Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2088/23.7T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
DELIBERAÇÃO SOCIAL
ANULABILIDADE
Nº do Documento: RP202504082088/23.7T8STS.P1
Data do Acordão: 04/08/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A irregularidade consistente na falta de assinatura do relatório de gestão pelo presidente do conselho de administração da sociedade consubstancia o vício de anulabilidade, conforme decorre dos art. 65.º, n.º 3, CSC e 69.º, n.º 1, CSC.
II - O art.º 58.º, n.º 1, al. a) do CSC sanciona com a anulabilidade as deliberações que violem disposições legais quando no caso não caiba a nulidade, estabelecida pelo art.º 56.º do mesmo Código, pelo que a deliberação que aceita um Relatório e Contas que não respeitou as disposições legais respetivas, incorreu na mesma ilegalidade, tornando a deliberação é anulável.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 2088/23.7T8STS.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 7

Juíza Desembargadora Relatora:

Alexandra Pelayo

Juízas Desembargadoras Adjuntas:

Anabela Andrade Miranda

Maria Eiró

SUMÁRIO:

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Acordam as Juízas que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO:

AA intentou ação de anulação de deliberações sociais contra A..., S.A., peticionado que seja declarada a anulação das deliberações da assembleia geral de 31 de maio de 2023, na qual foi deliberada a aprovação do relatório e contas do ano de 2022, a proposta de aplicação de resultados, bem como a apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade.

Alega, em síntese, os seguintes vícios:

- falta de assinatura do relatório de gestão por parte do então Presidente do Conselho de Administração, bem como não menção no relatório de gestão de fundamentação/ justificação para essa omissão de assinatura;

- o relatório de gestão e contas do exercício aprovadas não espelham com clareza e detalhe a posição financeira da sociedade, apresentando irregularidades e omissões, designadamente quanto aos seguintes pontos:

- dívida de € 516.214,60 aos acionistas;

- ausência de menção da perspetiva de evolução da Sociedade Ré e principais riscos e incertezas com que a Sociedade se defronta;

- ausência de divulgações consideradas relevantes para melhor compreensão da posição financeira e dos resultados: Nota 13 do relatório (outros créditos a receber), não referência a compromisso efetuado pela ré junto de empreiteiro de restauro e para o qual existe um orçamento; “Anexo para o período findo a 31 de Dezembro de 2022”, no ponto 6, rúbrica “ativos fixos tangíveis”, aquisição no valor de € 6.348,00, falta de menção da natureza das prestações de serviços constantes do Ponto 22 do Anexo; ausência de menção do ativo e passivo das sociedades subsidiárias;

- ausência de informação e análise contabilística comparativa entre os exercícios de 2021 e 2022; ausência de análise da atividade e da posição financeira da sociedade.

A ré deduziu contestação, tendo invocado a exceção de ineptidão da petição inicial, bem como a exceção de abuso de direito, defendendo-se ainda por impugnação e pugnando pela improcedência da ação. Salienta que era do conhecimento da autora a impossibilidade de o então Presidente do Conselho de Administração exercer de facto essas funções e assinar as contas; que fora prestada toda a informação solicitada pela autora e que, apesar de sucinto, o relatório de gestão é suficiente, cumprindo o seu fim último.

Foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial, e enunciando-se, de seguida, o objeto do litígio e temas da prova.

Em sede de audiência de julgamento, a autora formulou pedido de condenação da ré como litigante de má fé, tendo a ré pugnado pela improcedência deste pedido a 03.07.2024.

Realizou-se audiência de julgamento e no final foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, o Tribunal:

- julga a presente ação procedente e, consequentemente, declara a anulabilidade das deliberações sociais tomada em Assembleia Geral da sociedade ré a 31.05.2023 referente aos pontos 1, 2 e 3 da Ordem de Trabalhos (concretamente, deliberações de aprovação de Relatório e Contas do exercício de 2022, subsequente deliberação de aplicação de resultados e apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade), - julga improcedente o pedido de litigância de má fé formulado, absolvendo a ré do pedido.

Custas da ação a cargo da ré, atento o seu decaimento (527.º CPC).”

Inconformada, a Ré A..., S.A. veio interpor o presente recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:

A) A Recorrente não se conforma com a Douta Sentença que declara a anulabilidade das deliberações sociais com o fundamento na falta de assinatura de um administrador, uma vez que entende não estar verificado este vício.

B) A Recorrente não se conforma com a Douta Sentença que declara a anulabilidade das deliberações sociais com o fundamento de que o relatório de gestão “…não contém uma exposição fiel e clara da evolução dos negócios, do desempenho e da posição da sociedade, bem como uma descrição dos principais riscos e incertezas com que a mesma se defronta” (pág.33 da Decisão em recurso), na medida em que entende também não se verificar este vício.

C) Relativamente aos outros vícios, face à matéria dada como provadas nos presentes autos e tendo o Tribunal percecionado perfeitamente que em causa estavam irregularidades que resultavam de ausência de notas explicativas dos movimentos espelhados nas Demonstrações Financeiras, razões de natureza de segurança e de certeza jurídica aconselhavam que fosse, antes, ordenada a retificação do Relatório de Gestão e contas do exercício, ou até, que fosse concedido prazo á ré para renovar as deliberações sociais, já que que as apontadas vicissitudes em nada interferiam com os números do balanço (com o total do ativo e do passivo), lucratividade da empresa e capital próprio.

D) Ao contrário, optou o Tribunal por dar razão a uma acionista minoritária, anulando todas as deliberações de aprovação das contas de exercício, indiferente às suas consequências para a ré – uma sociedade lucrativa (veja-se o balanço e a demonstração de resultados) integrada num Grupo reputado.

E) No que respeita a assinatura do Relatório de Gestão e contas do exercício em causa estão as normas previstas no artigo 65º nº3 e nº4 do CSC o seguinte.

F) Destes preceitos legais resulta que as contas devem ser “assinados pelos gerentes ou administradores que estiverem em funções ao tempo da apresentação”.

G) Coloca-se aqui uma questão da interpretação desta norma jurídica quanto ao elemento temporal a que se refere expressão prevista no nº4 do artº65º do CSC: “…em funções ao tempo da apresentação...”.

H) O Tribunal a quo entendeu que não obstante o Presidente do Conselho de Administração “já não o ser à data da aprovação das contas, era-o à data da sua elaboração e à data da apresentação das contas aos acionistas para análise e preparação da assembleia designada para o efeito”, concluindo que foi violado o art. 65.º, n.º 3 CSC. (pág. 37 da Decisão em recurso).

I) Ora, salvo o devido respeito, esta conclusão não é o que resulta da lei.

J) “O momento da apresentação das contas” só poderá ser o momento em que as contas são apresentadas na Assembleia Geral Anual com vista à sua aprovação e não a data da sua elaboração, nem a data da sua entrega aos acionistas no cumprimento do seu direito de informação previsto no artigo 289º do CSC.

K) Existe um dever da administração de relatar a gestão através da elaboração dos documentos de prestação de contas (data da elaboração das contas), bem como o dever de as submeter aos órgãos competentes da sociedade (data da Assembleia Gera para a sua aprovação - (veja-se o que refere as alíneas c) e d) do artigo 406º do CSC.

L) Ora, resulta da documentação junta aos autos e da matéria dada como provada que as contas foram elaboradas em 06 de março de 2023, entregues à autora – acionista - em 24 de maio de 2023 para consulta e que a Assembleia Geral que as aprovou ocorreu em 31 de maio de 2023.

M) Quando as contas são entregues á autora acionista para serem examinadas e quando é realizada a Assembleia Geral de Aprovação de Contas já o Presidente do Conselho de Administração havia renunciado ao cargo através carta datada 24 de março de 2023 (Cfr. Doc.6 junto com a petição inicial) e a renuncia registada com efeitos a partir de 30 de abril de 2023.

N) Quem elabora as contas são os serviços técnicos da ré, aliás encontram-se assinadas pela Técnica Certificada de Contas, pelo que o momento da elaboração das mesmas nunca poderá coincidir com o momento da sua apresentação previsto no nº4 do arrigo 65º do CSC.

O) Ou seja, conclui-se que o “momento da apresentação das contas” previsto no nº4 do artigo 65º do CSC é o momento em que são submetidas para aprovação, isto é, na data da realização da Assembleia Geral com vista à sua aprovação, que no presente caso concreto ocorreu em 31 de maio de 2023.

P) Esta parece ser a conclusão que resulta do disposto no artigo 65º e 67º nº1 do CSC.

Q) Quanto ao fundamento usado na Douta Sentença – também alegado pela autora – de que em causa estão interesses dos demais utentes das demonstrações financeiras, estes apenas têm conhecimento das mesmas após a sua aprovação (artigo 70º do CSC).

R) E em 31 de maio de 2023 - na data em que são apresentadas e aprovadas as contas do exercício já o Presidente do Conselho de Administração havia renunciado ao cargo (fê-lo através carta datada 24 de março de 2023 – (cfr. Doc.6 junto com a petição inicial) tendo a renuncia sido registada com efeitos a partir de 30 de abril de 2023.

S) Donde se conclui que não estava obrigado a assinar o relatório de gestão e contas.

T) O fundamento da violação dos deveres previstos no artigo 393º nº3 alínea b) do CSC por parte do Conselho de Administração é uma verdadeira questão nova, um vício novo nunca alegado pela autora nos seus articulados, embora abordado em sede de alegações orais.

U) Nunca a ré teve oportunidade de se defender deste vício, porque nunca foi alegado, tendo sido introduzido nas alegações finais pela autora, mas sem direito de contraditório para parte da ré.

V) Mas, só a falta definitiva, ou seja, a extinção ou caducidade da relação administrativa (independentemente da sua causa) dos administradores é que obriga a que seja acionado o mecanismo previsto no nº3 do artigo 393º do CSC.2

W) Da matéria dada como provada não resulta a falta definitiva do Presidente do Conselho de Administração, mas sim uma falta temporária devido a doença e esta não obriga substituição prevista no nº3 do artigo 393º do CSC ao contrário do referido na Douta Sentença.

