Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1144/24.9T8AMT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR DIONÍSIO OLIVEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
ENCERRAMENTO DO PROCESSO
PRESSUPOSTOS
AUDIÇÃO DO DEVEDOR
ASSEMBLEIA DE CREDORES E CREDORES
Nº do Documento: RP202507101144/24.9T8AMT.P1
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente está previsto e regulado nos artigos 230.º, n.º 1, al. d), e 232.º a 234.º do CIRE.
II – Constitui pressuposto (positivo) deste encerramento a verificação da insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente. Tal verificação é feita, por regra, pelo AI, que disso dá conhecimento ao juiz do processo. Desde a revisão do CIRE operada pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, a lei passou a contemplar a possibilidade de o juiz conhecer oficiosamente a referida situação de insuficiência.
III – Em qualquer dos casos, o juiz ouve o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, após o que o declara encerrado o processo, salvo se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente. Consagra-se, assim, um segundo pressuposto (negativo) do encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, traduzido na ausência do referido depósito.
IV – A audição do devedor, da assembleia de credores e dos credores não tem como única finalidade o referido depósito – se assim fosse, teríamos de concluir pela inutilidade da audição do devedor, na medida em que não lhe é facultada a possibilidade de proceder a esse depósito –, mas também facultar aos notificados a possibilidade de se pronunciarem sobre a insuficiência da massa insolvente, apresentando os argumentos e a prova que tiverem.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 1144/24.9T8AMT.P1



Acordam no Tribunal da Relação do Porto





I. Relatório


AA, residente na Rua ..., ..., ..., veio intentar a presente acção especial contra A..., Lda., com sede na Rua ..., ..., ..., pedindo a declaração da insolvência da requerida.
Feita a citação, não tendo sido apresentada oposição, foi proferida sentença que declarou a insolvência da requerida.
A administradora da insolvência (AI) ali nomeada veio apresentar o relatório referido no artigo 155.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), do qual consta que foi apurada a existência de um único bem – o veículo automóvel com a matrícula ..-..-PX, da marca Renault, modelo ..., do ano de 2000, que ainda não foi possível localizar, desconhecendo-se o atual estado do mesmo – e no qual se propõe que «a assembleia de credores delibere no sentido de aguardar o resultado das diligências da circularização, assim como da localização e estado da viatura».
Notificado deste relatório, o Ministério Público veio informar, para além do mais, não se opor ao encerramento do processo, nos termos dos n.ºs 1 e 2, do artigo 232.º, do CIRE, caso venha a ser requerido pelo AI.
Foi então proferido o seguinte despacho com data de 09.01.2025:
«Não tendo sido localizado o veículo automóvel com a matrícula ..-..-PX, da marca Renault, modelo ..., do ano de 2000, único bem identificado pelo Sr. Administrador de Insolvência como pertença da insolvente, tendo em consideração o seu ano de matrícula, marca e modelo seguramente o seu valor será muito reduzido, por isso, sempre inferior a 5 000 euros, pelo que se presume a insuficiência da massa.
Assim, notifique a Devedora e os credores para se pronunciarem nos termos e para os efeitos previstos no artigo 232.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas».
A devedora e os credores não se opuseram ao encerramento do processo nos termos da referida disposição legal.
Notificada do despacho acima transcrito, a AI veio informar em 14.01.2025 que, conforme consta do relatório que apresentou, relativamente à apreensão de bens foi efetuada a diligência de circularização de clientes, conforme cartas que junta em anexo, razão pela qual entende que os presentes autos devem aguardar pelo resultado dessa circularização, o qual será oportunamente junto aos presentes autos, por forma a determinar se este deve ou não ser encerrado por insuficiência da massa.
Sobre este requerimento, foi proferido o seguinte despacho de 30.01.2025: «atento o informado pela Sr.ª Administradora de Insolvência, por ora não se proferirá despacho de encerramento do processo, ficando os autos a aguardar por 30 dias e, após, caso nada seja junto, notifique a Sr.ª Administradora de Insolvência para informar o resultado das cartas remetidas aos clientes da insolvente para cobrança de créditos».
