Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
444/24.2T8OVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO MARCELO DE NÓBREGA DOS SANTOS DE FREITAS ARAÚJO
Descritores: OPOSIÇÃO À PENHORA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PENHORA DE CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RP20251013444/24.2T8OVR-A.P1
Data do Acordão: 10/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A violação do princípio da proporcionalidade quanto aos limites ou à extensão dos bens penhorados constitui fundamento de oposição à penhora pelo executado, nos termos do artigo 784º, nº1, al. a), do CPC.
II - A tutela do bem jurídico da habitação da família do demandado em processo executivo justificou do legislador especial cuidado, através da consagração de várias soluções específicas, em especial quanto aos limites e à ordem de realização da penhora, sem prejuízo dos direitos reconhecidos nessa sede ao credor hipotecário por efeito do disposto no art. 752.º/1 do CPC.
III - A tal cuidado deve corresponder a especial atenção de quem intervém no processo executivo, seja o agente de execução, na escolha dos bens a penhorar, seja o julgador, na avaliação da legalidade da penhora e do seu impacto nos direitos de credor e devedor.
IV - As exigências quanto à alegação e prova sobre a parte onerada com o correspondente ónus não podem ser elevadas a um patamar que exceda a razoabilidade e que negligencie a actuação da contraparte e, inclusivamente, os poderes e deveres do tribunal.
V - O princípio do inquisitório e os poderes/deveres de investigação que concede ao tribunal para o apuramento da verdade incluem todos os factos de que o juiz possa conhecer, abrangendo, portanto, os factos instrumentais e complementares mesmo que as partes não os tenham alegado.
VI - Estando assente o uso do imóvel penhorado para habitação familiar da executada, a oneração do bem por duas hipotecas, o cumprimento presente do crédito hipotecário e a pendência de outras penhoras que, embora de forma muito limitada, satisfazem às finalidades da execução, deve o tribunal averiguar, mesmo oficiosamente, o valor de mercado do imóvel e o montante actual do crédito garantido, ainda que esses factos sejam complementares dos alegados, por tal indagação ser essencial à decisão sobre a oposição à penhora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 444/24.2T8OVR-A.P1

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO (3.ª SECÇÃO CÍVEL):

Relator: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
1.º Adjunto: Carla Jesus Costa Fraga Torres
2.º Adjunto: Miguel Fernando Baldaia Correia de Morais

RELATÓRIO.
Banco 1... - SUCURSAL DA S.A. FRANCESA Banco 1..., com sede no Edifício ..., Rua ..., em Lisboa, intentou processo executivo, contra AA, residente na Rua ..., na ..., com base em injunção dotada de fórmula executória e para pagamento da quantia de € 13.778,76.
Realizadas com sucesso diligências prévias de penhora, incidentes sobre o vencimento, créditos fiscais e o prédio urbano registado na Conservatória do Registo Predial de Murtosa na descrição ..., na freguesia ..., veio a executada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 784.º e 785.º do CPC, deduzir oposição à penhora.
Para o efeito e em síntese, alegou que, considerando as despesas processuais prováveis, a importância global estimada a recuperar na execução é de € 17.317,59, que o seu vencimento está penhorado, desde Março de 2024, do que tem resultado a apreensão de uma média mensal de € 88,58, e que, apenas um mês depois, foi efectuada a penhora da casa de morada de família da executada, que constitui habitação própria e permanente desta e do seu filho, ainda estudante universitário.
A qual, porém, no entendimento da executada, foi erradamente ordenada, já que (i) o valor do imóvel é manifestamente desproporcional à quantia em dívida, sendo certo que o valor patrimonial tributário é de € 46.457,60, (ii) o bem encontra- -se onerado com hipotecas, para garantia dos montantes máximos de € 78.090,00 e de € 24.660,00, pelo que, a sua penhora traduz-se num acto inútil e o valor que com ele pode ser arrecadado não chegará sequer para pagar ao credor hipotecário e (iii) está em causa a habitação própria permanente da executada e do seu filho.
Para concluir que, face ao disposto nos arts. 751.º, n.º 4, do CPC e 65.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, no conflito entre o direito à habitação da executada e o direito do exequente a ver satisfeito o seu crédito, deve este segundo ceder e, em respeito pelo princípio da proporcionalidade e da necessidade, bem como pelo direito à propriedade privada e à habitação, ser decidido o levantamento da penhora sobre o imóvel.
Tendo ainda requerido que, recebidos os embargos, fosse determinado, ao abrigo do artigo 733°, n°. 5 do CPC, que a venda do imóvel penhorado aguarde a decisão que vier a ser proferida nos embargos.
Admitida liminarmente, a oposição foi contestada pela exequente, que discordou do valor do incidente indicado pela executada e impugnou a alegação desta, afirmando, entre o mais, que o respectivo vencimento e eventuais créditos fiscais não permitem a satisfação do crédito exequendo no prazo de 12 meses, que as hipotecas foram constituídas no longínquo ano de 2006, presumindo-se que as amortizações dos empréstimos têm vindo a ser pontualmente cumpridas, sendo tais créditos de valor inferior quando vierem (e se forem) reclamados nos presentes autos, que o valor patrimonial tributário do imóvel sempre será inferior ao seu valor real e que a tutela do direito à habitação não implica a impenhorabilidade, que não foi consagrada pelo legislador.