X) A falta definitiva do Presidente do Conselho de Administração ocorre em 30 de abril de 2023 (data em que a renuncia ao cargo começa a produzir efeitos) e quando as contas são apresentadas na Assembleia Geral para serem aprovadas (31 de maio de 2022), encontra-se ainda a decorrer o prazo para o Conselho de Administração designar substituto por cooptação (artigo 393º nº3 alíneas b) e c) do CSC.

Y) Pelo que, com o devido respeito, o fundamento da violação do dever de substituição invocado na Douta sentença em recurso, para além de constituir verdadeira questão nova, não nos parece consentâneo com o estabelecido no artigo 393º do CSC., tratando-se ainda de vício inerente a deliberações do Conselho de Administração e não da Assembleias geral em discussão nos presentes autos.

Z) Donde se conclui que a Douta Sentença ao declarar a anulabilidade das deliberações constantes na ata de 31 de maio de 2023 com base na falta de assinatura por parte do Presidente do Conselho de Administração BB, violou o disposto no artigo 65º nº3 e 4, bem como o artigo 67º e 393º do CSC.

AA) Isto para além de fundamento-surpresa, não tendo a ré oportunidade de se defender nem sequer prever que o Tribunal enveredasse pela posição que seguiu quando se refere aos deveres do conselho de administração previsto no artigo 393º nº3 alínea c) do CSC (pág. 25 da Douta Sentença), ocorrendo assim violação do princípio do contraditório.

Ainda:

BB) A ré é uma pequena entidade - artigo 9.º do DL 158/2009 de 13 de julho (designadamente com as alterações introduzidas pelo DL 98/2015).

CC) Em causa está uma sociedade que, embora detendo um vasto património imobiliário e um objeto social alargado, a única atividade que exerceu – exercício em questão e noutros – foi o arrendamento dos imóveis que detém, a compra de um terreno, e manutenção e imóveis (ponto 22 da matéria de facto dada como provada).

DD) Consta do Relatório de Gestão o seguinte: “Relativamente aos investimentos a empresa efetuou aquisições de ativos fixos tangíveis, no ano de 2022, no montante de 16.926,00, essencialmente de substituição e conservação, para além da aquisição de um terreno” (pág.5).

EE) Não obstante o artigo 66º do CSC ser aplicável a todos os tipos de sociedades, o relatório de gestão de uma sociedade anónima com valores cotados em bolsa não há-de ser idêntico, no seu conteúdo descritivo e analítico ao do uma pequena sociedade como é o caso da ré.

FF) E a este respeito, o próprio artigo 66º/2 do CSC estabelece até uma certa flexibilidade ao dizer que “esta informação deve ser prestada em conformidade com a dimensão e complexidade da sua atividade.”

GG) Pelo que, com o devido respeito, entende-se que Relatório de Gestão também não padece do vício apontado na Douta Sentença de falta de “uma informação qualitativa a explicar a evolução da atividade da ré, nem são indicados os concretos riscos e incertezas”.

HH) A Douta Sentença ao declarar a anulabilidade da deliberação com este fundamento violou o artigo 66º nº2 do CSC.

II) Só podem ser anuláveis as deliberações que se traduzam na aprovação de documentos com vicissitudes relevantes, tendo em conta que as desconformidades graves devem ser objeto de correção.

JJ) As restantes irregularidades das contas da ré, atenta a matéria dada como provada – ponto 25 da matéria de facto dada como provada - não são fundamento de anulabilidade das deliberações sociais tal como o entendeu o Tribunal a quo.

KK) Relativamente à divida de € 516.214,60: Tribunal e a autora perceberam a que se reportava e o movimento realizado.

LL) A irregularidade consistiu no facto da sua explicação não contar do Anexo nem do Relatório de Gestão (veja-se fundamentação constante da Douta Sentença para dar como provado o ponto 25 na pág.31).

MM) E o movimento contabilístico relacionado a dívida em nada altera o resultado do Balanço, a lucratividade da empresa, nem a seu passivo: a dívida que constava num quadro no ano anterior passou para um quadro abaixo, após uma compensação de créditos (veja-se página 11 da nota 20 do Anexo).

NN) Caso existisse uma nota explicativa deste movimento não ocorreria qualquer irregularidade.

OO) Donde podemos concluir que se tratou de uma desconformidade, mas não relevante a ponto de gerar a anulabilidade das deliberações sociais.

PP) O mesmo, com o devido respeito, ocorre com os restantes vícios: o relatório e anexo à DF não consta a “informação comparativa através da análise de um juízo crítico”, sendo apresentados apenas quadros, e não se encontrarem divulgados na DF informação acerca do ativo e passivo de uma sociedade participada da ré da B..., Lda, sendo de fácil correção, sem alteração dos resultados.

QQ) A Douta Sentença ao declarar a anulabilidade das deliberações com base nos vícios referidos violou assim o disposto no nº2 do artigo 69º do CSC.

RR) Termos em que deve ser revoga a Decisão em recurso, substituída por outra que ordene que a ré proceda à retificação das irregularidades referidos, julgando não verificados os vícios de falta de assinatura do Presidente do CA e falta de informação do relatório de gestão quanto á evolução do negócio, fazendo assim JUSTIÇA!”

A Autora AA, veio responder ao recurso, pugnando pela sua improcedência, concluindo:

“A – Em face de tudo quanto veio de se alegar, entendemos que dos fundamentos de recurso da Recorrente não se vislumbram argumentos ou razões que justifiquem uma valoração e sentido diferente do vertido na decisão recorrida.

B – A decisão recorrida, pelos fundamentos invocados pela Recorrente não é merecedora de qualquer juízo de reparo ou censura, tal qual a Recorrente pretende ver declarado, não se verificando, por conseguinte, qualquer violação dos dispositivos legais aplicáveis, à luz dessas mesmas razões tal qual vêm formuladas as conclusões do Recorrente.

C - Devendo, nessa, medida, o presente recurso improceder in totum, pois não se verificam os fundamentos necessários ao seu mérito.

Termos em que, e nos demais de direito com o douto suprimento de Vªs. Exªs.:

a) Deve o presente recurso improceder;

b) Confirmar-se, na íntegra, a douta sentença recorrida, com o que se fará inteira J U S T I Ç A.”

Foi proferido despacho que admitiu o recurso interposto pela ré como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – art.s 629.º, n.º 1, 631.º, 638.º, n.º 1, 644.º, n.º 1, a), 645.º,n.º 1, a), 647.º, n.º 1 e 2 e 3, a contrario, todos do Código de Processo Civil.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II-OBJETO DO RECURSO:

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.

A questão decidenda delimitada pelas conclusões do recurso, é a da reapreciação dos fundamentos de anulação da deliberação social.

III-FUNDAMENTAÇÃO:

Na sentença foram julgados provados os seguintes factos:

1. A Ré é uma sociedade comercial que tem por objeto a exploração agrícola, assim como a construção e reconstrução de imóveis para venda, aquisição de imóveis para venda e revenda, locação de imóveis, bem como o arrendamento e a gestão de imóveis próprios.

2. O capital social da Sociedade Ré é de 810 (oitocentos e dez) mil euros, dividido em 162000 (cento e sessenta e duas mil) ações de valor nominal de 5 (cinco) euros cada.

3. A Autora é titular de 7.503 (sete mil quinhentas e três) ações de valor nominal de 5 (cinco) euros cada, representativo de 4,62% da totalidade do capital social da Ré.

4. No início de maio de 2023, a Autora recebeu uma convocatória para a Assembleia Geral Ordinária da Sociedade Ré, agendada para o dia 31 de maio de 2023, pelas 11:00, na sede social da Sociedade Ré, com a seguinte Ordem de Trabalhos:

“Primeiro: Deliberar sobre o relatório de gestão e contas do exercício de 2022;

Segundo: Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados;

Terceiro: Proceder à apreciação geral da Administração e Fiscalização da Sociedade em harmonia com o disposto na alínea

c) do nº 1 do artigo 376º e nº 1 do artigo 455º ambos do Código das Sociedades Comerciais”.

5. A autora enviou à ré a carta datada de 08.05.2023, junta como Doc. 2 da contestação, com o assunto “Consulta Documentos Assembleia Geral”.

6. A Autora compareceu no dia 24 de maio de 2023, na sede da Sociedade Ré com vista a consultar os elementos de informação disponíveis para exame pelos Acionistas e preparatórios daquela assembleia, tendo sido entregues à Autora os documentos juntos na petição inicial sob o Documento nº 4 (Relatório de Gestão, Balanço e contas da ré referente aos exercício de 2022, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido), não tendo sido solicitados outros documentos ou esclarecimentos pela autora, além dos solicitados em sede de Assembleia.

7. O Relatório de Gestão (datado de 6 de março de 2023), Balanço e contas da ré referentes ao exercício de 2022 apenas se encontram assinados pelos administradores CC e DD, não se encontrando assinado pelo então Presidente do Conselho de Administração, BB, nem constando de tal relatório e demais documentos a justificação para a omissão dessa assinatura.

8. Consta do ponto 2. do Anexo às Contas o seguinte: “Em 2022 as demonstrações financeiras da A..., S.A. foram preparadas de acordo com o referencial do Sistema Normalização Contabilística (SNC), que integra as Normas Contabilísticas de Relato Financeiro (NCRF), adaptadas pela Comissão de Normalização Contabilística (CNC) a partir das Normas Internacionais de Relato Financeiro (IFRS – anteriormente designadas por normas internacionais de contabilidade) emitidas pelo internacional Accouting Standards Board (IASB) e adotadas pela União Europeia (EU).”

9. No dia 31 de maio de 2023, reuniu a Assembleia Geral da Sociedade Ré.

10. Estiveram presentes os acionistas que representam 100% do Capital, bem como o Presidente do Conselho Fiscal, o representante da Sociedade “C..., SROC, Lda”, o Sr. EE na qualidade de Administrador, a Dra. FF como Mandatária da Sociedade e ainda a Dra. GG como Mandatária da Autora.

11. Os acionistas presentes, detentores das participações que se passam a discriminar, foram os seguintes:

- D... S.G.P.S., S.A., titular de 50,62% do capital social da Sociedade Ré;

- CC, titular de 22,38% do capital social da Sociedade Ré;

- DD, titular de 22,38% do capital social da Sociedade Ré;

- A Autora titular de 4,62% do capital social da Sociedade Ré.