Em 12.03.2025 a AI veio informar «que aguardou o pagamento por parte do cliente B..., Lda., após todas as comunicações trocadas» e que «dada a ausência, irá proceder à cobrança coerciva, sendo que, dado a especificidade (suprimentos), requer autorização para a nomeação de mandatário para a massa insolvente».
Em 14.03.2025 foi proferido o seguinte despacho:
«Tendo sido notificados os credores nos termos e para os efeitos previstos no artigo 232.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e nada tendo oposto, não existe fundamento legal para que o juiz possa autorizar a Sr.ª Administradora de Insolvência a contratar os serviços de um advogado para interpor uma ação de desfecho imprevisível e, ainda que possa ter ganho de causa, nada garante que viesse a ser cobrado qualquer valor, como tal, não seria o IGFEJ a suportar os custos com a interposição de uma ação judicial.
Termos em que não autorizo a Sr.ª Administradora de Insolvência a contratar advogado, devendo requerer Apoio Judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de honorários a Patrono.
Notifique, sendo também a Sr.ª Administradora de Insolvência para esclarecer o fundamento da ação que pretende instaurar porquanto num local refere tratar-se de um cliente, pressupondo-se que este não terá pago alguma fatura, e noutro local refere tratar-se de suprimentos.
Assim, deverá esclarecer o Tribunal do fundamento da ação, do valor que pretende cobrar e da viabilidade de vir a receber tal valor, em caso de procedência da ação, devendo fazer uma prévia averiguação da situação financeira da sociedade em causa, analisando as contas apresentadas e publicadas por esta, para aferir da concreta viabilidade de vir a receber para a massa alguma quantia que justifique a interposição de uma ação, já que, os processos de insolvência destinam-se a liquidar o património existente e não um meio para que as sociedades cobrem dividas que, por si, não lograram cobrar.
Com efeito, a interposição de ações para cobrança de créditos pela massa insolvente tem de ter justificação e probabilidade séria de vir a receber o crédito em causa.
Prazo: 10 dias
Em resposta, em 19.03.2025 a AI veio informar que o crédito em causa provém de serviços prestados ao cliente B..., Lda., o qual, para além de devedor da sociedade insolvente, é simultaneamente sócio da mesma. Mais informou que é seu entendimento que o crédito em questão deve ser cobrado por via judicial com a maior brevidade possível, o que desaconselha a realização de uma análise prévia da capacidade financeira do devedor, pois há indícios de que este possui capacidade financeira para solver a dívida, mas a demora na cobrança pode resultar na impossibilidade prática de recuperação do valor devido, uma vez que existem fundados receios de que, após a solicitação formal de pagamento, o devedor possa adotar estratégias para inviabilizar o cumprimento da sua obrigação, nomeadamente esvaziando o seu património ou recorrendo a mecanismos que legalmente o protejam de ações futuras. Concluiu requerendo autorização para a instauração da ação de cobrança do crédito em questão sem a análise prévia da situação financeira.
O Tribunal a quo proferiu despacho, onde declarou esgotado o seu poder jurisdicional relativamente ao pedido de autorização de contratação de advogado para interpor acção judicial, já anteriormente apreciado e indeferido, e encerrado o processo de insolvência, ao abrigo do disposto no artigo 232.º do CIRE, o que fez nos seguintes termos:
«O Juiz já se pronunciou quanto à matéria em questão (não autorizando a contratação de advogado para interpor ação judicial), pelo que se esgotou o poder jurisdicional do juiz quanto a tal matéria, não existindo fundamento legal para se pronunciar duas vezes sobre a mesma questão.
Por outro lado, nenhum dos argumentos invocados pela Sr.ª Administradora de Insolvência contraria a circunstância de a massa insolvente não ter meios para suportar os custos de interposição de uma ação judicial e, quando assim é, cabe aos credores adiantarem os valores necessários para tal interposição, caso assim o entendam por pretenderem o prosseguimento do processo em vez do seu encerramento por insuficiência da massa, e no caso concreto, notificados do teor do relatório da Sr.ª Administradora de Insolvência, nos termos do artigo 155.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e também do despacho proferido em 09.01.2025, nenhum credor se veio pronunciar, nomeadamente manifestando vontade de adiantar o valor necessário a suportar custos com uma eventual ação judicial a interpor pela massa.