No saneamento da instância, decidiu-se que a venda do imóvel aguardaria a decisão a proferir em primeira instância sobre a oposição, fixou-se o valor do incidente da oposição à penhora em € 46.457,60 e agendou-se a audiência de produção de prova.
Realizada esta, que se resumiu à inquirição da embargante e de uma das testemunhas que ela ofereceu, os autos foram conclusos e seguiu-se sentença que julgou improcedente a oposição à penhora e, em consequência, decidiu a manutenção da penhora do bem imóvel.
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E dessa decisão, inconformado, veio a executada interpor recurso, que integrou as seguintes conclusões:
(…)
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O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo (cfr. despacho de 8/7/2025).
Nada obsta ao seu conhecimento, tendo sido admitido na forma e com os efeitos legalmente previstos.
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OBJECTO DO RECURSO.
Sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões do recurso, as quais, assim, definem e delimitam o seu objeto (arts. 635.º/4 e 639.º/1 do CPC).
Assim sendo, importa em especial apreciar:
a) se, para avaliar a proporcionalidade da penhora do imóvel e a sua utilidade em face das hipotecas, deveria o tribunal recorrido ter realizado diligências para apuramento da verdade dos factos (conclusões I a XVIII);
b) se os elementos disponíveis nos autos demonstram que a penhora é inútil e desproporcionada (conclusões XIX e segs.).
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FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS.
Importa atender aos factos apurados segundo a decisão recorrida e que, nesse segmento, não foi impugnada:
1) No âmbito da presente acção executiva, foram penhorados à Executada:
a - o crédito correspondente ao Reembolso do IRS referente ao ano de 2023, no valor de 97,50 Euros
b – o prédio urbano registado na Conservatória do Registo Predial de Murtosa com a descrição ..., na freguesia ....
2) O valor patrimonial do prédio urbano, determinado no ano de 2023, descrito na alínea b) do item 1 é € 46.457,60 (quarenta e seis mil, quatrocentos e cinquenta e sete euros e sessenta cêntimos).
3) Sobre o referido imóvel encontram-se definitivamente registadas duas hipotecas voluntárias, inicialmente constituídas a favor do “Banco 2..., S.A.”, com a Ap. ... de 2007/04/03 e Ap. ... de 2007/04/03, com os montantes máximos assegurados de € 78.090,00 e 24.660,00, respectivamente.
4) Encontra-se igualmente penhorado o vencimento da Executada, sendo efectuado em média um desconto mensal de € 166,00.
5) Nos presentes autos de execução, o capital exequendo cifra-se no montante de € 13.778,76, ao qual acrescem as despesas prováveis do Sr. Agente de Execução, no valor de € 3.538,83, perfazendo o total de € 17.317,59 (dezassete mil trezentos e dezassete euros e cinquenta e nove cêntimos).
6) O imóvel penhorado é a casa de morada de família da Executada, sendo a sua habitação própria e permanente que partilha com o seu filho, ainda estudante, que não aufere qualquer rendimento.
7) A renda de um imóvel no distrito de Aveiro e mormente na cidade ... ronda o valor médio de € 600,00.
8) Além dos bens penhorados não são conhecidos outros bens em nome da Executada que possam garantir o pagamento da dívida.
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Por outro lado, não houve respostas negativas à factualidade relevante.
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O DIREITO.
O presente recurso versa o tema particularmente sensível da penhora ou da execução latu sensu do imóvel que constitua a casa de morada de família do executado, onde se cruzam relevantes e antagónicos interesses com dimensão constitucional e reflexo nos princípios gerais da acção executiva.
De um lado, é sabido que a finalidade da execução é a satisfação coactiva do crédito exequendo, à custa do património penhorável do devedor e mesmo que através de venda judicial, visando o pagamento ao credor pelo produto da penhora e da alienação.
Neste sentido, dispõe o art. 817.º do Cód. Civil que não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis de processo.
Está em causa, de acordo com a jurisprudência sedimentada do Tribunal Constitucional, “o direito do credor à satisfação do seu crédito” como corolário “da garantia constitucional do direito de propriedade” e no pressuposto de que aquele direito “congloba, naturalmente, a possibilidade da sua realização coativa, à custa do património do devedor” (cfr. Acórdão nº 612/2019, 2.ª S., processo n.º 431/18 relator Pedro Machete, disponível na base de dados do T. Constitucional em linha).
Em associação, acrescentamos nós, com o próprio conceito de Estado de direito, a que se refere o art. 2.º da CRP, na vertente atinente à coercibilidade das decisões judiciais que, apesar do seu carácter obrigatório, nos termos do art. 205.º/2 do mesmo diploma, não sejam voluntariamente cumpridas.
