Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ISABEL PEIXOTO PEREIRA | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM REQUISITOS LESÃO GRAVE E DIFICILMENTE REPARÁVEL | ||
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Nº do Documento: | RP202507104078/24.3T8CSC.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Mesmo nas providências antecipatórias, o que está em causa é a salvaguarda provisória de uma situação que é de molde a fazer perigar a tutela efectiva do direito a acautelar, à qual apenas serve uma medida ou providência que se reconduz, de algum modo, ao objecto do pedido da acção respectiva. II - A providência deve ser decretada sempre que se esteja ante uma lesão grave, atenta a importância patrimonial ou extrapatrimonial do direito ou do bem que aquele incide (objecto mediato) e que está em risco de ser sacrificado e não seja razoável exigir que tal risco seja suportado pelo titular do direito ameaçado, na medida em que a reparação de tal dano seja avultada ou mesmo impossível. III - Os factos carreados para justificar o dano a salvaguardar não são de molde a inferir que se evidencia um risco de lesão grave e dificilmente reparável do direito. IV - Conforme decorre do artigo 63.º-C da LGT, este não impõe que a conta bancária esteja localizada num banco nacional, apenas impõe a obrigatoriedade de existência de uma conta bancária afecta exclusivamente à actividade da sociedade. V - Fiscal, civil ou comercialmente, inexiste proibição de realizar tais operações numa instituição estrangeira autorizada a operar em Portugal. VI - Bem assim, quanto à obrigação dos accionistas depositarem um mínimo de 30% do valor total do capital social, no prazo de 5 dias após a disponibilização da certidão permanente, da Lei Comercial apenas resulta, uma vez mais, que tem de sê-lo em conta bancária titulada pela Sociedade, que não também tenha de sê-lo em instituição bancária portuguesa. VII - Donde, inexistem os constrangimentos ao cumprimento das obrigações legais e das condições operacionais, mediante a inexistência da obrigação legal de uma empresa sediada em Portugal ter uma conta em instituição bancária Portuguesa. (Sumário da responsabilidade da Relatora) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo 4078/24.3T8CSC.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível do Porto - ...
Relatora: Isabel Peixoto Pereira 1º Adjunto: Álvaro Monteiro 2º Adjunto: Isabel Rebelo Ferreira
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Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:
I. “A..., SGPS, S.A.”, titular do NIPC ...66, intentou o presente procedimento cautelar comum contra o “Banco 1..., S.A.”, titular do NIPC ...34, pedindo que se dê sem efeito a denúncia feita por este relativamente ao contrato de abertura de conta bancária com o nº de conta nº ...01., ou que, caso assim não se entenda, se ordene à Requerida a concessão de um prazo não inferior a 9 meses para que se processem os termos da denúncia. Alegou, em síntese, ter procedido, por exigência legal, à abertura de conta bancária, junto do Banco Requerido, a qual tem o nº conta nº ...01. Todavia, sem qualquer motivo justificativo, o Requerido, por correio electrónico conhecido em 16 de Outubro de 2024, manifestou a sua intenção de denunciar o contrato com a Requerente, com um pré-aviso de 70 dias. Aduziu que a razão subjacente à denúncia se prende com a nacionalidade russa dos sócios da Requerente, numa atitude abusiva e discriminatória, em violação clara do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13 da Constituição da República Portuguesa e artigo 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Alegou ainda que o prazo concedido pelo Banco Requerido revela que é impossível esperar pelo tempo normal da acção principal, uma vez que não é possível obter uma decisão definitiva em tal prazo, isto porque, sendo a Requerente uma sociedade comercial é obrigatória que a mesma tenha conta bancária aberta. Assim é claro que sem uma conta bancária, a sociedade comercial enfrentará uma série de obstáculos operacionais, legais e fiscais que podem inviabilizar sua atividade e até levar ao encerramento forçado. Por isso, abrir e manter uma conta bancária é essencial para o funcionamento e a conformidade de qualquer empresa em Portugal. O Requerido sabe, não podendo ignorar, que no actual cenário de Guerra, a sociedade não consegue abrir conta com outras instituições, pois, tendo em conta a guerra em curso que envolve o Estado Russo, tal tem causado diversos constrangimentos aos cidadãos russos em abrir nova contas bancárias em Portugal. A conta bancária em causa é a única que o Requerente tem em Portugal, motivo pelo qual para transferir o montante para outra instituição bancária, tal implica um novo processo de abertura bancária.
Citado o Requerido, veio este deduzir oposição à providência, invocando, desde logo, que a conta alegada pela Requerente era uma conta em moeda estrangeira, em Dólares-USD, que era usada como conta de investimento. Após reunião havida entre a Administradora da Requerente e os serviços do Requerido, em 29/10/2024, a Requerente deu nota que detinha conta bancária junto do Banco 2..., com o nº ...52, tendo dado instruções para a transferência do saldo de tal conta ...01, no montante de USD 689.700,21, para a referida conta junto do Banco 2..., com a refª ...52, deduzido das despesas inerentes, que foram calculadas no valor de USD 139,58, ficando, em tal data, saldada e encerrada tal predita conta ...01. Concluiu, além do mais, pela inutilidade da lide.
