a praticar novos crimes. Nestes termos, e em face de tudo quanto exposto, entende o tribunal não ser possível ou sequer justo e adequado suspender a execução da pena a aplicar ao arguido nos presentes autos, devendo o mesmo cumprir em termos efetivos a pena de prisão ora aplicada. Por fim, dispõe o artigo 43.º, n.º 1 do Código Penal que «sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) a pena de prisão efetiva não superior a dois anos». No caso em apreço, resultou provado nos autos que a habitação do arguido não reúne as condições mínimas de habitabilidade, conforto e salubridade que permita o recurso a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, não tendo o arguido prestado igualmente o seu consentimento para a utilização dos referidos meios de controlo (cf. pontos 20. e 21. da matéria de facto). Nesse sentido, conclui-se não se encontrarem reunidas as condições necessárias para que a pena ora aplicada seja executada em regime de permanência na habitação.»
III – FUNDAMENTAÇÃO EM MATÉRIA DE DIREITO
Importa, ora, apreciar e decidir a única questão que integra o thema decidendum deste recurso, tendo presentes os factos pacificamente considerados provados e o direito. § 1 – A tese do recorrente: O arguido foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão efetiva. O recorrente alega que a aplicação de uma pena efetiva ao arguido viola o disposto nos artigos 40º, 70º e 50º todos do Código Penal, uma vez que o arguido tem 75 anos de idade e se encontra social e familiarmente integrado, tendo a pena de respeitar o princípio da proporcionalidade nas vertentes da necessidade, adequação e racionalidade, tal como previsto no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa. Conclui que a pena de prisão efetiva aplicada é excessiva e desproporcional aos fins que se visam alcançar. No entende do recorrente, o tribunal a quo devia ter substituído a pena aplicada por uma pena de substituição de modo a não privar o arguido da liberdade, atendendo que o mesmo se encontra, tal como demonstrado nos autos plenamente inserido, profissional, familiar e socialmente, prejudicando a aplicação de uma pena de prisão efetiva e consequente reclusão prisional a pretendida reinserção social do arguido. Tendo a pena de prisão aplicada uma medida inferior a cinco anos, a mesma pode ser suspensa na sua execução e, tendo do arguido 75 anos de idade, tal justifica especial ponderação e uma prognose favorável. A existência de antecedentes criminais com penas de prisão suspensas na sua execução não impede nova suspensão e esta pode ser acompanhada de deveres adequados à prevenção, nos termos do disposto nos artigos 50.º, 51.º e 52.º do mesmo diploma. Deverá, assim, suspender-se a pena de prisão aplicada ao arguido, pois dessa forma ainda assim se poderá promover a ressocialização do recorrente, e, bem assim, acautelar as finalidades da punição, a prevenção geral e a prevenção especial do caso concreto, pois constituirá sobejamente um sacrifício real para o recorrente. § 2 – A tese do Ministério Público O Ministério Público manifestou oposição a tal pretensão de suspensão da execução da pena, invocando, expressamente, as elevadas exigências preventivas do caso concreto, a culpa do recorrente, a sua personalidade e a conduta anterior e posterior aos factos, conforme resulta da fundamentação tecida na sentença. Alega, ainda, que a suspensão da execução da pena de prisão apenas tem lugar sempre que seja possível ao Tribunal, aquando da prolação da decisão condenatória, elaborar um juízo de prognose favorável sobre a conduta futura do agente, concluindo que a prevenção da prática de novos crimes será suficientemente assegurada com a censura do facto e com a mera ameaça do cumprimento da pena de prisão, o que não sucede “in casu", porquanto, além de contar com antecedentes criminais pelo mesmo crime, não se inibiu de reiterar exatamente a mesma conduta delituosa volvido apenas 1 (um) mês da extinção da pena de prisão de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na execução por igual período e sujeita a regime de prova, que lhe havia sido aplicada no Processo n.