Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | M. PINTO DOS SANTOS | ||
| Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATO DE SEGURO INTERVENÇÃO ACESSÓRIA INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA CONDENAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP201112131149/09.0TBMTS.P1 | ||
| Data do Acordão: | 12/13/2011 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO. | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O incidente correcto para a intervenção da seguradora seria, o da intervenção acessória provocada dado que tal chamamento, por parte da ré, assentou na invocação, por esta, da existência de um contrato de seguro que celebrou com aquela e que cobrirá (garantirá o pagamento) os danos resultantes da sua actividade. II - Admitida a intervenção principal provocada de uma seguradora e tendo transitado em julgado essa decisão, a sentença proferida no processo deve apreciar o seu direito e, em caso de procedência da pretensão do autor/a, também a chamada deve ser condenada, embora com atenção ao âmbito e limite de cobertura do contrato de seguro. III - A tal condenação não obsta o facto de o/a autor/a ter apenas deduzido, na p. i., pedido expresso e directo contra a ré e não também contra a seguradora que só depois, na contestação, veio a ser chamada pela demandada. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Pc. 1149/09.0TBMTS.P1 – 2ª Secção (apelação) ___________________________________ Relator: Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Ondina Carmo Alves Des. Ramos Lopes * * * Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:I. Relatório: I.1. Os articulados e a sentença. B…, residente em Vila Nova de Gaia, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum sumário, contra C…, Lda., actualmente “C1…, SA”, com sede em Matosinhos, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 6.692,68 € a título de indemnização, acrescida de juros legais. Alegou, para tal, que no dia 11/09/2006, pelas 21 horas, conduzia o seu veículo automóvel de matrícula ..-..-MP, no prolongamento da Rua … (rua sem nome), em … – Matosinhos, que a respectiva iluminação pública não estava ligada (só acendia às 22h), que a visibilidade era muito reduzida, que quando nada o fazia prever embateu com o MP numas pedras que se encontravam no meio da rua e que aí tinham sido deixadas pela ré que realizava no local uma obra privada (construção de uma urbanização), e que em consequência deste embate a sua viatura sofreu danos no valor de 6.533,88 € e ele, autor, sofreu lesões físicas que demandaram tratamento hospitalar no qual despendeu 158,80 €, pretendendo o ressarcimento destes danos. A ré, citada, contestou a acção, impugnando parte significativa da factualidade alegada na p. i. e excepcionou a responsabilidade da demandante alegando que o dito embate se deveu ao facto de ela ter querido circular com o veículo num espaço privado, vedado ao trânsito, onde se encontravam as pedras com que colidiu e que o mesmo foi da inteira responsabilidade dela, autora, que só por negligência (desatenção ou imperícia) não avistou as referidas pedras, apesar de elas serem visíveis a mais de 50 metros. Pugnou, por isso, pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido. Na contestação, a ré deduziu, ainda, o incidente de intervenção principal provocada da E…, SA, com base em contrato de seguro que celebrou com esta seguradora e que, na sua óptica, cobre os danos reclamados nos autos. Por despacho de fls. 34-35 o incidente acabado de referir foi admitido e foi ordenada a citação da chamada. A E…, SA (ora F… – Companhia de Seguros, SA, por incorporação/fusão daquela nesta), citada, apresentou contestação, na qual aderiu ao articulado apresentado pela ré, admitiu a existência do invocado contrato de seguro e concluiu pela improcedência da acção ou, pelo menos, que esta fosse julgada de acordo com a prova que viesse a produzir-se e tendo em conta, nomeadamente, as coberturas previstas no contrato de seguro e a franquia estabelecida. Foi proferido despacho saneador e foi dispensada a selecção da matéria de facto (assente e controvertida), nos termos do art. 787º nº 2 do CPC, tendo-se realizado, a seu tempo, a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual, após produção da prova, foi proferido despacho de fixação dos factos provados e não provados, sem reclamação de qualquer das partes. Seguiu-se a prolação de sentença que julgou a acção procedente e, em consequência: ● condenou a ré e a interveniente a pagarem, solidariamente, à autora a quantia de 6.039,30 €, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde 18/03/2009 e até efectivo e integral pagamento; ● e condenou, ainda, a ré a pagar à autora a quantia de 653,38 €, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa e nos termos atrás indicados. Mais foram a ré e a interveniente condenadas nas custas, na proporção dos respectivos decaimentos. * I.2. Os recursos.* Inconformadas, interpuseram a ré e a interveniente os recursos de apelação em apreço, cujas alegações culminaram com as seguintes conclusões: - A interveniente: “1ª - Desde logo, diga-se que o ilustre julgador “a quo” andou mal ao condenar a ora recorrente/Interveniente a pagar à Autora, solidariamente com a Ré, a quantia de € 6.039,30, porquanto a ora recorrente é mera Interveniente, tendo o procedimento que deu lugar ao seu chamamento sido deduzido pela Ré C…, Lda., com fundamento em que à data em que terão ocorrido os factos alegados na Petição Inicial, tinha a responsabilidade civil decorrente do exercício da sua actividade, validamente transferida para a ora recorrente por contrato de seguro. 2ª - Tal chamamento da ora recorrente ao processo, por parte da Ré, visou acautelar, claro está, a propositura de uma eventual acção com vista a exercer o seu direito de regresso. Como tal, não houve qualquer pedido formulado contra a ora recorrente. 3ª - Nesse sentido, não tendo sido endereçado qualquer pedido contra si, por parte da Autora, não pode ser a ora Ré condenada no âmbito dos presentes autos, pelo que, nos termos do artigo 341.º do C.P.C., a sentença apenas constitui caso julgado contra a Interveniente em acção posterior, o que tudo implica a nulidade da douta Sentença, no que à condenação da ora recorrente diz respeito, por claro excesso de pronúncia, ao condenar a ora recorrente, quando contra si não foi deduzido qualquer pedido. 4ª - Nulidade esta que ora expressamente se invoca. 