12. Os dois acionistas CC e DD são tios da autora, respetivamente, irmão do seu Pai, já falecido.

13. A Autora, o seu tio, DD, e a sua tia, CC, são igualmente os acionistas da Sociedade D... S.G.P.S., S.A.

14. BB faleceu a 8 de julho de 2023, com 92 anos, foi fundador e Presidente do Conselho de Administração da sociedade ré, tendo sido registada a sua renúncia ao cargo a 09.05.2023, constando na certidão permanente da ré como data da renúncia: 30.04.2023 e datando a carta de renúncia de 24.03.2023.

15. Iniciada aquela Assembleia Geral, a mandatária da Autora pediu a palavra e no uso dela disse: “Dispõe o artigo 65° n° 3 do C.S.C. que o relatório de gestão, o relatório separado com a informação não financeira, quando aplicável, e as contas do exercício devem ser assinados por todos os membros da administração; a recusa de assinatura por qualquer deles deve ser justificada no documento a que respeita e explicada pelo próprio perante o órgão competente para a aprovação, ainda que já tenha cessado as suas funções. Ora, durante o exercício de 2022, o Sr. BB era o Presidente do Conselho de Administração. Acontece que, não obstante assim o ser, a verdade é que o Presidente do Conselho de Administração não assinou as referidas contas do exercício. Pelo que, ao abrigo do artigo 69, torna as deliberações anuláveis."

16. Nesse seguimento, pelo Presidente de Mesa da Assembleia Geral, Dr. HH, foi referido que: “lamenta-se sinceramente que tenha sido invocado que o sr. BB não intervenha na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, porquanto é do conhecimento de todos, mormente da D. AA que o referido Sr. e seu avô está de todo impossibilitado fisicamente e mentalmente de intervir em qualquer ato e em consequência do que renunciou, ainda que no ano de 2023 à presidência do Conselho de Administração. É sabido, também, que a intervenção do mesmo não é necessária para obrigar a sociedade.”

17. Após a declaração do Presidente de Mesa da Assembleia Geral, respondeu a mandatária da Autora, referindo que, no passado dia 24 de março de 2023 o Exmo. Sr. BB, Presidente do Conselho de Administração, assinou a carta de renúncia ao cargo de Presidência do Conselho de Administração, razão pela qual, caberia ter estado justificada a sua falta de assinatura no Relatório de Gestão.

18. De imediato, entrou-se no Ponto Um da Ordem de Trabalhos, “Deliberar sobre o Relatório de Gestão e Contas do exercício de 2022”, tendo a representante da Autora, solicitado esclarecimentos ao Conselho de Administração.

19. Começou por questionar se no 4ª parágrafo do ponto 2 do Relatório de Gestão existiu algum lapso de escrita uma vez que todo o parágrafo se refere ao ano de 2022, bem como mencionou que no ponto 4 do Relatório de Gestão é referido que não se prevê uma melhoria da situação da empresa no curto prazo. Razão pela qual, nestes tempos de instabilidade era importante perceber qual a perspetiva de evolução, qual a previsão dos efeitos da evolução das taxas de juro, da inflação e em que vai influenciar a empresa.

20. A Acionista e Administradora, Sra. CC, respondeu, referindo “Tomara eu também o saber”.

21. Pelo Dr. II, representante da Sociedade Revisora Oficial de Contas, foi respondido que “A questão colocada parece ter 2 vertentes, uma macroeconómica e outra sobre a sociedade. Quanto à primeira apenas pode opinar como economista sobre a economia, sendo, porém, irrelevante em relação ao problema concreto. Quanto à análise que concerne à sociedade, referiu que os juros irão porventura continuar a subir, a economia do país parece estar a crescer, muito embora acredite que no final do ano exista um retrocesso.”

22. Pediu novamente a palavra a Administradora e Acionista, Sra. CC, para referir ainda que “estamos a abordar a evolução de uma sociedade imobiliária e que neste momento não compra nem vende o que quer que seja. Atenta a evolução da nossa economia e da conjuntura inflacionista a administração entende que não deve fazer investimentos no curto prazo, visando manter a estabilidade da empresa.”

23. Posteriormente, foi novamente pedida a palavra pela mandatária da Autora, tendo a mesma questionado onde está a entrada de dinheiro na demonstração de fluxos de caixa tendo em conta que existe uma dívida de 516.214,60€ aos acionistas. Questionou ainda a que acionistas diz respeito tal dívida.

24. Pelo Dr. II foi respondido que a dívida é unicamente respeitante à acionista D... e que em termos de fluxos de caixa não há nenhuma entrada de dinheiro, pois apenas se trata de uma reclassificação contabilística.

25. O valor de € 516.214,60 euros resulta do registo contabilístico de uma cessão de créditos entre empresas relacionadas no valor de € 686.861,86 (cessão de créditos entre a sociedade E... e sociedade D...), bem como de uma compensação de créditos entre a ré e a D... (no valor de € 170.647,26), ocorridas em 2022.

26. Na sessão de julgamento de 28.06.2024, fora exibido pelo Presidente do Conselho Fiscal da sociedade Ré e junto aos autos notas de lançamento e extrato de conta 27 /documentos contabilísticos referentes ao registo da dívida aos acionistas no montante de € 516.214,60 no exercício de 2022, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido.

27. Também naquela Assembleia, a mandatária da Autora referiu que na Demonstração de Fluxos de Caixa, nomeadamente “Fluxos de Caixa das Atividades de Investimento” existem pagamentos respeitantes à rúbrica “outros ativos”, razão pela qual pretendia saber a que dizem estes pagamentos e quais os ativos.

28. Voltou a responder o Dr. II, mencionando que o referido movimento está de acordo com as normas contabilísticas uma vez que é um movimento com a Acionista D....

29. Voltou a mandatária da Autora a pedir a palavra e a expor que no “Anexo para o período findo a 31 de Dezembro de 2022”, nomeadamente no que diz respeito à “Política Contabilística referente ao Rédito e Regime de Acréscimo” decorre a seguinte expressão “e os critérios específicos escritos a seguir”, pelo que pretendia saber onde estão descritos os referidos critérios e se não estiverem quais são os mesmos.

30. Pediu, então, a palavra o Dr. II, representante da Sociedade “C..., SROC, Lda” dizendo que tomou nota da dúvida, que era de facto pertinente, mas que os critérios são os que estão identificados nos três últimos parágrafos deste ponto.

31. Em seguida, foi novamente pedida a palavra pela mandatária da Autora e no uso dela referiu que no mesmo anexo, no ponto 6, rúbrica “ativos fixos tangíveis”, existiu uma aquisição no valor de € 6.348,00, questionando a que diz respeito essa aquisição, qual o objetivo e vantagem da mesma.

32. A esta questão respondeu o Administrador e Acionista, Sr. DD, referindo que se tratou da aquisição de um terreno contíguo a dois terrenos que a sociedade detém e que proporcionou a ligação entre esses dois terrenos e que era um negócio que a Sociedade já procurava há mais de 40 anos.

33. Após, foi novamente solicitada a palavra pela mandatária da Autora e no uso da mesma questionou se não existe um requisito contabilístico que obriga à divulgação da informação comparativa dos movimentos contabilísticos dos anos e 2022 e 2021 no Relatório de Gestão, uma vez que o quadro dos movimentos ocorridos nos ativos fixos tangíveis apenas diz respeito ao ano de 2022.

34. Pediu a palavra o Dr. II, representante da SROC da Ré, explicando que os quadros em nada prejudicam a imagem da empresa, verdadeira e apropriada, e que são os que sempre existiram e que não existe qualquer necessidade na sua alteração.

35. Nesse seguimento foi novamente pedida a palavra pela representante da Autora tendo a mesma questionado onde estão divulgados os valores referentes aos ativos e passivos da sociedade “B... Lda”, sociedade esta participada da Sociedade Ré.

36. Pediu a palavra o Dr. II, representante da SROC da Ré, referindo que “Não está, nem o ativo nem o passivo e pela simples razão que não tem de estar."

37. De acordo com o ponto 8. do Anexo às Contas da ré, a Sociedade Ré detém 66,67% do capital social da sociedade B... Lda.

38. Não consta do relatório e contas de 2022, os ativos e passivos desta sociedade B... Lda.

39. A mandatária da Autora pediu novamente a palavra e questionou qual a natureza das mercadorias constantes do Ponto 10, Rúbrica “Inventários” e qual a razão para estes inventários estarem parados há tantos anos.

40. Novamente, pediu a palavra o Dr. II que explicou que a natureza dos inventários são imóveis, mais especificamente terrenos, que foram adquiridos para revenda e que até à data não foram vendidos.

41. Solicitou a mandatária da Autora que fosse esclarecido a que se referia o saldo a receber de fornecedores, nomeadamente o constante da rúbrica “Outros Créditos da Receber”, constante do ponto 13.

42. Pela Administradora e Acionista, Sra. CC, foi pedida a palavra e no uso da mesma disse que “a quantia de 15.923,79€ diz respeito a um adiantamento efetuado a um empreiteiro de restauro de um prédio de 3 andares no Porto e para o qual existe um orçamento.”

43. De seguida, foi questionado, pela mandatária da Autora, a que se referem os rendimentos a reconhecer constantes da rúbrica “diferimentos”, no Ponto 14.

44. Pelo Dr. JJ, Presidente do Conselho Fiscal foi explicado que a quantia de 35.166,07€ se reporta a rendas antecipadas que serão reconhecidas como proveitos no ano de 2023.

45. Foi novamente pedida a palavra pela mandatária da Autora, tendo questionado qual a natureza das prestações de serviços constantes do Ponto 22 do Relatório de Gestão.

46. A esta questão, respondeu o Dr. JJ expondo que o valor de € 587.254,98 diz respeito às rendas das propriedades de investimento que a empresa detém arrendadas.

47. Questionou ainda a mandatária da Autora a que se deveu o aumento de cerca de 21 mil euros que decorre da rúbrica “trabalhos especializados” da nota 25.