Termos em que, nada mais há a determinar para além do já decidido por despacho proferido em 14.03.2025.
Notifique.
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Tendo sido dispensada a Assembleia de Credores, na sentença que declarou a insolvência da Devedora e tendo sido notificados os credores do teor do relatório apresentado pelo/a Sr./Sr.ª Administrador/a de Insolvência para se pronunciarem quanto à proposta ali apresentada e também do despacho proferido em 09.01.2025, os mesmos nada disseram que possa obstar ao encerramento do processo.
Em face da insuficiência da massa insolvente de “A..., Lda.” constatada pelo/a Sr./Sr.ª Administrador/a da insolvência para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente, nos termos do disposto no artigo 230.º, n.º 1, alínea d), do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresa, já que nenhum bem foi apreendido para a massa e apenas se propunha a Sr.ª Administradora de Insolvência intentar uma ação judicial para cobrança de um crédito sem que tivesse apresentado qualquer perspetiva séria e razoável de que tal crédito viria a obter cobrança, além de não ter também qualquer credor manifestado interesse em adiantar o valor necessário a suportar os custos com a ação judicial a interpor, declaro encerrado o presente processo de insolvência.
(…)»
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Inconformada, a massa insolvente de A..., Lda, representada pela AI, apelou desta decisão, concluindo assim a sua alegação:
«1.º- Por decisão datada de 14 de março de 2025 o juiz a quo decidiu que a massa insolvente deveria recorrer ao apoio judiciário para a nomeação de patrono para a interposição de acção judicial, pois a massa insolvente não tinha verbas.
2.º- Para apresentação do requerimento de apoio judiciário concedeu o prazo de 10 dias.
3.º- Antes do decurso do prazo concedido de 10 dias decretou sentença de encerramento do processo, no datada de 24 de março de 2025, com fundamento (...nenhum credor se veio pronunciar, nomeadamente manifestando vontade de adiantar o valor necessário a suportar custos com uma eventual acção judicial a a interpor pela massa.”
.4.º- Ora, essa questão de concessão pelos credores de valores para interpor acção judical nunca foi colocada, e portanto, não deveria ser considerada para emitir um despacho de encerramento do processo, especialmente quando há um despacho a ordenar a apresentação de requerimento de apoio judiciário para a nomeação de patrono anterior.
5.º- Acresce que o despacho de encerramento do processo foi decretado ainda antes dos 10 dias ordenados no despacho anterior para requerer e juntar aos autos requerimento de apoio judiciário para nomeação de patrono.
6.º- É assim a sentença nula, nos termos do artigo 615.º n.º 1 do Código de Processo Civil pois o juiz a quo tomou posição sobre questões que não deveria tomar conhecimento para fundamentar e decidir sobre o encerramento do processo de insolvência»
Não foi apresentada qualquer resposta a esta alegação.
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Embora a Sra. Juíza a quo não tenha dado cumprimento ao disposto no artigo 617.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), não se afigura indispensável mandar baixar o processo para esse efeito (cfr. n.º 5, do mesmo artigo).

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II. Fundamentação

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do CPC, não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
Tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, importa decidir se a decisão recorrida padece de alguma nulidade e se não estavam verificados os requisitos legais para declarar encerrado o processo por insuficiência da massa insolvente, nos termos do disposto no artigo 232.º do CIRE.
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Alega a recorrente que o Tribunal a quo decidiu que aquela deveria recorrer ao apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono – tendo em vista propor acção judicial para cobrança do crédito de que é titular – e que lhe concedeu 10 dias para o efeito, razão pela qual não podia ter declarado encerrado o processo de insolvência antes de decorrido este prazo, como fez (cfr. conclusões 1 a 5).
Mas nenhuma das premissas de que parte se mostra rigorosa. Na verdade, o Tribunal a quo não decidiu que a recorrente devia recorrer ao apoio judiciário, nem lhe fixou qualquer prazo para esse efeito.