Notificada para se pronunciar sobre a eventual inutilidade da lide, a Requerente veio esclarecer que a transferência de valores foi feita por cautela, mas não assegura o bem jurídico em causa, uma vez que a conta Banco 2... não é sediada em Portugal e uma empresa portuguesa é obrigada a ter conta bancária aberta em território nacional, e só com tal tipo de conta consegue cumprir todas as suas obrigações. Uma vez que, nomeadamente, uma conta Banco 2... não permite pagamentos ao Estado.
Foi, então, proferida decisão que julgou manifestamente improcedente o procedimento cautelar, consequentemente absolvendo o Requerido “Banco 1..., S.A.” da providência requerida, nos termos e com os fundamentos seguintes: «Segundo o Prof. Antunes Varela [Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 23] “as denominadas providências cautelares visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica”. Por forma a fazer funcionar qualquer um dos procedimentos cautelares previstos na lei, esta impõe o preenchimento de alguns requisitos, designadamente consistentes na prova sumária de um fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável de um determinado direito – art.º 362.º, n.º 1, do C.P.C. Como se refere no Ac. RG de 21.09.2017 [proc.º n.º 1483/17.5T8BCL.G1, relator José Amaral, em www.dgsi.pt], “a definitiva resolução do conflito de interesses subjacente, em regra, não tem lugar na providência, dadas as suas contingências, e que, embora o seu objecto deva conjugar-se com o da acção de que depende e o seu fundamento deva integrar a causa de pedir desta, não tem de verificar-se uma total identidade dos direitos a tutelar nem do circunstancialismo fáctico a alegar numa e noutra. O efeito cautelar não excederá os limites que caracterizam todo o procedimento provisório, não podendo conseguir-se por via deste os efeitos de uma acção definitiva. Se esta for constitutiva e, portanto, respeitar a direitos que por meio dela devam ser declarados, nunca o respectivo objecto pode coincidir com o do procedimento cautelar destinado a proteger a consistência prático-jurídica do direito potestativo inerente e limitado a medidas destinadas a garantir-lhe utilidade ou eficácia. A Jurisprudência tende a esquematizar assim os pressupostos cumulativos do decretamento da providência: a) Probabilidade séria (“fumus boni juris”), embora colhida a partir de análise sumária (“summaria cognitio”) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor; b) Fundado e suficiente receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável (“periculum in mora”) a tal direito (portanto, que a lesão não se tenha consumado); c) Concreta adequação (ou potencialidade) da providência (como medida de tutela provisória) para remover a situação de lesão eminente e assegurar a efectividade do direito ameaçado; d) Não existência na lei de outro tipo de providência específica que o acautele (princípio da legalidade das formas processuais); e) Que o prejuízo dela resultante para o requerido não exceda consideravelmente o dano que o requerente através dela pretende evitar”. Quanto a estes elementos, diga-se que a gravidade da lesão alegada deverá ser aferida em função das consequências que previsivelmente terá na esfera jurídica do requerente, obrigando, contudo, à ponderação dos prejuízos que a concessão da medida causará ao requerido. A providência apenas deverá ser decretada se o prejuízo ocasionado ao requerido for inferior ao dano que se pretende evitar. Em face destas considerações, afastou o legislador do âmbito de tutela das providências cautelares “as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo modo que são excluídas as lesões graves, mas facilmente reparáveis” [A. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III, Almedina, 1998, 85]. Em relação ao “fundado receio”, diz o mesmo autor [Ob. Cit., 87], que não bastam “simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados, assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja perante simples ameaças, ainda não materializadas, advindas do requerido, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efectivas lesões”. No caso vertente, alega a Requerente que a denúncia comunicada pelo Requerido põe em causa a possibilidade de prosseguir a sua actividade, dada a necessidade legal de ter uma conta bancária sedeada em Portugal. No entanto, o Requerido contrapôs, em primeiro lugar, que a conta bancária por si denunciada era uma conta de investimentos em moeda estrangeira – dólar norte-americano; e, em segundo lugar, que a Requerente é titular de uma conta bancária junto do Banco 2..., para onde ordenou a transferência de todos os seus fundos existentes na dita conta, o que não foi impugnado. Quer isto dizer que, estando em causa uma conta em moeda estrangeira, a Requerente não a poderia – nem poderá – usar para efectuar pagamentos ao Estado, como alega, já que estes terão de ser feitos na moeda corrente em Portugal, que é actualmente o Euro – art.º 40.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, e art.º 2.º do Regulamento (CE) nº 974/98 do Conselho de 3 de Maio de 1998. Assim sendo, para tais pagamentos, a Requerente sempre necessitaria de uma outra conta em Euros ou de alguma outra forma que lhe permitisse a conversão da moeda norte-americana em moeda corrente – não se vislumbrando que uma ou outra tenham sido afectadas pela denúncia efectuada pelo Requerido. Por outro lado, a Requerente é titular de uma outra conta bancária, para onde foram transferidos os fundos existentes na conta denunciada pelo Requerido. Ora, de acordo com a informação recolhida no sítio do Banco de Portugal [https://www.bportugal.pt/comunicado/esclarecimento-do-banco-de-portugal-sobre-Banco 2...-uab]: “A Banco 2... UAB é uma instituição de crédito com sede e autorizada na Lituânia que se encontra habilitada, nos termos legais, a operar em Portugal ao abrigo do regime da Livre Prestação de Serviços. Em concreto, ao abrigo do referido regime, a Banco 2... UAB encontra-se habilitada a aceitar depósitos ou outros fundos reembolsáveis em território nacional. Clarifica-se, contudo, que os depósitos captados em Portugal pela Banco 2... UAB são constituídos junto da casa-mãe, na Lituânia, não se encontrando garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos português, mas sujeitos ao regime de proteção de depósitos em vigor na Lituânia”. Constata-se, assim, que nenhum dos perigos alegados pela Requerente se verifica, já que a mesma dispõe de outra conta bancária onde poderá efectuar as transações que se afigurem necessárias para o seu giro comercial. Não estamos, desta forma, perante uma simples inutilidade da lide, mas perante uma verdadeira falta de requisitos legais das providências cautelares não especificadas. Ora, o “periculum in mora” “traduz-se no prejuízo que poderá advir para o requerente em consequência da demora na tutela definitiva do seu direito (…), para o que deverá alegar e provar que não pode aguardar a decisão do processo principal sem sofrer um prejuízo de consequências graves e irreparáveis” [Ac. RG de 20.03.2025, proc.º nº 385/25.6T8VCT.G1, em www.jurisprudencia.pt/acordao/232986/pdf/]. No caso vertente, como vimos, nenhum perigo de dano ou lesão existe que possa ou deva ser travado pela providência cautelar comum interposta pela Requerente. Consequentemente, é patente a improcedência do presente procedimento.»
