Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULO COSTA | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA TERRITORIAL E FUNCIONAL DOS TRIBUNAIS REORGANIZAÇÃO INTERNA DOS SERVIÇOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO | ||
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Nº do Documento: | RP20250326110/18.8T9TMC-AJ.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/26/2025 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO O RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A reorganização interna dos Serviços do Ministério Público não constitui motivo suficiente para dar origem a uma mudança das regras de competência territorial e funcional dos tribunais, por não influir, sem mais, no regime legal que fixa tal competência. II - E só quando o objeto do processo se fixar com a acusação ou requerimento de abertura de instrução-é que o Tribunal (Juiz) está em condições de aferir a sua competência e, a partir de então, a mesma fixa-se para futuro - art. 38.º da LOSJ. Até lá a competência é aferida para cada ato jurisdicional. (Sumário da responsabilidade do Relator) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n º 110/18.8T9TMC-AJ.P1 Acórdão, julgado em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto: I-Relatório. O M.P. se conformando com o despacho de declaração de incompetência territorial proferido no Tribunal Judicial da Comarca de Porto - Juízo Instrução Criminal do Porto-J1, que nos autos à margem referenciados decidiu: “Compulsados os autos, verifica-se que nos mesmos se investiga a prática de factos suscetíveis de configurar os crimes de prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio e abuso de poderes, p. e p. pelos artigos 11.º, 17.º, 18.º, 20.º, 23.º e 26.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, por parte da Presidente do Município ..., AA e outros intervenientes já identificados nos autos. Tendo em linha de conta que os factos em investigação ocorreram no Município ... (cfr. entre outros os despachos do Ministério Público com a ref.ª 402203043, datado de 15-03-2019; com a ref.ª 412245754 datado de 11-03-2020; com a ref.ª 412517530 datado de 19-01-2021 e com a referência 412668600 datado de 28-05-2021 - ponto II), e considerando a sua área geográfica, sendo esta a nossa primeira intervenção processual, decide-se excepcionar a competência territorial deste Juízo de Instrução Criminal, afigurando-se como territorialmente competente o Tribunal de Instrução Criminal referente à área de Bragança cfr. art.º 17º do CPP, art.º 37º, nº 1, art.º 38º, n.º 1, art.º 39, art.º 119º, nº 1 e art.º 120.º, n.º 3, todos da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto Lei da Organização do Sistema Judiciário. Com efeito, a competência regra do Tribunal de Instrução Criminal do Porto mostra-se circunscrita aos Municípios do Porto, Gondomar, Valongo e Vila Nova de Gaia, em relação aos crimes aí praticados. Tendo por base o princípio constitucional do «juiz natural», a lei, excepcionalmente, atribui competência alargada ao Tribunal de Instrução Criminal do Porto Juízo de Instrução Criminal do Porto por se encontrar na sede do Tribunal da Relação do Porto e quanto a actividades criminosas que ocorram em comarcas diferentes dentro da área de competência daquele Tribunal da Relação. No caso em apreço, a actividade criminosa em investigação não ocorre em comarcas diferentes dentro da área de competência daquele Tribunal da Relação, nem tão pouco na zona territorial de actuação deste Juízo de Instrução Criminal. Notifique o Ministério Público do teor do presente despacho e após devolva os autos.”, veio recorrer nos termos que constam nos autos, que ora aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos, concluindo pela forma seguinte (partes relevantes): (transcrição): “III. CONCLUSÕES: 1. Em primeira linha, a criação dos Juízos de Instrução Criminal foi conformada, por opção legal, à criação dos DIAP, e a sua competência para a prática de actos jurisdicionais acompanha a competência do Ministério Público para a direcção da investigação e acção penal. 2. Considerando a fase de inquérito, apenas a competência do Ministério Público se encontra fixada de acordo com o art. 264.º do CPP, assegurando o Juiz de Instrução Criminal, conquanto pratique actos jurisdicionais e se não dê início à fase de instrução, a reserva de jurisdição. 3. No caso específico dos DIAP regionais, de acordo com o art. 71.º, n.º 1, al. b) do EMP (e art. 73.º, n.º 1, al. c) do Estatuto do Ministério Público na versão da Lei n.º 47/86, de 15/10, sendo as previsões iguais), a competência pode estar dependente do reconhecimento da complexidade e gravidade do fenómeno criminal investigado, ainda que sem dispersão territorial. 4. Trata-se de uma norma especial relativamente ao regime imposto pelo art. 120.º, n.º 3 e 4 da LOSJ, e não projecta eficácia apenas no interior da instituição Ministério Público, por configurar o EMP, também, um modelo de organização complementar à LOSJ. 5. Quer o disposto pelo art. 120.º, n.º 3 e 4 da LOSJ, quer o disposto pelo art. 71.º, n.º 1, al. b) do EMP, configuram normas-quadro da orgânica da competência, neste último caso, não só para a direcção da investigação e acção penal, mas também para a prática de actos jurisdicionais. 6. Atentas as razões determinantes da criação legal dos DIAP regionais, para potenciar a eficiência e a eficácia da investigação e repressão penais, nos casos de fenómenos criminais legalmente reconhecidos como justificativos da concentração da investigação, impõe-se uma interpretação actualista da competência do Juiz de Instrução, em harmonia com a letra da lei, o sistema e o propósito do legislador. 7. A atribuição da competência aos DIAP regionais nos termos do disposto pelo art. 71.º, n.º 1, al. b) do EMP (novamente, previsão igual à do art. 73.º, n.º 1, al. c) do Estatuto do Ministério Público na versão da Lei n.º 47/86, de 15/10), configurando uma modificação de direito, é relevante, por se não aplicar em processo penal o disposto pelo art. 38.º da LOSJ. 8. Por outro lado, o princípio do juiz natural não é afastado pela determinação concreta da competência desde que fixada dentro de parâmetros legais objectivos, como é o caso do art. 71.º, n.º 1, al. b) do EMP, e como é o caso, por exemplo, do art. 16.º, n.º 3 do CPP, segundo jurisprudência constitucional já firmada. 9. A douta decisão recorrida violou o disposto pelos arts. 17.º do Código de Proc. Penal, 71.º, n.º 1, al. b) do EMP e 38.º, 119.º, n.º 1 e 2, 120.º, n.