5ª - Assim, não sendo a ora recorrente parte principal no presente dissídio, sendo também certo que o seu chamamento serviu para acautelar um eventual direito de regresso do Réu contra si, bem como a permitir que esta a auxiliasse na sua defesa, e ainda, que contra si não foi formulado qualquer pedido, logo se conclui que a condenação não aproveita à ora recorrente F…, interveniente nos autos em apreço por intermédio do chamamento deduzido pela Ré C1…, S.A.. 6ª - Termos em que, é nula a douta sentença, por claro excesso de pronúncia, no que à condenação da Interveniente, ora recorrente, diz respeito, uma vez que não existe qualquer pedido formulado contra si. 7ª - Ao decidir como decidiu, o ilustre Tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 341.º do Código de Processo Civil. Para o caso de assim se não entender, 8ª - Com a Matéria de Facto dada como provada e bem assim, de acordo com a evidência fáctica que esta, por sua vez acarreta, era forçoso que o tribunal “a quo” decidisse de forma radicalmente diferente, absolvendo a ora Ré do pedido pela Autora, em consequência da evidente improcedência da pretensão da mesma. 9ª - Não se perguntou o ilustre julgador se, dadas as circunstâncias, não podia e devia a condutora do veículo sinistrado ter avistado as ditas pedras. Sobre este ponto, o ilustre tribunal limitou-se a dar como não provado que tal possibilidade de avistamento existia. 10ª - De facto, atendendo a que estávamos no final do verão (11 de Setembro) e que o tempo estava bom, às 21:00h daquele dia, certamente ainda não era noite “cerrada”. 11ª – Mais ainda, repare-se que, a Autora, não confortável em afirmar, contra tais evidências, uma dificuldade, tão notoriamente forçada, em avistar as ditas pedras, alegou na sua douta petição inicial, que não só era de inverno, à data do sinistro, como a visibilidade, dado ser de noite (e ser Inverno) era má! 12ª - Mais importa aqui explicitar, que a Autora admitiu ter-se “atrapalhado”, quando avistou as pedras que se encontravam no meio da via, acelerando em vez de travar! 13ª - O que indicia que as mesmas eram, de facto, visíveis. E não apenas a uma muito curta distância, a ponto de ter sido impossível à Autora evitar o embate, é que conforme a mesma admitiu, ao avistar as ditas pedras, “atrapalhou-se”, tendo acelerado, em vez de travar, o que indica que houve tempo para reagir. 14ª - Mas a Autora não tinha a destreza nem a perícia necessárias a evitá-lo. 15ª - Não se podendo inferir que as circunstâncias seriam tais que qualquer condutor sempre se veria forçado a colidir com as pedras. 16ª - Sendo forçoso concluir que a Autora conduzia de forma manifestamente imperita, sendo incapaz de manobrar a sua viatura de modo a evitar as ditas pedras. 17ª - Embora seja certo que, que por si só, a circunstância de ter-se atrapalhado ao avistar as ditas pedras, não prove qual a distância a que as ditas pedras eram visíveis, pelo menos prova que a Autora (já que o seu teor não foi impugnado), não fosse a sua manifesta imperícia, poderia e deveria ter evitado embater em tais obstáculos. 18ª – No entanto, sempre se dirá que, com o auxílio dos dispositivos de iluminação frontais da viatura que conduzia ligados, era de esperar que a Autora, indo atenta à tarefa da condução e executando-a de forma expedita, podia e devia ter avistado atempadamente tais obstáculos, que como se frisou supra, têm um tamanho considerável, pelo menos, dentro do alcance da capacidade de iluminação dos dispositivos de iluminação da viatura que conduzia, os vulgarmente designados faróis dianteiros. 19ª - Tais dispositivos, funcionando como médios, ou luzes de cruzamento, têm um alcance de 30 metros e se forem activados no modo de luzes de estrada, ou máximos, têm um alcance de iluminação de 100 metros! Tais dados implicam que, mesmo sem ligar os máximos, é inegável que a Autora (e partindo do princípio que já era noite totalmente escura), poderia avistar até 30 metros à frente do capot da sua viatura e caso tivesse ligado os máximos, poderia ter alcançado, imediatamente após a curva, as ditas pedras colocadas a cerca de 40 metros. 20ª - Apesar de se tratarem de dados técnicos impostos por lei e disponíveis em qualquer manual de condução, anexo do Código da Estrada ou mesmo na internet, o ilustre julgador ignora a sua importância, sendo incapaz de concluir, que os mesmos deitam por terra a tese que desresponsabiliza a Autora na produção do sinistro em apreço nos presentes autos, por alegadamente não resultar provado que as ditas pedras eram visíveis, dadas as circunstâncias do caso concreto! 21ª - É que, caso os faróis de uma viatura não permitissem um alcance razoável de iluminação que permita ter visibilidade, a condução nocturna não seria possível. 22ª - Mais se diga que, caso a Autora circulasse a 50 km/h, e tendo, como tinha, a possibilidade de avistar as pedras no meio da via, a cerca de 30 metros, por recurso às luzes de cruzamento, vulgo, médios, significa isto que, dispunha de cerca de 2,2 segundos até embater nas mesmas, seguindo à velocidade constante de 50 km/h. 23ª - No entanto, mal as avistasse, poderia ter travado, calculando-se, que em média, o tempo de reacção humano, seja de 0,5 a 0,7, o tempo de reacção entre o avistamento de um obstáculo e a activação do dispositivo de travagem, restando 1,5 segundos para que a viatura se imobilizasse, o que não só, seria possível em 1,5 segundos, como nos 30 metros disponíveis. Mais uma vez, tais dados estão disponíveis em quaisquer Códigos da Estrada anotados. 24ª - Como tal, entendemos que ao não ter estes aspectos da realidade empírica em consideração, o ilustre julgador “a quo” comete um paralogismo grave, decidindo de forma injusta. 25ª – Sendo certo que um tal ónus probatório, como aquele que o artigo 493.º, n.º do C.C. coloca sobre a Ré, não pode sobrepor-se à evidência dos factos de que dispunha o ilustre julgador, à data da prolação da decisão em apreço. 26ª – O que implica que, a par do ónus que impendia sobre a Ré, de provar que tomou todas as medidas de segurança para tornar visíveis tais pedras na via, e logo à partida, deveria ter o ilustre julgador indagado seriamente, se por isso, atentas as circunstâncias, a Autora não teria de avistar necessariamente as ditas pedras no meio da via. 27ª - Em síntese, dir-se-á que em 11 de Setembro de 2009, era de Verão e à hora do sinistro (21:00h) ainda não era totalmente de noite, em segundo lugar, as pedras em questão eram objectos/obstáculos de tamanho considerável, o que facilitava o seu avistamento, mais ainda, a distância a que as ditas pedras se encontravam da saída da curva que antecedia a recta onde estas se encontravam depositadas, era de cerca de 40 metros e o alcance das luzes de cruzamento de uma viatura média, é de cerca de 30 metros. 28ª - Por toda esta factualidade, era forçoso que a Autora avistasse as ditas pedras. 29ª - A tudo isto há que acrescentar que a Autora confessou aos averiguadores da companhia de seguros, ora recorrente, que se atrapalhou ao avistar as ditas pedras, nelas tendo embatido, o que só vem reforçar o seu necessário contributo, sob a forma de imperícia, como única causa para a produção do sinistro de que foi vítima. 