Desta decisão foi pela Requerente interposto recurso, mediante as seguintes conclusões: I. A sentença recorrida rejeitou o pedido cautelar com fundamento na existência de uma conta bancária no Banco 2..., entendendo que tal facto elimina o periculum in mora, requisito essencial para a concessão da providência cautelar. II. Com o devido respeito, tal conclusão incorre em erro de julgamento, pois a mera existência dessa conta não satisfaz as necessidades legais e operacionais da Recorrente, nem garante o cumprimento das obrigações fiscais e legais impostas pela legislação portuguesa. III. O periculum in mora exige a demonstração de que a demora na tutela do direito causa dano grave e de difícil reparação. IV. Tal requisito está devidamente preenchido. V. A Recorrente não pode aguardar a decisão do processo principal sem sofrer prejuízos graves, uma vez que a ausência de conta bancária sediada em Portugal inviabiliza o funcionamento regular da sua atividade empresarial. VI. Conforme dispõe o artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária (LGT), o pagamento de impostos e contribuições em Portugal deve ser efetuado por referências específicas, sistema que exige conta bancária acessível em território nacional. VII. O artigo 40.º, n.º 1, da LGT estabelece que os pagamentos de impostos devem ser feitos em moeda corrente nacional (euros), o que implica a necessidade de uma conta em instituição autorizada a operar em Portugal. VIII. Instituições estrangeiras que operam via regime de livre prestação de serviços, como o Banco 2... UAB, sediado na Lituânia, não são consideradas estabelecimentos bancários nacionais, nem integram o sistema nacional de garantias (ex.: Fundo de Garantia de Depósitos português). IX. A conta bancária no Banco 2... não permite a execução direta de pagamentos ao Estado português por entidade e referência, inviabilizando o cumprimento das obrigações fiscais e contributivas da Recorrente. X. A conversão de moeda estrangeira para euros, necessária para cumprimento de obrigações, não é automática nem garantida, implicando custos, atrasos e riscos adicionais que dificultam o funcionamento da empresa. XI. Além disso, a ausência de cobertura pelo Fundo de Garantia de Depósitos português expõe a Recorrente a riscos financeiros significativos. XII. A sentença limitou-se a uma análise formalista da existência da conta no Banco 2..., sem avaliar o impacto prático e jurídico dessa situação para a Recorrente. XIII. Não foi permitida a produção de prova necessária para demonstrar as limitações concretas do funcionamento da conta e os prejuízos daí decorrentes, o que viola o princípio da descoberta da verdade material. XIV. A denúncia da conta bancária sediada em Portugal, sem alternativa adequada, configura violação do direito da Recorrente ao regular funcionamento da empresa. XV. O periculum in mora está cabalmente demonstrado, pois a ausência da conta bancária nacional inviabiliza o cumprimento das obrigações legais, causando dano grave e irreparável à atividade empresarial. XVI. Pelo exposto, requer-se que este Tribunal conheça e dê provimento ao recurso para que seja concedida a providência cautelar requerida, assegurando a manutenção da conta bancária portuguesa até decisão final. XVII. A decisão recorrida configura violação de direitos fundamentais da Recorrente, garantidos pela Constituição da República Portuguesa (CRP). XVIII. Em primeiro lugar, o direito à atividade económica, assegura a todos o direito de exercer uma atividade económica de forma livre, com respeito pela lei, o que inclui o acesso aos meios necessários para o regular funcionamento da empresa. XIX. A recusa ou a inviabilização da manutenção de conta bancária em instituição sediada em Portugal, que permita cumprir as obrigações legais e fiscais, constitui obstáculo ilegal e desproporcional ao exercício da atividade empresarial da Recorrente, comprometendo o seu direito constitucional. XX. Ademais, está em causa o direito à propriedade e ao uso dos bens e meios económicos, protegido no artigo 62.º da CRP, uma vez que a privação do acesso a uma conta bancária adequada implica a restrição do uso e fruição de recursos essenciais para o desenvolvimento da atividade da empresa. XXI. Por fim, a sentença recorrida viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva e o direito à proteção judicial, previstos no artigo 20.º, n.º 1 da CRP, ao não permitir a adequada produção de prova para demonstração das limitações concretas e dos prejuízos sofridos, adotando uma decisão que se baseia em análise insuficiente e formalista. XXII. A interpretação e aplicação do direito não podem comprometer o exercício destes direitos fundamentais, devendo o Tribunal garantir, com eficácia, a proteção do direito da Recorrente, assegurando-lhe meios adequados para continuar a sua atividade empresarial. Conclui pedindo que, no provimento do recurso, seja revogada a decisão recorrida e decretada a providência cautelar requerida, ou, subsidiariamente, ordenando-se a produção de prova sobre a efetiva suficiência da conta Banco 2... para o cumprimento das obrigações legais da Recorrente.