º 3 e 4 da LOSJ, as quais, numa interpretação conjunta, deveriam ter determinado outra decisão que não declarasse a incompetência territorial do Tribunal, antes a afirmando em consonância com a do DIAP Regional do Porto durante a fase de inquérito, apreciando em consequência a promoção do Ministério Público; Assim se não entendendo, 10. A douta decisão recorrida não é a primeira intervenção jurisdicional em fase de inquérito, relativamente a um objecto de investigação há muito estabilizado, sem que a incompetência territorial tivesse antes sido suscitada oficiosamente, tendo sido proferidos diversos despachos pelo Juiz de Instrução Criminal, Juiz 1, do Juízo de Instrução Criminal do Porto. 11. Desde logo, e em primeiro lugar, o douto despacho de 25/03/2019, deferindo a aplicação do segredo de justiça, bem como as prorrogações, e essa intervenção até já se processou na segunda instância, por recurso do Ministério Público incidente sobre um de tais despachos e que deu origem ao Apenso AB. 12. Mais foi judicialmente determinada a realização de intercepções telefónicas bem como foi processado o seu controlo quinzenal - e buscas domiciliárias (despachos, respectivamente, de 20/01/2021 e de 01/06/2021), e ocorreu até apreciação judicial dos mesmos actos processuais cuja promoção deu origem ao despacho recorrido (despachos esses de 18/06/2021 e de 16/07/2021). 13. Pretendendo a lei (art. 32.º, n.º 2 do Código de Proc. Penal e art. 620.º, n.º 1 do Código de Proc. Civil, ex vi art. 4.º do Código de Proc. Penal) evitar a instabilidade em matéria de competência territorial, por não a valorizar tão intensamente quanto noutros casos, a incompetência territorial deverá ser apreciada no primeiro momento em que o Juiz de Instrução aprecia a sua intervenção jurisdicional, desde que o quadro factual se mantenha igual. 14. No caso dos autos, o objecto da investigação manteve-se sempre o mesmo, a apreciação jurisdicional promovida era até a mesma já antes apreciada, pelo que a decisão recorrida, com todo o respeito, desrespeitou o caso julgado formal e revelou-se extemporânea. 15. Assim sendo, violou o disposto pelo art. 31.º, n.º 2 do Código de Proc. Penal, harmonizável com o princípio da confiança por via do art. 4.º do mesmo Código, e ainda, o art. 620.º, n.º 1 do Código de Proc. Civil, ex vi art. 4.º do Código de Proc. Penal, os quais deveriam ter determinado a prolação de decisão que considerasse como processualmente assente a competência territorial, apreciando as promoções do Ministério Público.” O tribunal a quo manteve a decisão a quando da admissão do recurso. Neste tribunal de recurso a Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência. Nada obsta ao conhecimento do mérito. II. Objeto do recurso e sua apreciação. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar ( Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP. Competência territorial do JIC do Porto. Matéria relevante a considerar. Do enquadramento dos factos. 1.Decisão do JIC datada de 31/01/2025. ““Compulsados os autos, verifica-se que nos mesmos se investiga a prática de factos suscetíveis de configurar os crimes de prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio e abuso de poderes, p. e p. pelos artigos 11.º, 17.º, 18.º, 20.º, 23.º e 26.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, por parte da Presidente do Município ..., AA e outros intervenientes já identificados nos autos. Tendo em linha de conta que os factos em investigação ocorreram no Município ... (cfr. entre outros os despachos do Ministério Público com a ref.ª 402203043, datado de 15-03-2019; com a ref.ª 412245754 datado de 11-03-2020; com a ref.ª 412517530 datado de 19-01-2021 e com a referência 412668600 datado de 28-05-2021 - ponto II), e considerando a sua área geográfica, sendo esta a nossa primeira intervenção processual, decide-se excepcionar a competência territorial deste Juízo de Instrução Criminal, afigurando-se como territorialmente competente o Tribunal de Instrução Criminal referente à área de Bragança cfr. art.º 17º do CPP, art.º 37º, nº 1, art.º 38º, n.º 1, art.º 39, art.º 119º, nº 1 e art.º 120.º, n.º 3, todos da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto Lei da Organização do Sistema Judiciário. Com efeito, a competência regra do Tribunal de Instrução Criminal do Porto mostra-se circunscrita aos Municípios do Porto, Gondomar, Valongo e Vila Nova de Gaia, em relação aos crimes aí praticados. Tendo por base o princípio constitucional do «juiz natural», a lei, excepcionalmente, atribui competência alargada ao Tribunal de Instrução Criminal do Porto Juízo de Instrução Criminal do Porto por se encontrar na sede do Tribunal da Relação do Porto e quanto a actividades criminosas que ocorram em comarcas diferentes dentro da área de competência daquele Tribunal da Relação. No caso em apreço, a actividade criminosa em investigação não ocorre em comarcas diferentes dentro da área de competência daquele Tribunal da Relação, nem tão pouco na zona territorial de actuação deste Juízo de Instrução Criminal. Notifique o Ministério Público do teor do presente despacho e após devolva os autos.” 2.Despachos e atos a considerar: -Denúncias anónimas e primeiros despachos: fls. 2-16, 15-24, 99, 101, 111-112 e 130-131; -Deferimento da competência à secção distrital do DIAP do Porto, pela Exma. Sr.ª Procuradora-Geral distrital do Porto: despacho de 08/12/2018, de fls. 137-138; Primeira intervenção judicial pelo Juízo de Instrução Criminal do Porto, Juiz 1, para apreciação da aplicação do segredo de justiça: despacho de 25/03/2019 (ref.ª 402508433, fls. 231); Prorrogações judiciais do segredo de justiça de 11/11/2019 (ref.ª 409158802, fls. 403); de 10/02/2020 (ref.ª 412112401); Acórdão do Tribunal da Relação do Porto: 13/05/2020, ref.ª 13673377, Apenso AB; Primeira resenha do objeto da investigação: (despacho de 26/10/2020, ref.ª 412436584, de fls. 727-799); Promoção de realização de interceções telefónicas: promoção de 19/01/2021 (ref.ª 412517530); Despacho judicial de deferimento da realização de interceções telefónicas: 20/01/2021 (ref.ª 421112851; fls. 860-862); Promoção buscas: despacho de 28/05/2021, ref.ª 412668600, fls. 1156- 1179); Despacho judicial de apreciação das buscas: despacho de 01/06/2021 (ref.ª 425416676); Despachos judiciais relativos a actos processuais regulados pela Lei do Cibercrime: despacho de 18/06/2021 (ref.ª 425998273; fls. 1560); despacho de 16/07/2021 (ref.ª 426986910; fls. 1655); Última resenha do objeto da investigação: despacho de 25/10/2024 (ref.ª 414085356); Promoções antecedentes ao douto despacho recorrido: 29/01/2025 (ref.ª 414244315) e 30/01/2025 (ref.ª 414246860); Teor da Promoção do M.P. que antecedeu o decisão recorrida. “Ponto 6 da informação da PJ de fls. 2589-2592: Dê-se cumprimento ao disposto no art. 16.º, n.º 8 da Lei 109/2009, de 15/09. * Pontos 3 e 4 da informação da PJ de fls. 2589-2592:Conforme melhor exposto no relatório da PJ, acrescentando-se que o volume apreciável de apreensões efectuadas nos autos gerou um lapso, pelo qual nos penitenciamos, por não ter sido ainda visionados, nem apresentados judicialmente, os dados informáticos exportados e contidos nos sacos de prova da série B com o n.