Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | NELSON FERNANDES | ||
Descritores: | PROCESSO JUDICIAL GARANTIA DO PROCESSO EQUITATIVO | ||
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Nº do Documento: | RP2021062327481/15.5T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/23/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PROCEDENTE; REVOGADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O processo judicial surge como um imperativo de segurança jurídica, ligado a duas exigências, assim a determinabilidade da lei e a previsibilidade do direito. II - O processo justo e equitativo é também aquele cuja regulação prevê que a sequência de atos que formam o processo esteja pré-determinada ao pormenor pelo legislador, em termos de ser possível assegurar com previsibilidade que as partes são titulares de poderes, deveres, ónus e faculdades processuais e que o processo é destinado a finalizar certo tipo de decisão final. III - A garantia do processo equitativo comporta, também, uma dimensão de segurança e previsibilidade dos comportamentos processuais, tutelando adequadamente a possibilidade de conhecimento das normas com base nas quais são praticados os atos e formalidades processuais, assim como as expectativas em que as partes fazem assentar a sua estratégia processual, sendo assim um processo equitativo também um processo previsível. IV - O processo equitativo, como “justo processo”, supondo que os sujeitos do processo usem os direitos e cumpram os seus deveres processuais com lealdade, em vista da realização da justiça e da obtenção de uma decisão justa, determina também, por correlação ou contraponto, que o juiz que dirige o processo não pratique atos no exercício dos poderes processuais de ordenação que possam criar a aparência confiante de condições legais do exercício de direitos, com a posterior e não esperada projeção de efeitos processualmente desfavoráveis para os interessados que depositaram confiança no rigor e na regularidade legal de tais atos. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 27481/15.5T8PRT.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto Recorrentes: B…, C…, D… e E… Recorrida: F…, S.A. _______ Relator: Nélson Fernandes 1.ª Adjunta: Des. Rita Romeira 2.ª Adjunta: Des. Teresa Sá Lopes Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I - Relatório 1. No decurso da ação, certificado o óbito do Autor C… faleceu, invocando-se o disposto nos artigos 269.º, n.º 1, al. a), e 270.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), no Tribunal a quo foi proferido despacho, em 18 de setembro de 2018, que declarou suspensa a instância, dando-se, por decorrência, sem efeito a audiência final agendada. 2. Posteriormente, com data de 25 de março de 2019, foi proferido despacho com o teor seguinte: “Tendo em consideração que, por negligência das partes, estes autos encontram-se a aguardar impulso há mais de seis meses, considero a presente instância deserta (art.º 281.º n.º 1 do C. P. Civil).” 2.1. Com data de 5 de abril de 2019, B…, D… e E… apresentaram requerimento que terminam do modo seguinte: “(…) Na esteira de tudo quanto vem de referir-se, dando cumprimento ao Princípio do Contraditório ínsito no n.º 3 do art.º 3 do CPC, deveria o julgador ter apreciado se a falta de impulso processual se ficou a dever à negligência das partes – n.º 4 do art.º 281.º do CPC -, o que significa que teria de ter efectuado uma valoração do comportamento das partes, por forma a concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo resultou, efectivamente, da negligência destas, pelo que, num juízo prudencial, deveria o julgador ter ouvido as partes por forma a avaliar se a falta de impulso processual foi imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas, consubstanciando tal omissão uma NULIDADE do sobredito Despacho com a refª: 402477608, o que nos termos e para os efeitos do estabelecido no n.º 1 do art.º 195.º do CPC (ex-vi art.º 1.º do CPT), conforma a prática de um acto que a lei não admite, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, produzindo nulidade na estrita medida em que tal irregularidade cometida inelutavelmente influi no exame ou na decisão da causa, devendo inclusivamente ser considerada “uma decisão surpresa”, a qual os AA. aqui requerentes expressamente invocam. DA PROVA POR INQUIRIÇÃO: Mais requer, caso entenda este Tribunal ser necessário para apuramento da facticidade aventada em III., a notificação para inquirição dos três co-AA., B…, D… e E… e bem assim de G… (este arrolado enquanto testemunha), cujos correspectivos domicílios se encontram todos indicados nos autos.” 2.2. Pronunciou-se a Ré sobre esse requerimento, invocando, designadamente, que sobre a decisão proferida que declarou a deserção da instância teria que ter sido “interposto recurso, única forma que se conhece ser processualmente admissível para assacar da legalidade de uma Decisão judicial”. 2.3. Conclusos os autos, em15 de maio de 2019, foi proferido despacho com o teor seguinte: “Para inquirição das testemunhas identificadas a fls. 1286 designo o próximo dia 4 de junho de 2019, às 10h.” 2.4. Posteriormente, em 4 de junho de 2019, foi proferido novo despacho com o teor seguinte: “Por motivo de greve, ocorrida no passado dia 2 de julho de 2019, de todos os Srs. Funcionários desta U.P., não foi possível realizar a diligência que estava agendada. Assim e para este efeito designo agora o próximo dia 23 de setembro de 2019, às 11h30min.” 2.5. Consta da ata de 23 de setembro de 2019, em diligência já presidida pela atual Exma. Juíza titular do processo, depois de se ter procedido à inquirição das pessoas indicadas (num total de quatro), o seguinte despacho: “Conclua os autos a fim de proferir a decisão.” 2.6. Aberta conclusão nos autos, em 14 de outubro de 2019, foi proferido, com data de 30 de abril de 2020, despacho com o teor seguinte: “Compulsados os autos com vista à prolação de decisão quanto ao incidente de nulidade suscitado nos autos pelos autores a propósito do despacho que julgou extinta a instância por deserção, constata-se que na resposta apresentada a ré veio suscitar a questão de que dessa decisão deveria ter sido interposto recurso e não invocada a sua nulidade, uma vez que os autores revelam não concordar com a solução jurídica perfilhada pelo Tribunal, pondo em causa o sentido dessa mesma decisão. No fundo, a ré coloca em causa o erro na forma do processo adotado pelos autores para reagirem contra o despacho que pôs termo à instância. Na medida em que, efetivamente, a decisão que declara extinta a instância por via da deserção põe fim a processo, a mesma poderá ser considerada como recorrível, nos termos do disposto no artigo 644.