Respondeu o Recorrido, pugnando que a decisão revidenda não merece qualquer reparo e, como tal, deve ser confirmada. Atente-se que a Recorrente A..., SGPS, S.A. era titular no Banco Recorrido, da conta com o nº ...01. A mesma era uma conta em moeda estrangeira, em Dólares- USD. E é apenas quanto a esta conta ...01, a única que a Recorrente identificou nos presentes autos, que o Banco Recorrido, se ateve na OPOSIÇÃO deduzida. Como flui dos extractos de 01/02/2023 a 31/10/2024 tal conta ...01 era utilizada como conta de investimento da ora Recorrente. Detendo a requerente conta bancária junto do Banco 2..., com o nº ...52 e tendo dado instruções para a transferência do saldo de tal conta ...01, no montante de USD 689.700,21, para a referida conta, foi já saldada e encerrada a conta relativamente à qual se prende a Providência requerida. Daí que se não entenda e perceba o sentido prático da Providência requerida e a persistência da Recorrente, em face da decisão proferida… A mera existência da conta satisfaz as necessidades operacionais da Recorrente. E quanto ao cumprimento das obrigações fiscais e legais impostas pela legislação portuguesa, a Recorrente apenas identificou no R.I., a conta em USD, como objecto da Providência requerida. Pelo que falecem todos os argumentos da Recorrente quanto ao pagamento de impostos e contribuições em Portugal, bem quanto ao facto de os mesmos deverem ser feitos em moeda corrente nacional (euros). Certo é que a ausência de conta bancária sediada em Portugal não inviabiliza o funcionamento regular da sua atividade empresarial. Instituições estrangeiras que operam via regime de livre prestação de serviços, como o Banco 2... UAB, sediado na Lituânia, são consideradas estabelecimentos bancários legalmente autorizados pelo Banco de Portugal. A denúncia da conta bancária em apreço nos autos, de forma alguma configura violação do direito da Recorrente ao regular funcionamento da empresa. O “periculum in mora” de forma alguma se pode considerar como demonstrado e muito menos a decisão recorrida configura violação de quaisquer direitos fundamentais da Recorrente, garantidos pela C.R.P. A sentença recorrida não viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva e o direito à proteção judicial, previstos no artigo 20.º, n.º 1 da C.R.P., nem de forma alguma belisca o direito à atividade económica da Recorrente. A desvinculação de conta bancária em instituição sediada em Portugal, em USD, de forma alguma constitui obstáculo ilegal e desproporcional ao exercício da atividade empresarial da Recorrente.
II. É uma única a questão a decidir nos autos: a de saber se, ainda quando haja de concluir-se pela probabilidade séria da existência do direito da Requerente[1], não se verificava na situação posta à consideração do tribunal o preenchimento do requisito de fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito, ou seja, a de saber se os factos alegados pela recorrente, no confronto agora com a aquisição nos autos da titularidade por ela de uma conta bancária, ainda quando em instituição sediada no estrangeiro, caracterizam uma situação de necessidade de tutela cautelar que possa justificar a providência requerida, com o que a demora na resolução do litígio potencia sério e eminente perigo de lesão grave e irreparável ao direito da Requerente. Caberá, pois, considerar os perigos, riscos ou danos de gravidade sensível a que se reconduz a requerente na petição inicial, que vêm a ser três: - a impossibilidade de cumprir as obrigações legais de depósito em conta bancária do valor do capital social e de satisfazer as obrigações fiscais, por ambas terem de sê-lo mediante uma conta bancária sediada em Portugal; - a inoperacionalidade “funcional” da empresa sem a titularidade de conta bancária, nomeadamente sediada em Portugal, por via ademais das imposições legais quanto a pagamentos em dinheiro; - a impossibilidade da requente lograr, em tempo, uma conta que satisfaça as necessidades sobreditas. Antes do mais, Procedimentos cautelares são instrumentos processuais destinados à obtenção de uma providência ou medida para acautelar a eficácia de uma decisão judicial. São a vertente adjetiva das medidas cautelares, conjunto de actos processuais tendentes à obtenção da pretensão de direito material deduzida, sendo esta a providência (pedido) que é solicitada para acautelar o direito material a definir na ação principal. Destinam-se a garantir a utilidade prática da acção principal. São garantia do direito à efectiva tutela jurisdicional, que se visa obter com o processo principal, evitando danos, que possam advir da demora, para o efeito útil da acção. São, pois, instrumentos de eficácia do processo principal. Recorre-se às providências cautelares quando a regulação dos interesses não pode aguardar pela decisão definitiva, sendo necessária, para assegurar a utilidade da decisão final e a efectividade da tutela jurisdicional, uma composição provisória do litígio, que vai acautelar a situação até à decisão definitiva. Conforme refere Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, vol. I, 3ª ed., págs.623 e segs., que seguiremos muito de perto, para a reconstituição exacta da figura da providência cautelar, não basta conhecer os requisitos de que depende o seu sucesso, sendo necessário, também, definir a sua função jurisdicional. Ora, sob este aspecto, o traço fundamental a assinalar é o de que a providência cautelar não se propõe dar realização directa e imediata ao direito substantivo, mas tomar medidas que assegurem a