30ª - Tendo violado necessariamente o disposto no artigo 24.º, n.º 1 do Código da Estrada. 31ª - Como tal, e atendendo a tudo quanto vem alegado, é sobre a Autora que recai a responsabilidade pela produção do sinistro em apreço nos autos. 32ª - Não se podendo aqui sobrepor-lhe a cominação emergente do alegado não cumprimento do ónus probatório que sobre a Ré recaía, até porque a evidência dos factos constitui prova bastante, conforme se explicitou, de que a Autora, atentas as circunstâncias de facto que envolveram o sinistro em apreço, podia e devia ter evitado embater nas ditas pedras, o que não foi possível, atenta a imperícia com que desempenhava a tarefa da condução rodoviária naquele dia 11 de Setembro de 2009. 33ª - A douta sentença recorrida, ao não analisar a factualidade supra descrita, da forma que se indicou e ao ter, consequentemente, decidido conforme decidiu, quanto à atribuição de responsabilidade pelo sucedido à Ré construtora, condenando, em consequência a ora recorrente, nos termos em que o fez, violou, entre outros, os artigos 483.º, 487.º, n.º 1 e 493.º, n.º 1, todos do Código Civil. Termos em que, deve a decisão recorrida ser revogada na medida acima assinalada, assim se fazendo inteira Justiça”. - A ré: “1ª - Com a matéria de facto dada como provada e bem assim, de acordo com a evidência fáctica que esta, por sua vez acarreta, era forçoso que o Tribunal “a quo” decidisse de forma radicalmente diferente, absolvendo a ora Ré do pedido da Autora ao invés de nele a condenar, como o fez. 2ª - A conclusão retirada pelo ilustre Tribunal recorrido na douta sentença revidenda de que a R. recorrente não provou ter adoptado as medidas necessárias para que as pedras que colocou na via para nela impedir a circulação automóvel fossem avistadas pelos condutores de veículos de forma a nelas não embaterem mostra-se desconforme com a matéria de facto dada como provada a qual, contrariamente ao que se impunha, não foi ponderada, interpretada e conjugada entre si e com as demais circunstâncias a ela atinentes e dela necessariamente emergentes, vistas as normas legais aplicáveis e as regras da experiência comum. Com efeito, 3ª - A resposta à questão determinante e fulcral que reside em saber/apurar se a Autora (ou qualquer outro condutor normal devidamente habilitado) podia naquele dia ter avistado as pedras colocadas no local pela R. de forma a nelas não embater, só pode ser, atenta a matéria factual provada e o mais supra alegado, manifestamente positiva pois que e desde logo, - Era verão (11 de Setembro), cerca das 21h e estava bom tempo (provando-se o oposto do alegado pela A. na sua petição); - As pedras (que eram grandes) estavam colocadas no meio da via, a cerca de 40 metros da curva que a A. recorrida “passou” antes de nelas embater; - No espaço (de cerca de 40 metros) compreendido entre a saída da curva e o local onde estavam colocadas as pedras não havia qualquer outro obstáculo na via susceptível de impedir o avistamento das mesmas; - Autora admitiu perante o perito da Interveniente Seguradora que investigou o acidente ter-se “atrapalhado”, quando avistou as pedras que se encontravam no meio da via, acelerando em vez de travar! 4ª - Estes factos comprovam que as pedras eram, de facto, visíveis, a ponto de ter sido possível á Autora evitar o embate, o que só não sucedeu - forçoso é concluir - por manifesta desatenção, imperícia e ou falta de destreza da mesma. Com efeito, 5ª - Cumpre notar que, com o auxílio dos dispositivos de iluminação frontais da viatura que conduzia ligados, não pode deixar de se concluir que a Autora, indo atenta à tarefa da condução e executando-a de forma expedita, podia e devia ter avistado atempadamente tais obstáculos, que como se frisou supra, têm um tamanho considerável, pelo menos, dentro do alcance da capacidade de iluminação dos dispositivos de iluminação da viatura que conduzia, os vulgarmente designados faróis dianteiros. Ora, 6ª - Tais dispositivos, funcionando como médios, ou luzes de cruzamento, têm um alcance de 30 metros e se forem activados no modo de luzes de estrada, ou máximos, têm um alcance de iluminação de 100 metros! Tais dados implicam que, mesmo sem ligar os máximos, é inegável que a Autora (e partindo do princípio que já era noite totalmente escura), poderia avistar até 30 metros à frente do capot da sua viatura e caso tivesse ligado os máximos, poderia ter alcançado, imediatamente após a curva, as ditas pedras colocadas a cerca de 40 metros. 7ª - Estes são dados técnicos e objectivos (previstos/impostos por lei e disponíveis em qualquer manual de condução, anexo do Código da Estrada ou mesmo na internet) que a terem sido considerados (como deviam) pelo ilustre Julgador «a quo» não poderiam deixar de fazer deitar por terra a tese que desresponsabiliza a Autora pela produção do sinistro em apreço nos presentes autos, por alegadamente não resultar provado que as ditas pedras eram visíveis, dadas as circunstâncias do caso concreto! 8ª - É que, caso os faróis de uma viatura não permitissem um alcance razoável de iluminação que permita ter visibilidade, a condução nocturna não seria possível. 9ª - Mais se diga que, caso a Autora circulasse a 50 km/h, e tendo, como tinha, a possibilidade de avistar as pedras no meio da via, a cerca de 30 metros, por recurso às luzes de cruzamento, vulgo, médios, significa isto que, dispunha de cerca de 2,2 segundos até embater nas mesmas, seguindo à velocidade constante de 50 km/h. 10ª - No entanto, mal as avistasse, poderia ter travado, calculando-se, que em média, o tempo de reacção humano, seja de 0,5 a 0,7, o tempo de reacção entre o avistamento de um obstáculo e a activação do dispositivo de travagem, restando 1,5 segundos para que a viatura se imobilizasse, o que não só, seria possível em 1,5 segundos, como nos 30 metros disponíveis. Mais uma vez, tais dados estão disponíveis em quaisquer Códigos da Estrada anotados. 11ª - Como tal, salvo o devido respeito, entendemos que ao não ter estes aspectos da realidade empírica em consideração e ao sobrepor um ónus probatório como aquele que o artigo 493º do C.C. coloca sobre a R., à evidência dos factos de que dispunha à data da prolação da decisão em apreço, o ilustre Julgador “a quo” comete um paralogismo grave, decidindo de forma injusta. 12ª - Porquanto, antes de se decidir, sem mais, pela conclusão da alegada falta de prova por parte da R. que permitia afastar a presunção de culpa prevista naquele artigo 493º do C.C., não curou de indagar se a Autora, no caso e naquelas concretas circunstâncias, não teria necessariamente - em condições normais do exercício da sua condução - de avistar as ditas pedras, por forma a evitar nelas embater. 