º/1, al. a) do Código de Processo Civil. Assim, face aos princípios do dever da gestão processual e da adequação formal, previstos, respetivamente, nos artigos 6.º e 547.º do Código de Processo Civil, e equacionando-se uma possível convolação do requerimento de arguição de nulidade em requerimento de interposição de recurso, antes de mais, e ao abrigo do disposto no artigo 3.º/3 do Código de Processo Civil, notifiquem-se as partes para, querendo e em 10 dias, se pronunciarem.” 2.6.1. No seguimento, apresentaram os Autores pronúncia que culminam do seguinte modo: “(…) Por tudo isto, no modesto entendimento dos AA., não deverá concretizar-se a equacionada convolação do requerimento de 26/03/2019, ao qual foi atribuída a refª: 22013456 oportunamente apresentado nos autos pelos AA., num distinto requerimento de interposição de recurso do despacho de 25/03/2019, com a refª: 40247760 que anteriormente havia considerado a deserção da instância.” 2.6.2. Também a Ré, em requerimento que apresentou, se pronuncia no sentido de que não existe “fundamentação legal bastante para poder convolar o requerimento de nulidade da Decisão que julgou extinta a instância, em requerimento de recurso dessa mesma Decisão”. 3. Conclusos os autos em 30 de junho de 2020, veio o Tribunal a quo a proferir despacho, datado de 30 de novembro de 2020, fazendo constar desse o seguinte: “Em 18/09/2018 foi proferido despacho donde consta, além do mais, o seguinte: “conforme ressalta da certidão de assento de óbito que imediatamente antecede, o aqui A. C… faleceu na pendência desta lide. Face o exposto e ao abrigo do preceituado nos artigos 269.º n.º 1 a) e 270.º n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, declaro a presente instância suspensa”. Em 25/03/2019 foi proferida decisão com o seguinte teor: “tendo em consideração que, por negligência das partes, estes autos encontram-se a aguardar o impulso há mais de seis meses, considero a presente instância deserta (artigo 281.º n.º1 do Código de Processo Civil). Por requerimento sob a Ref. Citius 32087355, os autores, notificados da decisão acabada de transcrever, vieram insurgir-se quanto à mesma, no que respeita ao início relevante para a contagem do prazo de seis meses; à necessidade de proceder à audição prévia das partes antes de proferir despacho sobre a deserção da instância; e à omissão por parte do tribunal de apreciação pelo tribunal da (in)verificação de negligência das partes em promover o andamento dos autos. Terminam arguindo a nulidade do sobredito despacho e arrolando prova, se necessária, para o apuramento da última das questões suscitadas. Quanto a tal requerimento pronunciou-se a ré, chamando a atenção para a circunstância de os autores porem em causa o sentido da decisão, não concordando com a decisão jurídica perfilhada pela mesma, o que deveriam ter feito através da interposição do competente recurso e não através da arguição de nulidades. Foi então proferido despacho, datado de 15/05/2019, em que se designou data para inquirição das testemunhas arroladas pelos autores/requerentes. De referir que todos os despachos até aqui referidos foram proferidos pelo Exmo. Colega que nos antecedeu. Inquiridas, já por nós, as testemunhas arroladas, foi proferido novo despacho (em 30/04/2020), no qual, se fez atuar o princípio do contraditório, colocando-se à consideração das partes a possibilidade convolação do requerimento de arguição de nulidade em requerimento de interposição de recurso. Quanto a tal possibilidade, insurgiram-se ambas as partes. Os autores/requerentes salientado que nunca quiseram interpor qualquer recurso e que não conseguem vislumbrar como é que o tribunal pretenda (e consiga) “convolar” um requerimento “normal” num distinto requerimento de interposição de recurso e, bem assim, obnubilar por completo todos os atos praticados pelo próprio tribunal em sentido oposto (designadamente a inquirição de testemunhas que já teve lugar) e que evidenciam que a questão da deserção não foi ainda objeto de qualquer decisão final e definitiva. Mais alertam, que a assim suceder, o tribunal incorrerá na prática de uma adicional nulidade; a ré/requerida referindo que, embora a lei permita a correção oficiosa de atos ou meios processuais apenas formalmente inadequados, no caso presente tal não poderá suceder, pois que não se está perante uma simples questão de forma, uma vez que um recurso obedece a uma série de requisitos cuja preterição o legislador comina com a sua rejeição e que no presente caso não foram cumpridos. Vejamos. Antes de mais, importa esclarecer que em momento algum o tribunal se pronunciou quanto à questão da adequação processual do meio utilizado pelos autores /requerentes para reagirem em relação à decisão de deserção da instância. Com efeito, após a arguição de nulidades de tal decisão, o tribunal limitou-se a designar data para inquirição das testemunhas arroladas, nada mais decidindo. Ora, e como é sabido, as decisões tácitas não estão previstas na lei e o facto de ter sido aprazada data para inquirição de testemunhas e de estas terem sido ouvidas não significa que o tribunal tenha decidido que o meio processual escolhido pelos requerentes era o correto, antes sim relegou tal decisão para momento posterior. Não se formou aqui qualquer caso julgado formal (artigo 620.º do Código de Processo Civil), pois que tal questão não chegou a ser decidida e, logo, o poder jurisdicional do juiz não se mostra esgotado (artigo 613.º/1 e 3 do Código de Processo Civil). Todavia, quanto a tal questão, e designadamente porque suscitada pela ré, terá de existir pronuncia num ou noutro sentido. Ora, e precisamente por entendermos que a decisão que declara extinta a instância por via da deserção põe fim ao processo e, logo, é recorrível, nos termos do disposto no artigo 644.º/1, al. a) do Código de Processo Civil, procurou o tribunal lançar mão do disposto no n.º3 do artigo 193.º do Código de Processo Civil, o qual preceitua, precisamente, que «o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados». Este preceito visa evitar que, por razões de índole formal, deixe de ser apreciada uma pretensão deduzida em juízo. Como bem notam José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, pág. 377), «autor e réu têm ao seu alcance, ao longo do processo, meios de atuação que a lei processual lhes disponibiliza para veicularem e fazerem vingar as suas pretensões ou oposições, quer no plano do mérito, quer no das questões processuais (articulados, requerimentos, respostas, reclamações, recursos, embargos). O n.