º ... que correu termos no Juízo de Competência Genérica da Mealhada, gorando qualquer juízo de prognose favorável, conforme exigido pelo artigo 50.º do Código Penal. Conclui, pois, que as exigências de prevenção geral e especial no caso concreto são elevadas, bem como a própria culpa do recorrente, constituindo o cumprimento efetivo da pena de prisão a única forma de acautelar as finalidades da punição, dado que o Recorrente não foi capaz de aproveitar as diversas oportunidades que anteriormente lhe foram concedidas, de se retratar e de alterar o seu comportamento em liberdade, antes persistiu na prática do mesmo crime, afrontando e desprezando a ordem jurídica instituída. Conclui, pois, que não ocorreu qualquer violação do preceituado nos artigos 40.º, 50.º e 71.º do Código Penal e 18.º da Constituição da República Portuguesa, ou de quaisquer outras normas jurídicas ou princípios. § 3 - Cumpre apreciar e decidir. De jure Conforme constitui entendimento pacífico nos autos, na doutrina e na jurisprudência, que a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão se encontra prevista no artigo 50º, nº 1, do Código Penal: “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” Como assinalado na motivação de recurso e também foi reconhecido na decisão recorrida, mostra-se preenchido, in casu, o pressuposto formal de que depende a suspensão da execução da pena, tendo sido aplicada ao arguido uma pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão. Importa, ora, aferir a verificação dos respetivos critérios materiais. Concretizando. O tribunal recorrido decidiu não suspender a execução da pena por entender ”(…) no caso dos autos, entende-se não ser possível formular qualquer tipo de juízo de prognose favorável relativamente ao arguido, o que decorre, por um lado, da circunstância de se entender que a eventual suspensão da pena de prisão ora aplicada não logrará acautelar minimamente as necessidades de prevenção especial que se verificam in casu, tendo em consideração a circunstância de o arguido já ter sido condenado pela prática do mesmo tipo de crime; o que revela, conforme se disse já, a inexistência de qualquer tipo de auto-controlo por parte do mesmo. Por outro lado, entende-se igualmente que a referida suspensão da pena de prisão aplicada afigurar-se-ia, em concreto e tendo em conta o quadro factual apurado nos autos, como desadequada em face das necessidades de prevenção geral existentes, mormente considerando que o arguido praticou os factos ora em apreço decorrido apenas um mês após a extinção de uma pena de prisão suspensa na sua execução que lhe foi aplicada em processo judicial anterior, no âmbito do qual o mesmo foi igualmente condenado pela prática do crime de burla qualificada, não se tendo revelado a referida suspensão como minimamente inibidora para prática de novo crime. Ademais, não deixará de se assinalar que é entendimento do tribunal que o risco de que o arguido volte a praticar novos crimes afigura-se bastante elevado, atenta a ausência de auto-crítica por parte do mesmo; o qual, conforme se disse, não confessou a prática do crime ora em apreço, nem demonstrou qualquer tipo de arrependimento quanto ao mesmo. Por outro lado, e ainda no que concerne especificamente às necessidades de prevenção geral existentes, entende-se que a comunidade jurídica não compreenderia que, tendo o arguido praticado dez crimes de burla durante os anos de 2014, 2015, 2016, 2018 e 2019, sem demonstrar qualquer tipo de reconhecimento do desvalor da respetiva conduta e/ou arrependimento e não tendo o mesmo reparado integralmente os danos provocados com a respetiva atuação, ainda assim o tribunal pudesse concluir pela aplicação ao mesmo de uma pena substitutiva não privativa da liberdade; pena essa que, no caso em apreço, foi inclusivamente já aplicada anteriormente ao arguido, sem que se tenha revelado idónea a evitar que o mesmo voltasse a praticar novos crimes. (…)” Tal raciocínio é cristalino e, se não se concorressem outros fatores legais de ponderação, o mesmo imporia a efetividade da pena de prisão. Tendo em conta o critério enunciado no artigo 50º, nº 1, do Código Penal, é