Perante o pedido de autorização, apresentado pela AI em 12.03.2025, «para a nomeação de mandatário para a massa insolvente», o Tribunal a quo decidiu, por despacho de 14.03.2025, não autorizar a AI a contratar um advogado, argumentando que nenhum dos credores se havia oposto ao encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, pelo que inexistia fundamento legal para autorizar a contratação dos serviços de um advogado para interpor uma acção de desfecho imprevisível e, assim, onerar o IGFEJ com os custos dessa interposição na eventualidade de nada ser cobrado. Ao aludir à possibilidade de a AI requerer apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e pagamento dos respectivos honorários, o Tribunal a quo limitou-se a indicar um caminho possível para ultrapassar os entraves à autorização solicitada, mas não impôs, nem vemos como pudesse impor, essa solução. Ainda que se veja na decisão do Tribunal a quo uma autorização para a massa insolvente pedir apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, não foi ordenado à AI que deduzisse esse pedido, ao contrário do que é afirmado no ponto XI da alegação da recorrente.
No mesmo despacho de 14.03.2025, o tribunal ordenou a notificação da AI para esclarecer o fundamento da acção que pretendia propor, o valor que pretendia cobrar e a viabilidade de vir a receber esse valor, devendo aquela, para esse efeito, fazer um prévia averiguação da situação financeira da sociedade devedora, mais acrescentando que a interposição de acções para cobrança de créditos pela massa insolvente tem de ser justificada na probabilidade séria de vir a receber o crédito em causa.
Não era inteiramente claro o propósito desta notificação, designadamente se visava habilitar o Tribunal ou os credores a decidirem se autorizavam ou não a propositura da referida acção para cobrança do crédito e/ou se visava habilitar o tribunal a aferir a verificação dos requisitos do encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, previstos no artigo 232.º do CIRE. A decisão recorrida, proferida logo depois de terem sido prestados os esclarecimentos solicitados, parece apontar neste segundo sentido.
Seja como for, é perfeitamente claro que o prazo de 10 dias ali fixado correspondia ao prazo concedido à AI para prestar os esclarecimentos assim determinados e não ao prazo concedido para solicitar e comprovar nos autos o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e de dispensa do pagamento dos respectivos honorários.
Tendo esta notificação sido efectuada por comunicação electrónica de 17.03.2025 e tendo a AI prestado os esclarecimentos solicitados em 19.03.2025, o referido prazo deixou de correr, por se ter esgotado a sua finalidade.
Por conseguinte, independentemente do acerto da decisão de encerramento do processo, é inequívoco que o prazo que havia sido concedido à AI não obstava à sua prolação.
Alega ainda a recorrente que, tendo o Tribunal a quo ordenado que a acção judicial para cobrança do crédito da insolvente fosse patrocinada por patrono nomeado (a que chama patrono oficioso – cfr. ponto XIV da alegação) e tendo o respectivo pedido de apoio judiciário sido apresentado na Segurança Social em 19.03.2025 (cfr. pontos VII e XVI da alegação), não podia aquele Tribunal ter decidido o encerramento do processo com fundamento na falta de adiantamento, pelos credores, do valor necessário para suportar os custos da acção judicial a interpor pela massa, pois essa questão nunca foi colocada (cfr. conclusões 3 e 4).
Já vimos que o Tribunal a quo não ordenou que a acção judicial para cobrança do crédito da insolvente fosse patrocinada por patrono nomeado.
Quanto à apresentação do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, não foi junto aos autos, no requerimento apresentado em 19.03.2025 ou em momento posterior, qualquer documento que o comprove. Dos autos consta apenas cópia de uma decisão da Segurança Social a conceder à massa insolvente o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo, o que nos permite inferir que ou o pedido de nomeação de patrono nunca foi apresentado ou foi recusado. Em qualquer dos casos, tendo a referida cópia da decisão da Segurança Social sido junta aos autos já depois de ter sido apresentada a alegação do recurso, jamais poderia ter sido considerada na decisão recorrida.
Também não é verdade que nunca tenha sido colocada a questão da falta de adiantamento, pelos credores, do valor necessário para suportar os custos da acção judicial a interpor pela massa e que, por isso, o tribunal não podia decidir o encerramento do processo com esse fundamento.