º3 cuida do erro da parte no ato de utilização de um desses meios, determinando o aproveitamento daquele que a parte haja inadequadamente qualificado, mas cujo conteúdo – subentende-se – se adeque ao meio que deveria ter sido utilizado; o juiz, oficiosamente, observado o princípio do contraditório, corrige o erro e manda proceder à tramitação própria deste último». Como também refere António Santos Abrantes Geraldes (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 233), «… em tais circunstâncias, em lugar do decretamento puro e simples da nulidade do ato, impõe-se ao juiz o dever de proceder à sua correção oficiosa, determinando que sejam seguidos os termos processuais adequados. O sentido desta previsão é claro: evitar que, por meras razões de índole formal, deixe de ser apreciada uma pretensão deduzida em juízo». Esta foi, pois, a intenção do tribunal. Numa palavra: tentar “salvar” o meio processual adotado pelos autores/requerentes que, em seu (do tribunal) entender não era o adequado para reagir em relação à decisão de por fim à instância por deserção (cfr. artigo 277.º, al. c) do Código de Processo Civil). Após este esclarecimento, voltemos à questão que nos ocupa neste momento. Como já deixámos dito, a ré colocou em causa o erro no meio processual adotado pelos autores/requerentes para reagirem contra o despacho que pôs termo à instância. Esta questão tem precedência, desde logo lógica, em relação a todas as demais suscitadas, designadamente pelos autores. Como já referimos, e sempre salvaguardando outro e melhor entendimento, contra a decisão que julgou extinta a instância os autores deveriam ter reagido mediante a interposição do competente recurso, uma vez que estamos perante uma decisão que põe termo à causa, mostrando-se ademais verificados os demais pressupostos, designadamente os da legitimidade, valor da causa, e sucumbência, para que tal recurso fosse admissível. Acresce que a sua nulidade ou mesmo reforma (artigo 613.º/2 e 3 do Código de Processo Civil) apenas poderiam ser arguidas se não fosse admissível recurso ordinário (artigos 615.º/e 616.º/2 do Código de Processo Civil), o que não é o caso. Como já notámos, o disposto no artigo 193.º/3 visa evitar que por meras razões de índole formal, uma pretensão deduzida em juízo deixe de ser apreciada. Contudo, e como bem salientam os autores já citados, esta possibilidade de convolação tem limites, sendo necessário que não existam obstáculos que o impeçam. Assim sucede, por exemplo, com o esgotamento do prazo que porventura esteja previsto para o ato convolado ou «… quando o ato que for praticado não reúna certos requisitos específicos do ato para o qual seria convolado e sem os quais o mesmo não poderia deixar de ser imediatamente rejeitado, como ocorre com a (falta) de apresentação de conclusões nas alegações de recurso (artigo 641.º/2, al. b) do Código de Processo Civil) (Abrantes Geraldes, ob. cit). Também nas palavras de Lebre de Freitas, «a exigência de adequação do ato ao meio que devia ter sido utilizado impede, por exemplo, o aproveitamento como meio de recurso duma reclamação vagamente fundamentada e sem conclusões (artigo 737.º/2 e 641.º/2, al. b)). No caso em apreço, e sendo a forma correta de os autores atacarem o despacho que julgou deserta a instância o recurso e não a arguição de nulidade, tendo os mesmos lançado não desta última figura, a questão que se impõe decidir é a de saber se a convolação desse mesmo requerimento de arguição de nulidades em alegações de recurso é possível. Dúvidas não existirão de que o requerimento em causa deu entrada nos autos no prazo legalmente previsto para a interposição do recurso. Não existe, pois, o escolho da intempestividade. Contudo, verifica-se que o dito requerimento não apresenta quaisquer conclusões, não formula qualquer pedido de alteração ou anulação da decisão, antes termina arrolando testemunhas. Ora, designadamente no que respeita às conclusões, o artigo 641.º/2, al. b) do Código de Processo Civil é explícito em culminar com o seu indeferimento o recurso que «… não tenha conclusões». Não nos parece, pois, que se possa convolar em interposição de recurso um requerimento que não contenha quaisquer conclusões, pois que tal significaria que estávamos a privilegiar uma parte que lança mão de um meio processual inadequado em relação a outra que, tendo escolhido o meio correto, todavia, não formula a pertinentes conclusões. Parece-nos, como tal, que o requerimento apresentado carece de um requisito de forma essencial para o seu aproveitamento como requerimento de interposição de recurso, o que, em nosso modesto entender e pelas razões supra expostas, impede a sua convolação, ao abrigo do disposto no artigo 193.º/ do Código de Processo Civil. Concluímos, assim, pelo erro no meio processual utilizado com o requerimento sob Ref. Citius 32087355, ao arguir a(s) nulidade(s) do despacho que julgou deserta a instância e, como tal, não se toma conhecimento dessa mesma arguição.” 3.1. Notificados, B…, C…, D… e E… apresentaram requerimento de interposição de recurso, que finalizaram com as seguintes conclusões: ……………………………… ……………………………… ……………………………… 3.2. Contra-alegou a Ré, concluindo do modo seguinte: ……………………………… ……………………………… ……………………………… 3.3. O recurso foi admitido em 1.ª Instância, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo, invocando-se o disposto nos “artigos 79.º-A/2, al. j) e 83.º-A/1 do Código de Processo do Trabalho e 645.º/1, al. a) do Código de Processo Civil”. 4. Nesta Relação, aberta vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, o mesmo deixou exarado parecer no sentido da improcedência do recurso, parecer esse em relação ao qual não ocorreu pronúncia de qualquer das partes. 5. Por se constatar que não havia sido fixado o valor da causa, por determinação do aqui relator os autos baixaram à 1.ª instância para tais efeitos, na qual, por despacho proferido em 18 de maio de 2021, se fixou o aludido valor em € 411.410,90. * Respeitadas as formalidades legais, cumpre decidir:II – Questões a resolver Sendo, como é consabido, pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC – aplicável “ex vi” do artigo 87., n.º 1, do CPT –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questão a decidir nesta sede: (1) imputada nulidade por falta de fundamentação; (2) da atuação do Tribunal e imputada violação dos princípios constitucionais da tutela da confiança, da tutela Jurisdicional efetiva e do acesso à Justiça. * III – FundamentaçãoA) Fundamentação de facto Os factos relevantes para a decisão do recurso resultam do relatório a que se procedeu. * B) DiscussãoNas conclusões que apresentaram, que como se disse delimitam o objeto do recurso, os Recorrentes levantam, em síntese, as seguintes questões: o despacho recorrido incorre em nulidade por falta de fundamentação, nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, por falta de indicação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, incorrendo, concomitantemente, em inconstitucionalidade, em violação dos princípios Constitucionais – artigos 18.