13ª - Se assim tivesse procedido, facilmente chegaria à conclusão de que a Autora não só poderia, como deveria ter evitado o sinistro, que só sucedeu por culpa dela pois que em 11 de Setembro de 2006, era de Verão e à ora do sinistro (21:00h) ainda não era totalmente de noite, as pedras em questão, eram objectos/obstáculos de tamanho considerável, o que facilitava o seu avistamento e, mais ainda, a distância a que as ditas pedras se encontravam da saída da curva que antecedia a recta onde estas se encontravam depositadas, era de cerca de 40 metros e o alcance das luzes de cruzamento de uma viatura média, é de cerca de 30 metros. 14ª - A tudo isto há que acrescentar que a Autora confessou aos averiguadores da companhia de seguros Interveniente nos autos que se atrapalhou ao avistar as ditas pedras, nelas tendo embatido, o que só vem reforçar o seu necessário contributo, sob a forma de imperícia, como única causa para a produção do sinistro de que foi protagonista. 15ª - Tendo a A. violado necessariamente o disposto no artigo 24.º, n.º 1 do Código da Estrada. 16ª - Como tal, e atendendo a tudo quanto vem alegado, é sobre a Autora que recai a responsabilidade pela produção do sinistro em apreço nos autos. 17ª - Não se podendo aqui sobrepor-lhe a cominação emergente do alegado não cumprimento do ónus probatório que sobre a Ré recaía, até porque a evidência dos factos constitui prova bastante, conforme se explicitou, de que a Autora, atentas as circunstâncias de facto que envolveram o sinistro em apreço, podia e devia ter evitado embater nas ditas pedras, o que não foi possível devido a imperícia com que desempenhava a tarefa da condução rodoviária naquele dia 11 de Setembro de 2006. 18ª - Ao não ter analisado, considerado e ponderado a factualidade apurada e demais circunstâncias relevantes a ela inerentes de conformidade com o que supra vai alegado e ao decidir, como decidiu pela imputação da responsabilidade pela ocorrência do sinistro sucedido à Ré aqui recorrente e pela sua condenação nos termos em que o fez, a Meritíssima Juiz do Tribunal «a quo» errou na interpretação/conjugação que fez dos factos provados e na sua subsunção aos normativos legais aplicáveis com violação e ou errada interpretação, entre o mais, do disposto nos artigos 483.º, 487.º, n.º 1 e 493.º, n.º 1, todos do Código Civil. Nestes termos (…) deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra em que se conclua pela absolvição da R. Recorrente do pedido contra ela formulado, assim se cumprindo a Justiça”. A autora contra-alegou em defesa da confirmação da sentença recorrida. * * * II. Questões a apreciar e decidir:Em atenção à delimitação decorrente das conclusões das alegações das apelantes - arts. 684º nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3 do CPC, na redacção dada pelo DL 303/2007, de 24/08, já que a acção foi instaurada depois da entrada em vigor deste diploma, ou seja, depois de 01/01/2008 – e não esquecendo que nos recursos se apreciam questões e não razões ou argumentos e que não visam criar decisões sobre matéria nova, as questões que importa apreciar e decidir consistem em saber: ● Se a seguradora foi chamada como interveniente principal ou como interveniente acessória; ● Se a sentença recorrida é nula, por excesso de pronúncia, por ter condenado a seguradora interveniente a pagar parte do peticionado pela autora; ● Se a responsabilidade pelo sinistro é imputável, a título de culpa, exclusivamente à autora e não à ré e se, por via disso, há que revogar a sentença. * * * III. Factos provados:Na sentença foram dados como provados os seguintes factos (que não vêm impugnados pelas partes): 1 - No dia 11 de Setembro de 2006, cerca das 21 horas, a A. conduzia o automóvel Daewo …, matrícula ..-..-MP, no prolongamento da Rua … (rua sem nome), em … – Matosinhos. 2 - Nesta rua sem nome, à hora referida em 1) não existia qualquer iluminação pública. 3 - Quando já circulava na referida rua, a A. embateu com o veículo que conduzia numas pedras que se encontram no meio da rua. 4 - À hora referida em 1), estava bom tempo. 5 - A A. tem carta de condução, não conduzia sob o efeito do álcool e o veículo que conduzia tinha o correspondente seguro em vigor. 6 - A R. realizava, no local onde ocorreu o embate, uma obra privada - a construção de uma urbanização. 7 - O local em que a A. bateu com o seu veículo nas pedras era, à data, um espaço privado não aberto ao trânsito, parte integrante dum prédio, propriedade privada, no qual e por conta de cujo proprietário a R. estava então a executar as obras de infraestruturas das obras de urbanização. 8 - As pedras nas quais a A. bateu, encontravam-se a cerca de 40 metros após a curva existente na Rua …, e que dá início ao prolongamento da rua referida em 1), e encontravam-se no local para impedir a passagem e circulação de veículos naquela infraestrutura (arruamento) que na ocasião se encontrava em execução, era propriedade privada e na qual ainda não era permitido o trânsito, não fazendo parte do domínio público. 9 - Em consequência do embate referido em 3), a A. gastou 158,80 € com despesas hospitalares. 10 - E gastou 1.077,40 € com despesas de oficina para ter o automóvel em condições mínimas para circular. 11 - Para ter o seu veículo conforme o que este era antes do acidente terá de desembolsar o valor previsto em orçamento, 6.533,88 €, deduzido da quantia referida em 10. 12 - No âmbito da sua actividade, a R., na qualidade de Segurado, celebrou com a interveniente um contrato de seguro na modalidade Empresas Construção Civil tendo o mesmo sido titulado pela apólice de seguro número 50/8418, com as condições gerais, especiais e particulares do contrato de seguro que se mostra junto aos autos a fls. 57 a 61, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. * * * IV. Apreciação jurídica:IV.1. Se a seguradora foi chamada como interveniente principal ou como interveniente acessória. IV.1.1. A recorrente seguradora sustenta, nas primeiras conclusões das suas alegações, que é interveniente acessória nos autos, por ter sido nessa qualidade que foi chamada pela ré e que esta invocou como fundamento da sua intervenção a existência de um contrato de seguro que havia celebrado consigo, companhia de seguros, mediante o qual assumiu a responsabilidade civil daquela decorrente do exercício da respectiva actividade, pelo que, em seu entender, na base do incidente esteve apenas o propósito da ré acautelar a propositura de nova acção com vista ao exercício do direito de regresso contra a chamada. Lendo, porém, a contestação da ré, na parte em que deduziu o incidente de intervenção de terceiros em referência, e a contestação