º ... e série A, n.º ..., remeta os autos à instrução criminal, promovendo-se seja proferido despacho judicial, nos termos do disposto pelo art. 17.º da Lei 109/2009, de 15/09, tomando conhecimento e autorizando a visualização dos conteúdos de correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante, tendo em vista a selecção dos conteúdos com relevo para a prova e sua apreensão para os autos, que oportunamente será indicada, após elaboração do competente relatório e selecção.” Objeto de investigação. Estão em causa condutas em investigação como indiciando a prática dos prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio e abuso de poderes, p. e p. pelos artigos 11.º, 17.º, 18.º, 20.º, 23.º e 26.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, por parte da Presidente do Município ... (doravante designado Câmara Municipal ...), AA. Não excluindo, naturalmente, não só os titulares de cargos políticos, mas também funcionários do Município ... (Câmara Municipal ...) e terceiros com aquela articulados ou em comparticipação. Despacho nº 65/2018 da Srª. Procuradora Geral Distrital. Inquérito nº 110/18.8T9TMC-Comarca de Bragança. DESPACHO: 65/2018 Vem o Magistrado do Ministério Público Coordenador da comarca de Bragança propor o deferimento da competência para a continuação da investigação do Inquérito nº 110/18.8T9TMC à Secção Distrital do DIAP do Porto, face ao teor do despacho 47/2017 e nos termos do artigo 73.", n.º 1, al. c), da Lei n.º 47/86, de 15 de outubro. Da inquérito e dos termos da proposta decorre a noticia da prática de crimes de corrupção e afins Integráveis nas tipologias referidas no Despacho nº 47/2017-PGDP, imputados à presidente da Câmara Municipal ..., ao vice presidente da mesma autarquia, ao presidente da Junta de Freguesia ..., no mesmo concelho, e a outros cidadãos que com estes se relacionam. A investigação não se antecipa manifestamente simples, podendo até antecipar-se alguma complexidade potenciada pelo alargamento do objeto do processo que a número de denúncias já sugere. Nos termos do artigo 73.º, n.º 1, al. c), da Lei n. 47/86, de 15 de outubro (na redação atual), «compete aos departamentos de investigação e acção penal nos comarcas sede da distrito judicial.. c) Precedendo despacho do procurador-geral distrital, dirigir o inquérito e exercer a ação penal quando, relativamente a crimes de manifesta gravidade, a complexidade ou dispersão territorial da atividade criminosa justificarem a direção concentrada da Investigação». Concretizando os critérios de distribuição ao abrigo desta norma, o despacho 47/2017 estabeleceu que dos inquéritos por crimes de corrupção e afins das comarcas de Bragança e Vila Real, só os que se antecipassem de investigação manifestamente simples ficavam excluídos de atribuição à secção distrital do Diap do Porto-ponto 5. Assim, estando reunidos os pressupostos mínimos para atribuição de competência, nos termos do art 73° nº1 c) do E.M.P. e Despacho nº 47/2017-PGDP, à Secção Distrital do DIAP do Porto, determino a transmissão dos autos àquela secção. Comunique ao Magistrado do Ministério Público Coordenador da comarca de Bragança e ao Diretor do DIAP do Porto. Anote no mapa da Secção Distrital do DIAP do Porto. Porto, 08/12/2018 A Procuradora-Geral Distrital (BB) Local da prática dos factos conforme despacho proferido pelo Sr. Procurador coordenador de Bragança. Inquérito n.º 110/18.8T9TMC O presente inquérito, tal como todos aqueles que com ele são apresentados, reportam-se a denúncias anónimas e relatam factos, alegadamente cometidos pela Presidente da Câmara Municipal ..., AA, e neste inquérito, também contra o Vice-Presidente da mesma Câmara, de nome CC e também contra o Presidente da Junta de Freguesia .... ..., de nome DD. Nestes inquéritos, são imputados à Presidente da Câmara Municipal ..., factos que a mostrarem-se verdadeiros poderão constituir crimes de corrupção passiva, participação económica em negócio, e eventualmente de abuso de poder ou mesmo de violação de normas de execução orçamental, praticados no âmbito de decisões camarárias tomadas em empreitadas, concursos e de adjudicação de trabalhos, estudos e projectos, para eventualmente favorecerem determinadas pessoas, como o filho EE, o marido FF e outras pessoas ou empresas, neles referidos. Verifica-se assim haver, pelo menos uma conexão subjectiva em todos os inquéritos identificados na conclusão, já que em todos eles é referida a Presidente da Câmara Municipal ..., como sendo a principal suspeita nos factos denunciados. Aliás, na última participação que deu entrada e que ainda não foi registada como inquérito, são denunciados factos que constam já da denúncia que deu origem aos presentes autos de inquérito. Por outro lado, as outras pessoas visadas na denúncia que deu origem a estes autos, têm assento no executivo Municipal ... ou na Assembleia Municipal e outros órgãos autárquicos de ..., é portanto em ligação direta com a Presidente da Câmara, pelo que a conexão de todos eles nos parece evidente, aconselhando por isso uma investigação conjunta, até para melhor apreciação das condutas e tomadas de decisão em questão. Pelo volume, complexidade e especificidade da investigação, para este tipo de criminalidade, mostra-se de todo conveniente a sua remessa, e bem assim de todos os outros inquéritos aqui referidos, à Secção Distrital do DIAP do Porto, atenta a sua especialização. Atento o teor do Despacho n.º 47/2017. da Senhora Procuradora Geral Distrital do Porto, e a criação da Secção Distrital do DIAP do Porto, especializada neste tipo de crimes, ordeno a remessa dos presentes autos à PGD do Porto, propondo que a Senhora Procuradora Geral Distrital, atribua a competência aquela Secção do DIAP do Porto 12 para prosseguir com a sua tramitação e despacho, nos termos do artigo 73. n. I al. c) do Estatuto do Ministério Público. Porque importa também remeter o inquérito que será instaurado na nova denúncia que nos foi remetida pelo DCIAP, e que fora ordenada a sua remessa a Torre de Moncorvo, remetam-se todos os inquéritos a Torre de Moncorvo, onde deverá ser dado despacho a ordenar a apensação a este inquérito, de todos os inquéritos aqui referidos e bem assim do novo inquérito a registar, e após, tendo em conta este meu despacho, ordenar-se a sua remessa à Ex.ma Procuradora Geral Distrital do Porto, para os efeitos supra referidos. Junte cópia deste meu despacho ao PA de acompanhamento destes inquéritos. Bragança, d.s. O Procurador Coordenador de Bragança GG. Conhecendo. O Ministério Público argumenta que o tribunal a quo deveria ser considerado competente, tendo em conta a organização do Ministério Público, a natureza complexa dos crimes investigados e o facto de o próprio tribunal já ter praticado vários atos no processo sem questionar a sua competência até agora, defendendo que a competência do juízo de instrução acompanha a do DIAP Regional do Porto na fase de inquérito e que a decisão recorrida viola o princípio do caso julgado formal. Segundo o mesmo a evolução legislativa e a jurisprudência têm interpretado as regras de competência territorial em processos penais de forma complexa, especialmente no que concerne à atuação do Ministério Público através do DIAP (Departamento de Investigação e Ação Penal). Refere que inicialmente, o inquérito no caso em apreço iniciou-se com denúncias anónimas e foi registado na Procuradoria do Juízo de Competência Genérica de Torre de Moncorvo, Comarca de Bragança. Posteriormente, a Procuradora-Geral distrital do Porto, reconhecendo a complexidade e gravidade dos crimes de corrupção e afins, deferiu a investigação à então secção distrital do DIAP do Porto, nos termos do art. 73.