48. Pelo Dr. II foi referido que o montante de 29.531,75€ diz respeito, entre outros, a honorários seus, serviços prestados pela D..., inspeções de gás e certificações energéticas.

49. Foi questionado pela mandatária da autora a que dizem respeito os valores da rúbrica “conservação e reparação”, na nota 25 e qual a razão de tal rúbrica ser de montante elevado.

50. Respondeu novamente o representante da SROC, referindo que o valor de € 78.911,35 diz respeito à conservação e reparação de alguns edifícios, citando, a título de exemplo a manutenção dos elevadores ..., trabalhos de pichelaria, instalação de estores, capoto nos prédios, tudo operações correntes que advêm essencialmente da antiguidade dos prédios.

51. Pela mandatária da Autora foi novamente pedida a palavra e no uso da mesma questionou a que dizem respeito os valores elevados de eletricidade.

52. Pediu, então, a palavra o Dr. JJ que referiu que o valor de 323.717,60€ reflete apenas o aumento de energia, conhecido de todos e sempre acima da inflação.

53. De seguida questionou a mandatária da Autora a que diziam respeito os valores constantes da rúbrica “deslocações e estadas”, uma vez que em 2021 não se encontrava registado qualquer valor.

54. Respondeu o Dr. II, tendo referido que os valores constantes dessa rubrica dizem respeito a viagens e deslocações de administradores, bem como pessoal e quadros técnicos e que incluía o valor das portagens.

55. Perguntou ainda a mandatária da Autora a que diziam respeito o aumento do valor da rubrica “limpeza, higiene e quadros técnicos” e se existiu um aumento das instalações.

56. Pelo Administrador e Acionista, Sr. DD foi pedida a palavra e no uso da mesma referiu que o valor de € 13.108,89 diz respeito a uma maior exigência das autarquias na limpeza dos terrenos e aumento dos custos desses mesmos serviços.

57. Nesse seguimento, a mandatária da Autora referiu que consta da nota 27 o valor de 309.436,38€ relativo a rendimentos suplementares, questionando qual a natureza dos referidos valores e a que rendimentos são estes.

58. Pelo Dr. JJ foi explicado que o valor de 309.436,38€ não é mais do que o valor debitado aos arrendatários dado que os quadros elétricos e o fornecimento de energia estão em nome da empresa e por isso aqueles débitos são contabilizados como proveitos.

59. Questionou a mandatária da Autora a que diz respeito o valor de € 25.290,36 constante da rubrica “outros gastos” e porque razão sofreu um aumento.

60. Pelo Administrador e Acionista DD foi referido que o valor de 15.000,00 diz respeito a uma transação celebrada num processo que correu termos no Tribunal Central da Povoa de Varzim e o remanescente é relativo a uma insuficiência de estimativa para imposto.

61. Por último, perguntou a mandatária da Autora a que diz respeito a garantia do Banco 1... no valor de € 7.737,00, constante da nota 34.

62. Pela Administradora e Acionista CC foi pedida a palavra e no uso dela disse que essa garantia se reporta a um acidente de trabalho, cujo processo correu termos no Tribunal de Trabalho de Santo Tirso.

63. Sujeita a votação o primeiro ponto da Ordem de Trabalhos, o mesmo fora aprovado com os votos a favor dos dois acionistas CC e DD, tendo a autora votado contra o referido ponto da ordem de trabalhos, apresentando a seguinte declaração de voto: “Em primeiro lugar, e como já se teve oportunidade de referir o presente Relatório de Gestão e de contas do exercício não se encontram assinadas pelo Presidente do Conselho de Administração, constituindo, desde logo uma violação ao disposto no artigo 66º do C.S.C. Acresce que os membros dos órgãos de Administração e do Conselho Fiscal, ao abrigo do artigo 66° do CSC, estão obrigados a apresentar o relatório da gestão, o qual deve conter, uma exposição fiel e clara da evolução dos negócios, do desempenho e da posição da sociedade, bem como uma descrição dos principais riscos e incertezas com que a mesma se defronta, sendo certo que a referida exposição deve consistir numa análise equilibrada e global da evolução dos negócios, dos resultados e da posição da sociedade, em conformidade com a dimensão e complexidade da sua atividade. Ora, analisado o relatório de gestão apresentado, fácil é de verificar que não existiu qualquer análise da evolução dos negócios, dos resultados e da posição da sociedade. Na verdade, do teor do Relatório de Gestão apenas se vislumbram quadros, muitos deles que resultam diretamente do Balanço e da Demonstração de Resultados. Sendo que deveria o Conselho de Administração ter efetuado outras divulgações relevantes para melhor compreensão da posição financeira e dos resultados. Decorre ainda do número 4 do referido artigo que na apresentação da análise da evolução do negócio, o relatório da gestão deve incluir uma referência aos montantes inscritos nas contas do exercício e explicações adicionais relativas a esses montantes. O que também não aconteceu. Decorre ainda do artigo 66 n° 5 alínea h) do CSC que o Relatório de Gestão deve conter os objetivos e as políticas da sociedade em matéria de gestão dos riscos financeiros. Do Relatório de Gestão, apenas consta que a entidade não está exposta a riscos financeiros que possam provocar efeitos materialmente relevante. Não tendo sido feita qualquer descrição sobre os riscos que existem, ainda que possam não provocar efeitos materialmente relevantes. Mais se diga que se verifica a falta da informação comparativa, ou seja, os movimentos ocorridos em 2021, ao longo de todo o anexo para o período findo em 31 de dezembro de 2022. O que constitui uma violação do ponto 2.7.1 das Bases para a Apresentação de Demonstrações Financeiras, aprovado pelo DL98/2015 de 2 de junho. Por último, muito se espanta o facto ter sida emitida Certificação Legal de Contas, tendo em conta que o Relatório de Gestão e demais documentos não se encontram assinados, bem como ser o do Conselho Fiscal emitir um parecer no qual refere que o relatório de gestão ter sido preparado de acordo com os requisitos legais e regulamentares aplicáveis em vigor. Em face do exposto, existindo diversas violações ao artigo 66° do Código das Sociedades Comerciais, alternativa não resta à sócia AA que não seja o voto contra este ponto da Ordem de Trabalhos.”.

64. Iniciada a votação do Ponto Dois da Ordem de Trabalhos, “Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados de 2022”, foi a proposta aprovada por maioria, tendo a Autora votado contra pelas razões expostas no ponto um da Ordem de Trabalhos.

65. Por último, iniciada a votação do Ponto Três da Ordem de Trabalhos, “Proceder à Apreciação Geral da Administração e Fiscalização da Sociedade”, de harmonia com o disposto na alínea c) do nº 1 do art. 376º e no nº 1 do art. 455º, ambos do Código das Sociedades Comerciais”, foi pela Acionista CC pedida a palavra e no uso da mesma disse que propunha um voto de louvor à administração e fiscalização da sociedade.

66. Pela Autora foi referido que: “Entende que deve ser lavrado na ata um juízo de reprovação e de censura à administração desenvolvida, pois diante dos fundamentos expressos relativamente à votação do primeiro ponto da ordem de trabalhos, é manifesto que os administradores da empresa não foram zelosos na gestão dos interesses da mesma nem na representação e defesa dos interesses de todos os seus acionistas, como se lhes impunha nos termos do disposto no artigo 64° do C.S.C. Deverá ainda ser lavrado em ata um juízo de reprovação e censura à fiscalização da sociedade por ostensiva violação dos seus deveres, nomeadamente os decorrentes dos artigos 420° e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.”

67. Tendo sido a proposta colocada à votação, foi a proposta aprovada por maioria.

68. A autora intentou neste Juízo de Comércio as seguintes ações contra a sociedade mãe D... SGPS:

- Processo nº ..., Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 2, ação de anulação de deliberação de aprovação de relatório e contas, a qual ainda se encontra pendente;

- Processo nº ..., Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 3, ação de anulação de deliberação de aprovação de relatório e contas, a qual ainda se encontra pendente;

- Processo n.º ..., Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 5, inquérito judicial intentado pela aqui Autora contra a sociedade aqui Ré, bem como contra os seus Administradores, CC e DD, cujo pedido era a condenação destes a prestar a informação à aqui Autora a que alude o artigo 288º do C.S.C., respeitante aos exercícios de 2016, 2017 e 2018. Fora proferida sentença pelo Tribunal de primeira instância, que julgou o pedido de inquérito judicial improcedente quanto aos exercícios de 2016 e 2017. Porém, esse inquérito culminou com a condenação dos Réus, pelo Supremo Tribunal de Justiça, a prestar à Autora a aludida informação.

- processo nº ..., Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 5, no qual foi proferida Sentença no passado dia 17 de junho de 2024, ainda não transitada em julgado, a qual declarou julgar totalmente procedente, por provada a ação e em consequência considerou nulas as deliberações sociais da assembleia geral n.º 40 da D..., e na qual foram deliberadas a aprovação do relatório e contas do ano de 2020, a proposta de aplicação de resultados, bem como a apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade. Mais julgou improcedente o pedido de condenação como litigante de má fé da Autora.

- processo nº ..., Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 4, inquérito judicial movido pela Autora contra a Sociedade D..., após a instauração do referido processo a Sociedade D... disponibilizou-se a entregar a documentação que foi requerida pela Autora, tento sido alcançado acordo naquele processo entre as partes.

69. Corre termos o processo n.º ..., Juízo Local Criminal de Santo Tirso –Juiz 1, processo crime intentado pela aqui Autora contra os Administradores da sociedade aqui Ré, CC e DD, o qual teve por base a falta de informação que originou a interposição do inquérito judicial n.º .... Processo esse no qual aqueles Administradores foram ambos condenados (por sentença, ainda não transitada em julgado e da qual já fora interposto recurso) pela prática de um crime de recusa ilícita de informação p.p. pelo artigo 518º, nº 2, do CSC na pena de 40 (quarenta) dias de multa, e ainda no pagamento de uma indemnização cível à aqui Autora no montante de € 2.000,00 a título de danos não patrimoniais e € 9.100,00 de danos patrimoniais.