Do outro lado, é ainda o direito de propriedade do executado que cumpre convocar, nomeadamente, no estabelecimento de limites à penhora baseados em critérios de proporcionalidade, adequação ou utilidade, visto que “decorre também dessa mesma garantia a tutela do interesse do devedor em que o seu património não seja onerado para além da medida correspondente à sua responsabilidade” (cfr. citado Acórdão nº612/2019).
E assim se compreende que, embora estejam sujeitos à execução todos os bens penhoráveis do devedor que, nos termos da lei substantiva, respondam pela dívida exequenda, como prevê o nº1 do art. 735.º do CPC, o nº3 desta norma limite a penhora aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução.
Todavia, se a posição do exequente, para além da propriedade privada, pode encontrar respaldo noutros valores, como a obrigatoriedade das decisões dos tribunais, também para a defesa do estatuto do executado, juntamente com aquele direito, podem concorrer outros interesses.
E um deles é, justamente, o direito à habitação a que a Constituição se refere no art. 65.º/1, segundo o qual, todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
Note-se, no entanto, que a previsão constitucional de semelhante direito tem por principal destinatário o Estado, e não os particulares, como decorre com clareza dos restantes números daquela disposição.
Mais: “o que a Constituição garante é o direito à habitação, mas não o direito à propriedade sobre a habitação, pelo que a penhora desta não ofende aquele, segundo a jurisprudência e a doutrina dominantes” (cfr. Rui Pinto, A Ação Executiva, Reimpressão 2025, p. 484, citando ainda arestos da Relação de Guimarães e do Supremo Tribunal de Justiça e a lição de Rui Medeiros, Pereira Coelho, Guilherme de Oliveira, Gomes Canotilho e Vital Moreira).
Ainda assim, a tutela do bem jurídico da habitação faz-se sentir de forma significativa na posição do demandado na execução, ao ponto de justificar do legislador especial cuidado na consagração de várias soluções legais diversas das gerais e que não se circunscrevem ao âmbito da penhora.
Neste específico plano, saliente-se desde logo o art. 751.º/4 do CPC, na redacção dada pela L. nº117/2019, de 13/09, nos termos do qual, caso o imóvel seja a habitação própria permanente do executado, só pode ser penhorado:
a) Em execução de valor igual ou inferior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 30 meses;
b) Em execução de valor superior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 12 meses.
Trata-se de normas que definem de modo específico a ordem de realização da penhora e aplicáveis somente quando esteja em causa o imóvel que constitua a habitação própria e permanente do executado.
Estabelecendo requisitos que acrescem à exigência, contemplada no nº3 da mesma disposição legal, para os demais imóveis e para o estabelecimento comercial, da inexistência de outros bens que presumivelmente permitam a satisfação integral do crédito no prazo de seis meses.
Paralelamente, nas execuções fiscais, o legislador criou um regime jurídico que impede a venda judicial do imóvel que seja habitação própria e permanente do executado (art.º 244º, n.º 2 do CPPT, na redação conferida pela Lei n.º 13/2016, de 23/5).
Dessa forma, “inviabilizado na execução fiscal mecanismo algum de tutela do direito do credor garantido pela penhora na execução comum (que não pode requerer o prosseguimento da execução fiscal em circunstância alguma)”, não restando “alternativa ao levantamento da sustação da execução comum para que se providencie pela atuação conducente à realização da venda no processo executivo cível” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/3/2023, relator Fonte Ramos, proc. 564/20.2T8ANS-B.C1, disponível em linha na base de dados da Dgsi).
Para além disso, e já fora do campo dos limites da penhora e da venda, destaque-se que a simples realização desta, sempre que incidir sobre o imóvel da habitação, não afecta, pelo menos imediatamente, a possibilidade de o executado manter a sua residência no local, até à consumação da venda executiva, na medida em que, nesse caso, a lei prevê que o executado seja nomeado depositário (cfr. art. 756.º, n.º1, al. a), do CPC).
No mesmo sentido, aponta a previsão legal que permite, uma vez efetuada a venda executiva, a suspensão da entrega do imóvel ao adquirente se suscitar sérias dificuldades no realojamento do executado (cfr. arts. 828.º, 861.º, n.º6, do CPC).
Bem assim, a imposição ao agente de execução da obrigação de comunicar antecipadamente a necessidade de nova habitação do executado à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes (cfr. arts. 828.º e 863.º, n.ºs 3 a 5, do CPC).
Prevendo ainda a lei a possibilidade de suspensão da venda no caso de execução de sentença pendente de recurso (cfr. art. 704.º, n.º 4 do CPC) e nos casos de oposição execução mediante embargos de executado e de oposição penhora (cfr. arts. 733.º, n.º 5, 785.º, n.º 4 e 856.º, n.º 4 do CPC).
Saliente-se, em todo o caso, que a protecção do direito do demandado à habitação própria e permanente, na execução, está longe de fundamentar, como se disse, uma opção legal de impenhorabilidade, reservada nos arts. 736.º e segs. do CPC para situações diversas.