eficácia duma providência subsequente, esta destinada à actuação do direito material. O que significa que a 1ª é posta ao serviço da 2ª, sendo que, esta é que há-de definir, em termos definitivos, a relação jurídica litigiosa. Daí que aquela tenha carácter provisório e esta tenha carácter definitivo (cfr. o art.383º, do C.P.C.). O processo cautelar é o instrumento de preservação do fim do processo – tutela jurisdicional do caso concreto. É “…na expressiva síntese de CALAMANDREI, “garantia da garantia”, caracterizando-se a sua natureza por uma dupla instrumentalidade”, tendo por fim a proteção da garantia, isto é, através da sua garantia, do seu fruto (a providência cautelar), garantir a produção do efeito útil final – a decisão da ação principal”[2]. Permite assegurar a validade e eficácia da decisão através da adopção de medidas (providências) que actuam ao nível da realidade prática por forma a preservar, acautelar, o efeito útil a produzir pela acção principal. A decisão cautelar não traduz, em regra[3], uma antecipação da decisão principal, embora possa conduzir à produção de alguns dos efeitos próprios desta. Antes tem uma natureza preventiva, pois visa acautelar e prevenir que, no período que decorre entre o momento em que a providência é proposta e aquele em que a decisão da acção principal produz efeitos, não ocorra situação que inviabilize a utilidade da mesma. Ou, se quisermos dizer de outro modo, segundo a jurisprudência, toda a providência cautelar tem como objetivo a garantia do efeito útil da acção, prevenindo a ocorrência ou a continuação de danos ou antecipando os efeitos que as medidas definitivas buscam, por forma a evitar o periculum in mora, traduzido no fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável do direito que se pretende acautelar com a delonga da acção. No fundo, procura a imediata tutela do direito afetado em moldes tais que, se a mesma não ocorrer, o requerente suportará uma lesão grave e irreparável ou cuja reparação se mostre difícil [artigo 362º do CPC]. Também Rita Lynce de Faria reconhece a inadmissibilidade na nossa ordem jurídica de uma “tutela cautelar não instrumental”, em que esta espécie de tutela passasse a ser um fim em si mesma, configurando independência e definitividade, comprometendo o fim para a qual foi concebida. Cfr. A Função Instrumental da Tutela Cautelar Não Especificada, 2003, p. 221-230. No plano da sua função, distinguem-se dois tipos diferenciados de providências: as conservatórias e as antecipatórias [artigo 362º, 1, do CPC]. As primeiras visam acautelar o efeito útil da ação principal, assegurando a permanência do quadro existente quando se despoletou o litígio, e as segundas garantem a antecipação da realização do direito que previsivelmente será reconhecido na ação principal. Por providência conservatória entende-se aquela que visa manter inalterada a situação, de facto ou de direito, existente, evitando alterações prejudiciais[4]. Por providência antecipatória entende-se aquela que antecipa a decisão ou uma providência executiva futura, sem prejuízo de, no primeiro caso, poder também antecipar, de outro modo, a realização do direito acautelado[5]. É o que se nos afigura excluir a verificação na situação decidenda da inutilidade da presente lide, por via da transferência dos valores depositados para uma outra conta da titularidade da Requerente, numa instituição bancária estrangeira. Assim é que, ainda quando efectuada, permanece, de acordo com a posição nos autos pela Requerente, a necessidade de tutela dos danos invocados, que pode justificar a manutenção, rectius, a repristinação da conta em apreço… Sempre, constituindo a providência cautelar, sem prejuízo do regime da inversão do contencioso (art. 369), a antecipação duma providência definitiva, de natureza declarativa ou executiva (…), o procedimento que visa a sua obtenção está sempre na dependência duma acção em que o autor faz valer o direito – ou o interesse tutelado – que através dele visa acautelar[6]. É, pois, de atentar na relação de dependência existente entre o procedimento cautelar e a acção principal (instrumentalidade do procedimento em relação à acção principal), pois ambos os processos estão intimamente relacionados, sendo que a produção do efeito útil da acção principal depende da eficácia da decisão do procedimento cautelar. As providências antecipatórias visam e atenta a urgência da situação carecida de tutela a antecipação da realização do direito que previsivelmente será reconhecido na acção principal e será objecto de execução. «As medidas deste tipo excedem a natureza simplesmente cautelar ou de garantia que caracteriza a generalidade das providências ficando a um passo das que são inseridas em processo de execução para pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou prestação de facto positivo ou negativo. Dentro deste núcleo de medidas cautelares integram-se a restituição provisória da posse; os alimentos provisórios e o novo procedimento cautelar de reparação provisória. Em qualquer destes casos se constata que as providências decretadas não se limitam a assegurar o direito que se discute na acção principal nem tão pouco a suspender determinada actuação, garantindo-se, desde logo e independentemente do resultado a alcançar na acção principal, um determinado efeito que acaba sempre por ter carácter definitivo […] não está afastada a possibilidade de através de providências cautelares não especificadas se poder alcançar também uma medida com efeitos antecipatórios da decisão definitiva, uma