º, n.º 1, al. c) do Estatuto do Ministério Público (na versão da Lei n.º 47/86). Atualmente, esta competência corresponde ao art. 71.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 68/2019 (EMP). O facto de a direção do inquérito ter sido atribuída ao DIAP Regional do Porto, por despacho hierárquico e no uso de competências legais, acarreta a competência do Juízo Central de Instrução Criminal do Porto para a prática dos atos jurisdicionais durante a fase de inquérito. Defende que, nesta fase, a competência do Juiz de Instrução Criminal (JIC) acompanha a competência do Ministério Público, assegurando a reserva de jurisdição. Segundo esta perspetiva, a reorganização interna dos serviços do Ministério Público, com a criação de estruturas especializadas como os DIAP regionais, visa potenciar a eficiência e eficácia na investigação de certos fenómenos criminais. Assim, a competência territorial para a realização do inquérito, nos termos do art. 119.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013 (LOSJ), deve ser conjugada com a organização territorial do Ministério Público definida no EMP. Invocando o art. 71.º, n.º 1, als. a) e b) do EMP como normas especiais que atribuem competência ao DIAP Regional do Porto em razão da dispersão territorial da atividade criminosa ou da manifesta gravidade, complexidade ou dispersão territorial dos crimes, sustenta que esta competência especial do DIAP deve ser acompanhada pela competência do JIC da área da sua sede (Porto) para a prática de atos jurisdicionais no inquérito. O despacho judicial ao ter-se declarado territorialmente incompetente, considerando competente o Tribunal de Instrução Criminal referente à área de Bragança, com base nos arts. 17.º do CPP e 37.º, n.º 1, 38.º, n.º 1, 39, 119.º, n.º 1 e 120.º, n.º 3, todos da Lei n.º 62/201319 dá primazia aos critérios clássicos de territorialidade definidos no Código de Processo Penal e na Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), baseados no local da prática do crime. Contrariamente, o Ministério Público alega que a competência jurisdicional exercida na fase de inquérito, para atos jurisdicionais, acompanha a competência do Ministério Público tal como fixada no EMP. Cita o Ac. do TRP de 08/09/2020, Proc. n.º 505/17.4GCSTSA.P1, que parece seguir esta linha de raciocínio. O Ministério Público também se refere ao AUJ n.º 2/2017, que embora respeite ao DCIAP, considera que a competência do JIC para atos jurisdicionais no inquérito se afere no momento em que é chamado a intervir. Argumenta ainda com a existência de caso julgado formal, uma vez que o Juízo de Instrução Criminal do Porto já praticou diversos atos jurisdicionais no inquérito (aplicação e prorrogações do segredo de justiça, autorização de interceções telefónicas e buscas) sem suscitar oficiosamente a incompetência territorial. Invoca o art. 620.º, n.º 1 do Código de Proc. Civil, ex vi art. 4.º do CPP, para defender que a competência territorial deveria ser considerada processualmente assente. Vejamos. A propósito, transcreve-se a o teor do ac. proferido nesta Relação, cujo relator é o Exmº. Sr. juiz desembargador William Themudo Gilman datado de 30.10.24 “A questão da competência do tribunal em matéria penal é regulada por um princípio fundamental: o princípio do juiz natural. O princípio está inscrito 32º, n.º 9 da Constituição: «Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior.». Com o princípio do juiz natural assegura-se o direito fundamental dos cidadãos a que uma causa seja julgada por um tribunal previsto como competente mediante aplicação de critérios objetivos legalmente determinados e não ad hoc criado ou tido como competente[1]. Proíbe-se a criação post factum de um juiz para uma determinada causa ou a possibilidade de se determinar de forma arbitrária ou discricionária o juiz competente[2]. A definição do juiz competente para decidir uma concreta causa ou questão tem de resultar da lei, ser estipulada de modo geral e abstrato e não através de uma decisão individualizada ou até mesmo de uma decisão arbitrária dirigida àquele caso concreto, desviando o juiz natural do processo, desaforando-o. A competência dos tribunais e dos juízes penais encontra-se pré-definida no Código de Processo Penal e na Lei Orgânica do Sistema Judiciário. Ao juiz de instrução quando intervém no inquérito como juiz das liberdades, como sucedeu no caso dos autos, são aplicáveis os princípios fundamentais da função judicial, como o da imparcialidade, da independência e, acima de todos por de todos ser garante, o do juiz natural[3]. As regras de competência territorial que se destinam a determinar qual o tribunal de entre os materialmente competentes deve ser chamado a decidir sobre o caso concreto têm de ser cumpridas sob pena de violação do princípio do juiz natural. O Código de Processo Penal não prevê de forma expressa qual o tribunal de instrução, qual o juiz das liberdades que deve intervir num determinado inquérito de que, por definição, o juiz não é dono, sendo ao Ministério Público que cabe a direção de tal fase processual. Mas ainda que assim seja, não é ao Ministério Público que cabe definir quem é o Juiz das liberdades competente para intervir no processo. O titular da ação penal não pode, como é evidente e sob pena de subversão do sistema, escolher o juiz das liberdades que irá intervir no caso. Só à lei pode caber tal definição. Os artigos 19º e seguintes do CPP consagram as regras da competência territorial, começando pela regra geral de que é competente para conhecer de um crime o tribunal em cuja área se tiver verificado a consumação. Tendo o princípio do juiz natural aplicação a todas as fases do processo, cabe saber quais as normas que nas fases preliminares do processo definem a distribuição territorial pelos diferentes tribunais de instrução ou juízes das liberdades. O Código de Processo Penal não prevê expressamente a competência territorial para os atos jurisdicionais a praticar em sede de inquérito. Na falta de regulação expressa é aplicável o disposto no artigo 264º, n.