Tal como as preocupações do legislador a esse nível não chegam ao ponto de, em sede de ordem de realização da penhora, fazer prevalecer a tutela da habitação do executado no confronto com a garantia hipotecária de que possa beneficiar o credor.
Com efeito, como resulta do art. 752.º/1 do CPC, executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia.
Razão pela qual, estando em causa uma execução hipotecária, a penhora começa sempre pelo imóvel dado de hipoteca, por muito que ele também integre a habitação permanente do executado.

Todavia, o vasto leque de soluções específicas que consagrou, sobretudo desde a L. nº117/2019, de 13/09, demonstra claramente o especial cuidado do legislador no tratamento das hipóteses de nomeação à penhora do imóvel onde resida o executado, na tutela do direito à habitação, ainda que moderada e sem perturbar os direitos do credor hipotecário.
Perante o qual é exigível que corresponda também a especial atenção de quem intervém no processo executivo, seja o agente de execução, na escolha dos bens a penhorar, seja o julgador, na avaliação da legalidade da penhora e do seu impacto nos direitos de credor e devedor.
Ora, é neste conspecto que a recorrente censura a decisão de primeira instância, sobretudo pela falta de realização de diligências para apuramento da verdade dos factos e que se estende a três aspectos essenciais.
Em primeiro lugar, porquanto foi permitida “a manutenção da penhora da casa de habitação da Recorrente, de valor bastante superior à divida e sem antes se certificar da possibilidade da recuperação do crédito pelo exequente com outras penhoras” (conclusão VIII).
Neste concreto ponto, porém, segundo pensamos, não lhe assiste razão.
Com efeito, não é legítimo à parte, a nosso ver, invocar no recurso questões que não foram concretamente suscitadas e apreciadas no tribunal recorrido, fazendo vingar em segunda instância uma argumentação factual, jurídica ou probatória inovadora e surpreendente para a parte contrária face à actividade processual mantida na primeira.
Em coerência, aliás, com a regra da inadmissibilidade de introdução de questões novas em sede de recurso, quer de direito quer de facto, por se tratar de instância que está reservada à reapreciação de uma decisão anterior.
E em linha com a jurisprudência segundo a qual, “na medida em que os recursos visam por via da modificação de decisão antes proferida, reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, está vedado ao tribunal de recurso apreciar as questões novas antes não suscitadas nem apreciadas pelo tribunal a quo, nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, salvo se de conhecimento oficioso”.
Incluindo nessa proibição “aquilatar se os factos novos alegados pela recorrente só agora no recurso e não no momento processual adequado foram cabalmente demonstrados” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/1/2022, relatora Fátima Andrade, processo nº725/17.1T8VNG.P1, disponível em dgsi.pt).
No mesmo sentido, refere a doutrina que a fase dos recursos não é ajustada à apresentação de novos meios de prova, antes à reapreciação daqueles que tenham sido anteriormente apresentados e não poderá deixar de ser ponderado que o ónus de proposição dos meios de prova se deve materializar também através da sua apresentação em momentos ajustados que não podem ser ultrapassados por vontade das partes (cfr. A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., pp. 337 e 344).
E daí que a inviabilidade de conhecimento de questões novas também tenha aplicação a respeito da matéria de facto. Impossibilitando que se conheça nesta fase a alegação da executada no sentido de existirem outros bens penhoráveis e que, na verdade, nunca foram concretamente identificados junto do tribunal recorrido.
Tanto mais que a ela é facultada a hipótese de fazer essa indicação em qualquer momento, ao agente de execução, em primeira instância, em especial quando seja manifesta a insuficiência dos bens penhorados ou quando os bens penhorados não sejam livres e desembaraçados e existam outros que o sejam, nos termos das als. b) e c) do art. 751.º/5 do CPC.
No entanto, já tem a executada razão, a nosso ver, ao apontar à decisão recorrida a falta de realização de diligências de averiguação sobre os montantes em dívida junto do credor hipotecário (conclusão XIII), por um lado e, por outro, sobre o valor real ou de mercado do imóvel penhorado (conclusão XIV).
Preliminarmente, importa ter presente que, como tem decidido a nossa jurisprudência, “não sendo a posição jurídica do credor absoluta, a agressão do património do executado só é licita se proporcional, por necessária, e adequada, por eficiente à satisfação da pretensão do exequente, podendo a penhora, desproporcional quanto à extensão com que foi realizada, ser impugnada pelo executado em incidente de oposição à penhora”.
E assim a penhora será “ilegal, nas circunstâncias do caso, por ofender os princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição de atos inúteis dado que, desestabilizando a situação económica da executada, não serve para realizar o direito à execução, pois que, num juízo de prognose, previsivelmente, nada vai permitir obter para satisfazer o direito do exequente, antes o produto da venda, esta, também, até, com as inerentes demoras e despesas, será consumido nas custas, a sair precípuas, e no pagamento dos créditos hipotecários, em cumprimento, graduados antes do crédito exequendo” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/7/2021, relatora Eugénia Cunha, proc. 9758/15.1T8PRT-A.P1, disponível na citada base de dados).
