Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1643/25.5T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO TAVEIRA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RP202509301643/25.5T8STS.P1
Data do Acordão: 09/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - É admissível a prolação de despacho de indeferimento do requerimento de instauração do processo especial de revitalização
II - O juiz aquando da prolação de despacho inicial, a que a alude o n.º 5 do artigo 17.º.C do CIRE, apenas terá que apreciar se o requerimento cumpre os requisitos formais da citada norma.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º[1] 1643/25.5T8STS.P1


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Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 3

RELAÇÃO N.º 252

Relator: Alberto Taveira

Adjuntos: Lina Castro Baptista

Maria Eiró


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


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I - RELATÓRIO.

AS PARTES

Reqte.: A..., Lda.


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Veio[2] a aqui devedora apresentante, solicitar a admissão do presente processo especial de revitalização, alegando encontrar-se em situação económica difícil – sendo o seu objecto o de transporte de mercadorias por via terrestre no território nacional – alegando que, em suma, devido ao aumento dos combustíveis e a eclosão da guerra na Ucrânia tiveram um impacto negativo no desenvolvimento da actividade da requerente.

Refere, ainda, a propósito dos necessários requisitos para desencadear um processo desta natureza, que junta a declaração prevista no n.º 1 do art.º 17.ºC do CIRE, mas que o credor que a subscreve não cumpre com a percentagem ali exarada, mas que tal não deve impedir o deferimento da admissão deste PER, atento o preceituado no n.º 9 da mesma norma legal.

Alega, para o efeito, que a devedora tem dívidas elevadas de âmbito fiscal e perante a Segurança Social, mas que estas estão adstritas a princípios de legalidade estrita e como tal não podem emitir aquele tipo de declaração.

Assim, e tendo em consideração o universo dos credores, nomeadamente as referidas entidades públicas, deve ser admitido o presente processo especial de revitalização nos termos previstos no art.º 17.ºC/9, do CIRE.

Por despacho de 22.05.2025, o tribunal, sob a expressa advertência de indeferimento liminar, solicitou uma série de esclarecimentos e aperfeiçoamento à instrução dos autos, tudo como flui do teor daquele despacho que aqui se dá por integralmente reproduzido.


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DA DECISÃO RECORRIDA

Na sequência do despacho de 22.05.2025, foi proferida DECISÃO, nos seguintes termos:

(…)

Em resposta, constata-se que:

. o contabilista certificado da sociedade insolvente, permanece por explicar, em face dos dados disponibilizados nos elementos contabilísticos constantes dos autos, a razão pela qual atesta que a sociedade não se encontra em situação insolvencial, apenas adiantando que ainda não se encontra totalmente impossibilitada de cumprir com as suas obrigações vencidas;

. foi solicitado ao contabilista certificado que atestasse se as entradas de capital por realizar devidamente consignadas na certidão permanente da sociedade haviam sido ou não efectivadas no prazo legal ou no prazo aludido na aludida certidão, sendo que não o veio a fazer, tendo sido a devedora apresentante que veio referir que o capital subscrito foi realizado, juntando balancete analítico para prova desta factologia, sem que daí se possa extrair quando é que o mesmo terá sido efectivamente realizado, sendo que subscrição e realização são realidades distintas entre si como todos sabemos (v. documentação anexa ao requerimento com a ref.ª 52493592 de 30.05.2025); Por outro lado, a comprovação de que o capital foi realizado é feita através da apresentação de documentos que atestem a realização das entradas em dinheiro ou bens, conforme o caso, razão pela qual havíamos solicitado que tal fosse esclarecido pelo Sr. Contabilista Certificado; Sem embargo, percebemos que contabilisticamente o capital realizado deverá ser inscrito na Conta 51 do Código de Contas do Sistema de Normalização Contabilística, o que foi demonstrado pela devedora;

. Foi solicitada a junção de lista de todos os seus credores, nos termos do art.º 24.º/1, alínea a), do CIRE e demais elementos constantes da norma do art.º 17.ºC/3, do CIRE, bem como contas anuais referentes aos três últimos exercícios e relação de bens com valor comercial actual dos mesmos, sendo que se constata que ter junto uma listagem que se presume seja a de todos os seus credores da qual consta os seguintes credores: B... (€ 5.797,00), AT (€ 910.019,63), C... (€ 13.565,60), D..., Lda. (€ 12.308,06), Instituto da Segurança Social (€314.262,00);

. Foram juntas IES 2021, de 2022, sendo que a IES de 2023, tal como a mesma consta dos autos, permite perceber que na “rubrica” resultados transitados foi inscrito o valor a negativo de € 4.899,18.