necessário ponderar na apreciação da possibilidade de suspensão da execução da pena, igualmente, “as circunstâncias” do crime, o mesmo é dizer, aquilo que caraterizou a sua prática. A este respeito, o crime de burla qualificada foi consumado[4], limitando-se o arguido a fazer-se passar, junto de um legal representante da empresa A..., Lda., BB, de que era proprietário de certos terrenos florestais e de árvores que aí se encontrassem plantadas, vendendo estas como se do seu legítimo dono se tratasse, obtendo assim para si quantias monetárias que de outra forma não receberia. Assim, na execução de tal plano, no dia 10 de Dezembro de 2019, o arguido dirigiu-se ao referido sujeito e apresentou-se como legítimo dono de um conjunto de eucaliptos que se encontravam plantados no terreno florestal, sito na Rua ..., em ..., Ílhavo (...), e negociou a venda de tais árvores pelo montante de € 6.095,00, valor este que o arguido efetivamente recebeu. Ora, o arguido provocou um engano mediante uma conduta de reduzidíssimo grau de astúcia, podendo mesmo afirmar-se que a pessoa enganada agiu de forma algo negligente, não se tendo certificado, previamente, a quem pertenciam as árvores cuja venda lhe foi proposta. Na verdade, de acordo com a factualidade provada, em momento algum o arguido apresentou documentos falsificados que comprovassem tal propriedade, nem foi acompanhado de outra pessoa que confirmasse a mesma, nem publicou qualquer anúncio de venda das árvores, invocando ser seu proprietário. Recorda-se que os elementos do tipo objetivo do crime de burla são constituídos por: a) Uma conduta astuciosa; b) Um erro ou engano; c) A prática de atos de disposição ou de administração patrimonial; e d) O prejuízo patrimonial. Segundo um escrito de José António Barreiros “há, pois, na burla uma manipulação psíquica da vítima, através de astúcia enganadora ou indutora em erro e a determinação consequente daquela a actos lesivos que não praticaria se a sua liberdade de entender e a de querer estivessem intactas.”[5] Como é consabido, o erro ou engano consubstanciam uma falsa ou inexata representação da realidade. Tal erro, para o efeito que nos ocupa, deverá ser produzido, pelo agente, de forma astuciosa: “é usada astúcia quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou são referidos pelo burlão factos falsos ou este altere ou dissimule factos verdadeiros, e atuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado, de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro.”[6] E se a astúcia pode ser equiparada “(…) à habilidade para o mal, à manha, à sagacidade, à habilidade para enganar, à subtileza para defraudar, ao ardil, à intrujice e ao estratagema, ao embuste e à maquinação”, enquanto elemento integrador da factualidade típica, a astúcia será “(…) uma noção de recorte objectivo e não meramente subjectivo, isto é, haverá de ser reconstituída a partir de actos materiais que a revelem e evidenciem e não por referência a estados de espírito ao nível da mera motivação do agente.” [7] Sendo a burla um crime material ou de resultado, é usual na doutrina falar-se que a consumação da burla passa por um duplo nexo de imputação objetiva: “entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de actos tendentes a uma diminuição do património (próprio ou alheio), e depois, entre os últimos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial”,[8] sendo certo que a qualquer destes momentos há que fazer corresponder os pressupostos da teoria da adequação prevista no artigo 10.º, n.