Em sentido idêntico, afirma-se que “o ato de penhora não tem uma função sancionatória, mas sim a função de salvaguardar a utilidade do direito do credor que é o pagamento da dívida através do produto da venda executiva”.
Para concluir, sob esse enquadramento, que “viola o princípio da proporcionalidade e adequação a penhora de bens relativamente aos quais existam nos autos elementos claros, seguros e manifestos que apontem no sentido de o produto da venda de tais bens não ser suficiente para pagamento, ainda que parcial, do crédito exequendo por haver créditos graduados em primeiro lugar, nomeadamente hipotecários” (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/1/2023, relator Jorge Almeida Esteves, proc. 4881/19.6T8LRS-B.L1-6, acessível em dgsi.pt).
Da mesma forma, explica a doutrina que “o princípio da proporcionalidade, expresso no nº3 do artigo 735º, constitui, não tanto uma orientação quanto ao objeto da indicação dos bens para penhora pelo exequente ou pelo executado, mas uma limitação da penhora do agente de execução” e “por isso, a violação do artigo 735º nº3 constitui fundamento de oposição à penhora pelo executado, nos termos do artigo 784º nº1, al. a)” (cfr. Rui Pinto, Ob. cit., p. 538).
Por outro lado, estando em causa um fundamento da oposição à penhora, destinado a assegurar o sucesso de tal pretensão e, simultaneamente, a exercer eficazmente o direito que, embora de natureza processual, lhe assiste de obter o levantamento da apreensão, é sobre o executado que recai o ónus de alegar e provar os factos capazes de o sustentar.
Isso mesmo, aliás, tem sido preconizado pelos nossos tribunais superiores, quanto ao oponente e executado, pois “importa dizer que é a este que compete fazer a prova da verificação dos fundamentos da oposição à penhora, por se tratar de facto constitutivo do seu direito ao levantamento da penhora” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/4/2025, relatora Carla Torres, proc. 1543/22.0T8PRT-A.P1, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/03/2023, relatora Cristina Coelho, proc. 17330/15.0T8LRS-C.L1-7, ambos acessíveis na já identificada base de dados em linha).
Volvendo ao caso dos autos, verifica-se que a executada procurou cumprir satisfatoriamente o referido ónus, ao afirmar, em primeiro lugar, “que o imóvel propriedade da Executada tem o valor patrimonial (tributário) de € 46.457,60”, no art. 11 da oposição, e além disso que estão “inscritas, sobre o imóvel penhorado, duas hipotecas voluntárias a favor do Banco 2..., S.A., para garantia do montante máximo de € 78.090,00 e de € 24.660,00”, no art. 20 da mesma peça processual.
Algo que fez acompanhar da junção de documentos com o articulado e mediante a remissão para outros elementos constantes nos autos.
Segundo pensamos, esta alegação e prova são susceptíveis, no essencial, de preencher os requisitos normativos, associados à desproporcionalidade e à inutilidade, inerentes ao direito de obter o levantamento da penhora: olhando apenas para tais valores, é manifesto o juízo de prognose quanto à insuficiência do imóvel para satisfazer o crédito exequendo depois do hipotecário.
É óbvio, porém, que a alegação e a prova produzidos pela executada têm de enfrentar a possível eficácia da impugnação e da contraprova apresentadas a esse respeito pela parte contrária.
O que a exequente procurou satisfazer, embora unicamente em sede de impugnação, mediante a afirmação de que as hipotecas foram constituídas no longínquo ano de 2006, presumindo-se que as amortizações dos empréstimos têm vindo a ser pontualmente cumpridas, sendo tais créditos de valor inferior quando vierem (e se forem) reclamados nos presentes autos, e a alegação de que o valor patrimonial tributário do imóvel sempre será inferior ao seu valor real (arts. 14 e 16 da contestação).
Resultando da alegação e da documentação produzidos pela executada, por um lado, e da impugnação deduzida pela exequente, por outro, o seguinte quadro, ao nível dos factos apurados:
a) por referência ao ano de 2023, o imóvel penhorado tem o valor patrimonial tributário de € 46.457,60;
b) o referido imóvel está onerado por duas hipotecas voluntárias a favor do Banco 2..., S.A., destinadas a garantir os montantes máximos de € 78.090,00 e de € 24.660,00; e
c) tais hipotecas foram constituídas em 2006 e registadas em 2007.
Simultaneamente, está por apurar:
d) qual o valor real do imóvel penhorado; e
e) qual o montante actual do crédito que as hipotecas garantem.
Sublinhando-se, ademais, que muito correctamente, face aos elementos do processo e à posição das partes, os factos indicados de a) a c) constam na decisão de facto da primeira instância no elenco dos provados, ao passo que sobre os restantes nenhum vestígio existe nessa decisão.