º 1 do CPP conjugado com o disposto nos artigos 19º e seguintes[4]. Assim, a competência territorial será definida de acordo com os factos que formam o objeto do processo no momento em que o juiz das liberdades é chamado a intervir e com as normas dos artigos 19º e seguintes do Código de Processo Penal. A regra geral para definir o juiz territorialmente competente para intervir num inquérito é a do tribunal em cuja área se tiverem verificado os factos em investigação. Nunca poderá ser critério da atribuição da competência territorial do juiz o simples facto de o inquérito, por esta ou aquela razão, estar afeto ao magistrado do Ministério Público de uma qualquer comarca ou circunscrição territorial, o que poderia levar à manipulação avulsa ou arbitrária das regras de competência e desrespeito pelo princípio do juiz natural[5]. O juiz de instrução está sujeito às regras da competência e ao respeito pelo princípio do juiz natural e é isso o que vale. Além das regras de competência previstas no CPP, temos as regras constantes da Lei Orgânica do Sistema Judiciário (LOSJ), designadamente e com interesse para o caso dos autos, o seu artigo 120º, n.º 3, referido no despacho recorrido. De acordo com esta norma que consagra casos especiais de competência, a competência dos juízos de instrução criminal da sede dos tribunais da Relação abrange a respetiva área de competência relativamente aos crimes a que se refere o n.º 1 (catálogo de crimes a que se aplica a exceção, nele se podendo incluir os factos em investigação nos autos), quando a atividade criminosa ocorrer em comarcas diferentes dentro da área de competência do mesmo tribunal da Relação[6]. São dois e cumulativos os pressupostos para que funcione a regra excecional de competência dos juízos de instrução criminal da sede dos tribunais da Relação, artigo 120, n.º 3 da LOSJ: - que os crimes investigados sejam do catálogo; - que a atividade criminosa ocorra em comarcas diferentes dentro da área de competência do mesmo tribunal da Relação. Não se verificando ambos os pressupostos e sob pena de violação do princípio do juiz natural não há lugar à intervenção do juiz de instrução criminal da sede do tribunal da Relação, mas sim ao do tribunal em cuja área se tiverem verificado os factos investigados. No caso dos autos, os factos investigados estão todos localizados numa mesma área geográfica, município ..., sendo que, como se refere na decisão recorrida, a competência regra do Tribunal de Instrução Criminal do Porto mostra-se circunscrita aos Municípios do Porto, Gondomar, Valongo e Vila Nova de Gaia, em relação aos crimes aí praticados. Assim, não se verificando ambos os pressupostos e sob pena de violação do princípio do juiz natural não há lugar à intervenção do juiz de instrução criminal da sede do tribunal da Relação, ou seja, do juiz do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, sendo este incompetente tal como se decidiu na primeira instância.” Esta decisão vai de encontro ao nosso pensamento. De acordo com o disposto no art. 263º, n.º 1, do CPP, cabe ao Ministério Público a direção do inquérito, sendo que, por isso, e para a realização das finalidades do inquérito, pratica os atos e assegura os meios de prova, nos termos do art. 267º do CPP. No entanto, e em conformidade com este mesmo mandamento legal, atos de inquérito há que só podem ser praticados ou autorizados pelo juiz de instrução (estão eles espalhados pelos arts. 268º, n.º 1, als. a) a f), e 269º, n.º 1, als. a) a f), ambos do CPP). Ora, de acordo com o que dispõe o art. 17º do CPP, compete ao juiz de instrução exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito, nos termos previstos nesse Código. No mesmo sentido, igualmente, o art. 119º nº 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), nos termos do qual, além do mais, “compete aos juízos de instrução criminal (…) exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito”. Efetivamente e como também o entende o Ac. do TRP de 15/11/2023, Proc. n.º 626/23.4T9VFRA.P1, a reorganização interna dos Serviços do Ministério Público não altera as regras de competência territorial e funcional dos tribunais. Durante o inquérito, a competência do JIC define-se pelas normas da competência territorial. A competência para atos jurisdicionais na fase de inquérito segue critérios legais específicos, distintos da organização interna do Ministério Público. E tal sustenta-se na interpretação da lei de organização do sistema judiciário e no princípio constitucional do juiz natural dado que a competência geral do JIC do Porto está circunscrita aos Municípios do Porto, Gondomar, Valongo e Vila Nova de Gaia, em relação aos crimes aí praticados, conforme o mapa III anexo ao Decreto-Lei n.º 49/2014 e o artigo 93.º do mesmo diploma. Esta delimitação é baseada no artigo 120.º, n.º 3, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013). O princípio constitucional do "juiz natural" (artigo 32.º, n.º 9 da Constituição) garante que nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior. Este princípio impede a criação post factum de um juiz competente ou a determinação arbitrária do juiz. A competência alargada do JIC do Porto, devido à sua localização na sede do Tribunal da Relação do Porto, aplica-se a atividades criminosas que ocorram em comarcas diferentes dentro da área de competência daquele Tribunal da Relação. No caso dos autos, e o Ministério Público não o alega, a atividade criminosa em investigação não ocorre em diferentes comarcas dentro da área do Tribunal da Relação do Porto, nem na zona territorial de atuação do JIC do Porto. A competência jurisdicional do JIC para atos jurisdicionais na fase de inquérito obedece aos critérios definidos na lei e não acompanha necessariamente a competência do Ministério Público, tal como fixada no Estatuto do Ministério Público (EMP). Desta forma, a competência do DIAP Regional do Porto para o inquérito não implica automaticamente a competência territorial do JIC do Porto para a prática de atos jurisdicionais. A reorganização interna dos serviços do Ministério Público não constitui motivo suficiente para alterar as regras de competência territorial e funcional dos tribunais. Não cabe ao Ministério Público definir o juiz das liberdades competente para intervir no processo. A regra geral para determinar a competência territorial do juiz num inquérito é o local onde os factos investigados ocorreram. O simples facto de o inquérito estar afeto a um magistrado do Ministério Público de uma determinada comarca não determina a competência territorial do juiz. A violação das regras de competência do tribunal constitui uma nulidade insanável (artigo 119.º, alínea e) do Código de Processo Penal). Embora o artigo 32.º, n.