Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0531088
Nº Convencional: JTRP00037808
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
HIPOTECA
JUROS
Nº do Documento: RP200503100531088
Data do Acordão: 03/10/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: .
Sumário: Os créditos reclamados pelo credor hipotecário e graduados, incluem apenas os juros relativos a três anos, se não houver nova hipoteca em relação aos juros.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO.

1. Por apenso à execução ordinária, para pagamento de quantia certa, que “Banco X.........., S.A.” instaurou contra B.......... e C.........., e em que foi penhorada, em 15/03/2002, a fracção autónoma designada pela letra L, correspondente a uma habitação no 2º andar esquerdo centro, e lugar de garagem e arrumo na cave, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua .........., nºs .. e .., freguesia de .........., concelho de .........., inscrito na matriz predial sob o artº 3143º e descrito na .. Conservatória do Registo Predial sob o nº 01092/130695, cumprido que foi o disposto no artº 864º do CPCivil, foi reclamado o seguinte crédito:
a) “Banco Y.........., S.A.” reclama o pagamento de 110.746,31 Euros, acrescidos de juros de mora à taxa contratual anual de 3,875%, acrescida da sobretaxa de 4% em caso de mora, desde 16/02/2004, com o fundamento de que, por escrituras de 20/01/2000, ambas outorgadas no .. Cartório Notarial do .........., mutuou aos reclamados/executados os montantes de Esc. 11.500.000$00 (57.361,76 Euros) e de Esc. 5.500.000$00 (27.344,94 Euros), a reembolsar nos termos delas constantes e para garantia de cujo pagamento, até aos montantes máximos, incluídos juros às taxas contratuais e despesas, de Esc. 14.886.325$00 e Esc. 7.160.318$00, eles constituíram a seu favor duas hipotecas registadas anteriormente ao registo da penhora, encontrando-se em dívida, por incumprimento pelos executados dos respectivos planos de pagamento, desde, respectivamente 05/03/2000, e de 05/05/2000, os montantes de, também respectivamente, 75.239,77 Euros (57.361,76 Euros de capital e 17.878,01 Euros de juros) e 35.506,54 Euros (27.344,94 Euros de capital e 8.161,60 Euros de juros).

2. Liminarmente admitido o crédito reclamado, sem que ele tenha sido objecto de impugnação, foi proferida sentença de verificação e graduação dos créditos do seguinte modo:
1º: Crédito no montante de 75.239,77 Euros do “Banco Y.........., S.A.”;
2º: Crédito no montante de 35.506,54 Euros do “Banco Y.........., S.A.” e
3º: Quantia exequenda.

3. Inconformada com a graduação, dela apelou “Banco X.........., S.A.”, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
a) Nos autos de execução ordinária que a Recorrente move contra B.........., foi o Banco Y.........., S.A. citado na qualidade de credor com garantia real, nos termos do disposto no artº 864º do CPC.
b) O credor Banco Y.........., S.A. reclamou um crédito total de 110.746,31 Euros, sendo os montantes de 57.361,76 Euros e de 27.344,94 Euros referentes a capital e 17.878,01 Euros e 8.161,60 Euros referentes a juros respectivos.
c) Alegou o credor Banco Y.........., S.A. que o pagamento do seu crédito se encontrava garantido por duas hipotecas registadas sobre o imóvel penhorado, e tinha por base dois contratos de mútuo.
d) O credor reclamante alegou que os reclamados não pagavam as prestações dos empréstimos desde 05/03/2000 e 05/05/2000, encontrando-se em dívida juros de mora calculados sobre os montantes de 57.361,76 Euros e 27.344,94 Euros, à taxa contratual de 3,875% acrescida de uma sobretaxa de 4%, desde 05/03/2000 e de 05/05/2000 respectivamente, até integral e efectivo pagamento.
e) Tais juros importavam à data da apresentação da reclamação de créditos, ou seja 16/02/2004, nas quantias de 17.878,01 Euros e de 8.161,60 Euros, respectivamente.
f) Reclamou o credor Banco Y.........., S.A. as seguintes quantias:
- 75.239,77 Euros, sendo 57.361,76 Euros referentes a capital e 17.878,01 Euros referente a juros vencidos desde 05/03/2000;
- 35.506,54 Euros, sendo 27.344,94 Euros referentes a capital e 8.161,60 Euros referentes a juros vencidos desde 05/05/2000 a 16/02/2004.
g) Em Outubro de 2004 foi proferida a douta sentença de verificação e graduação de créditos ora em crise, a qual graduou em primeiro lugar o crédito do credor Banco Y.........., S.A. no montante de 75.239,77 Euros, em segundo lugar o crédito do credor Banco Y.........., S.A. no montante de 35.506,54 Euros e em terceiro lugar o crédito exequendo.
h) Salvo o devido respeito, que muito é, pelo Ilustre Julgador “a quo”, entendemos que lhe fenece razão.
i) O crédito reclamado pelo credor Banco Y.........., S.A. e graduado em primeiro e segundo lugar, nomeadamente quanto a juros, referem-se os mesmos a juros vencidos desde 05/03/2000 e 05/05/2000 até 16/02/2004, ou seja, 3 anos e 11 meses e 3 anos e 9 meses.
j) Nos termos do artº 693º, nº 2, do Código Civil, “tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange, ... mais do que os relativos a três anos”.
l) O crédito reclamado pelo credor Banco Y.........., S.A. apenas se encontra garantido por hipoteca, o capital e os juros relativos a três anos.
m) O crédito do Banco Y.........., S.A. apenas deve ser verificado e graduado em primeiro lugar os montantes correspondentes ao capital e três anos de juros.
n) A douta sentença ora recorrida violou, pois, o artº 693º, nº 2, do Código Civil.
o) Deve a sentença de graduação de créditos ser revogada e substituída por outra que gradue o crédito do credor Banco Y.........., S.A. apenas relativo a capital e três anos de juros, com o que se fará a mais inteira JUSTIÇA.