Ora, neste quadro, não nos parece acertado, salvo o devido respeito por outro entendimento, que a factualidade indicada em d) e e), apesar da sua relevância, tenha sido relegada na decisão recorrida para a fundamentação de direito e apreciada com base em simples presunções judiciais.
A respeito do primeiro ponto, com a indicação de que “o valor tributável do imóvel em apreço constitui uma mera referência (…)” e “o que vai determinar a concretização da venda executiva é necessariamente o valor real ou do mercado, o qual, fazendo apelo às regras da oferta e da procura, se traduz no montante que um determinado comprador se encontra disposto a pagar num determinado espaço de tempo”, para prosseguir que “esse hiato temporal, no caso em concreto, reportar-se-á ao ano de 2025 em diante, pelo que o valor tributável determinado com base na estimativa vigente ao ano de 2023 porventura já se encontrará desatualizada”.
Enquanto sobre o segundo referiu que “o montante máximo assegurado pelas hipotecas não é forçosamente sinónimo do valor contemporâneo da dívida hipotecária de que a executada seja presentemente devedora (…)” e “os créditos hipotecários em análise nos autos foram constituídos em finais de 2006 – ainda que o registo definitivo das hipotecas remonte a 2007 - e estarão a ser amortizados há mais de quinze anos. Logicamente, não é crível que os valores de capital ainda permaneçam integralmente por liquidar, nem a Opoente demonstra, conforme lhe competia, que o valor actual da dívida hipotecária, no ano de 2024/2025, coincida, ou se aproxime, do limite máximo do crédito garantido pelas hipotecas”.
No entanto, segundo pensamos, as exigências quanto à alegação e prova sobre uma parte não podem ser elevadas a um patamar que exceda a razoabilidade e que negligencie a actuação da contraparte e, inclusivamente, os deveres do tribunal.
No caso dos autos, afigura-se perfeitamente razoável, em primeiro lugar, que a executada, para fundamentar a sua oposição, tenha alegado o valor patrimonial tributário do imóvel, apurado em 2023, o que aliás tem arrimo no art. 812.º/3 do CPC, e o montante máximo garantido pelas hipotecas, que cobre o capital mas também as despesas e os juros que tantas vezes surpreendem os devedores e cujo vencimento decorre igualmente da liquidação antecipada do crédito por impossibilidade de cumprimento.
E tanto mais essa exigência na alegação e prova deve ser atenuada quanto é certo que, nos termos do art. 5.º do CPC, ela tem sobretudo por objecto os factos essenciais, que integram a previsão normativa em que se funda a pretensão, não se estendendo aos factos instrumentais, complementares e concretizadores que decorram da instrução da causa, ainda que estes também sejam indispensáveis para garantir o sucesso da mesma pretensão.
Tem toda a pertinência convocar aqui, por isso e em segundo lugar, o princípio do inquisitório e os poderes de investigação que concede ao tribunal para o apuramento da verdade.
E que, nos termos do art. 411.º do CPC, incluem todos os factos de que o juiz possa conhecer, abrangendo, portanto, os que com natureza instrumental e complementar as partes não tenham alegado.
Como assinala a doutrina, “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio. Os factos sobre os quais o tribunal possui poderes instrutórios são não só os factos instrumentais alegados pelas partes ou investigados pelo tribunal, como os factos principais (…)”.
Todavia, “quanto aos factos instrumentais, o tribunal pode não só investigá-los, como ordenar quanto a eles as actividades probatórias que sejam da sua iniciativa” (cfr. M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, pp. 75-6).
Tal como, no mesmo sentido, também a propósito do disposto no art. 411.º do CPC, explica que “da confluência destas e de outras normas e daquele princípio [do dispositivo] somos levados a admitir que, pelo menos nos casos em que não haja razões para afirmar a existência de comportamentos processuais abusivos, cumpre ao juiz exercitar a inquisitoriedade, preservando o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objectividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade” (cfr. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e L. Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, p. 484).
Razões pelas quais, no caso dos autos, na presença de uma alegação séria da executada, que não ostentava sinais de uma postura abusiva ou negligente, competia ao tribunal de primeira instância, considerando incompleta aquela alegação e face à natureza instrumental ou complementar dos factos omitidos, investigar livre de quaisquer amarras, quer o valor real do imóvel penhorado, quer o montante actual do crédito garantido pelas hipotecas.
Em coerência, aliás, com o entendimento jurisprudencial segundo o qual “o tribunal deve ordenar a realização de diligências de prova se se convencer da sua necessidade para o apuramento da verdade e justa composição do litígio quanto aos factos que lhe é lícito conhecer, contanto que essa sua intervenção, no caso concreto, não constitua uma forma de supressão de omissão negligente das partes e violação dos princípios da igualdade e da autorresponsabilidade das partes” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/5/2025, relator Nuno Araújo, proc. 2283/24.1T8VNG-A.P1, disponível na citada base de dados).