Apreciando.

O processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores, de modo a concluir com estes, acordo conducente à sua revitalização.

Ora, no caso dos autos, o tribunal tem sérias dúvidas de que a devedora não se encontre já, efectivamente em situação de insolvência, face às elevadas dívidas que detém perante a AT e Segurança Social, sem que se perceba concretamente há quantos anos pendem estes incumprimentos. Note-se que apesar de o Tribunal ter solicitado que desse estrito cumprimento às especificações constantes do art.º 24.º/1, alínea a), do CIRE, o certo é que não foram indicadas datas de vencimento dos créditos elencados, pois que, e tome-se a título de exemplo o que foi referido quanto ao crédito junto da AT “vencido por prazo superior a 90 dias”, sendo que esta mesma menção foi feita por referência ao crédito junto da Segurança Social Portuguesa. A este respeito, afirmamos sem qualquer tibieza que esta indicação equivale a “mais que nada”, pois nada em concreto permite aferir, no contexto processual em que nos inserimos.

Acresce que a relação de bens detida que foi junta pela devedora, demonstra que este seu activo será de valor pouco expressivo por comparação com o seu passivo (o reconhecido nos autos), sendo que as viaturas referenciadas estarão todas elas sujeitas a penhoras operantes.

Acresce ainda sublinhar as dúvidas com que nos detemos em face da lista dos credores junta pela devedora, na qual não fez inserir qualquer trabalhador, quando é certo que no plano que fez juntar incluiu no ponto 11 a epígrafe “crédito dos trabalhadores”, onde fez constar que se encontrarão em dívida pequenos valores relativos à compensação por cessação de contrato de trabalho, devendo estes valores ser liquidados nos três meses seguintes ao do da aprovação do presente plano.

A ser assim, legítimo se torna concluir que a lista de todos os seus credores junta pela requerente devedora não reúne efectivamente todos os seus credores, e não nos merece inteira credibilidade.

Por último, não irá o tribunal legitimar, perante o que ora acabamos de descrever, o apelo ao consignado na norma do art.º 17.º C/9, do CIRE.

Vejamos melhor.

O PER inicia-se com a manifestação da vontade da empresa devedora e credores em estabelecer negociações conducentes à aprovação de um plano de revitalização que permita que a empresa honre compromissos seus e, ao mesmo tempo, mantenha a sua actividade.

Note-se que não basta a vontade da própria devedora em recorrer a este expediente ou instrumento pré-insolvencial, já que a lei sentiu a necessidade de exigir que tal legitimação advenha de credores que, não estando especialmente relacionados com a empresa, sejam titulares pelo menos de 10/prct de créditos não subordinados.

Este requisito reforça a ideia de que o legislador pretendeu que esta iniciativa processual não servisse outros interesses que não fossem aqueles que efectivamente são legítimos, e que passassem “ab initio” pelo crivo de alguns credores, por forma a serem encetadas negociações passíveis de conduzir a uma verdadeira negociação com verdadeiros contornos passíveis de conduzir a uma possível revitalização da empresa. Por isso mesmo se consignou exigência mínima de percentagem face ao universo de credores relacionado, e que tais credores não estivessem especialmente relacionados com a devedora e que não fossem detentores de créditos subordinados.

Ora, no caso dos autos, conforme a devedora confessa no seu articulado, o único credor que subscreveu a “manifestação de vontade” foi o credor B... – Serviços, Lda., com um crédito de € 5.797,00, credor esse que se identifica com a empresa detida ou na qual trabalhará o Contabilista Certificado da aqui devedora (cfr. lista dos créditos junta e origem dos créditos, e a assinatura exarada na declaração a que alude o art.º 17.ºC/1 e assinatura aposta na declaração a que alude o art.º 17.ºA/2, ambos do CIRE).

Parece-nos, desde logo, que se trata de um credor, de alguma forma, especialmente relacionado com a devedora (situação de superioridade informativa sobre a situação económico-financeira do devedor e que possam influenciar o comportamento deste), e por outro lado, ante um passivo global (que peca por defeito conforme acima assinalámos) de € 1.255.952,29, é inequívoco que se apresenta como um credor verdadeiramente despiciendo no presente contexto processual. De resto, a alegação feita pela devedora de se ver impedido de obter tal “manifestação de vontade” por atinência aos credores públicos/estatais, não colhe, já que constam outros credores da lista, com créditos mais avultados ou consideráveis, sob os quais nenhuma suspeita incidiria quanto à efectiva e séria vontade em estabelecer negociações (v. credor C..., ou credor D...).