4. Não foram oferecidas contra-alegações.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Factos provados:
Resulta dos autos que:
- Por escrituras de 20/01/2000, ambas outorgadas no .. Cartório Notarial do .........., o reclamante “Banco Y.........., S.A.” mutuou aos reclamados/executados os montantes de Esc. 11.500.000$00 (57.361,76 Euros) e de Esc. 5.500.000$00 (27.344,94 Euros), a reembolsar nos termos delas constantes e para garantia de cujo pagamento, até aos montantes máximos, incluídos juros às taxas contratuais e despesas, de Esc. 14.886.325$00 e Esc. 7.160.318$00, eles constituíram, sobre o imóvel penhorado e que “infra” se identificará, a seu favor duas hipotecas registadas anteriormente ao registo da penhora, encontrando-se em dívida, por incumprimento pelos executados dos respectivos planos de pagamento, desde, respectivamente 05/03/2000, e de 05/05/2000, os montantes de, também respectivamente, 75.239,77 Euros (57.361,76 Euros de capital e 17.878,01 Euros de juros) e 35.506,54 Euros (27.344,94 Euros de capital e 8.161,60 Euros de juros);
- Na acção executiva de que estes autos são apensos encontra-se penhorado desde 15/03/02 o seguinte bem imóvel: fracção autónoma designada pela letra L, correspondente a uma habitação no 2º andar esquerdo centro, e lugar de garagem e arrumo na cave, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua .........., nºs .. e .., freguesia de .........., concelho de .........., inscrito na matriz predial sob o artº 3143º e descrito na .. Conservatória do Registo Predial sob o nº 01092/130695.

2. Tendo em consideração que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artºs 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, ambos do CPCivil – apreciemos então do seu mérito, sendo a única questão a decidir a de saber se os créditos reclamados pelo credor hipotecário “Banco Y.........., S.A.”, e graduados, incluem a totalidade dos juros, como defendido na sentença, ou apenas os juros relativos a três anos, como entende a apelante.
Nos termos do disposto nos artºs 686º, nº 1, e 687º, do CCivil (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar sem outra indicação de origem), a hipoteca, desde que registada, confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
Face ao estipulado no nº 1 do artº 693º, a hipoteca assegura os acessórios do crédito que constem do registo; por força do nº 2, tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais do que os relativos a três anos; e, segundo o nº 3, o disposto no nº 2 não impede o registo de nova hipoteca em relação aos juros em dívida.
São acessórios do crédito, por exemplo, os juros moratórios ou remuneratórios, as despesas de constituição da hipoteca e de realização do respectivo registo e a cláusula penal a que se reporta o artº 810º - Pires de Lima e A. Varela, CCAnotado, Vol. I, págs. 716 e 717.
Do estatuído no nº 1 resulta que a garantia da hipoteca quanto aos acessórios do crédito depende da sua inscrição registral, prescrevendo, por seu turno, em conformidade, a al. a) do artº 96º do CRPredial que o extracto da inscrição da hipoteca deve inserir o máximo do crédito por esta assegurado e dos seus acessórios.
O disposto no nº 2 visa proteger, no que concerne à garantia do crédito de juros, o interesse de outros credores na não acumulação de juros por eles ignorada, por ser susceptível de o desvalorizar.
Como se refere no Ac. do STJ de 05/11/1980, BMJ nº 301, pág. 395, a garantia hipotecária não cobre os juros superiores a três anos, sem nova hipoteca, ainda que a execução tenha demorado anormalmente mais tempo, pois o preceituado no nº 2 do artº 693º, destina-se a evitar a acumulação de juros garantidos sem conhecimento de terceiros.
No mesmo sentido se pronunciou o Ac. deste Tribunal de 08/10/91, CJ, Tomo IV, pág. 261, onde se escreve que a hipoteca só assegura os juros relativos a três anos, independentemente do tempo decorrido para cobrança judicial do crédito (artº 693º, nº 2, do CCivil).
Ora, no caso dos autos não foi alegado o registo de nova hipoteca em relação a juros da dívida e o reclamante “Banco Y.........., S.A.” reclamou, e viu graduados, juros que excedem três anos – juros vencidos em 16/02/2004 desde 05/03/2000 (sobre o capital de 57.361,76 Euros) e desde 05/05/2000 (sobre o capital de 27.344,94 Euros).
E, face ao disposto no citado artº 693º, nº 2, a hipoteca não abrange os juros que excedam três anos, pelo que procedem as conclusões da apelação.

III – DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente a apelação e consequentemente em graduar os créditos reclamados pelo “Banco Y.........., S.A.” do seguinte modo:
1º: Crédito no montante de 57.361,76 Euros, acrescido de juros relativos a três anos, do reclamante “Banco Y.........., S.A.”;
2º: Crédito no montante de 27.344,94 Euros, acrescido de juros relativos a três anos, do reclamante “Banco Y.........., S.A.” e
3º: Quantia exequenda.
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Sem custas.
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Porto, 10 de Março de 2005
António do Amaral Ferreira
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha
Estevão Vaz Saleiro de Abreu