º, 20.º, 202.º, n.º 2, 204.º e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP); ainda que assim não suceda, conforma uma decisão surpresa, assente na inobservância do princípio do contraditório – n.º 3 do art.º 3.º, do CPC, com tradução prática, no caso, na violação do princípio da audiência contraditória, previsto no seu artigo 415.º , incorrendo assim em nulidade (artigo 195.º, n.º 1); os princípios da economia e celeridade processuais, implicando a adequação da tramitação processual às especificidades da causa (artigo 547.º do CPC), a proibição da prática de actos processuais inúteis (artigo 130.º do CPC) e a redução da forma dos actos úteis à sua expressão mais simples (artigo 131.º, n.º 1 do CPC), bem assim a simplificação das formalidades dos atos praticados no processo, determinam o prosseguimento dos autos e a sua regular e ulterior tramitação; uma vez ponderada a valoração da observada conduta das partes, facilmente se alcança que a imputada (ainda que inverificada) falta de impulso em promover o andamento do processo resultou, efetivamente, não de um comportamento negligente das partes, mas outrossim e ao invés, a todo um conjunto de vicissitudes externas e não imputáveis à vontade daquelas, ou, caso assim não se entenda, em qualquer caso sempre deverão os autos baixar à 1.ª instância, para que tal questão seja apreciada e decidida; torna-se imperioso que seja ouvido por este Tribunal da Relação o Magistrado judicial “anterior titular do processo, maxime, acerca do entendimento que este perfilhava relativamente às questões suscitadas nestes autos, tudo, nos termos e para os efeitos do preceituado nas disposições conjugadas dos art.ºs 662.º, n.º 2, alíneas a) e b) e art.º 499.º, todos do CPC, aplicáveis por analogia no âmbito do estatuído no art.º 10.º do Código Civil”. Pronunciando-se a Apelada pelo acerto do julgado, no que é acompanhada pelo Ministério Público junto deste Tribunal da Relação, de seguida passaremos à apreciação: 1. Imputada nulidade por falta de fundamentação Começam os Recorrentes por imputar à decisão recorrida o vício de nulidade por falta absoluta de fundamentação, pois que, dizem, nessa não se efetuou qualquer exegese que torne percetível porque motivo desconsiderou totalmente os atos que foram praticados anteriormente desde o despacho que comunicou a deserção da instância e, muito menos, se fundamentou por que motivo o Tribunal adotou determinado caminho processual que apontava num certo sentido e depois, ininteligivelmente, “andou para trás” sem qualquer justificação plausível! – invocando ser por essa razão inconstitucional, por violação do estatuído no n.º 1 do art.º 205.º da CRP. Concomitantemente, dizem, incorre em inconstitucionalidade, violando os artigos 18.º, 20.º, 202.º, n.º 2, 204.º e 205.º, n.º 1, da mesma Constituição. Vejamos de Direito: Estabelece o artigo 615.º do CPC – aplicável, face ao n.º 3 do artigo 613.º, com as necessárias adaptações aos despachos: “É nula a sentença quando: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (…).” A propósito da fundamentação das decisões judiciais e correspondente dever, assume-se este, como é consabido, como uma decorrência da própria Constituição da República Portuguesa (CRP), assim do seu artigo 205.º, n.º 1, de acordo com o qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma previstas na lei” – tratando-se, deste modo, de uma injunção constitucional de conformação legal, ao conferir ao legislador o seu modo de regulação –, como ainda, acrescente-se, como vertente determinante, mais uma vez estabelecido na Constituição, neste caso em face do seu artigo 20.º, n.º 4, do direito fundamental a um processo equitativo[1]. Por outro lado, mas no mesmo sentido, até por se tratar da efetivação a tal injunção Constitucional de conformação legal, resulta do artigo 154.º do CPC que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” (n.º 1), como ainda que “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade” (n.º 2). Em conformidade também, o que se encontra estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC antes citada. Fazendo uma breve abordagem ao vício analisado (alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC), importa no entanto ter presente que, como tem sido entendido, esse só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito e não já, pois, quando esteja apenas em causa uma motivação deficiente, medíocre ou até errada. Isso mesmo tem sido afirmado na jurisprudência, podendo ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 2016[2] (citando), que «tais vícios, radicando em erro de procedimento ou actividade (error in procedendo), revestem natureza formal ou processual, pelo que só afetam a existência, a perfectibilidade material ou a validade do ato decisório, na medida em que obstem à compreensão e reapreciação do seu mérito», ou, no mesmo sentido, entre muitos outros, agora no Acórdão do mesmo Tribunal de 16 de Fevereiro de 2016[3], quando se refere que «uma fundamentação mais sucinta, ou aligeirada (…), menos exaustiva ou não eivada de argumentos eruditos não basta para integrar o vício de limite em apreço, desde que as questões postas sejam abordadas e decididas». Também a doutrina, diga-se, aponta para o referido entendimento[4]. Ora, cumprindo-nos apreciar no caso, tendo presente o aludido âmbito, da sua aplicação resulta, salvo o devido respeito, que não vislumbra que ocorra o invocado vício de falta de fundamentação. De facto, sendo naturalmente legítimo que se possa discordar da solução a que se chegou nessa decisão, sem prejuízo é certo do que diremos de seguida a propósito do modo como em 1.ª instância o processo foi conduzido e das questões que essa possa levantar – questões essas que, porém, sendo diversas do imputado vício de falta de fundamentação, serão então apreciadas –, agora apenas quanto ao imputado vício de falta de fundamentação, tendo presente o que se fez constar da decisão recorrida, de forma clara se verifica que essa decisão contém suficiente fundamentação, incluindo com indicação e explicação das razões, bem como normas legais que chamou à aplicação da lei, que lhe estão subjacentes. Deste modo, sem necessidade de maiores considerações, entendemos que não ocorre a invocada nulidade de falta de fundamentação. 2. Da atuação do Tribunal e imputada violação dos princípios constitucionais da tutela da confiança, da tutela jurisdicional efetiva e do acesso à justiça Sustentam os Recorrentes que ocorre violação dos princípios constitucionais da tutela da confiança, da tutela Jurisdicional efetiva e do acesso à Justiça, consagrados no artigo 20.