vez que o artº 381º prevê expressamente tal possibilidade" Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol III, 2ª ed - pg 92-93. Ponto é que o direito que se visa acautelar no âmbito do procedimento cautelar seja o fundamento da causa principal e, salvo casos excepcionais, não pode o primeiro substituir a segunda, característica que a doutrina designa por instrumentalidade entre aquele e esta. Os efeitos produzidos por este género de providências cautelares não deixam de surpreender e de, eventualmente, provocar em quem tem de decidir, algum temor quanto aos riscos derivados de uma injusta decisão cautelar. […]esse risco aumenta exponencialmente quando se está perante medidas cautelares de carácter antecipatório […] apesar disso as consequências foram assumidas pelo legislador […] há que assumi-lo sem rodeios - o sistema convive com a possibilidade de ser adoptada uma medida cautelar causadora de prejuízos ao requerido que, a final, se revela inadequada[…] tem o juiz a possibilidade de condicionar, em determinadas circunstâncias, a concessão de providência antecipada à prestação de caução, que sendo adequada, permitirá compensar o requerido pelos prejuízos derivados da providência[…] é bom que fique claro que, com caução ou sem ela, a assunção de uma providência insere-se no "risco social" intermediado pelos tribunais, permitindo que o sistema adopte medidas que apesar de, a posteriori, se verificar serem infundadas, nem por isso deixam de se considerar legítimas, por decorrerem do exercício do direito de acção cautelar. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do processo civil, Almedina, III vol 2ª ed-94 a 97 e, de forma ainda mais veemente, a mais completa obra em Portugal sobre o assunto, A Tutela Cautelar Antecipatória no Processo Civil Português: um difícil equilíbrio entre a urgência e a irreversibilidade, Rita Lynce de Faria, UCP Editora. De todo o modo, ainda nas providências antecipatórias, o que está em causa é a salvaguarda provisória de uma situação que é de molde a fazer perigar a tutela efectiva do direito a acautelar, à qual apenas serve uma medida ou providência que se reconduz, de algum modo, ao objecto do pedido da acção respectiva. É que, repete-se, o que justifica a emissão duma providência provisória é o chamado periculum in mora, já que há casos em que a formação lenta e demorada da decisão definitiva expõe o presumido titular do direito a riscos sérios de dano jurídico. E é para afastar estes riscos que se admite a emanação duma providência provisória ou interina, destinada a durar somente enquanto não se profere o julgamento definitivo. Por conseguinte, a função das providências cautelares consiste, justamente, em eliminar o periculum in mora, submetendo a relação jurídica litigiosa a um exame sumário, e por isso rápido, tendente a verificar se a pretensão do requerente tem probabilidades de êxito e se, além disso, da demora do julgamento final pode resultar, para o interessado, lesão grave e dificilmente reparável. E se o tribunal decreta a providência, quer dizer que autoriza os actos ou meios necessários e aptos para por o requerente a coberto do perigo iminente de insatisfação do direito. Como é sabido, os requisitos de procedência de uma ação cautelar analisam-se na reunião de três condições: fumus boni iuris, periculum in mora e princípio da proporcionalidade, sendo que os dois primeiros requisitos permitem aferir da necessidade de decretamento da medida cautelar e o último da adequação ao fim que se propõe alcançar. O requisito do fumus boni iuris “torna a concessão de uma providência cautelar dependente da possibilidade de se discernir a aparência de titularidade de bom direito por parte do requerente. Visando o processo cautelar salvaguardar o efeito útil de um processo principal, importa indagar se este efeito útil se revela susceptível de vir a ser produzido, sob pena de, vindo a concluir-se em sentido negativo, passar a carecer de justificação a concessão da providência cautelar requerida. O pressuposto em causa constitui, nesta medida, reflexo da natureza duplamente instrumental do processo cautelar (aqui se revelando a segunda dimensão da instrumentalidade), da natureza hipotética dessa instrumentalidade e da recíproca relação de dependência entre processo principal e processo cautelar. (…) Incumbe ao requerente demonstrar a probabilidade de procedência da ação principal (…) a perfunctoriedade da análise e do grau de convencimento respeita aos factos correspondentes à titularidade do direito, considerando-se suficiente que se gere no tribunal a convicção, não de que o requerente é titular do direito que invoca, mas de que é verosímil ou altamente provável que assim venha a ser declarado, pelo que importará que, quanto a este requisito, assim atenuado (por respeitar à aparência de titularidade do direito e não à efetiva titularidade do direito), se forme no espírito do julgador o grau de certeza especial, que permite a pronúncia no sentido de que os factos que lhe estão associados se consideram provados”[7]. O requisito do periculum in mora “corresponde ao pressuposto característico dos processos cautelares, dado nele se sintetizar a fonte primária da probabilidade de dano que preside à concepção da tutela cautelar (…). O perigo em causa assume, porém, uma tripla particularidade, na medida em que a sua caracterização impõe que cumulativamente, se considerem a sua fonte, o seu grau e o seu objecto. Tratar-se-á, respectivamente, de perigo decorrente do decurso do tempo processual