º 2 do mesmo código preveja a sanação desta nulidade até ao início do debate instrutório para o juiz de instrução, é admissível conhecer da competência em momento processual anterior, ou seja, na fase de inquérito, só não o podendo fazer para lá dos atos no art. 32º, n º 2 do CPP. Os argumentos apresentados pelo Ministério Público relacionados com eficiência e eficácia (e.g., transporte de autos, marcha do inquérito) não são argumentos jurídicos para alterar a competência territorial de um tribunal. Está correta a interpretação que o Tribunal de Instrução Criminal do Porto adota fundamentando a sua incompetência na delimitação legal da sua jurisdição territorial, no respeito pelo princípio do juiz natural, e na distinção entre a competência do Ministério Público e a competência jurisdicional do tribunal. Salientando que a situação fáctica do caso não se enquadra nas exceções que lhe confeririam uma competência territorial alargada, uma vez que os factos correm todos na area de Bragança. A competência territorial do tribunal a quo é a que resulta, principalmente, do n.º 3 do artigo 120.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, Lei da Organização do Sistema Judiciário. A competência regra do JIC do Porto está circunscrita aos Municípios do Porto, Gondomar, Valongo e Vila Nova de Gaia, em relação aos crimes aí praticados. Esta delimitação da competência territorial é também confirmada pelo mapa III anexo ao Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, que regulamentou a Lei da Organização do Sistema Judiciário, e pelo artigo 93.º do referido Decreto-Lei da Comarca do Porto. A lei, excecionalmente, atribui competência alargada ao JIC do Porto por se encontrar na sede do Tribunal da Relação do Porto quanto a atividades criminosas que ocorram em comarcas diferentes dentro da área de competência daquele Tribunal da Relação, o que não é o caso. Interpretação diferente violaria o princípio constitucional que rege a competência penal é o princípio do juiz natural. Este princípio está consagrado no artigo 32.º, n.º 9 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que «Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior». Este princípio, como bem referido, assegura o direito fundamental dos cidadãos a que uma causa seja julgada por um tribunal cuja competência tenha sido estabelecida por lei de forma objetiva e não criada ad hoc ou determinada arbitrariamente. Proíbe-se a criação posterior dos factos de um juiz para um caso específico ou a possibilidade de determinar de forma arbitrária ou discricionária o juiz competente. A definição do juiz competente deve resultar da lei, ser estipulada de modo geral e abstrato, e não através de uma decisão individualizada ou arbitrária direcionada a um caso concreto. Isto impede que o juiz natural do processo seja desviado ou "desaforado". Não cabe ao Ministério Público definir o juiz das liberdades competente para intervir num processo. A regra geral para definir o juiz territorialmente competente é a do tribunal em cuja área se verificaram os factos em investigação, e não o simples facto de o inquérito estar afeto a um magistrado do Ministério Público de uma determinada comarca. Acresce que inexiste violação de caso julgado formal. Haverá caso julgado formal se a sentença ou o despacho incidirem, apenas, sobre a relação processual, circunscrevendo-se a sua força obrigatória à questão processual concreta julgada no processo (art.º 620.º do CPC). Conforme referido em Ac. STJ de 20.2.2010, in www.dgsi.pt “o caso julgado enquanto pressuposto processual, conforma um efeito negativo que consiste em impedir qualquer novo julgamento da mesma questão. É o princípio do ne bis in idem, consagrado como garantia fundamental pelo art. 29.°, n.° 5, da CRP: ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime. Com os conceitos de caso julgado formal e material descrevem-se os diferentes efeitos da sentença. Com o conceito de caso julgado formal refere-se a inimpugnabilidade de um decisão no âmbito do mesmo processo (efeito conclusivo) e converge com o efeito da exequibilidade da sentença (efeito executivo). Por seu turno, o caso julgado material tem por efeito que o objecto da decisão não possa ser objecto de outro procedimento. O direito de perseguir criminalmente o facto ilícito está esgotado. No que concerne à extensão do caso julgado pode distinguir-se entre caso julgado em sentido absoluto e relativo: no primeiro caso a decisão não pode ser impugnada em nenhuma das suas partes. O caso julgado relativo é objectivamente relativo quando só uma parte da decisão se fixou e será subjectivamente relativo quando só pode ser impugnada por um dos sujeitos processuais. Há caso julgado formal quando a decisão se torna insuscetível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicati). O caso julgado formal respeita, assim, a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito. Em processo penal o caso julgado formal atinge, pois, no essencial, as decisões que visam a prossecução de uma finalidade instrumental que pressupõe estabilidade – a inalterabilidade dos efeitos de uma decisão de conformação processual ou que defina nos termos da lei o objecto do processo –, ou, no plano material, a produção de efeitos que ainda se contenham na dinâmica da não retracção processual, supondo a inalterabilidade sic stantibus aos pressupostos de conformação material da decisão. No rigor das coisas, o caso julgado formal constitui um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual.” Ora, cabendo ao MP apresentar o processo ao Juiz para a prática dos atos jurisdicionais é nesse momento - isto é, quando é chamado a intervir para a prática de tal ato jurisdicional - que importa ao Juiz verificar se é competente para o efeito. Não é durante a fase de inquérito, que se fixa a competência do Tribunal. Não tem aqui aplicação o art. 38.º da LOSJ (Lei n.º 62/2013, de 26-08) em virtude de o objeto do processo ainda se encontrar em formação. Quando o Juiz é chamado a praticar atos jurisdicionais, na fase de inquérito (da qual não tem o dominium), o mesmo aprecia a sua competência para a prática daquele ato naquele momento (momento processualmente relevante). Trata-se, pois, de uma competência em aberto. Assim sendo, o Juiz, durante a fase de inquérito e quando é chamado a intervir para a prática de atos jurisdicionais, avalia a sua competência em razão da matéria e verifica se tem competência para intervir naquele concreto ato. Tal competência é aferida em relação àquele momento concreto e não em relação a qualquer outro que venha a ocorrer posteriormente. O caso julgado formal forma-se relativamente ao ato que aceitou praticar esgotando-se aí o seu poder jurisdicional, não vinculando a competência para a frente relativamente a outro ato que venha a ser praticado e se a questão da competência territorial pode ser conhecida até ao início do debate instrutório ou até ao início da audiência de julgamento, por maioria de razão não havendo outra baliza o pode ser em momento anterior(O Código de Proc. Penal não disciplina, no art. 32.