Por último, a nosso ver, importaria ainda que o tribunal recorrido atendesse devidamente ao contributo probatório da exequente, para além da simples impugnação factual e que, na verdade, foi totalmente inexistente, seja ao nível da contraprova produzida por sua iniciativa, seja mesmo quanto ao que requereu fosse apresentado pela parte contrária.
É que, como se salienta na jurisprudência, entre outras circunstâncias, “o juiz poderá sustentar a decisão sobre a matéria de facto provada e não provada também na ponderação do modo como as partes se posicionaram no que concerne ao exercício do ónus da prova e de contraprova e ao acatamento do princípio da cooperação em matéria probatória” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/5/2023, relator Miguel Baldaia de Morais, proc. 14491/15.1T8PRT-A.P1).
Sucede, porém, que em lugar destes factores, a decisão recorrida optou por socorrer-se de presunções judiciais cujo resultado, além de não ter ficado espelhado nos factos provados, acabou desprovido de qualquer efeito útil ou efectiva concretização.
Limitando-se, ao invés, a meras conjecturas de que constituem exemplo afirmações como “o valor tributável determinado com base na estimativa vigente ao ano de 2023 porventura já se encontrará desatualizada”.
E ainda “o montante máximo assegurado pelas hipotecas não é forçosamente sinónimo do valor contemporâneo da dívida hipotecária” (sublinhados nossos).
Simplesmente, importa recordar que, nos termos do art. 341.º do CC, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos e, por outro lado, que as presunções servem precisamente para tal demonstração, constituindo, de acordo com o disposto no art. 349.º do CC, ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
Deste modo, “a relevância desta prova ressalta sobretudo nas situações de grande dificuldade na prova direta de alguns factos que, de outro modo, poderiam ficar por provar”, visto que “a presunção, ao criar no espírito do julgador a convicção racional de que o facto presumido ocorreu, permite dá-lo como provado” (cfr. R. Lynce de Faria, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2.ª ed., UCP, Faculdade de Direito, p. 1013).
Ora, em acréscimo à falta de qualquer repercussão assumida nos factos provados, é evidente que as referidas presunções não são idóneas a responder às interrogações das alíneas d) e e), por não existirem por ora factos conhecidos que ostentem o nexo lógico necessário para tal resposta.
Com efeito, se é racionalmente justificado inferir, em face da ausência de penhoras no registo, a inexistência de uma situação de incumprimento actual do crédito hipotecário, daí já não é possível extrapolar para o cumprimento pontual desse crédito ao longo de toda a vida do contrato.
E ainda menos para determinar o valor desse crédito na actualidade, o que depende de múltiplos factores desconhecidos, começando pela longevidade prevista para o seu pagamento.
Da mesma forma, embora seja razoável supor que o valor tributário do imóvel fica aquém do valor real e que este aumentou desde 2023, é manifesto que isso não basta para proceder à quantificação desse valor, nem sequer para inferir que ele é suficiente para assegurar o pagamento do crédito hipotecário e depois, mesmo parcialmente, do crédito exequendo.
Contudo, esses são factos cuja essencialidade é inegável no caso dos autos, para aferição do cumprimento dos requisitos da proporcionalidade e utilidade na realização da penhora do imóvel, em especial na determinação da eventual possibilidade de aplicação do produto da sua venda no pagamento do crédito exequendo após liquidação das custas e da dívida hipotecária.
De resto, estão presentes os outros requisitos indispensáveis para o efeito, como a utilização do imóvel penhorado para habitação familiar da executada, a prevalência do crédito hipotecário na distribuição do produto da venda desse bem, a situação de cumprimento actual em que se encontra esse crédito e a pendência de outras penhoras (sobre o vencimento e créditos por reembolso) que, embora de forma muito limitada, satisfazem às finalidades da execução.
Podendo dizer-se, em consequência, que os autos tratam realmente de um caso de fronteira na decisão sobre a manutenção ou o levantamento da penhora e para a qual contam todos os factos relevantes, especialmente aqueles que se encontram por apurar relativos ao exacto valor do imóvel e ao montante que está por pagar do crédito hipotecário.
Os quais, pela sua importância no desfecho do caso, tal como pelo cuidado empregue pelo legislador no tratamento da questão, a que acima aludimos, justificavam do tribunal recorrido outra atenção na sua averiguação.
Tal como merecem das partes a devida ponderação, incluindo em sede de possível composição amigável do litígio, designadamente através de um reforço de pagamento por parte da executada, em acréscimo ao produto da penhora sobre o vencimento, que possa abreviar um pouco mais a extinção da execução, por ser evidente que dos factos por averiguar pode igualmente resultar uma decisão favorável à tutela da habitação da devedora, como uma decisão em benefício da satisfação célere do direito da credora.
Basta atentar, para assim concluir, em dois exemplos da jurisprudência superior sobre casos semelhantes, para além dos já citados.