º da CRP, para o que invocam nomeadamente o seguinte: - no seguimento do requerimento que apresentaram em que, para além de terem arguido nulidades várias, requereram as diligências de prova, o então Juiz titular do processo, “tendo acolhido o predito requerimento nos exactos termos propugnados pelos Apelantes, procedeu ao agendamento e notificação das testemunhas para inquirição, tudo, sem quaisquer resquícios de verificação de erro na forma do processo”, sendo que vindo mais tarde a realizar-se a aludida inquirição dessas testemunhas, em diligência que decorreu já sob a égide da atual titular do processo, com a prolação posterior da decisão recorrida, nesta obnubilaram-se por completo todos os elencados atos antes praticados pelo próprio Tribunal, que evidenciavam “que a questão da deserção não tinha sido ainda objecto de qualquer decisão final e definitiva”, em violação ostensiva do princípio constitucional da tutela da confiança, que deve pautar e nortear a atuação do julgador, “derivado do princípio do Estado de direito democrático, contido no art.º 2.º CRP” / a decisão recorrida não fundamentou porque “motivo o Tribunal “a quo” adoptou determinado caminho processual que apontava num certo sentido e depois, ininteligivelmente, “andou para trás” sem qualquer justificação plausível!)”; - “a confiança que a parte deposita num acto do juiz, que lhe foi notificado, e em função do qual definiu a sua actuação processual, tem de ser tutelada, sob pena de infracção de princípios processuais tão relevantes como o da boa-fé ou da cooperação processual”, sendo que, no caso, verifica-se “que o Tribunal “a Quo”, ao ter acolhido o vindicado pelos aqui Recorrentes no requerimento de 26/03/2019, sob a ref.ª 22013456, tendo notificado as partes, dando-lhes conhecimento do sentido da prática de actos processuais que pretendia e levou a cabo, criou a convicção naquelas de que, após toda a actuação processual desenvolvida, iria proferir uma decisão definitiva e fundamentada acerca da deserção, mais tendo inculcado naquelas a confiança e a convicção de que o sobredito requerimento era o meio processual adequado para o efeito”. - a falta de pronúncia acerca dos vícios arguidos no requerimento apresentado em 26/03/2019, sob a ref.ª 22013456, o qual até originou produção de prova, bem assim a total e absoluta falta de fundamentos ou de motivação de facto em que assenta a decisão que ora se recorre, em não tomar conhecimento da aduzida arguição, mas também da nulidade suscitada no requerimento deduzido pelos Apelantes, em 14/05/2020 ao qual foi atribuída a ref.ª 25788320, designadamente, saber qual o aproveitamento a dar à diligência probatória realizada e relativamente à qual o Tribunal recorrido fez tábua rasa, é inconstitucional, na vertente interpretativa de que, por mor de tal decisão, o Tribunal denegou o direito à tutela jurisdicional, impossibilitando desse modo aos Recorrentes o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos – art.º 20.º n.º 1 da CRP / “a omissão de pronúncia detectada em sede do douto despacho de que se recorre, consubstancia um obstáculo arbitrário e/ou desproporcionado ao direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva”. Pugnando pela manutenção do julgado, sustenta a Apelada, por sua vez, que não entendem “como pode ser violado o princípio da confiança, ao ser apenas aceite e tramitado o requerimento apresentado pelos Autores em 26 de março de 2019, sem que sobre ele tenha sido proferida qualquer Decisão, antes daquela contra a qual se insurgem, como admitem os Autores de forma expressa”. Apreciando, diremos o seguinte: Desde logo, e em primeiro lugar, para evidenciar que, prendendo-se o princípio da proteção da confiança – que se tem por ínsito no artigo 2.º da CRP –, nas palavras de Gomes Canotilho, “com as componentes subjetivas da segurança, designadamente a calculabilidade e a previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos»[5], no entanto, para que para haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança, como resulta do Acórdão do Tribunal Constitucional de 9 de dezembro de 2015, citando-se o Acórdão n.º 128/2009, “é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa”. Por outro lado, e em segundo lugar, para se deixar claro que também a atividade dos Tribunais, enquanto órgãos de soberania, não fica à margem, assim na prática judicial, do âmbito de aplicação do mencionado princípio da confiança, de resto, para além de ligado à própria preservação pelos destinatários das suas decisões de um sentimento de confiança particular, também inerente a razões de segurança jurídica – princípio este também consagrado constitucionalmente –, no sentido de se visar garantir que as situações obtenham a necessária estabilidade. Nesse sentido, e com a necessária consagração legal, assim no CPC, quanto à atividade do julgador, se enquadram, nomeadamente, as normas referentes ao caso julgado, seja a respeito do valor da sentença ou saneador transitados em julgado que tenham conhecido de mérito (artigo 619.º), seja ainda sobre as próprias sentenças e/ou despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual (artigo 620.º - caso julgado formal), pois que, mesmo estas, excecionados os casos previstos no artigo 630.º[6], “têm força obrigatória dentro do processo.” Mas não apenas no âmbito antes mencionado, esclareça-se, pois que, mesmo a respeito dos atos da secretaria, o que pode ser também tido como integrado na tutela da confiança, dispõe-se no n.º 6 do artigo 157.º do CPC que “Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes” – vinculando-se assim a administração da justiça a conformar a sua atuação de modo a evitar que os seus erros prejudiquem as partes, promovendo-se deste modo a confiança na atuação das secretarias dos tribunais e salvaguarda-se a confiança que nessa atuação tenha sido depositada pelas partes[7]. Estando no caso que se aprecia em causa a atuação do juiz do processo, assim como invocam os Recorrentes no sentido, como o referem, de que o Tribunal teria evidenciado através da sua atuação anterior no processo que iria conhecer das nulidades que invocaram perante o mesmo Tribunal no requerimento que apresentaram em 5 de abril de 2019, criando eles, por essa razão, dizem, confiança que consideram legítima nesse sentido, a qual referem ter sido depois violada em face da decisão recorrida, importa então saber, enquadrando adequadamente a questão, se resulta efetivamente daquela atuação do Tribunal, em termos legítimos, uma expetativa legítima e tutelada nesse sentido. Para tais efeitos, como