que a própria seguradora interveniente apresentou nos autos, facilmente se constata que a ora recorrente labora em erro acerca da verdadeira qualidade em que foi chamada e da efectiva qualidade em que intervém nos autos. Com efeito, sendo embora verdade que na base do seu chamamento esteve a invocação, pela ré “C1…”, da existência de um contrato de seguro do exercício da sua actividade profissional (dos riscos a ela inerentes) – art. 1º da contestação -, verdade é também que a ré chamante logo referiu que em caso de ganho de causa por parte da autora era à chamada que cabia ressarci-la (ressarcir a autora) dos danos decorrentes da sua (da ré) responsabilidade – art. 2º - e que, por via disso, a chamada «tem inequivocamente um interesse igual ao seu em relação ao objecto da causa» - art. 3º da mesma peça processual. E, com base nesta fundamentação, a chamante requereu a «intervenção principal provocada» da ora 1ª recorrente (seguradora) e não, como esta agora afirma, a sua «intervenção acessória provocada». O Tribunal «a quo», no despacho de admissão do incidente – fls. 34-35 -, considerando que o contrato de seguro facultativo invocada pela ré, celebrado entre esta e a seguradora apelante, determinou a co-assunção, por esta, da responsabilidade daquela (por danos decorrentes do exercício da sua actividade profissional) e a «consequente adjunção de um outro responsável a quem imediatamente tal era», de tal modo que «o lesado pode, em princípio, demandar o segurador, o segurado, ou ambos», admitiu o incidente em apreço nos precisos termos em que a ré o deduziu, ou seja, como intervenção principal provocada, nos termos do disposto nos arts. 325º nº 1 e 329º nºs 1 e 2 do CPC, e determinando o chamamento (através de citação) da seguradora ao abrigo de tal figura jurídica. Isto porque entendeu que «tendo a ré sido demandada para ser condenada a pagar à autora indemnização pelo prejuízo por ela causado no exercício da sua actividade, e tendo a primeira transferido para a chamada, mediante o mencionado contrato de seguro, a responsabilidade civil decorrente de facto ilícito extracontratual, deve a última ser admitida a intervir na acção a título principal, em razão do interesse próprio da interveniente, da possibilidade de litisconsórcio inicial, da solidariedade da dívida e do consequente direito de regresso». E a seguradora recorrente, entendendo perfeitamente que foi chamada à acção ao abrigo do incidente de intervenção principal provocada regulado nos arts. 325º a 329º do CPC, logo no art. 1º da sua contestação, começou por referir que «a interveniente E…, nos termos do disposto no nº 3 do art. 327º do Código de Processo Civil (itálico nosso), declara aderir integralmente aos factos articulados pelo Réu … e constantes dos artigos 5º a 16º (da contestação), assim como impugna a veracidade, teor e conteúdo de todos os documentos juntos com a petição inicial»; assim como não deixou de pugnar pela redução do montante indemnizatório peticionado pela autora pelos danos patrimoniais – arts. 10º a 17º - e, bem assim, de defender a improcedência, quanto a ela, da parte do pedido da demandante relativo aos gastos hospitalares, por entender que estes não estão cobertos pelo dito contrato de seguro – art. 18º da sua contestação. E concluiu a sua contestação requerendo que «deve o pedido formulado pela Autora contra a Ré ser julgado improcedente por não provado ou julgado de acordo com a prova que vier a produzir-se, levando-se, no que diz respeito à interveniente E…, sempre em conta as condições do contrato de seguro aqui em apreço, nomeadamente no que diz respeito às coberturas e franquia contratuais” (itálico nosso). Não tem, por conseguinte, razão a seguradora apelante no que invoca nas primeiras conclusões das suas doutas alegações IV.1.2. Poderia questionar-se se o incidente adequado para a intervenção da seguradora recorrente seria aquele que ficou referenciado ou se, pelo contrário, deveria ter sido o de intervenção acessória provocada, regulado nos arts. 330º a 333º do CPC. Isto porque apesar de alguma confusão aparente que possa existir entre as situações enquadráveis no art. 329º [que substituiu, desde a Reforma de 1995-96, o antigo incidente do chamamento à demanda que o anterior CPC previa nos arts. 330º e segs., dando-lhe, porém, uma maior amplitude por abranger casos que saíam do âmbito de previsão daquele chamamento – cfr. Preâmbulo do DL 329-A/95, de 12/12, que expressamente proclama que “no que se refere ao chamamento à demanda, optou-se pela sua inclusão no âmbito da intervenção principal provocada passiva, já que, como sustentava o Prof. Castro Mendes, tal incidente, …, mais não é que «uma sub espécie da intervenção principal, provocada pelo réu demandado como co-devedor e através da qual o mesmo réu chama para o seu lado os outros, ou alguns dos outros, co-devedores»”; idem, Salvador da Costa, in “Os Incidentes da Instância”, 2ª ed., pg. 101 e Lebre de Freitas – e outros -, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 1999, pgs. 578-579], sobretudo no seu nº 2 ao referir-se ao «direito de regresso», e no art. 330º, o que verdadeiramente parece distinguir a intervenção principal provocada da intervenção acessória provocada é a real posição do interveniente relativamente à relação jurídica invocada pelo autor na petição inicial, pois se o chamamento daquele se basear na relação jurídica invocada pelo autor na p. i. estaremos perante o incidente de intervenção principal provocada, ao passo que se o chamamento se estribar numa relação jurídica conexa com aquela já se tratará do incidente de intervenção acessória provocada [assim, Salvador da Costa, obr. cit., pgs. 117-118, que ensina que a intervenção principal provocada, na especificidade prevista no citado art. 329º, é “um meio processual susceptível de ser implementado pelo réu com vista a fazer intervir, na posição de réus, outros sujeitos passivos da relação jurídica material controvertida que à acção serve de causa de pedir”, diversamente do que acontece na intervenção acessória provocada “em que se chama ao processo, numa posição passiva, o titular de uma relação jurídica conexa com a que se discute na acção”, sendo, ainda, certo que o nº 2 do art. 329º “prevê especificamente sobre a situação em que o autor faz valer na acção uma obrigação solidária, mas acciona apenas um ou alguns dos devedores”, podendo estes chamar os restantes, ou alguns deles, com vista à condenação destes em conformidade com o direito de regresso que possa assistir àqueles; idem, Acs. da Relação de Lisboa de 08/12/2008, proc. 9040/2008-6 e de 02/12/2008, proc. 6533/2008-1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrl e desta Relação do Porto de 26/04/2007, proc. 0730530, disponível