70. Corre termos no Cartório Notarial da Dra. KK, um processo de inventário por óbito da esposa do Sr. BB, Sra. LL, processo com o nº .... Processo esse no qual o Sr. BB foi até à data do seu óbito Cabeça de Casal da Herança. No decorrer desse processo, a Autora a 30 de dezembro de 2020 requereu a remoção do cabeça de casal, Sr. BB. E, pelo Sr. BB foi apresentada Contestação ao incidente de remoção de cabeça de casal, bem como juntou um Relatório Médico para prova da sua total capacidade para exercer o cargo de cabeça de casal. Nesse seguimento, o Sr. BB continuou como Cabeça de Casal da Herança, até à data do seu óbito. Tendo, inclusivamente apresentado vários requerimentos no referido processo, designadamente nos anos de 2021, 2022 e 2023, requerimentos juntos aos autos em audiência de 28.06.2024 (cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido).

71. BB já não exercia de facto as funções de administrador da ré nos anos de 2022 e 2023, sendo que os filhos, acionistas e também administradores quiseram manter o seu nome pela honra e respeito que merecia.

72. Os filhos, acionistas e administradores da ré, não tiveram a coragem de solicitar ao pai a assinatura das contas do exercício de 2022, por entenderem ser um sacrifício demasiado grande para a sua condição física, atenta a extensão de documentos, dado que o mesmo padecia da doença de Parkinson.

73. Os filhos (também administradores da ré) negavam-se a destituir o pai da Presidência da Administração em homenagem e honra ao que realizou.

E foram julgados não provados os seguintes factos:

- As contas dos anos anteriores da sociedade ré já não se encontravam assinadas pelo Presidente do Conselho de Administração, não tendo a autora alegado aquela omissão como vício.

- O que pretende a autora com a presente ação de anulação de deliberação social não é a retidão das contas, pois bem sabe que os documentos aprovados retratam fielmente a situação das sociedades;

- Com esta ação, a autora pretende antes desestabilizar, “cansar” os administradores e perturbar a gestão da sociedade ré e das restantes sociedades do Grupo, prejudicando conscientemente a imagem da sociedade ré.

- A autora participa nas assembleias gerais de aprovação de relatório e contas apenas com o objetivo de “encontrar”, “provocar” um fundamento para a impugnação e não com um propósito construtivo relacionado com o interesse da sociedade.

- O voto da autora naquela assembleia seria sempre contra, qualquer que fosse a explicação, complemento, informação dados em assembleia, pois, o objetivo último era apenas o mesmo – instaurar a presente ação de anulação de deliberação social.

- À data da apresentação do relatório de gestão e contas e assembleia de aprovação de contas, o administrador BB encontrava-se internado e totalmente impossibilitado de assinar (ainda que a rogo) e compreender as contas e relatório, o que era do perfeito conhecimento da autora.

IV-APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:

A sentença recorrida julgou a presente ação procedente e, consequentemente, declarou a anulabilidade das deliberações sociais tomada em Assembleia Geral da sociedade ré a 31.05.2023 referente aos pontos 1, 2 e 3 da Ordem de Trabalhos (concretamente, deliberações de aprovação de Relatório e Contas do exercício de 2022, subsequente deliberação de aplicação de resultados e apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade).

A Apelante discorda desta decisão, por entender que as deliberações não padecem de vicio suscetível de afetar a sua validade.

Vejamos.

As deliberações dos sócios podem enfermar de nulidade ou anulabilidade, sendo a regra a da anulabilidade, que ocorre sempre que a lei não determina a nulidade, tal como dispõe o art.58º, nº 1, a), do CSC.

Tal invalidade tem necessariamente por pressuposto um vício de procedimento (ocorrido no procedimento deliberativo) ou um vício de conteúdo (do próprio teor da deliberação), redundando tais invalidades em sanções de nulidade ou de anulabilidade[1].

Como refere Coutinho de Abreu[2] “Tomando como referência a natureza das normas violadas, poderemos dizer que a violação de uma normal legal imperativa gerará nulidade – quando o vício ocorra no conteúdo da deliberação – ou anulabilidade – caso o vício ocorra no procedimento dela (ressalvados os casos excecionais, do art.º 56.º, n.º1, als. a) e b)).

Já a violação de uma norma legal dispositiva ou de uma disposição estatutária não poderá implicar senão anulabilidade, quer essa violação ocorra no procedimento da deliberação, que ocorra no seu conteúdo.”

A deliberação anulável necessita de ser declarada como tal por sentença judicial, a qual tem efeitos constitutivos.

As causas de nulidade das deliberações sociais são as enumeradas no art. 56º, nº 1, do CSC, o qual preceitua:

“1 - São nulas as deliberações dos sócios:

a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados;

b) Tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito de voto tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu voto;

c) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios;

d) Cujo conteúdo, diretamente ou por atos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.”

A propósito da anulabilidade de deliberações sociais, preceitua o art. 58.º do CSC:

“1 - São anuláveis as deliberações que:

a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade;

b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos;

c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.

2 - Quando as estipulações contratuais se limitarem a reproduzir preceitos legais, são estes considerados diretamente violados, para os efeitos deste artigo e do artigo 56.º

3 - Os sócios que tenham formado maioria em deliberação abrangida pela alínea b) do n.º 1 respondem solidariamente para com a sociedade ou para com os outros sócios pelos prejuízos causados.

4 - Consideram-se, para efeitos deste artigo, elementos mínimos de informação:

a) As menções exigidas pelo artigo 377.º, n.º 8;

b) A colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.”

Como esclarecedoramente afirma Pedro Maia[3], citado na sentença, “Por regra, os vícios no conteúdo geram anulabilidade quando se trate da violação de uma regra do contrato ou de uma norma legal dispositiva; enquanto a consequência é a nulidade para os casos em que é afetada uma norma legal imperativa (ou a ordem pública ou bons costumes)”.

Analisemos agora as concretas razões de discordância da Apelante, da sentença recorrida.

O primeiro fundamento indicado na sentença, para sustentar a invalidade das deliberações sociais foi a falta de assinatura do relatório de gestão e contas por parte do então Presidente do Conselho de Administração, bem como a ausência de menção no relatório de gestão de fundamentação/justificação para essa omissão de assinatura.

Na sentença, foi assim apreciada e decidida tal questão: “No caso sub judice, constatamos que o Relatório de Gestão e contas não foram assinados pelo Presidente do Conselho de Administração, Sr. BB. Do relatório e demais documentos não consta que tenha ocorrido recusa de assinatura, nem consta qualquer justificação para essa omissão de assinatura.

BB era à data da elaboração do relatório de gestão Presidente do Conselho de Administração, pois que o relatório data de 6 de março de 2023. Veio, entretanto, a renunciar à administração a 24.03.2023, sendo a renúncia registada a 09.05.2023.

Ora, a assinatura do relatório e contas, prevista no n.º 3 do artigo 65.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), visa comprovar o assentimento e vinculação de cada um dos administradores ao respetivo conteúdo, tendo em vista a tutela de interesses da sociedade e de terceiros, no que respeita à possível responsabilidade dos administradores pela gestão da sociedade.

Não está apenas em causa o interesse dos sócios, mas também o interesse público de terceiros, de todos aqueles que contactem com a sociedade, todos os stakeholders. Daí que não se nos afigura que se possa considerar sanado este vício de falta de assinatura do Presidente do Conselho de Administração, bem como omissão de qualquer justificação para essa falta.

Note-se que constitui o principal dever de um administrador de uma sociedade, administrar a sociedade, gerir e comandar a sua atividade. Se o Presidente do Conselho de Administração já não se encontrava a gerir de facto a sociedade e já não se encontrava em condições de administrar a sociedade e assinar as contas, deveriam os demais membros do Conselho de Administração ter tomado as devidas diligências para cooptar outro membro para Conselho de Administração, nos termos do art. 393.º, n.º 3, b), CSC.

É relevante para aqueles que se relacionam com a sociedade, saber que todos os administradores se vincularam ao relatório de gestão, ou não o tendo feito, saber as razões pelas quais tal não sucedeu, sendo muito relevante para aqueles que se relacionam com a sociedade saber se o Presidente do Conselho de Administração administra ou não de facto a empresa e saber que o Presidente do CA não se encontra em condições de administrar a sociedade e de assinar as contas (conforme alegara a ré).”

Conclui a sentença, acolhendo a jurisprudência decorrente do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/04/2007, que cita,[4] que “A falta de assinaturas nas contas de exercício é sancionada com a anulabilidade da deliberação social (artigos 65.º/3 e 69.º/1 do Código das Sociedades Comerciais) não se devendo considerar sanado o vício pelo facto de todos os elementos da administração terem participado na assembleia em que foi tomada a deliberação nem pelo facto de ser pouco grave a omissão.”

Dessa forma, por entender não se tratar de uma mera irregularidade, mas do vício de anulabilidade, conforme decorre dos art. 65.º, n.º 3, CSC e 69.º, n.º 1, CSC. O art.º 58.º, n.º 1, al. a) do CSC sanciona com a anulabilidade as deliberações que violem disposições legais quando no caso não caiba a nulidade, estabelecida pelo art.º 56.º do mesmo Código, concluiu a sentença que, “esta deliberação, ao aceitar um Relatório e Contas que não respeitou as disposições legais respetivas, incorreu na mesma ilegalidade, pelo que a deliberação é anulável.”

Discorda a Apelante, dizendo que não ocorreu qualquer irregularidade, porquanto, dos preceitos legais aplicáveis resulta que as contas devem ser “assinados pelos gerentes ou administradores que estiverem em funções ao tempo da apresentação”.

Ora, “o momento da apresentação das contas” só poderá ser o momento em que as contas são apresentadas na Assembleia Geral Anual com vista à sua aprovação e não a data da sua elaboração, nem a data da sua entrega aos acionistas no cumprimento do seu direito de informação previsto no artigo 289º do CSC.

Resulta da documentação junta aos autos e da matéria dada como provada que as contas foram elaboradas em 06 de março de 2023, entregues à autora – acionista - em 24 de maio de 2023 para consulta e que a Assembleia Geral que as aprovou ocorreu em 31 de maio de 2023.

Quando as contas são entregues à autora acionista para serem examinadas e quando é realizada a Assembleia Geral de Aprovação de Contas já o Presidente do Conselho de Administração havia renunciado ao cargo através carta datada 24 de março de 2023 (Cfr. Doc.6 junto com a petição inicial) e a renúncia registada com efeitos a partir de 30 de abril de 2023.