resulta dos autos, importa ter presente que, de facto, sobre aquele requerimento inicial, não obstante diga-se a Ré na pronúncia que logo apresentou ter invocado também que sobre a decisão proferida que declarou a deserção da instância teria que ter sido interposto recurso – como o referiu ainda, “única forma que se conhece ser processualmente admissível para assacar da legalidade de uma Decisão judicial” –, o despacho do Tribunal que foi então proferido (em 15 de maio de 2019) limitou-se a designar data para a inquirição das testemunhas identificadas naquele requerimento. Ora, sendo assim, tal ato do Tribunal, assim de designar apenas data para a inquirição da prova indicada naquele requerimento dos Autores, mas sem se ter pronunciado sobre a referida invocação da Ré, pode afinal ser entendido, implicitamente, no sentido de que teria sido considerado que essa invocação não procedia, pois que, afinal, se assim não fosse, ou seja se o entendimento fosse o contrário, não faria sentido que tivesse determinado aquela inquirição – efetivamente, assim se nos afigura, se o entendimento tivesse sido no sentido de que o modo processualmente adequado de reação teria de ser a interposição de recurso, essa inquirição assumir-se-ia afinal como ato absolutamente inútil, ou seja, careceria desse modo de qualquer efeito útil. Daí que, sendo verdade que o Tribunal a quo se não pronunciou expressamente, antes da decisão recorrida, como nesta se diz, “quanto à questão da adequação processual do meio utilizado pelos autores /requerentes para reagirem em relação à decisão de deserção da instância”, já tenhamos porém sérias dúvidas em acompanhar essa decisão quando ao argumento aí utilizado, a respeito da atuação do Tribunal ao ter designado data para a inquirição das testemunhas (e, acrescentamos nós, a essa inquirição procedeu efetivamente mais tarde), que “as decisões tácitas não estão previstas na lei e o facto de ter sido aprazada data para inquirição de testemunhas e de estas terem sido ouvidas não significa que o tribunal tenha decidido que o meio processual escolhido pelos requerentes era o correto, antes sim relegou tal decisão para momento posterior” – para se acrescentar de seguida que “não se formou aqui qualquer caso julgado formal (artigo 620.º do Código de Processo Civil), pois que tal questão não chegou a ser decidida e, logo, o poder jurisdicional do juiz não se mostra esgotado (artigo 613.º/1 e 3 do Código de Processo Civil)”. De facto, salvo o devido respeito, admitindo-se é certo que sobre a questão da adequação do meio tivesse de existir pronúncia, como o Tribunal a quo também o refere, no entanto, como o dissemos já anteriormente, já temos sérias dúvidas quanto à afirmação de que, ao ter-se designado dia para a inquirição das testemunhas e depois a esta se ter procedido, o Tribunal, em face a essa atuação, tivesse por qualquer forma ou modo relegado “para momento posterior” o conhecimento daquela questão. Pelo contrário, pelo menos implicitamente, tanto mais que não são permitidos atos inúteis – artigo 130.º do CPC: “Não é lícito realizar no processo atos inúteis” –, tal atuação, para um destinatário normal e minimamente informado, só poderia ser entendida no sentido de que não se colocava no caso qualquer questão relacionada com o modo de reação utilizado. Mas mais, diga-se ainda. É que essa referida atuação do Tribunal, como também já o dissemos, se manteve mais tarde, com a prática de vários atos, seja o despacho que foi proferido em 4 de junho de 2019, ao ter sido reagendado nova data para a inquirição que não se havia concretizado na data que havia sido designada (por decorrência de greve de todos os Srs. Funcionários), seja depois, assim na concretização posterior do ato de inquirição, em 23 de setembro de 2019, de resto já presidido pela atual Exma. Juíza titular do processo, ao que acresce, o que não deixa de ir no mesmo sentido da pronúncia antes indicada, que no final dessa inquirição o despacho proferido (como consta da ata) foi apenas “Conclua os autos a fim de proferir a decisão”. Ou seja, não havendo razões objetivas para ser entendido noutro sentido, em face precisamente de toda a atuação anterior do Tribunal, a referência constante desse último despacho “a fim de proferir a decisão” pode pois, legitimamente, mais uma vez, ser tida como referindo-se à decisão que iria apreciar as nulidades que haviam sido invocadas no requerimento apresentado pelos Autores, assumindo-se, enquanto tal, por decorrência, como contraditória em relação ao sentido que veio a ser afirmado na decisão recorrida. Por último, ainda, não obstante é certo tal despacho, repete-se, não deixar de se apresentar já de algum modo também como contraditório com a referida atuação anterior do Tribunal – como se disse, apesar dessa questão ter sido levantada logo inicialmente pela Ré, não foi afinal considerada, ao ter-se designado data para a inquirição das testemunhas indicadas –, no despacho que veio a ser proferido posteriormente, assim em 30 de abril de 2020, para além de se repristinar afinal a referida questão – sobre saber se sobre a decisão deveria ter sido interposto recurso e não invocada a sua nulidade –, o Tribunal a quo, avançando apenas agora com o argumento de que a decisão poderia ser “considerada como recorrível, nos termos do disposto no artigo 644.º/1, al. a) do Código de Processo Civil”, limitou-se de seguida, invocando os “princípios do dever da gestão processual e da adequação formal, previstos, respetivamente, nos artigos 6.º e 547.º do Código de Processo Civil,” a equacionar “uma possível convolação do requerimento de arguição de nulidade em requerimento de interposição de recurso” – determinando por essa razão, ao abrigo do disposto no artigo 3.º/3 do CPC, as partes para, querendo e em 10 dias, se pronunciarem. Ou seja, também aí, como se constata, não se levantou sequer a possibilidade de o requerimento apresentado pelos Autores não poder vir a ser efetivamente apreciado, sendo que, afinal, e sempre sem prejuízo da questão de saber se o poderia sequer fazer em face da atuação anterior do Tribunal, tudo o que veio posteriormente a ser invocado na decisão recorrida como fundamento para o seu sentido decisório, era necessariamente do seu conhecimento – aliás, para que dúvidas não haja, assim o entendemos, esse conhecimento dos fundamentos e, pois, do regime legal aplicável, verificava-se afinal desde o início, assim da apresentação daquele requerimento. Na consideração de tudo o que referimos anteriormente, assim a aludida atuação do Tribunal, afigura-se-nos que assiste efetivamente razão aos Recorrentes quando, com base precisamente nessa referida atuação, invocam as suas expetativas e a proteção da confiança que depositaram, que como o dissemos já se nos apresentam como legítimas e merecedoras de proteção, no sentido de que deve o Tribunal de 1.