Assim, concluímos que:

. o credor que subscreveu a declaração a que se alude no art.º 17.ºC/1, do CIRE, não atinge 10/prct nem 5/prct dos créditos relacionados;

. inexiste qualquer fundamentação objectiva, ponderosa e razoável que legitime ao Tribunal admitir liminarmente o presente PER, reduzindo o limite de 10/prct para níveis de 0,5/prct, face ao montante absoluto dos créditos relacionados e à composição do universo de credores.

Em face de todo o exposto, indefere-se liminarmente o presente PER.

Custas pela Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 1,5 UC.“, realçado nosso.


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DAS ALEGAÇÕES

A Reqte, vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:

Termos em que, revogando o douto despacho proferido e proferindo outro que consagre a tese do recorrente farão V/ Ex.as a Costumada Justiça.“.


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A apelante apresenta as seguintes CONCLUSÕES:

A. A situação económica difícil, da Requerente poderá, no entanto ser revertida através do despoletar de negociações com os seus credores

B. as referidas entidades, se vinculam de forma própria, apenas ao cumprimento da legalidade, o presente PER, não pode ser subscrito pelas mesmas, como é o caso da Autoriadde Tributária e Segurança social

C. a Recorrente, cumpriu com os formalismos objectivos necessários para se iniciar o pedido de revitalização.

D. o único critério que o Recorrente não consegue cumprir, foi devidamente justificado no pedido, a declaração de um credor com 10% das suas dividas, o que foi substancialmente justificado, pois os credores da requerente, são fundamentalmente a Autoridade Tributária e a segurança social, e como suficientemente demonstrado por dividas “ de portagens”, que aumentam substancialmente o passivo e não se encontrando consolidadas, de acordo com a Lei 27/2023, impossibilitam, a obtenção de um acordo de pagamento.

E. da análise do pedido sempre se consideraria que nem a junção de todos os restantes credores, permitiria de forma literal cumprir o artigo 17-C n.º 1.

F. O fundamento de os serviços de contabilidade da Recorrente serem considerados “ser um credor de alguma forma relacionado com a Requerente”, não corresponde à realidade.

G. Será esse um credor que tendo conhecimentos da contabilidade da Recorrente, melhor informação deterá para emitir a declaração prevista no artigo 17 e, como também refere o douto despacho para emitir a declaração do contabilista certificado.

H. O douto Tribunal fez, uma errada aplicação do direito, pois que as alegadas imperfeições, foram sanadas

I. Fundando-se assim o douto despacho proferido de factos não provados fazendo uma incorreta aplicação do direito.

J. Pelo que deve o presente despacho ser revogado e substituído por outro que determine o inico do processo de revitalização.

K. Na apresentação de um Per, não incumbe ao Juiz efetuar o controlo da existência dos requisitos materiais, que não sejam a função dos documentos referidos nos artigos 17ª n.º 1; 17ª, n.º 2 17C n.º 1) n.º 3 b do CIRE, o que a recorrente cumpriu.

L. Devendo ser proferido despacho de prosseguimento do processo, com o inicio do processo de revitalização.“.


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Não foram apresentadas contra-alegações.


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II - FUNDAMENTAÇÃO.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil

As questões a decidir, são as seguintes:

A Reqte cumpriu os requisitos formais do pedido do PER, designadamente a apresentação da declaração de um credor que represente 10% dos créditos da Reqte.;

Se tal omissão é justificada, por os mesmos representarem a AT e SS.


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OS FACTOS

Os factos com interesse para a decisão da causa e a ter em consideração são os constantes no relatório, e que aqui se dão por reproduzidos.


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DE DIREITO.

Dispões o artigo 17.º-C do CIRE o seguinte:

1 - O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade da empresa e de credores que, não estando especialmente relacionados com a empresa, sejam titulares, pelo menos, de 10 % de créditos não subordinados, relacionados ao abrigo da alínea b) do n.º 3, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquela, por meio da aprovação de plano de recuperação.

2 - A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura.