Alega que esta parece ser a conclusão que resulta do disposto no artigo 65º e 67º nº1 do CSC., donde se conclui que não estava obrigado a assinar o relatório de gestão e contas.

Vejamos então se no caso em apreço não havia obrigação do Presidente do Conselho de Administração assinar o relatório de contas, uma vez que aquele havia já renunciado ao cargo no momento em que as contras foram apresentadas á assembleia Geral de Sócios para aprovação.

O Código das Sociedades Comerciais, na parte geral, relativamente a todas as sociedades comerciais, estabelece o seguinte direito: “todo o sócio tem direito de obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato” (artigo 21º nº 1 al c) do CSC).

Este direito potestativo dos sócios é um dos princípios básicos em que assenta o Código das Sociedades Comerciais.

A sua consagração surge desde logo numa norma inserta na parte geral – como direito, status[5] do sócio.

A regulamentação deste direito é depois feita, especificadamente, considerando os vários tipos de sociedade (nas sociedades por quotas e sociedades em nome coletivo regem os arts. 181º a 214º do CSC), nas sociedades anónimas, os arts. 288º a 293º).

Este direito á informação exerce-se contra a sociedade.[6] O sujeito da obrigação correspondente ao direito do sócio é a sociedade, que presta a informação através do órgão habilitado para tal, que é, normalmente, o órgão de gestão da sociedade (gerência, administração, direção).

Nas palavras de Carlos Maria Pinheiro Torres, [7]o direito à informação, como direito do sócio, desdobra-se, na perspetiva do Código das Sociedades Comerciais, em quatro direções diferentes, podendo nele considerar-se compreendidos: um direito a obter informações, um direito de consulta dos livros e documentos da sociedade, um direito de inspeção de bens sociais e, embora noutro plano, um direito de requerer inquérito judicial”.

O direito à informação tem como objetivo permitir que o sócio conheça e acompanhe a vida da sociedade, designadamente o património, a atividade e os resultados da mesma e o concreto funcionamento da respetiva administração ou gerência.

Permite-lhe tomar conhecimento como é que a sua entrada (sócio enquanto prestador de capital ou de bens) se encontra a ser gerida e os resultados dessa gestão.

Permite-lhe ainda como membro de uma organização, que por força do contrato de sociedade exerce em comum uma atividade, tomar conhecimento de todos os factos necessários para a sua participação na vida societária.

Permite-lhe melhor ficar habilitado para, aquando da sua participação nas assembleias gerais, tomar decisões mais informadas sobre os variados assuntos relacionados com a sociedade (por exemplo, quanto à sua permanência na sociedade, quanto à alteração dos seus estatutos, quanto à escolha da governação, quanto à distribuição dos resultados ou quanto ao sentido do seu voto numa determinada deliberação).

Compreende-se tal direito de obter informações, pois só com a sua concretização, pode o sócio ter conhecimento da situação económica e financeira da empresa e da plena realização dos objetivos societários, votar conscientemente nas assembleias gerais e propor as medidas que entenda convenientes para o bom desempenho da empresa.

Daí que se considere que este direito é um direito instrumental para o exercício de outros direitos, para garantia do exercício de tais direitos.

O direito à informação é na verdade, como ensina o Prof. Luís Brito Correia, “um direito instrumental relativamente a outros direitos (direito aos lucros, de voto, de impugnação de deliberações sociais, de ação de responsabilidade contra os administradores, etc.).”[8]

A norma do artigo 65º do CSC é reveladora de que o legislador pretendeu através de uma série de exigências proteger e garantir o direito de informação dos, neste caso, acionistas.

No que respeita as sociedades anónimas, o artigo 288.º

do C.SC estabelece mesmo um “direito mínimo à informação”, estabelecendo, no que a esta decisão importa, no seu nº 1 al a) que:

 “Qualquer acionista que possua ações correspondentes a, pelo menos, 1% do capital social pode consultar, desde que alegue motivo justificado, na sede da sociedade:

a) Os relatórios de gestão e os documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos aos três últimos exercícios, incluindo os pareceres do conselho fiscal, da comissão de auditoria, do conselho geral e de supervisão ou da comissão para as matérias financeiras, bem como os relatórios do revisor oficial de contas sujeitos a publicidade, nos termos da lei; (…)”

Como se pode ler no Acórdão desta Relação do Porto de 10 de novembro de 2022[9], a respeito da apreciação de uma situação semelhante- de falta de assinatura do relatório de gestão, “Essa matéria está regulada, além do mais, no art. 65º do CSC em termos que revelam, de forma evidente, que o legislador pretendeu através de uma série de exigências proteger e garantir o direito de informação dos, neste caso, acionistas.

Por isso é que o artigo 65.º, do CSC impõe à administração da sociedade o dever de relatar a gestão e apresentar contas. Essa informação, obtida através desses elementos pretende ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita usando a formulação análoga do art. 7º do CMVM.[10]

Por isso é que o artigo 65.º, do CSC impõe à administração da sociedade o dever de relatar a gestão e apresentar contas.

Preceitua o art. 65.ºdo CSC:

“1 - Os membros da administração devem elaborar e submeter aos órgãos competentes da sociedade o relatório de gestão, incluindo a demonstração não financeira ou o relatório separado com essa informação, ambos referidos nos artigos 66.º-B e 508.º-G, quando aplicáveis, as contas do exercício, bem como os demais documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos a cada exercício anual.

2 - A elaboração do relatório de gestão, incluindo a demonstração não financeira ou do relatório separado, quando aplicáveis, e das contas de exercício, bem como dos demais documentos de prestação de contas deve obedecer ao disposto na lei; o contrato de sociedade pode complementar, mas não derrogar, essas disposições legais.

3 - O relatório de gestão, o relatório separado com a informação não financeira, quando aplicável, e as contas do exercício devem ser assinados por todos os membros da administração; a recusa de assinatura por qualquer deles deve ser justificada no documento a que respeita e explicada pelo próprio perante o órgão competente para a aprovação, ainda que já tenha cessado as suas funções.

4 - O relatório de gestão, o relatório separado com a informação não financeira, quando aplicável, e as contas do exercício são elaborados e assinados pelos gerentes ou administradores que estiverem em funções ao tempo da apresentação, mas os antigos membros da administração devem prestar todas as informações que para esse efeito lhes forem solicitadas, relativamente ao período em que exerceram aquelas funções.

5 - O relatório de gestão, o relatório separado com a informação não financeira, quando aplicável, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas devem ser apresentados ao órgão competente e por este apreciados, salvo casos particulares previstos na lei, no prazo de três meses a contar da data do encerramento de cada exercício anual, ou no prazo de cinco meses a contar da mesma data quando se trate de sociedades que devam apresentar contas consolidadas ou que apliquem o método da equivalência patrimonial.

Desta forma, o art. 65º, do CSC impõe um específico regime relativo à assinatura do relatório de contas e relatório de gestão exigindo no seu nº 3 que: “O relatório de gestão, o relatório separado com a informação não financeira, quando aplicável, e as contas do exercício devem ser assinados por todos os membros da administração; a recusa de assinatura por qualquer deles deve ser justificada no documento a que respeita e explicada pelo próprio perante o órgão competente para a aprovação, ainda que já tenha cessado as suas funções”.

O nosso ordenamento impõe, por isso, que o administrador tenha de tomar uma posição ativa sem que possa simplesmente recusar-se a assinar as contas porque está “obrigado a fazê-lo de forma expressa e fundamentada” [11]

A assinatura do relatório e contas, prevista no n.º 3 do artigo 65.º do CSC, visa comprovar o assentimento e vinculação de cada um dos administradores ao respetivo conteúdo, tendo em vista a tutela de interesses da sociedade e de terceiros, no que respeita à possível responsabilidade dos administradores pela gestão da sociedade.

Desta forma, a exigência da assinatura ou a recusa de assinatura por qualquer deles que deve ser justificada no documento só é compreensível no momento em que o documento é elaborado, quando se completou.

A elaboração e assinatura do relatório de gestão, é um dever dos membros do órgão de administração, em exercício.

Segundo Miguel Pupo Coreia, [12] “no termo de cada exercício, o membro ou os membros do órgão de administração – trata-se de um dever que lhes é pessoalmente imputado – “devem elaborar e submeter (…) o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas previstos na lei.” Tais documentos serão elaborados nos termos que a lei determinar, que podem ser completados mas não derrogados, pelo contrato social, e serão assinados pelos membros do órgão de administração em exercício (art. 65.º, n.ºs 1 a 4)”.

Ora no caso em apreço, parece incontornável, que a falta de assinatura do Presidente do Conselho de Administração que ainda se encontrava em exercício relatório é elaborado, constitui uma irregularidade, uma vez que se lhe impunha, nessa qualidade, tomar uma posição ativa – assiná-lo, dando o seu acordo, ou recusar-se a assinar expressando o fundamento da recusa.

Daí que, reconhecendo a Apelante, como reconhece, que a assinatura do relatório e contas, prevista no n.º 3 do artigo 65.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), visa comprovar o assentimento e vinculação de cada um dos administradores ao respetivo conteúdo, tendo em vista a tutela de interesses da sociedade e de terceiros, no que respeita à possível responsabilidade dos administradores pela gestão da sociedade, não pode deixar de concordar que a falta deste assentimento e vinculação conduz a uma grave irregularidade, que a lei sanciona com a anulabilidade.

Parece-nos irrelevante para esse efeito o facto de ter ocorrido renúncia ao cargo do presidente do Conselho de Administração, uma vez que tal renúncia ocorreu em momento posterior à elaboração do Relatório Gestão, traduzindo-se numa falta de assinatura sem apresentação de fundamentação da recusa em assinar.

Também não colhe a argumentação da Apelante de que o fundamento da violação dos deveres previstos no artigo 393º nº3 alínea b) do CSC por parte do Conselho de Administração é uma verdadeira questão nova, um vício novo nunca alegado pela autora nos seus articulados, embora abordado em sede de alegações orais, pois a ré não teve oportunidade de se defender deste vício, porque nunca foi alegado, tendo sido introduzido nas alegações finais pela autora, mas sem direito de contraditório para parte da ré.