ª instância, diversamente da posição que assumiu na decisão recorrida, pronunciar-se, tendo nomeadamente por base o que resulte da prova produzida (assim inquirição levada a efeito), sobre o invocado no requerimento que apresentaram. Aliás, a respeito do argumento utilizado pelo Tribunal de que não estão previstas decisões tácitas, importa ter presente, porém, muito embora a questão seja essencialmente tratada na nossa Doutrina a respeito da sentença – assim: Alberto dos Reis, evidenciando que “o problema do julgamento implícito é, no fim das contas, um problema de interpretação”, esclarecendo ainda que “do que se trata, efectivamente, é de determinar e fixar o verdadeiro sentido da sentença, o alcance preciso do seu conteúdo; questão de interpretação, portanto” [8]; também para Lebre de Freitas a ideia da condenação implícita “é configurável na medida em que se tenha também por deduzido um pedido implícito”[9]; como refere Abrantes Geraldes, a posição majoritária é a da admissibilidade destas condenações implícitas e, deste modo, da consequente exequibilidade destas sentenças, por forma a se fazer possível exigir o cumprimento por parte do réu à prestação devida[10] –, que do mesmo modo essa questão pode ser colocada a respeito dos despachos que não conheçam de mérito, ou seja que recaiam unicamente sobre a relação processual (artigo 620.º - caso julgado formal), assim no sentido de que a questão da validade e eficácia de decisões implícitas se pode também colocar, ou seja, utilizando o critério apontado por Alberto dos Reis (para as sentenças), de estar em causa, “no fim das contas, um problema de interpretação”, em termos de se determinar e fixar o verdadeiro sentido do despacho, o alcance preciso do seu conteúdo. Dito de outro modo, no que ao caso que se decide importa, importaria então saber qual o alcance preciso do conteúdo do despacho proferido pelo Tribunal a quo quando, apesar de ter sido levantada antes expressamente a questão da inadequação do meio utilizado pelos Autores, determinou afinal a produção de prova que havia sido requerida pelos Autores no requerimento que apresentaram, sendo que, assim se nos afigura, em resposta a tal questão, pelas razões que antes já mencionámos, se apresentaria afinal como suficientemente adequada uma interpretação de tal despacho no sentido de se ter considerado que a invocada questão da inadequação do meio utilizado não se colocava no caso – se assim não fosse, tratar-se-ia, e em absoluto, como o dissemos já, de ato inútil a determinada inquirição. Seja como for, em face das razões antes expostas, sempre nos deparamos no caso, em face do decidido na decisão recorrida, com a questão da violação da legítima proteção da confiança dos Autores, pois que tal decisão, como se viu, contraria a atuação anterior do Tribunal, sendo que foi essa que justificou aquela confiança. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de 14 de maio de 2019[11], entendimento que temos por aplicável ao caso que apreciamos (citação): “(…) Esta é, aliás, a única solução consentânea com a convicção que o Tribunal criou nas partes ao ter prosseguido com a prática de atos (…). Não tendo assim sucedido porque o Tribunal, ao invés de ter enveredado por esse caminho, optou por “impulsionar o processo”, criando, dessa forma, a convicção que o mesmo se encontrava a prosseguir os seus regulares termos não pode aquele, mais tarde e contraditoriamente com o comportamento anteriormente assumido, vir atribuir relevância a uma omissão à qual, no momento próprio, nenhuma relevância atribuiu. Tal como refere, neste particular, Paulo Ramos de Faria (ob. cit., p. 15), se Ao sistema de justiça estadual repugna a paragem negligente dos termos do processo, (…) também repugna a extinção deste, quando ainda é útil, com o consequente desaproveitamento de toda a actividade processual pretérita, obrigando (desnecessariamente) a que nova demanda seja instaurada. Deve, por isso, aceitar-se que a genérica proibição de comportamentos contraditórios abrange igualmente o Estado-tribunal e que, nessa justa medida, estando o juiz vinculado, desde logo, pelas suas próprias decisões, deve ser coerente e consequente com a sua actividade pretérita, sendo que esta proibição mais não é do que uma manifestação do princípio da confiança que decorre, por sua vez, do princípio da segurança jurídica plasmado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). De resto, o próprio Tribunal Constitucional vem utilizando tal princípio como parâmetro de organização ou disciplina do processo, afirmando que a garantia do processo equitativo comporta uma dimensão de segurança e previsibilidade dos comportamentos processuais, tutelando adequadamente a possibilidade de conhecimento das normas com base nas quais são praticados os atos e formalidades processuais, assim como as expectativas em que as partes fazem assentar a sua estratégia processual. Com efeito, o processo surge como um imperativo de segurança jurídica ligado a duas exigências: a determinabilidade da lei e a previsibilidade do direito. O processo justo e equitativo é também aquele cuja regulação prevê que a sequência de actos que formam o processo esteja pré-determinada ao pormenor pelo legislador, em termos de ser possível assegurar com previsibilidade que as partes são titulares de poderes, deveres, ónus e faculdades processuais e que o processo é destinado a finalizar certo tipo de decisão final. Os dois elementos são indissociáveis: a previsibilidade das consequências da prática dos atos processuais pressupõe que as normas processuais sejam claras e suficientemente densas, atributos sem os quais ficará violado o princípio da segurança jurídica. Um processo equitativo é também um processo previsível. Uma forma processual só é justa quando o conjunto ordenado de atos a praticar, bem como as finalidades a cumprir, tanto na propositura, como especialmente no desenvolvimento da ação, seja expresso por meio de normas cujos resultados sejam previsíveis e cuja aplicação potencie essa previsibilidade. Para que haja previsibilidade são, porém, necessárias duas condições: que o esquema processual fixado na lei seja capaz de permitir aos sujeitos do processo conhecer os poderes e deveres que conformam a relação processual; e que haja univocidade de interpretação das normas processuais. É que se os sujeitos do processo não se encontram em condições de compreender e calcular previamente as consequências das suas acções, o processo é inidóneo à realização da tutela jurídica. A idoneidade funcional do processo implica, pois, que ele seja construído em termos de possibilitar aos sujeitos processuais o conhecimento das normas com base nas quais calculam o seu modo de agir (cf. Ac. do TC n.