º 1 do Código Penal. Deixam-se aqui expressas tais explicações para concluir que o crime – pacificamente - cometido pelo arguido recorrente apresenta um grau de ilicitude que é elevado pelo valor do prejuízo causado, mas também um grau de culpa diminuto, tendo em conta o reduzidíssimo grau de artifício usado para convencer a vítima, limitando-se a apresentar-se como proprietário das árvores, colocando a sua conduta no limiar mais baixo dos artifícios imagináveis. Por conseguinte, embora a conduta do arguido tenha sido qualificada enquanto crime de burla – e, em linguagem popular, qualquer pessoa diria que o arguido burlou o comprador -, torna-se forçoso reconhecer que o ilícito caracterizou-se por um reduzidíssimo grau de preparação, complexidade e perigosidade de colocar em causa os bens jurídicos protegidos pelo tipo legal de crime – sendo também certo que a vítima do crime era um profissional do ramo, o que deveria ter diminuído, à partida, o risco de ser enganado –. Por outro lado, importa ter também presente – tal como o tribunal a quo o fez – o sucesso do arguido em burlar os incautos na venda de bens que não lhe pertencem, o que aumenta as preocupações de prevenção especial, sendo ainda de realçar que a situação pessoal, social e económica provada do arguido será sensivelmente a mesma que existia à data da prática do crime – cometido há quase seis anos. Assim sendo, não obstante a assertiva fundamentação jurídica da sentença recorrida e a resposta fundamentada do Ministério Público ao recurso, entende-se que a circunstância do crime ter tido as especificidades acima assinaladas e o largo hiato temporal já decorrido desde a prática do crime e a proveta idade do arguido, sem que haja notícia de novos crimes, permite considerar que a ameaça da prisão ainda realizará, no limite do tolerável, as finalidades da punição - sendo também certo que a pena a aplicar neste processo ainda terá de ser integrada em futuro cúmulo jurídico, considerando os seus antecedentes criminais provados -, desde que se subordine tal suspensão à obrigação do arguido indemnizar, pelo menos parcialmente, as vítimas diretas do crime (a herança aberta pelo óbito de CC, da qual é cabeça-de-casal DD e a sociedade comercial empresa A..., Lda.) durante o período de suspensão da execução da pena fixado no máximo legal, tendo em conta as elevadas exigências de prevenção especial já assinaladas. Nestes termos, como condição de suspensão da execução da pena, pelo período de cinco anos, o arguido deverá depositar à ordem dos presentes autos, mensalmente, a importância de € 100,-- (cem euros), que serão destinados aos ofendidos na proporção de 4/5 (quatro quintos) para a herança aberta pelo óbito de CC, da qual é cabeça-de-casal DD e de 1/5 (um quinto) para a sociedade comercial empresa A..., Lda., quantias que foram fixadas nos termos do disposto no art. 51º, alínea a), do Código Penal e ponderando, expressamente, a situação económica provada do arguido – e não esquecendo que o mesmo já devolveu à sociedade A..., Lda. a quantia de € 2.000,00, não tendo ainda indemnizado, minimamente, a proprietária das árvores. Nestes termos, impõe-se julgar o recurso provido, embora por razões concretas algo distintas. * § 4 - Das custas processuais: Sendo concedido provimento ao recurso, não há lugar ao pagamento de custas, nos termos do disposto no artigo 513°, nº 1, a contrario sensu, do Código de Processo Penal. Sendo o recurso julgado parcialmente provido, não há lugar ao pagamento de custas [artigos 513º, nº 1, “a contrario sensu”, do Código de Processo Penal). * III – DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam em conferência e por unanimidade os juízes subscritores, da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em julgar provido o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência: - alteram a pena aplicada ao arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 do Código Penal, passando este a ser condenado na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, que se suspende pelo período de 5 (cinco) anos, sob a condição do arguido depositar à ordem dos presentes autos, durante os próximos sessenta meses, até ao último dia útil de cada mês, a importância de cem euros, revertendo o valor global, como indemnização parcial do prejuízo causado pelo crime, à herança aberta pelo óbito de CC, da qual é cabeça-de-casal DD e para a sociedade comercial empresa A..., Lda., na proporção de 4/5 (quatro quintos) para a primeira e de 1/5 (um quinto) para a segunda. - Sem custas. - Notifique-se a presente decisão, igualmente, à herança aberta pelo óbito de CC, da qual é cabeça-de-casal DD e à sociedade comercial empresa A..., Lda.. Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator. |