3 - A empresa apresenta no tribunal competente para declarar a sua insolvência requerimento comunicando a manifestação de vontade referida no n.º 1, acompanhado dos seguintes elementos:

a) A declaração escrita referida nos números anteriores;

b) Cópia dos documentos elencados no n.º 1 do artigo 24.º, as quais ficam patentes na secretaria para consulta dos credores durante todo o processo;

c) Proposta de plano de recuperação acompanhada, pelo menos, da descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia da empresa.

d) Proposta de classificação dos credores afetados pelo plano de recuperação em categorias distintas, de acordo com a natureza dos respetivos créditos, em credores garantidos, privilegiados, comuns e subordinados e querendo, de entre estes, refletir o universo de credores da empresa em função da existência de suficientes interesses comuns, designadamente nos seguintes termos:

i) Trabalhadores, sem distinção da modalidade do contrato;

ii) Sócios;

iii) Entidades bancárias que tenham financiado a empresa;

iv) Fornecedores de bens e prestadores de serviços;

v) Credores públicos.

4 - As micro, pequenas e médias empresas, na aceção do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, estão dispensadas da obrigação de apresentar o documento indicado na alínea d) do número anterior, podendo, porém, fazê-lo, se assim entenderem.

Desde já, importa afirmar que a prolação de despacho liminar é admissível. É jurisprudência dominante a sua admissibilidade. Entre muitos outros, Acórdão Tribunal da Relação do Porto 2112/15.7T8STS.P1, de 15.12.2015, relatado pelo Des FERNANDO SAMÕES, “Relativamente à questão em análise, embora a lei não preveja, expressamente, a possibilidade de ser proferido despacho de indeferimento do requerimento de instauração do processo especial de revitalização, no seguimento do raciocínio que se deixou exposto, há que ter em conta o que dispõe o n.º 2 do art.º 17.º-E do CIRE, que, ao estatuir “Caso o juiz nomeie administrador judicial provisório nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 17º-C (…)”, “permite inferir a possibilidade do juiz não nomear administrador por entender não dar seguimento ao pedido de instauração do PER. E deverá fazê-lo sempre que ocorra a ausência de um elemento considerado por lei como formalidade, ao abrigo do citado artigo 17.º-C, designadamente a falta dos documentos elencados no n.º 1 do artigo 24.º do mesmo Código (cfr. alínea b) do n.º 3 do artigo 17.º-C).

Assim, o controle material a levar a cabo pelo juiz aquando do proferimento do despacho a que alude o art.º 17.º-C n.º 3, alínea a), do CIRE, consubstancia-se na análise dos aspectos formais da petição e no conteúdo das declarações (do requerente e de pelo menos um dos credores) efectuadas por quem requer a revitalização. Por conseguinte, a nomeação do administrador judicial provisório, dando continuidade ao processo, tem por implícito um juízo de apreciação (admissibilidade) sobre os requisitos do PER”[2], ”, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 3521/15.7T8AVR.P1, de 18.02.2016, relatado pela Des JUDITE PIRES, “Sendo também omisso o complexo normativo que disciplina o processo especial de revitalização quanto à figura do despacho de indeferimento liminar, tem sido debatido na doutrina e na jurisprudência essa admissibilidade, ganhando consistência o entendimento de que deve ser proferido despacho liminar de indeferimento quando, por razões formais, o processo não reúna as condições necessárias ao seu prosseguimento, designadamente, por falta dos documentos referidos no nº 1 do artigo 24º do CIRE[5].“, Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães 6797/22.0T8GMR.G1, de 30.03.2023, relatado pelo Des FERNANDO BARROSO CABANELAS, Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra 4023/15.7T8LRA.C1, de 14.06.2016, relatado pelo Des FONTE RAMOS, sumariado “2. O processo especial de revitalização admite despacho de indeferimento liminar.”,

Os fundamentos do indeferimento liminar constantes na decisão em crise estão bem expressos:

. o credor que subscreveu a declaração a que se alude no art.º 17.ºC/1, do CIRE, não atinge 10/prct nem 5/prct dos créditos relacionados;

. inexiste qualquer fundamentação objectiva, ponderosa e razoável que legitime ao Tribunal admitir liminarmente o presente PER, reduzindo o limite de 10/prct para níveis de 0,5/prct, face ao montante absoluto dos créditos relacionados e à composição do universo de credores.

Todas as demais considerações constantes da decisão e bem como do requerimento de recurso, são inócuas ou inconsequentes para o que haja de decidir nesta instância de recurso.

A Lei é clara: “O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade da empresa e de credores que, não estando especialmente relacionados com a empresa, sejam titulares, pelo menos, de 10 % de créditos não subordinados (…).”.

É pacifico que o juiz aquando da prolação de despacho inicial, a que a alude o n.º 5 do artigo 17.º.C do CIRE, apenas terá que apreciar se o requerimento cumpre os requisitos formais da citada norma.

Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 3521/15.7T8AVR.P1, de 18.02.2016, relatado pela Des JUDITE PIRES, “Assim, não compete ao Juiz a quem é comunicada a pretensão do devedor averiguar (liminarmente) se materialmente se verificam os requisitos previstos no artigo 17º B, bastando que o devedor declare e ateste que se encontra numa situação económica difícil, e invoque os pressupostos referidos na lei para dar início ao processo”, posição que já encontrava eco no anterior acórdão desta Relação e Secção de 15.11.2012[10].“ e .Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães 6797/22.0T8GMR.G1, de 30.03.2023, relatado pelo Des FERNANDO BARROSO CABANELAS, “(…) perante um requerimento de apresentação a PER, não incumbe ao juiz realizar qualquer atividade tendente à verificação dos requisitos que não seja o controlo da existência da alegação dos requisitos materiais, e da junção dos documentos, ou seja, dos requisitos formais referidos nos artigos 17º-A, nº1), e 17º-A, nº2, e 17º-C, nºs 1 e 3, b), do CIRE. Ou seja, a menos que seja inequívoca a inexistência de um dos requisitos dos quais a lei faz depender a legitimidade ativa para a dedução do pedido, não há que realizar diligências prévias tendentes a fundamentar um indeferimento liminar ou o prosseguimento do processo.“

Compulsados aos autos, a M.ma Juíza apreciando tal requisito formal, ponderou e decidiu que o requisito expresso no n.º 1 do artigo 17.º-C do CIRE não está preenchido e, no seu entender, não foi alegada e demonstrada factualidade que permita concluir pela derrogação de tal requisito.

Neste sentido, MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, in Manual de Direito da Insolvência, 8ª ed., pág. 445/446, “O processo de revitalização inicia-se com um requerimento apresentado pela empresa no tribunal competente para declarar a sua insolvência (arts. 179-C, n.º 3 e 7.º do CIRE e art. 128.º, n.º 1, al. a), da LOSJ). Desde jogo, e em primeiro lugar, este requerimento deve ser acompanhado de declaração escrita assinada pela empresa e por credor ou credores que preencham de três requisitos cumulativos, ou seja, credor(es) que, não estando especialmente relacionado(s) com a empresa (requisito qualitativo negativo), seja(m) titular(es), pelo menos, de 10% (requisito quantitativo positivo) de créditos não subordinados (requisito qualitativo negativo). A exigência legal deste acordo triplamente qualificado visa evitar utilizações abusivas do PER a que a sua redação inicial se propiciava.

(…)

Tenha-se em consideração, todavia, que a percentagem mínima exigida pela lei (10%) pode ser reduzida em duas hipóteses distintas. Desde logo, a requerimento fundamentado da empresa e de credor ou credores que, satisfazendo o disposto no n.º 1, detenham, pelo menos, créditos no valor de 5% dos créditos relacionados. Depois, mediante requerimento fundamentado apenas da empresa. Em ambas as hipóteses, na apreciação do pedido, o juiz terá em consideração o montante absoluto dos créditos relacionados e a composição do universo de credores.”, realçado nosso.

Na realidade, não existe fundamentação alegada pela requerente que permita ponderar a derrogação do citado requisito.

E aqui subscrevemos as considerações expostas pela M.ma Juíza: “Parece-nos, desde logo, que se trata de um credor, de alguma forma, especialmente relacionado com a devedora (situação de superioridade informativa sobre a situação económico-financeira do devedor e que possam influenciar o comportamento deste), e por outro lado, ante um passivo global (que peca por defeito conforme acima assinalámos) de € 1.255.952,29, é inequívoco que se apresenta como um credor verdadeiramente despiciendo no presente contexto processual. De resto, a alegação feita pela devedora de se ver impedido de obter tal “manifestação de vontade” por atinência aos credores públicos/estatais, não colhe, já que constam outros credores da lista, com créditos mais avultados ou consideráveis, sob os quais nenhuma suspeita incidiria quanto à efectiva e séria vontade em estabelecer negociações (v. credor C..., ou credor D...).

Por todo o exposto, nada mais resta do que confirmar a decisão da primeira instância.


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III DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela R. (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).


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Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.

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Porto, 30 de Setembro de 2025

Alberto Taveira

Lina Castro Baptista

Maria Eiró

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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.
[2] Seguimos de perto o relatório elaborado pela Exma. Senhora Juíza.