º, n.º 2 do Código de Proc. Penal, o momento limite do conhecimento oficioso da incompetência territorial na fase de inquérito. Fê-lo apenas para a instrução (até ao início do debate instrutório) e julgamento (início da audiência). Assim ainda que, num primeiro momento, o mesmo Tribunal - ainda que não o mesmo titular pessoalmente considerado – tivesse aceitado ser territorialmente competente, sem levantar oficiosamente a incompetência territorial para cada um dos atos jurisdicionais que lhe foram pedidos, seguindo-se diversos outros despachos judiciais proferidos no Juízo de Instrução Criminal do Porto, designadamente, a título da determinação e controlo de interceções telefónicas, destacando-se a título de exemplo, o despacho que o determinou, de 20/01/2021 (ref.ª 421112851; fls. 860-862) ou, ainda, determinando a realização de buscas, por despacho de 01/06/2021 (ref.ª425416676) e ainda no que à pesquisa informática concerne, se tivesse dado cumprimento em 2021 ao disposto pelos arts. 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15/09, e 179.º, n.º 3, e 268.º, n.º 1, d), do Código de Proc. Penal, tendo sido proferidos despachos judiciais subsequentes (fls. 1560, a 18/06/2021, fls. 1655, a 16/07/2021), tal não fixou a competência territorial para todos os demais atos jurisdicionais a praticar. Daí que não tem razão o M.P. quando afirma “Em consequência, há muito que o Tribunal aceitou a sua competência territorial, por se debruçar sobre matéria de fundo no âmbito das suas competências jurisdicionais em sede de inquérito, não fazendo sentido que o momento de conhecimento da competência territorial não seja o primeiro momento de intervenção, desde que a questão possa já ser configurada. Nessa primeira intervenção judicial, era já conhecida a situação fáctica, relativa ao território, ora sustentante da declaração de competência, pelo que se terá que entender como fixado desde então (ou, desde que determinadas e controladas intercepções telefónicas) o caso julgado formal relativo à competência territorial.” A questão foi abordada e discutida no AUJ Ac. STJ de n.º 2/2017, de 16 de março e aí se referiu a propósito “a perspectiva do acórdão recorrido sendo a notícia do crime o momento em que se fixa a competência do processo criminal, ou seja o momento da propositura da "acção", invocando-se o artigo 38 da LOSJ [14], aquela competência terá que abranger toda a sua plenitude, independentemente das fases processuais que ocorram, abrangendo a do juiz de instrução. e qualquer desaforamento traduzir-se-á numa ofensa do princípio do juiz natural. A interpretação em causa emerge duma consideração ampla do conceito de "acção", inscrito no normativo citado, em sentido amplo, fazendo coincidir, sem qualquer distinção, os diversos tipos de procedimento judicial, nomeadamente a acção penal e a acção cível. Todavia, estamos em crer que tal interpretação está afastada da diferente substância da acção cível e da acção penal. Efectivamente, como refere Figueiredo Dias O processo penal, na perspectiva jurídica que assume - outras serão as suas perspectivas ética, sociológica, política, cultural, etc. -, surge como uma regulamentação disciplinadora da investigação e esclarecimento de um crime concreto, que permite a aplicação de uma consequência jurídica a quem, com a sua conduta, tenha realizado um tipo de crime. Nesta medida constitui ele, de um ponto de vista formal, um «procedimento» público que se desenrola desde a primeira actuação oficial tendente àquela investigação e esclarecimento até à obtenção de uma sentença com força de caso julgado ou até que se execute a reacção criminal a que o arguido foi condenado. Tomado o conceito de relação jurídica no sentido acima apontado, há-de pelo menos reconhecer-se que ele não pode ser aceite nos termos em que cabe ao processo civil. Neste deparamos com um processo ao qual é essencial a existência, por um lado de uma discussão entre as partes titulares dos interesses contrapostos que no processo se encontram concretamente em jogo, por outro lado, e consequentemente, de duas partes em posições jurídicas tendencialmente iguais que discutem a causa perante o tribunal. Ao processo penal, como acabamos de ver, nem é essencial a existência de um diferendo entre MP e arguido, nem estes se encontram na mesma posição jurídica perante o tribunal. O reconhecimento desta diferença irrecusável leva alguns autores a considerar que a relação jurídica processual é abinitio, em processo civil triangular ou trilateral, em processo penal angular ou bilateral. O conceito de relação jurídica processual penal terá então, ao menos, o efeito útil de dar a entender, com nitidez, que com o início do processo penal se estabelecem necessariamente relações jurídicas entre o Estado e todos os diversos sujeitos processuais-se bem que a posição jurídica destes seja a mais diversa e diferenciada e que dali nascem para estes direitos e deveres processuais... o processo penal tem de conceber-se como «uma consequência do aparecimento e da consolidação da ideia do Estado-de-direito como ideia de garantia para as liberdades do cidadão e de limitação da intervenção estadual, no pressuposto de que o Estado deve reconhecer os direitos invioláveis da pessoa». [15] Mas, sendo assim, é evidente a especifica conformação que assume o objecto do processo penal que, nas palavras de Castanheira Neves, tem a sua solução justa na equilibrada ponderação entre o interesse público da aplicação do direito criminal (e da eficaz perseguição e condenação dos delitos cometidos) e o direito incondicional do réu a uma defesa eficaz e ao respeito pela sua personalidade moral, do mesmo modo a solução válida do em todos os pontos em que ele releve traduza também um justo equilíbrio entre este direito e aquele interesse[16] Não tem razoabilidade dogmática a equiparação do processo civil e do processo penal e dos respectivos procedimentos para efeito de subsunção ao citado normativo do artigo 38º da LOSJ. Subsiste, então, a questão inicialmente formulada de qual o momento em relação ao qual se devem parametrizar os critérios de competência em processo penal. Estamos em crer que tal questão está intimamente ligada à fisionomia própria da acção penal e traz, naturalmente, à colação a questão da destrinça entre objecto do inquérito e objecto do processo. Analisando a relevância de tal matéria na apreciação dos presentes autos, diremos que, como refere Figueiredo Dias[17].