in www.dgsi.pt/jtrp - neste último concretiza-se que “quando estamos face a um direito de regresso com génese numa intervenção litisconsorcial ou de garantia perante o credor/autor, fazendo, nesse caso, valer um direito próprio, paralelo ao do réu, podendo ser directamente demandado como parte principal, o incidente correcto é o da intervenção principal”, mas “inversamente, se a acção de regresso surge de uma relação conexa existente entre o réu e o interveniente (v. g. de uma relação de garantia assumida unicamente por este face aquele), de uma relação em que o interveniente não tenha legitimidade para ser demandado como parte principal, estaremos perante a intervenção acessória”]. Como no caso «sub judice» o chamamento da seguradora, por parte da ré, assentou na invocação, por esta, da existência de um contrato de seguro que celebrou com aquela e que cobrirá (garantirá o pagamento) os danos resultantes da sua actividade, poderia entender-se que o incidente correcto para a sua intervenção seria, efectivamente, o da intervenção acessória provocada e não o da intervenção principal provocada. Contudo, como se disse no item anterior, o incidente que foi requerido, que foi admitido e ao abrigo do qual se processou a intervenção processual da seguradora chamada foi o da intervenção principal provocada. A chamada não recorreu do despacho de admissão de tal incidente já que, quer no requerimento de interposição do recurso [onde anunciou que «não se conformando com a douta sentença, vem dela interpor recurso para o Tribunal da Relação do Porto»], quer nas alegações que se lhe seguiram, incluindo as respectivas conclusões [numas e noutras, a seguradora apelante limitou-se a «pedir» a nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia e a revogação da mesma sentença por errada interpretação do disposto nos arts. 483º, 487º nº 1 e 493º nº 1 do CCiv.], em parte alguma afirmou que recorria também da decisão constante do referido despacho de fls. 34-35 [que a admitiu como interveniente principal]. E poderia ter recorrido desse despacho no recurso que interpôs da sentença final, por o mesmo não integrar nenhum dos casos excepcionais previstos nas 13 alíneas do nº 2 do art. 691º do CPC, nomeadamente na al. j), uma vez que esta alínea se refere ao recurso interposto de despacho de não admissão de um determinado incidente [abarcando qualquer dos incidentes de intervenção de terceiros legalmente previstos] ou que lhe ponha termo (itálicos nossos), e o despacho de fls. 34-35 foi de admissão do dito incidente [cfr. Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 2ª ed. revista e actualizada, pg. 188]. Não tendo recorrido do referido despacho que a admitiu como parte principal passiva, ao lado da primitiva ré, transitou o mesmo em julgado e tornou-se estável o que dele resultou, ou seja, que a seguradora apelante intervém nos autos como interveniente principal e não como interveniente acessória. Face ao que fica enunciado, improcede o segmento da apelação (e suas conclusões) em que a seguradora apelante sustenta que intervém nos autos como parte acessória (ou ao abrigo do incidente de intervenção acessória provocada). * IV.2. Se a sentença recorrida é nula, por excesso de pronúncia, por ter condenado a seguradora interveniente a pagar parte do peticionado pela autora.* Por entender que intervém na acção apenas como parte acessória e, bem assim, por a autora não ter formulado nenhum pedido concreto contra ela, a seguradora apelante sustenta que, ao ter sido condenada [solidariamente com a primitiva ré] a pagar parte da indemnização peticionada pela autora, a sentença recorrida incorreu em excesso de pronúncia e está eivada do vício de nulidade previsto na al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC. Face ao expendido nos itens anteriores, apresenta-se agora fácil a resposta a esta questão. Já vimos que a seguradora recorrente foi chamada ao abrigo do incidente de intervenção principal provocada do art. 329º, que a sua intervenção foi admitida à luz deste incidente (e preceito) e que a sua defesa [que a apresentou, como também vimos] teve lugar nos termos previstos no nº 3 do art. 327º, tendo-se defendido do que a autora alegou e pediu na p. i.. E a intervenção principal provocada corresponde, processualmente, a uma forma de litisconsórcio sucessivo, permitindo ao chamado [no caso, à chamada] que faça valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou ao do réu [no caso, ao da ré], direito esse que deve ser apreciado na sentença, a qual fará, consequentemente, caso julgado em relação a ele – art. 328º nº 1. Intervindo no processo, como aconteceu com a seguradora apelante, o chamado passa a ser, verdadeiramente, parte principal na acção - no caso, parte principal passiva, ao lado da primitiva ré [Salvador da Costa, obr. cit., pgs. 112-113] – e a sentença deve incluí-lo no que decidir: condená-lo [com o primitivo réu] se a pretensão do autor proceder total ou parcialmente e absolvê-lo [e ao primitivo réu] se a pretensão do autor improceder ou se proceder a defesa exceptiva do próprio chamado [por ex., no caso deste impugnar a sua qualidade de condevedor, de devedor principal ou de obrigado solidário, e lhe vier a ser dada razão na sentença]. Nisto se distingue também a intervenção principal da intervenção acessória, pois nesta o chamado não pode ser condenado no que o autor tiver peticionado [só o primitivo réu pode sê-lo], uma vez que aqui o direito do interveniente não é apreciado na sentença – arts. 330º nº 2 e 332º nº 4, com referência ao art. 341º do CPC. É verdade que, como diz a seguradora apelante, contra ela não foi formulado expressa e directamente qualquer pedido pela autora. Mas tal argumento não impressiona, havendo, com a intervenção da chamada na acção, como que um «arrastamento» do pedido que a autora formulou contra a ré inicial também relativamente a ela própria, chamada, passando esta a estar abrangida por esse mesmo pedido; por isso é que a chamada o contestou e pugnou pela improcedência ou, pelo menos, pela redução do peticionado pela demandante. Por isso, mesmo sem haver pedido expresso e directo contra a chamada [o que acontece em todos os casos previstos no art. 329º, de intervenção passiva suscitada pelo réu], nenhum excesso de pronúncia houve na sentença ao tê-la condenado [solidariamente com a ré] a pagar parte da indemnização reclamada pela autora, por se ter ali concluído que o sinistro que determinou os danos suportados por esta se deveu a responsabilidade culposa (negligência) da ré [neste sentido, decidiram os Acs. desta Relação de 26/04/2007, supra citado e de 26/05/2009, proc. 3178/03.8TJVNF.