Como vimos, logo no despacho em que recusou a autorização para contratar um advogado, datado de 14.03.2025, o Tribunal a quo argumentou que os credores foram notificados para os efeitos previstos no artigo 232.º, n.º 2, do CIRE, e nada opuseram, pelo que inexista fundamento legal para aquela autorização.
Dispõe aquela norma que, ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, o juiz declara encerrado o processo, salvo se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente, entre as quais se incluem as dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente e as dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções (cfr. artigo 51.º do CIRE). Ora, as despesas com a constituição de mandatário judicial para propor uma acção de cobrança de créditos incluem-se, indiscutivelmente, nas dívidas da massa insolvente.
Nestes termos, a falta de depósito, por parte de algum interessado, do montante necessário para garantir o pagamento das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, aí se incluindo o montante necessário para suportar as despesas com a contratação de um advogado, foi o fundamento invocado pelo Tribunal a quo para recusar a autorização para tal contratação, recusa que nunca foi questionada por nenhum interessado, inclusivamente a massa insolvente, pelo que esta decisão transitou em julgado.
Não há, assim, qualquer novidade na argumentação esgrimida na decisão recorrida, que se limita a reiterar a ausência de meios da massa insolvente para propor uma acção judicial para cobrança de crédito e a falta do depósito previsto no artigo 232.º, n.º 2, do CIRE, para fundamentar o encerramento do processo ao abrigo desta norma.
Pelas razões expostas, a decisão recorrida não padece de qualquer das nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, do CPC, nomeadamente a nulidade por excesso de pronúncia.
Não obstante, perante a argumentação da recorrente, importa apurar se outras razões impediam o Tribunal a quo de declarar encerrado o processo, pelo menos no momento em que o fez, designadamente se aquele Tribunal devia ter aguardado que a AI comprovasse nos autos a apresentação do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono ou se a devia tê-la convidado fazê-lo e se, junto tal comprovativo, devia ter aguardado pela decisão da Segurança Social, só então decidindo se estavam verificados os requisitos legais do encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa. Mas também se devia ter ponderado previamente a viabilidade da cobrança do crédito alegada pela AI no requerimento que apresentou em 19.03.2025 e o pedido de autorização aí formulado para instaurar a ação de cobrança do crédito em questão sem a análise prévia da situação financeira.
O encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente está previsto e regulado nos artigos 230.º, n.º 1, al. d), e 232.º a 234.º do CIRE.
Constitui pressuposto (positivo) deste encerramento a verificação da insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.
Nos termos do disposto nos artigos 230.º, n.º 1, al. d), e 232.º, n.º 1, tal verificação é feita, por regra, pelo AI, que disso dá conhecimento ao juiz do processo. Mas, desde a revisão do CIRE operada pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, em vigor desde 20 de Maio de 2012, a segunda das disposições legais antes citas passou a contemplar a possibilidade de o juiz conhecer oficiosamente a referida situação de insuficiência.
Em qualquer dos casos, o juiz ouve o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, conforme preceitua o n.º 2, do mesmo artigo 232.º, após o que o declara encerrado o processo, salvo se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente. Consagra-se, assim, um segundo pressuposto (negativo) do encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, traduzido na ausência do referido depósito.
No caso concreto, a AI não comunicou ao juiz a quo que a massa insolvente era insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente. Mas este, com base no teor do relatório previsto no artigo 155.º do CIRE, suscitou oficiosamente a questão, considerando estar presumida a insuficiência da massa, nos termos previstos no artigo 232.º, n.º 7, do CIRE, e ordenando a notificação da devedora e dos credores para se pronunciarem, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2, do mesmo artigo (cfr. despacho de 09.01.2025).
Já vimos que nem a devedora nem os credores usaram a faculdade prevista nesta norma para evitar o encerramento do processo, nem essa falta é suprível pela eventual concessão do benefício do apoio judiciário nas modalidades de dispensa do pagamento de taxa de justiça e/ou de nomeação de patrono e dispensa do pagamento dos respectivos honorários. Pelo contrário, mesmo nos casos em que tal apoio já tenha sido concedido, a lei continua a exigir, para obstar ao enceramento do processo, que algum interessado proceda ao referido depósito, nem sequer se considerando interessado para este efeito o próprio devedor (neste sentido, v. o ac. do TRG, de 02.04.2025, proc. n.º 3068/24.0T8VCT.G1).