é a acusação que define e fixa, perante o tribunal, o objecto do processo, sendo este que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e a extensão do caso julgado. É a este efeito que se chama a vinculação temática do tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consunção do objecto do processo penal; os princípios, isto é, segundo os quais o objecto do processo deve manter-se o mesmo da acusação ao trânsito em julgado da sentença, deve ser conhecido e julgado na sua totalidade. Por seu turno, o artigo 262º do Código de Processo Penal, pronunciando-se sobre a finalidade e âmbito do inquérito, dispõe que o mesmo compreende o conjunto de diligências, em ordem à decisão sobre a acusação, que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes, a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas. Como refere Maia Costa[18], a investigação deverá ser dirigida estritamente para a descoberta da verdade material, qualquer que ela seja, devendo, assim, ser orientada para a recolha de todas as provas pertinentes, quer à comprovação da notícia do crime e da responsabilidade do eventualmente denunciado, quer à demonstração da sua inocência. O inquérito não é dirigido contra o arguido, embora este seja naturalmente, e a partir do momento da sua constituição, alvo da investigação. Mas ele pode apresentar meios de prova no inquérito, que terão de ser investigados - a não ser que sejam manifestamente impertinente ou dilatórios -, podendo contribuir assim para o esclarecimento do caso. A investigação produzida no inquérito é, pois, orientada exclusivamente pelo princípio da verdade material, constituindo a autonomia do MP, titular do inquérito, garantia institucional da realização desse princípio. Para Sá Mesquita[19] estamos perante um actividade de natureza teleologicamente vinculada que, findo o inquérito, habilitará o Ministério Público a decidir-se, no final, pela acusação ou pelo arquivamento. Mas, nesta lógica, é evidente que a actividade do detentor da acção penal não assume uma valência espartilhada por quaisquer outros limites que não os derivados da notícia do crime e da necessidade de indagar dos seus fundamentos numa procura da verdade material que o habilitará ao proferimento de uma decisão final no terminus do inquérito. Não existe, nestes termos, qualquer impedimento a que, dentro de tais limites, o resultado da actividade do titular da acção penal assuma uma configuração diversa que é imposta pela própria dinâmica do inquérito. Atento o exposto, e procurando responder à interpelação feita sobre a valorização e alteração de factos imputados ao arguido em diferentes momentos processuais, dir-se-á que, nada obstando à sua existência, não se pode escamotear a circunstância de a mesma trazer à colação a decantada questão da competência para os actos judiciais do inquérito. No que concerne, importa referir que, durante a fase de inquérito e nos termos do art. 264.º do CPP, só está definida a competência territorial do MP. Isto sendo, naturalmente, possível a transmissão dos autos para outro MP (com consequente alteração da competência territorial do MP) nos termos do art. 266.º do CPP. A competência do juiz, na fase de inquérito, para a prática de actos jurisdicionais apenas está definida em termos de reserva de jurisdição (art. 17.º, 268.º e 269.º do CPP). Quem tem o domínio da acção penal, na fase de inquérito[20], é o MP, sendo que a competência territorial do Ministério Público se pode ir modificando consoante os resultados da investigação. A investigação é dinâmica e os factos vão apresentando contornos diversos, podendo estes implicar alteração do MP competente e, consequentemente, alteração do JIC competente para a prática de actos jurisdicionais. Cabe ao MP apresentar o processo ao Juiz para a prática dos actos jurisdicionais e é nesse momento - isto é, quando é chamado a intervir para a prática de tal acto jurisdicional - que importa ao Juiz verificar se é competente para o efeito. Durante a fase de inquérito, entendemos, pois, que não se fixa a competência do Tribunal. Com o que não tem aqui aplicação o art. 38.º da LOSJ (Lei n.º 62/2013, de 26-08) em virtude de o objecto do processo ainda se encontrar em formação.” Não está em causa interpretar a Lei conforme determina o art. 9º do Código Civil - “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.” – conforme parece pretender o recorrente, pois que é o próprio Ministério Público que decidiu, legitimado pela lei, tramitar o inquérito em apreço à revelia das normas de competência territorial fazendo uso de uma competência que, alheada da dispersão territorial, se alicerça na complexidade dos factos criminoso a investigar. Sendo que quando o legislador quis atribuir competência específica a determinado Tribunal de Instrução Criminal, disse-o expressamente no art. 120º, n.ºs, 1, 3 e 5, da LOSJ. Acresce que como já vem sendo dito os Departamentos de Investigação e Ação Penal Regionais que não se confundem com os Departamentos de Investigação e Ação Penal (departamentos diferentes na mesma estrutura orgânica do Ministério Público). Os primeiros foram criados pelo Novo Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n° 68/2019, de 27/08, e sediados na comarca sede da procuradoria-geral regional, atribuindo-lhes competência exclusiva para dirigirem o inquérito e exercerem a ação penal em matéria de criminalidade violenta, económico-financeira, altamente organizada ou de especial complexidade - cfr. art. 70º. Pelo que, a competência do DIAP Regional do Porto para processar os atos de inquérito na sequência do despacho da Exmª Procuradora-Geral Regional não é coincidente com a competência territorial do JIC para a prática de atos jurisdicionais. Ou seja, a reorganização interna dos Serviços do Ministério Público não constitui motivo suficiente para dar origem a uma mudança das regras de competência territorial e funcional dos tribunais, por não influir, sem mais, no regime legal que fixa tal competência. E só quando o objeto do processo se fixar com a acusação ou requerimento de abertura de instrução-é que o Tribunal (Juiz) está em condições de aferir a sua competência e, a partir de então, a mesma fixa-se para futuro - art. 38.º da LOSJ. Nestes termos, e em consequência, o Tribunal de Instrução Criminal do Porto é territorialmente incompetente para exercer as funções jurisdicionais no inquérito à margem referenciado. III – Dispositivo. Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Porto em julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando o despacho recorrido. Sem custas pelo recorrente, por delas estar isento. Notifique. Sumário: (Da exclusiva responsabilidade do relator) ……………………………… ……………………………… ……………………………… Porto, 26 de março de 2025. (Elaborado e revisto pelo 1º signatário) Paulo Costa Maria Ângela Reguengo da Luz Pedro M. Menezes [Declaração de voto: «(Acompanho a decisão. Muito embora reconheça que a solução encontrada não acautela, em especial, a eficiência – e, eventualmente, eficácia – da investigação em curso, não creio que seja possível, no quadro legislativo atual, outro entendimento senão o que aqui é propugnado, razão pelo qual voto a decisão)»] |