Afirma que só a falta definitiva, ou seja, a extinção ou caducidade da relação administrativa (independentemente da sua causa) dos administradores é que obriga a que seja acionado o mecanismo previsto no nº3 do artigo 393º do CSC. E que da matéria dada como provada não resulta a falta definitiva do Presidente do Conselho de Administração, mas sim uma falta temporária devido a doença e esta não obriga substituição prevista no nº3 do artigo 393º do CSC ao contrário do referido na Douta Sentença.

Vejamos.

A assinatura do relatório e contas, prevista no n.º 3 do artigo 65.º do CSC, visa comprovar o assentimento e vinculação de cada um dos administradores ao respetivo conteúdo, tendo em vista a tutela de interesses da sociedade e de terceiros, no que respeita à possível responsabilidade dos administradores pela gestão da sociedade.

Por isso essa assinatura (ou a sua omissão) é um ato pessoal do administrador que implica desde logo a violação dos seus deveres funcionais.

É que, tal como resulta claramente da sentença, o fundamento da anulação da deliberação em causa foi a irregularidade que consistiu na falta de assinatura do relatório de contas pelo presidente do conselho de administração e ausência de justificação no relatório da falta de assinatura– ou seja na inobservância da imposição legal decorrente no art. 65º nº 3 do CSC, independentemente das questão relacionadas com a eventual necessidade de substituição do presidente do Conselho de Administração.

Desta forma improcede o primeiro fundamento recursivo.

Na sentença foram ainda consideradas verificadas outras irregularidades, agora reportadas ao conteúdo do mesmo relatório de gestão, conducentes à sua anulabilidade, com as quais a Apelante não concorda.

Comecemos pela irregularidade que na sentença recorrida foi considerada como “o vício mais grave”, que diz respeito às irregularidades/ omissões graves, atentas as regras contabilísticas aplicadas, no que toca à “dívida de € 516.214,60 aos acionistas”.

O relatório de gestão consiste num documento que sintetiza, de forma descritiva, toda a atividade da sociedade nos seus mais variados aspetos, dinâmicas e setores e que deve estar adaptado à concreta sociedade que o aprovou.

Por sua vez, o artigo 66.º do CSC fixa um conteúdo mínimo a que deve obedecer o relatório de gestão de uma sociedade.

Preceitua o art. 66.º CSC:

“1 - O relatório da gestão deve conter, pelo menos, uma exposição fiel e clara da evolução dos negócios, do desempenho e da posição da sociedade, bem como uma descrição dos principais riscos e incertezas com que a mesma se defronta.

2 - A exposição prevista no número anterior deve consistir numa análise equilibrada e global da evolução dos negócios, dos resultados e da posição da sociedade, em conformidade com a dimensão e complexidade da sua atividade.

3 - Na medida do necessário à compreensão da evolução dos negócios, do desempenho ou da posição da sociedade, a análise prevista no número anterior deve abranger tanto os aspetos financeiros como, quando adequado, referências de desempenho não financeiras relevantes para as atividades específicas da sociedade, incluindo informações sobre questões ambientais e questões relativas aos trabalhadores.

4 - Na apresentação da análise prevista no n.º 2 o relatório da gestão deve, quando adequado, incluir uma referência aos montantes inscritos nas contas do exercício e explicações adicionais relativas a esses montantes.

5 - O relatório deve indicar, em especial:

a) A evolução da gestão nos diferentes sectores em que a sociedade exerceu atividade, designadamente no que respeita a condições do mercado, investimentos, custos, proveitos e atividades de investigação e desenvolvimento;

b) Os factos relevantes ocorridos após o termo do exercício;

c) A evolução previsível da sociedade;

d) O número e o valor nominal ou, na falta de valor nominal, o valor contabilístico das quotas ou ações próprias adquiridas ou alienadas durante o período, a fração do capital subscrito que representam, os motivos desses atos e o respetivo preço, bem como o número e valor nominal ou contabilístico de todas as quotas e ações próprias detidas no fim do período;

e) As autorizações concedidas a negócios entre a sociedade e os seus administradores, nos termos do artigo 397.º;

f) Uma proposta de aplicação de resultados devidamente fundamentada.

g) A existência de sucursais da sociedade.

h) Os objetivos e as políticas da sociedade em matéria de gestão dos riscos financeiros, incluindo as políticas de cobertura de cada uma das principais categorias de transações previstas para as quais seja utilizada a contabilização de cobertura, e a exposição por parte da sociedade aos riscos de preço, de crédito, de liquidez e de fluxos de caixa, quando materialmente relevantes para a avaliação dos elementos do ativo e do passivo, da posição financeira e dos resultados, em relação com a utilização dos instrumentos financeiros.

6 - Ficam dispensadas da obrigação de elaborar o relatório de gestão as microentidades, tal como definidas no n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, alterado pela Lei n.º 20/2010, de 23 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 36-A/2011, de 9 de março, e pelas Leis n.os 66-B/2012, de 31 de dezembro, e 83-C/2013, de 31 de dezembro, desde que procedam à divulgação, quando aplicável, no final do balanço, das informações mencionadas na alínea d) do n.º 5 do presente artigo.”

Desde logo alega a Apelante que só podem ser anuláveis as deliberações que se traduzam na aprovação de documentos com vicissitudes relevantes, tendo em conta que as desconformidades graves devem ser objeto de correção.

Ora a ré é uma pequena entidade - artigo 9.º do DL 158/2009 de 13 de julho, sendo uma sociedade que, embora detendo um vasto património imobiliário e um objeto social alargado, a única atividade que exerceu – exercício em questão e noutros – foi o arrendamento dos imóveis que detém, a compra de um terreno, e manutenção e imóveis.

O artigo 66ºnº 2 do CSC estabelece uma certa flexibilidade ao dizer que “esta informação deve ser prestada em conformidade com a dimensão e complexidade da sua atividade.”

E que, o movimento contabilístico relacionado a dívida em nada altera o resultado do Balanço, a lucratividade da empresa, nem a seu passivo: a dívida que constava num quadro no ano anterior passou para um quadro abaixo, após uma compensação de créditos (veja-se página 11 da nota 20 do Anexo), concluindo que, caso existisse uma nota explicativa deste movimento não ocorreria qualquer irregularidade.

Vemos assim que, relativamente à desconformidade relacionada com a dívida de € 516.214,60 aos acionistas, a Apelante minimiza a sua relevância, dizendo que, a irregularidade consistiu no facto da sua explicação da sua origem não contar do Anexo nem do Relatório de Gestão.

Não podemos concordar com este entendimento, subscrevendo antes a fundamentação da sentença a respeito deste vício.

Atenta a importância do conteúdo do relatório de gestão já realçado, que visa responder a uma multiplicidade de interesses privados, nomeadamente no âmbito do direito de informação, mas também de interesses públicos, não podemos, com efeito, concordar com a posição da apelante relativamente a esta dívida, que, tal como se assinala na sentença é de um valor superior a metade do passivo da sociedade; era inexistente no ano anterior de 2021e que é apresentada aos acionistas no ano de 2022, sem que no relatório de gestão seja mencionado qualquer negócio ou operação subjacente à mesma, informando-se a autora, que pediu esclarecimentos na Assembleia Geral quanto á sua origem, informando-a se era “respeitante à acionista D... e que em termos de fluxos de caixa não há nenhuma entrada de dinheiro, pois apenas se trata de uma reclassificação contabilística” (facto supra 24), quando se apurou em julgamento que o valor de € 516.214,60 euros resulta do registo contabilístico de uma cessão de créditos entre empresas relacionadas no valor de € 686.861,86 (cessão de créditos entre a sociedade E... e sociedade D...), bem como de uma compensação de créditos entre a ré e a D... (no valor de € 170.647,26), ocorridas em 2022.(facto supra 25).

Desta forma merece a nossa total concordância o explanado na sentença a este respeito ao qual aderimos.

Realçando a sentença que não está em causa nos autos a violação do direito à informação de sócio por parte da ré, mas sim vícios das próprias contas e omissões do relatório de gestão que acabaram por não ser colmatados com as respostas que foram dadas em Assembleia, conclui-se aí que: “Ora, analisado o relatório de gestão e contas da ré referentes ao exercício de 2022, e ainda os esclarecimentos solicitados pela acionista autora na assembleia geral e respostas ali dadas, tendo ainda em conta os factos apurados em sede de audiência de julgamento, consideramos que as contas padecem de vícios, irregularidades/ omissões graves, atentas as regras contabilísticas aplicadas, sobretudo no que toca à “dívida de € 516.214,60 aos acionistas”.

No ponto 20 do “Anexo para o período findo de 2022” consta a dívida de € 516.214,60 aos acionistas no ano de 2022, a qual era inexistente no ano de 2021. No relatório de gestão não é mencionado qualquer negócio ou operação subjacente a esta dívida a acionistas. Esta dívida assume especial relevo, dado que é superior a metade do passivo. Veja-se que o passivo referente ao exercício de 2022 ascende a € 948.089,20 (cfr. Balanço da ré).

Na assembleia de aprovação das contas, a autora questionou a administração sobre esta dívida aos acionistas, questionando onde está a entrada de dinheiro na demonstração de fluxos de caixa tendo em conta que existe uma dívida de 516.214,60€ aos acionistas. Questionou ainda a que acionistas diz respeito tal dívida. Porém, a administração da ré não prestou os devidos esclarecimentos à autora, tendo apenas respondido o Dr. II (representante da Sociedade Revisora Oficial de Contas) que a dívida é unicamente respeitante à acionista D... e que em termos de fluxos de caixa não há nenhuma entrada de dinheiro, pois apenas se trata de uma reclassificação contabilística. Nada mais foi referido, não esclarecendo qual a concreta operação que subjaz a este registo contabilístico.

Ora, caso se tratasse apenas de uma reclassificação contabilista operada no ano de 2022, isto significaria que em 2021 tal divida já existia. Logo, ao abrigo do Sistema de Normalização Contabilística, deveria ter sido efetuada a correção e divulgação em conformidade. No entanto, decorre da Nota 20 do Anexo para o Período Findo em 31 de dezembro de 2022, é que em 2021 não existia nenhuma dívida aos acionistas.