º 604/2018, disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/ acordaos/ e no mesmo sentido Acórdãos do TC n.ºs 678/98, 485/2000, 183/2006, 335/2006 e 56/2003, todos disponíveis no mesmo sítio). (…) Com efeito, traduzindo-se o princípio do processo equitativo, na dimensão do justo processo, além do mais, na confiança dos interessados ou dos sujeitos processuais nas decisões de conformação ou de orientação do processo, mal se compreenderia que aqueles pudessem ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais, por força do próprio comportamento do tribunal, não podiam razoavelmente contar. Trata-se, conforme se afirmou no acórdão do STJ de 03 de março de 2004 (tirado pelas secções criminais, no processo n.º 4421/03 e disponível em www.dgsi.pt, mas cujos ensinamentos, neste particular, são inteiramente transponíveis para o caso sub judice), do princípio da confiança na boa ordenação processual determinada pelo juiz. O processo equitativo, como “justo processo” supõe que os sujeitos do processo usem os direitos e cumpram os seus deveres processuais com lealdade, em vista da realização da justiça e da obtenção de uma decisão justa. Mas determina também, por correlação ou contraponto, que as autoridades que dirigem o processo, seja o Ministério Público, seja o juiz, não pratiquem actos no exercício dos poderes processuais de ordenação que possam criar a aparência confiante de condições legais do exercício de direitos, com a posterior e não esperada projecção de efeitos processualmente desfavoráveis para os interessados que depositaram confiança no rigor e na regularidade legal de tais actos. A lealdade, a boa-fé, a confiança, o equilíbrio entre o rigor das decisões do processo e as expectativas que delas decorram, são elementos fundamentais a ter em conta quando seja necessário interpretar alguma sequência que, nas aparências, possa exteriormente apresentar-se com algum carácter de disfunção intraprocessual. (…)” (fim de citação) Aplicando ao caso o citado entendimento, que como o dissemos já acompanhamos, na consideração de que o processo equitativo, como “justo processo” determina, por correlação ou contraponto aos deveres que são impostos às partes processuais, que as autoridades que dirigem o processo, não pratiquem, também, atos no exercício dos poderes processuais de ordenação que possam criar a aparência confiante de condições legais do exercício de direitos, com a posterior e não esperada projeção de efeitos processualmente desfavoráveis para os interessados que depositaram confiança no rigor e na regularidade legal de tais atos, impõe-se, em conformidade, por essa atuação afrontar tal princípio, nos termos expostos, revogar a decisão recorrida, determinando-se que o Tribunal a quo, em adequação com a sua atuação anterior, se pronuncie, deferindo ou indeferindo o invocado, tendo ainda por base o que resultou da prova produzida, no requerimento apresentado pelos Autores em 5 de abril de 2019. Mas não mais, esclareça-se, pois que, para além das questões que ficam prejudicadas em face do decidido anteriormente, também por decorrência do regime processual vigente, não cumpre a este Tribunal da Relação, substituindo-se ao Tribunal de 1.ª instância, decidir o demais pretendido pelos Recorrentes, desde logo, entre outras, e nomeadamente, nas conclusões XLVII., XLVIII., como ainda, por último, neste caso por não ter mesmo qualquer sentido em face do que resulta da lei, o que requerem nas conclusões LVII. e LVIII. No que se refere a responsabilidade pelas custas do recurso, essa impende sobre a Recorrida (artigo 527.º do CPC). * Sumário – a que alude o artigo 663º, nº 7 do CPC:……………………………… ……………………………… ……………………………… *** IV - DECISÃONos termos expostos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na procedência do recurso, em revogar a decisão recorrida, determinando-se que o Tribunal de 1.ª instância se pronuncie, tendo ainda por base o que tenha resultado da prova produzida, sobre o invocado pelos Autores, no requerimento que apresentaram nos autos, em 5 de abril de 2019. Custas pela Recorrida. Porto, 23 de junho de 2021 (acórdão assinado digitalmente) Nelson FernandesRita Romeira Teresa Sá Lopes _______________ [1] Ainda, em termos internacionais, no mesmo sentido: artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH; artigo 14.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos – PIDCP; artigo 6.º, § 1.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos – CEDH; [2] In www.dgsi.pt [3] In www.dgsi.pt [4] Assim, de entre outros: José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 2001, pág. 669, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume 5.º, pág. 140, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Ver. e act., pág. 687/688, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em processo civil, 9.ª edição, Almedina, pág. 55/56. [5] Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6.ª edição, Coimbra, p. 257; no mesmo sentido, Paulo Mota Pinto, A proteção da confiança na "jurisprudência da crise" «in» O Tribunal Constitucional e a Crise. Ensaios Críticos, Coimbra, 2014, p. 164 [6] “1 - Não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário. 2 - Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual, proferidas nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º e das decisões de adequação formal, proferidas nos termos previstos no artigo 547.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.” [7] Veja-se, a propósito do n.º 3 do artigo 198.º do Código de Processo Civil anteriormente vigente, o Acórdão do TC n.º 719/2004. Ainda, sobre autovinculação da administração judiciária estando em causa o erro na prática (ou omissão) de atos relevantes para o desenvolvimento normal do processo, vejam-se nomeadamente, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 30.11.2017, Proc. n.º 88/16.2PASTS-A.S1; de 21.04.2016, Proc. n.º 13/14.5 TBMGD-B.G1.S1 e de 05.04.2016, Proc. n.º 12/14.7TBMGD-B.G1.S1; e os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 23.01.2019, Proc. n.º 0452/17.0BEBJA; de 08.11.2017, Proc. n.º 0344/17; e de 03.03.2016, P. 01533/15). [8] Comentário ao Código de Processo Civil. Reimpressão. Coimbra Editora, 1984, v. 5, p. 65. [9] A Acção Executiva: depois da reforma da reforma. 5ª Ed. Coimbra Editora, 2009, p. 38, nota 6. [10] Títulos Executivos. In: Themis: Revista de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Lisboa: Ano IV, nº 7, 2003, p. 56. [11] Relator Conselheiro Pedro de Lima Gonçalves, in www.dgsi.pt. |