Estão, assim, preenchidos dos dois requisitos antes enunciados.
Resta saber se isto basta para o Tribunal declarar encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa.
A resposta é, a nosso ver, afirmativa.
De acordo com o regime legal já analisado, sendo comunicado pelo AI que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente ou sendo esta insuficiência conhecida oficiosamente pelo juiz, este ouve o devedor, a assembleia de credores, se existir, e os credores da massa insolvente. De seguida, declara encerrado o processo, salvo se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.
Numa interpretação puramente literal, deste regime legal parece decorrer que, depois de verificada a situação de insuficiência da massa insolvente por uma das vias previstas no artigo 232.º, n.º 1, do CIRE, a única forma de evitar o encerramento do processo consiste no depósito previsto no artigo 232.º, n.º 2, do CIRE.
Atendendo, porém, ao elemento racional da interpretação, impõe-se concluir que a audição do devedor, da assembleia de credores e dos credores não tem como única finalidade o referido depósito. Se assim fosse, teríamos de concluir pela total inutilidade da audição do devedor, na medida em que não lhe é facultada a possibilidade de proceder a esse depósito, como já dissemos. Em consonância com a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, prevista no artigo 9.º, n.º 3, do CC, importa concluir que a referida audição também se destina a facultar aos notificados a possibilidade de se pronunciarem sobre a insuficiência da massa insolvente, apresentando os argumentos e a prova que tiverem.
No caso concreto, vimos que nem o devedor nem os credores da massa insolente se pronunciaram, apenas o tendo feito a própria AI.
Não obstante, o juiz a quo absteve-se de declarar imediatamente encerrado o processo e optou por recolher as informações que julgou pertinentes, em conformidade com os despachos de 30.01.2025 e 14.03.2025.
Prestadas essas informações, o tribunal a quo manteve a conclusão de que se verifica a insuficiência da massa e, dada a falta de depósito a que vimos aludindo, declarou encerrado o processo ao abrigo do disposto no artigo 232.º, n.º 2, do CIRE.
A recorrente vem questionar esta verificação da situação de insuficiência da massa. Mas, como vimos, tendo o tribunal considerado que tal insuficiência está verificada (ou melhor, presumida), depois de ouvir não só as pessoas cuja audição a lei determina, mas também a própria AI, o encerramento do processo só não é declarado se for feito o depósito previsto no artigo 232.º, n.º 3, do CIRE.
De resto, a AI não apresentou qualquer argumento plausível que permitisse ao tribunal a quo afastar a referida presunção de insuficiência da massa. Aquela limitou-se a afirmar em termos conclusivos a viabilidade de uma acção para cobrança de créditos, sem concretizar os factos em que baseou essa conclusão e sem informar, sequer, o valor do crédito que pretendia cobrar por via judicial. Não podia, assim, o tribunal a quo ter concluído que a devedora era titular de um crédito cujo valor e cuja probabilidade de cobrança revelavam ser a massa insolente suficiente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente, entre as quais se incluíam as despesas que tal cobrança judicial implicaria (recorde-se que o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e dispensa do pagamento dos respectivos honorários nunca chegou a ser apresentado na Segurança Social ou foi indeferido), tanto mais que apenas a AI revelou interesse nesta cobrança, que não foi secundado por nenhum dos credores.
Pelas razões expostas, não se vislumbram razões para dissentir da decisão recorrida que, por conseguinte, mantemos.
Na total improcedência da apelação, as respectivas custas serão suportadas pela recorrente, nos termos previstos no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que beneficia.


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Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
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III. Decisão

Pelo exposto, os Juízes desta 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto julgam totalmente improcedente a apelação e confirmam a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Registe e notifique.


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Porto, 10 de Julho de 2025

Relator: Artur Dionísio Oliveira
Adjuntos: Márcia Portela
João Proença