Ademais, na sessão de julgamento de 28.06.2024, fora exibido pelo Presidente do Conselho Fiscal da sociedade Ré e junto aos autos notas de lançamento e extrato de conta (cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido), documentos contabilísticos referentes ao registo da dívida aos acionistas no montante de € 516.214,60 no exercício de 2022.

Ora, destes documentos contabilísticos (e conjugado com a prova produzida) retira-se que a dívida da ré à sociedade E... na conta 27, no montante de € 686.861,86 deixou de existir pela “reclassificação” do saldo da conta, que passou para a conta 26 (dívida a acionistas/ empresa-mãe D...) com o valor de € 516.214,60. Porém, isto não se trata de qualquer reclassificação, antes se veio a apurar que por trás desta denominada “reclassificação” está um contrato de cessão de créditos celebrado em data posterior ao próprio documento de lançamento da operação. A diferença entre estes dois valores (€686.861,86 - € 516.214,60), € 170.647,26 está evidenciada em nota manuscrita nesses documentos, porém desses documentos também não se extrai a que se deve essa diferença. Da audição do ROC e Presidente do Conselho Fiscal acabamos por perceber que esse valor diz respeito a uma compensação de créditos entre a ré (que tinha um crédito sobre a empresa-mãe D...) e esta D... e daí que no ponto 31 do Anexo (pag. 23 do Doc. 4 da PI) “Partes Relacionadas” conste no ano de 2021 como outros créditos a receber € 170.647,26 e em 2022 conste € 0,00.

Ora, não há qualquer reclassificação contabilística quando estamos perante um novo negócio, designadamente, uma cessão de créditos ou uma compensação de créditos, sendo que a cessão de créditos como nova operação carece de tratamento contabilístico com divulgações específicas, muda o ativo e passivo. E no caso concreto é uma transação com uma parte relacionada, o que representa um risco acrescido, logo deve ser divulgado e salientado no relatório de gestão.

Ainda que se admitisse tratar de uma reclassificação contabilística, a mesma deveria constar do próprio Anexo, pois os utilizadores das demonstrações financeiras ficam na dúvida a que se refere esta reclassificação contabilística. É necessário constar o motivo da reclassificação contabilística.

Ou seja, mesmo que considerássemos que se trata de uma reclassificação contabilística (o que não é), sempre deveria ter sido feito constar no relatório estes dados referentes a essa reclassificação; e nada disso consta no relatório de gestão ou contas, tão pouco foram prestados os devidos esclarecimentos na assembleia de sócios, subsistindo dúvidas quanto ao contrato de cessão de créditos, data do mesmo e data do registo contabilístico e, ainda, da compensação de créditos que terá acompanhado esta operação.”

Para concluir: “Ora, o Relatório de gestão deve ser a súmula do que se passa na atividade da sociedade. Assim, e face ao elevado valor desta operação entre partes relacionadas, o adequado seria que do relatório constasse a explicitação dessas operações subjacentes, deveria ser feita especial referência e explicitação dos concretos negócios, que estão na base da proveniência desta dívida a acionista, no Relatório de gestão. Face a esta omissão, o Relatório de gestão incumpriu o exigido pelo art. 66.º, n.º 1, 2 e 4, e 5, al. a) e h) CSC, ou seja: o relatório da gestão em análise não contém uma evolução da gestão nos diferentes sectores em que a sociedade exerceu atividade (designadamente não evidenciando estas operações de cessão de créditos e compensação de créditos com partes relacionadas); não contém uma exposição fiel e clara da evolução dos negócios, do desempenho e da posição da sociedade, bem como uma descrição dos principais riscos e incertezas com que a mesma se defronta.”

Podemos ainda acrescentar, em consonância com esta decisão, que, na assembleia geral também não foi prestada pela ré à autora acionista, no que respeita a esta questão, “informações verdadeiras, completas e elucidativas que lhe permitam formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação”, em desrespeito com as obrigações decorrentes do art. 290º do C.SC, que dispõe que:

“1 - Na assembleia geral o acionista pode requerer que lhe sejam prestadas informações verdadeiras, completas e elucidativas que lhe permitam formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação. O dever de informação abrange as relações entre a sociedade e outras sociedades com ela coligadas.

2 - As informações abrangidas pelo número anterior devem ser prestadas pelo órgão da sociedade que para tal esteja habilitado e só podem ser recusadas se a sua prestação puder ocasionar grave prejuízo à sociedade ou a outra sociedade com ela coligada ou violação de segredo imposto por lei.

3 - A recusa injustificada das informações é causa de anulabilidade da deliberação.”

Finalmente quanto aos demais vícios que a sentença julgou verificados, são os seguintes:

-No ponto 22 do Anexo referente a “vendas e prestação de serviços”, atenta a extensão do objeto social da sociedade (que abrange a exploração agrícola e atividade no setor imobiliário) era necessário mencionar no Anexo a natureza destes serviços prestados, dado que da análise das contas e relatório de gestão não existe informação suficiente (poderão ser rendas ou proveito de exploração agrícola). Repare-se, que de acordo com o ponto 2. 6 do Anexo ao SNC, aprovado pelo DL n.º 158/2009, de 13 de Julho, essa descrição da natureza de serviços deveria ali ser mencionada e ficar clara.

-O relatório de gestão também é omisso quanto a uma análise e comentário da própria administração às contas da empresa, pois não temos aqui uma informação qualitativa a explicar a evolução da atividade da sociedade e apreciação evolutiva das diferentes rubricas, o que é obrigatório de acordo com o art. 66.º CSC, que no seu n.º 1 preceitua: “O relatório da gestão deve conter, pelo menos, uma exposição fiel e clara da evolução dos negócios, do desempenho e da posição da sociedade, bem como uma descrição dos principais riscos e incertezas com que a mesma se defronta.”

Defende a Apelante que a ré é uma pequena entidade - artigo 9.º do DL 158/2009 de 13 de julho. Em causa está uma sociedade que, embora detendo um vasto património imobiliário e um objeto social alargado, a única atividade que exerceu – exercício em questão e noutros – foi o arrendamento dos imóveis que detém, a compra de um terreno, e manutenção e imóveis.

O próprio artigo 66ºnº 2 do CSC estabelece até uma certa flexibilidade ao dizer que “esta informação deve ser prestada em conformidade com a dimensão e complexidade da sua atividade.”, pelo que o Relatório de Gestão também não padece do vício apontado na Douta Sentença de falta de “uma informação qualitativa a explicar a evolução da atividade da ré, nem são indicados os concretos riscos e incertezas”, concluindo que não se tratou de uma desconformidade, mas não relevante a ponto de gerar a anulabilidade das deliberações sociais.

Também quanto aos demais vícios, seriam de fácil correção, sem alteração dos resultados.

Conforme se escreveu na sentença, com o que não podemos deixar de concordar, em face do que já foi dito que, “Conforme acima já salientámos, além do relatório de gestão e contas não se encontrar assinado pelo então Presidente do Conselho de Administração (não obstante já não o ser à data da aprovação das contas, era-o à data da sua elaboração e à data da apresentação das contas aos acionistas para análise e preparação da assembleia designada para o efeito),violando o art. 65.º, n.º 3, CSC, o relatório de gestão também viola o disposto no art. 66.º, n.º1, 4, 5, al.s a) e h), do CSC, de igual forma as contas não respeitam as normas contabilísticas acima referidas, normas pelas quais se regem, tendo a administração feito constar nas contas aplicação do SNC.

Concluímos, assim, que a deliberação de aprovação dessas contas é anulável, nos termos dos arts. 58º, nº 1, als. a), e 69º, º 1, ambos do CSC.

Uma vez que a deliberação de aplicação de resultados (ponto 2 da Ordem de Trabalhos), bem como a deliberação de apreciação geral da Administração e Fiscalização da Sociedade (ponto 3 da Ordem de Trabalhos) estão dependentes da deliberação de aprovação de contas e da correção das mesmas, os vícios de uma refletem-se necessariamente nas deliberações dependentes. Com efeito, existindo uma conexão incindível entre a deliberação de prestação de contas e as deliberações de aplicação de resultados e de apreciação da Administração e Fiscalização, os vícios que afetam a primeira inquinam a segunda e terceira deliberação; pelo que também estas deliberações são anuláveis.”

Em face do exposto, impõe-se a improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

V-DECISÃO

Pelo exposto e em conclusão acordam as Juízas que compõem este Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Apelante.


Porto, 8 de abril de 2025
Alexandra Pelayo
Anabela Miranda
Maria Eiró
______________
[1] Para mais esclarecimentos, veja-se Coutinho de Abreu in Estudos de Direito das Sociedades, 2010, 10.ª Edição, Almedina, pág. 279 e ss.
[2] Ob. Cit., pág. 282.
[3] In “Deliberações dos Sócios”, in Estudos de Direito das Sociedades, 5ª. ed., p. 186 e ss.
[4] Proferido no Proc. 2034/2006-7, in www.dgsi.pt:
[5] António Menezes Cordeiro, in Código das Sociedades Comerciais anotado, 2ª ed.2011, pg 144.
[6] Ver Raúl Ventura in Sociedade por quotas, vol I, 2ª ed. Pg 282.
[7] In “O Direito à Informação nas Sociedades Comerciais”, 1998, página 121.
[8] In "Direito Comercial", 2º Vol., pág. 317. Também neste sentido, Raúl Ventura loc cit. pg 282 e ainda Carlos Maria Pinheiro in ob cit, pg 101.
[9] Proferido no P 4033/20.2T8VNG.P1, em que é relator o Desembargador Paulo Duarte Teixeira, disponível in www.dgsi.pt.
[10] Cfr. Maria Adelaide Croca, As contas do exercício/perspetiva civilística, R.O.A., Ano 57, Abril de 1997, págs.639.
[11] José Carlos Soares Machado, em A Recusa de Assinatura do Relatório Anual, R.O.A. Ano 54, Dezembro 1994, pág. 935 e ss, citado no acórdão do TRP de 1.11.2022 indicado.
[12] IN Direito Comercial, 2003, pág. 616