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp, que proclamou que “na intervenção principal provocada no lado passivo, o interveniente que autonomamente contesta a pretensão do autor, com cabal cumprimento do contraditório, pode e deve ser condenado se os factos apurados e a lei aplicável assim o impuserem – atento o disposto no art. 328º nº 1 do CPC –, mesmo que se trate de uma intervenção sucessiva e contra ele não tenha sido deduzido directamente pedido”]. Como tal, inexistindo excesso de pronúncia, não se verifica a invocada nulidade de sentença, da previsão da al. d) [ou de qualquer outra] do nº 1 do art. 668º do CPC, improcedendo, igualmente, esta parte da pretensão recursória da seguradora apelante. * IV.3. Se a responsabilidade pelo sinistro é imputável, a título de culpa, exclusivamente à autora (e não à ré).* Ambas as recorrentes impugnam a solução jurídica decretada na sentença, sustentando que o sinistro em apreço [que determinou os danos cuja ressarcibilidade a autora peticionou na p. i.] ficou a dever-se exclusivamente à condução da autora, na medida em que esta, na sua óptica, podia ter avistado a, pelo menos, 30 metros de distância, as pedras em que embateu com o veículo que conduzia e que nesse espaço podia ter imobilizado a viatura sem embater naquelas, pelo que, tal não tendo acontecido, só a imperícia e falta de cuidado da sua parte se ficou a dever o referido embate que está na base do pedido indemnizatório que formulou. Põem, por isso, em causa a culpa que na sentença foi imputada à ré ao abrigo do previsto no nº 1 do art. 493º do CCiv.. Com efeito, considerou-se ali que: «De toda esta factualidade resulta que a R., enquanto empreiteira contratada para executar as obras de infraestruturas das obras de urbanização do prédio de que fazia parte integrante o arruamento onde ocorreu o sinistro dos autos, para impedir que terceiros circulassem naquele arruamento ainda não aberto à circulação pública, colocou no meio do dito arruamento as pedras onde a A. veio a embater com o seu veículo. Impunha-se, assim, à R., no âmbito do dever de vigilância que sobre si impendia quer desse imóvel quer das pedras que lá colocou, que tomasse as medidas necessárias para que as mesmas fossem avistadas pelos condutores de veículos de forma a nelas não embaterem. Ora, alegou a R. que as mesmas eram visíveis a mais de 50 metros, que no local em que ocorreu o embate eram perceptíveis e bem visíveis as obras de urbanização então em curso e de que não se tratava de via pública aberta ao trânsito de veículos, bem como que a A. pretendeu entrar e circular num arruamento cujo acesso lhe estava vedado. Não logrou fazer essa prova. Provou-se somente que as ditas pedras estavam colocadas cerca de 40 metros após a curva existente na Rua de S. João de Brito, e que dá início ao prolongamento do arruamento/rua sem nome, local que no dia e hora do sinistro dos autos não tinha qualquer iluminação pública. Não conseguiu, por isso, ilidir a presunção de culpa que sobre si recai, por força do supra citado art. 493º nº 1 do C.C.». A autora estribou o seu pedido na responsabilidade extracontratual por factos ilícitos prevista nos arts. 483º e segs. do CCiv. [diploma a que nos reportaremos daqui em diante quando outra menção não for feita]. Um dos pressupostos desta é a culpa – os outros são o facto ilícito, o dano e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano. Diversamente do que acontece na responsabilidade contratual em que a culpa do devedor se presume, em conformidade com o prescrito no nº 1 do art. 799º, na responsabilidade aquiliana a culpa tem, em princípio, que ser alegada e provada pelo lesado, de acordo com o preceituado no nº 1 do art. 487º, sendo apreciada pelo julgador, na falta de outro critério, pela diligência de um bom pai de família (homem médio de mediana diligência e sageza), em face das circunstâncias de cada caso concreto – nº 2 do art. 487º. O lesado só não tem que fazer prova da culpa do agente/lesante quando beneficie de alguma presunção de culpa deste, como acontece, designadamente, nos casos previstos nos arts. 491º a 493º. «In casu», a sentença recorrida considerou que a situação que ficou provada se enquadra na previsão do nº 1 do art. 493º, segundo o qual “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”. É contra esta imputação que as apelantes se insurgem, defendendo que só a autora foi a culpada pela verificação do embate do veículo que conduzia nas pedras que se encontravam no local indicado nos factos provados. Cabe, assim, no âmbito do «thema decidendum» a cargo desta 2ª instância a averiguação da questão de saber se, em face dos factos apurados/provados, a responsabilidade pela verificação do sinistro se deveu a culpa da ré, como sentenciou a 1ª instância, ou se, pelo contrário, a culpa da autora, como defendem, em primeira linha, as recorrentes (ou, eventualmente, a culpa de ambas – autora e ré. E nesta indagação não estamos limitados pelos argumentos ou razões que as recorrentes invocam nas suas alegações-conclusões. Na verdade, embora o poder decisório deste Tribunal «ad quem» esteja limitado pelo objecto do processo, pelo objecto do recurso e pela reacção das partes à decisão recorrida [Abrantes Geraldes, obr. cit., pg. 307], daí não decorre que a análise da dita questão tenha que ser feita (exclusiva ou principalmente) em função dos ditos argumentos ou razões invocados pelas recorrentes, pois o que se aprecia nos acórdãos a proferir em sede recursória são as questões (de facto e/ou de direito) que as partes suscitam e não os argumentos, os motivos ou as razões jurídicas que invocam, por mais respeitáveis que estes sejam [cfr. Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pgs. 677-688, Ac. do Tribunal Constitucional nº 371/2008, in www.tribunalconstitucional.pt/tc e Acs. do STJ de 11/10/2001, proc. 01A2507, sumariado in www.dgsi.pt/jstj e desta Relação de 15/12/2005, proc. 0535648, disponível in www.dgsi.pt/jtrp]. É, aliás, o que decorre do prescrito no nº 2 do art. 713º que manda aplicar à elaboração do acórdão o que dispõem, designadamente, os arts. 660º nº 2 e 664º, todos do CPC. Por isso, mais que aferir se os argumentos referidos nas alegações-conclusões afastam a culpa que na sentença foi atribuída à ré, com base na aludida presunção legal, o que este Tribunal tem de fazer é, como já se disse, indagar se os factos dados como provados sustentam aquela imputação ou se, pelo contrário, impõem outra solução quanto a tal pressuposto da responsabilidade aquiliana. Ora, é nosso entendimento que o Tribunal «a quo», com o devido respeito, enquadrou erradamente a situação na previsão do nº 1 do art. 493º, atribuindo à ré um dever de vigilância – e a sua violação/inobservância - que não resulta da factologia dada como provada. Isto porque em lado algum vem dado como assente, contrariamente