da acção principal (fonte), que se reflicta negativamente, de forma grave e dificilmente reparável (grau) no efeito útil de tal acção (objecto). (…) Importa que o julgador se convença de que existe perigo, isto é, que considere provados factos que permitam concluir existir um conjunto de circunstâncias que torna altamente possível a ocorrência de um dano futuro. Dir-se-ia que no espírito do julgador não deve remanescer qualquer dúvida razoável relativamente à verosimilhança do futuro dano. O mesmo é dizer que o decretamento da providência cautelar deverá pressupor que o juiz fique especialmente convencido da existência de perigo formulando, embora, um juízo de mera verosimilhança quanto à ocorrência futura de dano”[8]. O requisito do princípio da proporcionalidade demanda “avaliar se a medida requerida é adequada à prossecução do fim cujo alcance se visa e, na hipótese afirmativa, se é a mais adequada. Concluindo-se em sentido negativo, poderá, ainda assim, o decisor conceder uma outra providência que não a requerida. Tudo por forma a (atenta a natureza puramente hipotética – e, portanto, incerta do direito invocado) assegurar a tutela dos alegados interesses do requerente, mediante a mínima ingerência possível na esfera jurídica do requerido. Na hipótese de se concluir estarem verificados todos os mencionados pressupostos, cumprirá indagar se a medida a decretar se revela proporcional, o que se aferirá sopesando os prejuízos que resultariam, para o requerente, da não concessão da providência cautelar e as desvantagens que decorreriam, para o requerido, da concessão da providência cautelar, sendo que a medida não será decretada se este último prejuízo for consideravelmente superior ao primeiro”[9]. Quanto às consequências negativas que se visam evitar deve “o justo receio resultar objetivamente da matéria de facto apurada, em conjugação com as regras da experiência. Mas tanto podem valer os efeitos negativos de ordem patrimonial como não patrimonial, desde que a sua gravidade, projetada pelo que já ocorreu ou possa vir a ocorrer o justifique”[10]. Aceite-se já a aparência ao menos da existência do direito em manter a conta por prazo superior aos 70 dias de pré -aviso da denúncia, como adiantado sob a nota de rodapé 1, ou seja, em face dos factos alegados pela requerente, a indiciação da obrigação de manter a conta por um prazo que permita à requerente a abertura de uma conta em instituição bancária nacional, não se exigindo mais do que a prova mínima de que a situação jurídica alegada é provável ou verosímil. Quanto agora ao fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável. «(…) neste ponto, não exige a lei que se verifique, ao tempo da apresentação do requerimento do procedimento em juízo, um prejuízo concreto e actual, certo ser suficiente o fundado receio que outrem cause ao requerente, antes da instauração da acção principal ou durante a sua pendência, lesão grave ou de difícil reparação. Mas não é qualquer consequência danosa de ocorrência previsível antes da decisão definitiva que justifica o deferimento de uma medida provisória com reflexo imediato na esfera jurídica do requerido, certo que só lesões graves e dificilmente reparáveis podem justificar uma decisão judicial que salvaguarde o requerente da previsível lesão de um direito da sua titularidade. Assim, ainda que se revelem irreparáveis ou de difícil reparação, não podem ter acolhimento em sede de procedimento cautelar comum as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, bem como aquelas que, sendo graves, sejam facilmente reparáveis. A gravidade da previsível lesão deve aferir-se à luz da sua repercussão na esfera jurídica do requerente, tendo em conta que «Quanto aos prejuízos materiais o critério deve ser bem mais restrito do que o utilizado quanto à aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva.» cfr. Ac do STJ de 26.01.06, acessível na base de dados da dgsi. O correcto entendimento será, pois, o de que a providência deve ser decretada, sempre que se esteja ante uma lesão grave, atenta a importância patrimonial ou extrapatrimonial do direito ou do bem que aquele incide (objecto mediato) e que está em risco de ser sacrificado e não seja razoável exigir que tal risco seja suportado pelo titular do direito ameaçado, na medida em que a reparação de tal dano seja avultada ou mesmo impossível. Aqui se convocam, agora, por ser a sede própria, os danos a que se reconduziu a Requerente, nos termos supra caracterizados: - a impossibilidade de cumprir as obrigações legais de depósito em conta bancária do valor do capital social e de satisfazer as obrigações fiscais, por ambas terem de sê-lo mediante uma conta bancária sediada em Portugal; - a inoperacionalidade “funcional” da empresa sem a titularidade de conta bancária, nomeadamente sediada em Portugal, por via ademais das imposições legais quanto a pagamentos em dinheiro; - a impossibilidade da requente lograr, em tempo, uma conta que satisfaça as necessidades sobreditas. Desde logo, não se sufraga a argumentação na decisão recorrida de que o facto de a conta em causa (apenas a invocada na petição) o ser em moeda estrangeira impede a se o pagamento de obrigações em moeda com curso legal em Portugal, pois que tudo depende das condições acordadas de movimentação da conta, não estando excluída que possa existir uma ordem de pagamento em EUR… Bem assim se afigura insubsistente a argumentação pela Recorrida, quanto ao uso da conta (realidade sempre não jurídica, mas económica) como mera conta de investimento. Ponto era que fosse insusceptível de outro uso, mormente aquele que pretende a requerente, o que não resultou sequer alegado. Contudo, assiste razão ao tribunal recorrido, no que tange ao juízo de insubsistência de qualquer dos convocados danos/prejuízos, quando se atente na aquisição processual de titularidade pela Requerente de uma conta bancária em instituição autorizada a operar em Portugal. Desde logo, quanto ao cumprimento de obrigações fiscais e à realização obrigatória de movimentos através de conta dos pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida, pode uma empresa com sede em território nacional indicar como conta bancária afecta à atividade uma conta bancária domiciliada num banco de outros Estado-membro da UE[11], nomeadamente a Banco 2... Digital. De acordo com o disposto no artigo 63.