Assim, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/6/2019, foi decidido que, “encontrando-se o crédito do exequente a ser satisfeito pela penhora no vencimento do executado, revela-se excessiva e desproporcionada a penhora do imóvel que serve de casa de habitação do executado, que tem um valor patrimonial muito superior ao da dívida exequenda, custas e encargos prováveis da execução, considerando que esse imóvel tem duas hipotecas com registo anterior à penhora e a probabilidade de o exequente obter qualquer satisfação efetiva do seu crédito pela venda judicial desse bem ser por isso diminuta”.
Para concluir que, como “o executado está a cumprir os créditos garantidos pelas hipotecas com registo anterior à penhora, a possibilidade de venda judicial do imóvel que lhe serve de casa de habitação constituiria para o executado um dano excessivamente gravoso, que não se traduziria num ganho efetivo para o credor exequente, havendo assim violação do princípio da proporcionalidade (aresto disponível em jurisprudencia.pt, relativo ao proc. 1920/14.0YYLSB-A.L2-7 e da autoria de Carlos Oliveira).
De outro lado, porém, também já se decidiu que, embora “à luz do disposto no art.º 751.º, n.º 4, al.ª b), do CPCiv., não pode proceder-se à penhora de imóvel que seja a habitação própria permanente do executado se a penhora de outros bens presumivelmente permitir a satisfação integral do credor no prazo de 12 meses”, não é possível “formular-se um juízo de prognose positivo no âmbito desta norma se o executado, de acordo com o apurado, não tem outro património (para além da casa de morada de família, objeto da penhora em discussão), não aufere vencimento ou rendimentos, nem se descortina qualquer causa ou fonte de novos rendimentos ou meios que permitam a aquisição de património no curto ou médio prazo, nada mostrando que a sua situação económica/patrimonial possa melhorar no futuro”.
De modo que, nesse caso, “a penhora da casa de morada de família, onde a parte executada/opoente reside com as suas filhas, não ofende o princípio da proporcionalidade da penhora” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29/4/2025, relator Vítor Amaral, proc. 938/24.0T8SRE-A.C1, disponível em linha no sítio da Dgsi).
O que tudo, ao cabo de contas, vem confirmar a importância que assume o apuramento dos factos cuja concreta resposta foi omitida na decisão recorrida e que, embora instrumentais ou complementares dos alegados, são decisivos, na falta da referida composição amigável, para o desfecho da oposição.
Por outro lado, para a superação dessa omissão, importa recorrer, se bem pensamos, ao disposto no art. 662.º/2 do CPC.
E que, para semelhantes patologias do nível da matéria de facto, contém duas soluções potencialmente aplicáveis ao caso dos autos, estabelecendo que a Relação deve ainda, em alternativa à alteração da decisão factual, a que se refere o art. 662.º/1, e mesmo oficiosamente:
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; ou
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.
Parece evidente, porém, que a opção prevista na citada al. b) tem por pressuposto que a factualidade relevante já tenha sido objecto de averiguação e de concreta resposta em primeira instância, cujo sentido levante dúvidas ao tribunal superior.
Ao invés, e como resulta da exigência de duplo grau de jurisdição, se a matéria factual relevante não tiver sido previamente averiguada, como sucede na hipótese dos autos, é já no tribunal recorrido que, em primeiro lugar, deve ocorrer a sua averiguação, na sequência de decisão de anulação, prevalecendo nesse caso a aplicação da alínea c).
Tanto mais que é o referido tribunal que está mais vocacionado para a produção de prova e prevenir o seu alargamento a outros factos que venham a julgar-se relevantes para o efeito.
E porquanto, por outro lado, na ausência de qualquer prova produzida antes da decisão de anulação, a Relação não dispõe, naturalmente, de todos os elementos probatórios necessários para suprir a omissão.
Sendo certo que, como refere a jurisprudência, “a ampliação da decisão da matéria de facto, quando necessária, processar-se-á no tribunal ad quem, desde que para tanto constem do processo todos os elementos que permitam essa ampliação, pressupondo que sobre a matéria em causa foi produzida prova, com a devida observância do contraditório” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/3/2025, relator Carlos Gil, proc. 4280/21.0T8PRT.P1, também disponível no já identificado sítio).
Procedem, assim sendo, as conclusões I a XVIII do recurso, com a natural inviabilidade, por ter ficado prejudicada, de apreciação das restantes.
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DECISÃO:
Pelo exposto, concedendo provimento à apelação, decide-se anular a decisão recorrida e determinar que, em primeira instância, se averigue a) qual o valor de mercado do imóvel penhorado, a apurar por arbitramento, e b) qual o montante actual do crédito que as hipotecas garantem e que seria liquidado em reclamação de créditos no caso de venda do imóvel, a apurar através de informação do credor hipotecário, para além de outros factos que se julguem necessários para a decisão, oficiosamente ou mediante requerimento, prosseguindo depois ali os autos, se não sobrevier motivo diverso para a extinção da oposição, mediante elaboração de sentença.
Custas do recurso pela recorrida (art. 527.º do CPC).
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SUMÁRIO
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(o texto desta decisão não segue o Novo Acordo Ortográfico)

Porto, d. s. (13/10/2025)
Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
Carla Fraga Torres
Miguel Baldaia de Morais