ao que entendeu aquele Tribunal, que tenha sido a ré que colocou no local do embate as pedras com que a autora colidiu, não podendo sequer extrair-se tal conclusão do facto de ser a demandada quem levava a cabo a execução das «obras de infraestruturas das obras de urbanização» a que aludem os factos nºs 7 e 8. O local onde estas estavam a ser executadas era propriedade de outrem [a ré realizava as obras por conta do respectivo proprietário – facto nº 7] e nada nos diz que não possa ter sido o proprietário desse local que as tenha lá colocado com a finalidade mencionada no nº 8 dos factos provados [impedir a passagem e circulação de veículos], nem que essa colocação tenha, porventura, acontecido já depois da ré, no dia do sinistro [este ocorreu às 21 horas, certamente em momento em que as obras levadas a cabo pela demandada estavam paradas para descanso nocturno dos seus trabalhadores], ter abandonado a obra (e o local), o que, necessariamente, a impediria do exercício de qualquer dever de vigilância que pudesse impender sobre ela [de não manter as pedras no meio do arruamento]. E era à autora que competia, para beneficiar da presunção legal prevista neste preceito [e ficar dispensada da prova da culpa da ré na produção do sinistro], a alegação e prova de factualidade inequívoca dos pressupostos dessa presunção, ou seja, da existência de um efectivo dever de vigilância a cargo da ré - art. 342º nº 1 do CCiv. [neste sentido, embora reportando-se a casos de presunção de culpa enquadráveis no art. 492º, vejam-se os Acs. do STJ de 06/02/1996, in CJ-STJ ano IV, 1, 77 e da Relação de Lisboa de 20/01/2011, proc. 609/1999.L1-8, disponível in www.dgsi.pt/jtrl; cfr., ainda, Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pg. 503]. Faltando tal prova que estava a cargo da autora, não era – nem é - possível enquadrar a conduta da ré na previsão do apontado nº 1 do art. 493º. Inexistindo a presunção de culpa em que a douta sentença radicou a responsabilidade da demandada, cabia à autora a prova de que o sinistro se deveu a culpa daquela, prova que, claramente, não fez. Pelo contrário, o que os factos provados evidenciam é a exclusiva culpa da demandante. Basta começar por atentar que o embate ocorreu dentro de uma propriedade privada e em espaço não aberto ao trânsito de veículos e onde este não era permitido, conforme consta dos nºs 7 e 8 dos factos provados [trata-se de factos que estão efectivamente provados, embora a sentença tenha, erroneamente, dito que não ficaram provados – veja-se o excerto atrás transcrito]. Como espaço privado que era, vedado ao trânsito de veículos, a autora não podia nele conduzir a sua viatura. Tendo-o feito e circulando onde não podia nem devia – e onde um condutor suficientemente diligente e cuidadoso não tripularia o seu veículo -, só a ela é imputável, a título de culpa (negligência) o embate nas aludidas pedras e, consequentemente, os danos que daí resultaram na sua integridade física e na sua viatura [e, diga-se, que não era a ré que tinha que provar que o aludido arruamento não estava aberto ao trânsito, mas sim a autora que devia ter alegado e provado que esse arruamento estava ou parecia estar aberto ao trânsito de veículos, sendo, por conseguinte, irrelevante que no despacho de fls. 94-98, de fixação dos factos provados e não provados, tenha sido dado como não provado, sob a al. b), que era perceptível e visível que não se tratava de uma via pública aberta ao trânsito de veículos]. Além disso, decorre da dinâmica do sinistro e dos danos que o veículo da autora sofreu em consequência directa [não embateu em mais nada] do embate nas pedras indicadas nos factos provados [danos esses descritos no orçamento junto a fls. 9, do qual se constata que ficaram danificados, designadamente, o carter, o radiador e o pára-choques da frente da viatura e também os «airbags» do condutor e do passageiro dispararam] que as mesmas (as pedras) tinham, necessariamente, que ter uma dimensão tal que permitiriam o seu avistamento a alguma distância. E, como tal, como bem dizem as apelantes, não poderiam deixar de ser avistadas pela autora, pelo menos, a cerca de 30 metros de distância [espaço que permitiria a travagem e imobilização da viatura sem o embate nas pedras], se circulasse, como devia [às 21 horas do dia 11/09/2006 estaria, pelo menos, a anoitecer], com os faróis em posição de «médios» [conforme estatui o art. 61º nº 1 al. b) do CEstr.], cujo alcance é, precisamente, de 30 metros [art. 60º nº 1 al. b) do mesmo Código], já que os factos apurados permitem a conclusão de que o arruamento em questão tinha traçado recto [a única curva que consta dos factos provados é a que está indicada no nº 8, na qual se iniciava aquele arruamento]. Tendo embatido nas pedras, como embateu [que não estavam no início do referido arruamento, mas sim 40 metros depois do seu início], tal só pode ser entendido como o resultado de distracção ou da falta de atenção devida por parte da autora. A conjugação de todo este circunstancialismo permite-nos concluir que o acidente em apreço só a esta última é imputável, o que afasta a responsabilidade da ré e, bem assim, da seguradora chamada, as quais, por isso, não têm que ressarcir aquela dos danos que sofreu. O que fica dito determina a procedência das apelações e a revogação da decisão recorrida. * Sintetizando o que fica exposto:* ● Admitida a intervenção (requerida pela ré) de uma seguradora (com quem a ré havia celebrado contrato de seguro) a título principal e tendo transitado em julgado a decisão que admitiu a sua intervenção principal provocada, a sentença proferida no processo deve apreciar o seu direito e, em caso de procedência da pretensão do autor/a, também a chamada deve ser condenada, embora com atenção ao âmbito e limite de cobertura do contrato de seguro. ● A tal condenação não obsta o facto de o/a autor/a ter apenas deduzido, na p. i., pedido expresso e directo contra a ré e não também contra a seguradora que só depois, na contestação, veio a ser chamada pela demandada. ● Para que o/a lesado/a beneficie da presunção de culpa prevista no nº 1 do art. 493º do CCiv. cabe-lhe a alegação e prova dos factos que integram os pressupostos daquela presunção, ou seja, a existência inequívoca de um dever de vigilância a cargo da ré no caso concreto. * * * V. Decisão:Em conformidade com o exposto, os Juízes desta secção cível da Relação do Porto acordam em: 1º) Julgar procedentes as apelações e, em consequência, revogar a douta sentença recorrida, absolvendo-se a ré e a chamada do pedido, por improcedência da acção. 2º) Condenar a autora/apelada nas custas da acção (nas duas instâncias). * * * Porto, 2011/12/13Manuel Pinto dos Santos Ondina de Oliveira Carmo Alves João Manuel Araújo Ramos Lopes |