º-C da Lei Geral Tributária (LGT), no seu n.º 1, os sujeitos passivos de IRC estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida. Acrescenta o n.º 2 deste artigo que devem, ainda, ser efetuados através da conta ou conta referidas no n.º 1 todos os movimentos relativos a suprimentos, outras formas de empréstimos e adiantamentos de sócios, bem como quaisquer outros movimentos de ou a favor dos sujeito passivos. Ora, conforme decorre deste artigo 63.º-C da LGT, este não impõe que essa conta bancária esteja localizada num banco nacional, apenas impõe a obrigatoriedade de existência de uma conta bancária afecta exclusivamente à actividade da sociedade. Fiscal, civil ou comercialmente, não conhecemos nada que proíba realizar tais operações numa instituição estrangeira autorizada a operar em Portugal, dado que em termos da União Europeia se erigiu a regra da livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais e a tanto se encontra Portugal vinculado, por força das regras legais da UE. Note-se ainda que, ao invés do que pretende a Requerente, a própria declaração de início de atividade já prevê, no respetivo quadro 15, a indicação do número de identificação bancária internacional (IBAN), com vista à identificação de contas bancárias não localizadas em Portugal. Também no Manual de apoio ao preenchimento da declaração de início de atividade, disponível nesta ligação, é referido que: «O IBAN a indicar terá de pertencer a uma instituição bancária localizada na UE ou no EEE. No caso de indicação de IBAN pertencentes a entidades bancárias não sediadas no território nacional e para efeitos de confirmação do mesmo, deverá remeter à Direção de Serviços de Registo dos Contribuintes (DSRC), um documento autenticado pela respetiva entidade bancária a confirmar validade do IBAN e do código SWIFT/BIC (…).» Desta forma, caso o sujeito passivo entenda utilizar uma conta bancária domiciliada numa instituição bancária com sede noutro Estado-membro, deverá, em adição à informação a preencher na declaração de início de atividade, enviar ainda para a Autoridade Tributária (através do E-balcão utilizando as opções Registo de Contribuinte -> Atividade -> confirmação de IBAN) um documento autenticado pela respetiva entidade bancária a confirmar a validade do IBAN e do código SWIFT/BIC.
Bem assim, quanto à obrigação dos accionistas depositarem um mínimo de 30% do valor total do capital social, no prazo de 5 dias após a disponibilização da certidão permanente, da Lei Comercial apenas resulta, uma vez mais, que tem de sê-lo em conta bancária titulada pela Sociedade, que não também tenha de sê-lo em instituição bancária portuguesa. Donde, inexistem os constrangimentos ao cumprimento das obrigações legais e das condições operacionais, mediante a inexistência da obrigação legal de uma empresa sediada em Portugal ter uma conta em instituição bancária Portuguesa… Como é sabido, qualquer residente ou entidade com sede em Portugal pode abrir e movimentar contas de depósito no estrangeiro, seja junto de instituições portuguesas representadas no estrangeiro, seja junto de instituições estrangeiras (Decreto-Lei n.º 295/2003). Estas podem servir ao cumprimento das referidas obrigações legais, desde que tituladas pela empresa, ainda quando mediante a comprovação acrescida (e fácil) da autenticidade do IBAN e do código SWIFT/BIC. Afastado, pois, o principal argumento da Requerente quanto aos danos ou prejuízos emergentes da denúncia. Insubsistente também o da impossibilidade de lograr, no tempo da denúncia, uma outra conta para a qual pudesse ser transferido o dinheiro, já que, como se adiantou, foi-o e para conta apta a acautelar as condições de operacionalidade da Autora. Haverá, pois, que concluir que, face aos factos alegados e pela requerente mesma, na medida da aquisição da titularidade por ela, de uma outra conta em instituição autorizada a operar em Portugal, uma vez que sedeada na UE, como se anota na decisão recorrida, não concorrem, no caso, todos os requisitos para que possa ser decretada a requerida providência cautelar, pelo que, não podia deixar de ser, como foi, indeferida. Improcedem, deste modo, as conclusões da alegação da recorrente. É que, finalmente, sempre não resultam, pela falta de alegação respectiva, quaisquer limitações às condições de movimentação da conta demonstradamente titulada e apta a “servir”, como aquela cujo contrato foi denunciado, as imposições legais de titularidade de conta bancária pela empresa.
III. Nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pela Recorrente. Notifique.
Porto, 09 de Julho de 2025 Isabel Peixoto Pereira Álvaro Monteiro Isabel Rebelo Ferreira
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