Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA DA LUZ SEABRA | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA CULPOSA PRESUNÇÕES INILIDÍVEIS NEXO CAUSAL | ||
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Nº do Documento: | RP202507103022/23.0T8STS-G.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A lei consagra no nº 2 do art. 186º do CIRE presunções de carácter absoluto (presunções inilidíveis), não só de culpa, mas também de nexo de causalidade, considerando que os actos nele elencados automaticamente desencadeiam os efeitos da insolvência culposa, sem admitirem prova em contrário, ainda que em concreto possam não ter sido causa única dessa insolvência. II - A disposição de bens a que alude a al. d) do nº 2 do art. 186º do CIRE abrange todos os actos que impliquem uma diminuição da garantia patrimonial dos credores. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 3022/23.0T8STS-G.P1 Juízo de Comércio de Santo Tirso- ... ** Sumário (elaborado pela Relatora): ………………………………………… ………………………………………… …………………………………………. * I. RELATÓRIO 1. Por requerimento de 17.10.2023 AA, BB, CC e DD vieram requerer a declaração de insolvência de A...-Unipessoal, Lda. 2. Citada a Requerida, esta admitiu encontrar-se em situação de insolvência, requerendo que a mesma fosse decretada. 3. Por sentença datada de 22.11.2023, foi declarada a insolvência da Requerida. 4. Por requerimento de 9.04.2024 a Administradora de Insolvência requereu a abertura do incidente de qualificação da insolvência como culposa, com fundamento no art. 186º nº 2 al. a), b), d), f), g) e h) e nº 3 al. a) do CIRE, e pedido de afectação por essa qualificação do gerente EE. 5. O Magistrado do Ministério Público acompanhou o parecer da AI no sentido da qualificação da insolvência como culposa, acrescentando como fundamento dessa qualificação a falta de colaboração do gerente da insolvente durante o processo de insolvência, com pedido de afetação por essa qualificação do gerente EE. 6. O Requerido cuja afectação fora peticionada veio requerer a prorrogação de prazo para apresentação de oposição por mais 30 dias, tendo-lhe sido concedido o prazo de 15 dias, findo o qual não apresentou oposição. 7. Foi proferido despacho saneador, com fixação do objecto do litígio e temas de prova. 8. Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença em 14.01.2025, Ref Citius 466787745, com o seguinte dispositivo (transcrição). “Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos, o Tribunal decide julgar procedente, por provado, o presente incidente de qualificação de insolência e, consequentemente, decide-se: A) Declarar como CULPOSA a insolvência de “A... – Unipessoal, Lda.”; B) Declarar afetado pela qualificação da insolvência como culposa o gerente EE; C) Decretar a inibição de EE para administrar patrimónios de terceiro, pelo período de 5 (cinco) anos; D)Declarar EE inibido, pelo período de 5 (cinco) anos, para o exercício do comércio, bem como para ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, por idêntico período; E) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por EE, bem como a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos. F) Condenar EE no pagamento de indemnização até ao montante de € 32.000,00 (trinta e dois mil euros), a favor dos credores da sociedade “A... – Unipessoal, Lda.” e na respetiva proporção dos créditos reconhecidos no processo de insolvência para cada um dos credores. Custas pela Massa Insolvente (art. 303.º e 304.º CIRE). Após trânsito, proceda às comunicações constantes no artigo 189º, nº 3, do CIRE à Conservatória do Registo Civil e Comercial. Registe e notifique.” 8. Inconformado com a sentença proferida, EE interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes CONCLUSÕES 1.Tribunal sentenciou a insolvência da Devedora como culposa pelo preenchimento dos seguintes preceitos legais: Alínea d) do n.º 2 do artigo 186 do CIRE: Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal e a Presunção ínsita na alínea a) do n.º 3 da mesma disposição legal: O dever de requerer a declaração de insolvência; 2. Os concretos pontos de facto que o Recorrente considera que foram incorretamente julgados na sentença sob recurso (artigo 640.º-1-a), do CPC 2013), são os constantes, na fundamentação de tal sentença, sob o título “Fundamentação; de facto; estão provados os seguintes factos:” 3. Ponto 42. Este negócio “Acordo” datado de 03.11.2022 alcançado naquele processo executivo e subsequente Fatura n.º FC A.2022/22 constituíram atos de disposição de bens da insolvente, em prejuízo dos demais credores e credores privilegiados da insolvente e apenas em benefício de um terceiro, um único credor comum – B..., Lda 4. Ponto 53. O valor de mercado deste veículo ascendia a, pelo menos, € 17.500,00. 5. Ponto 57. O valor de mercado do veículo ascendia a, pelo menos, € 17.500,00. 6. Ponto 58. Dispôs, assim, a insolvente e requerido destes veículos ..-SN-.. e ..-RV-.. em benefício do adquirente FF, que adquiriu os veículos por um valor inferior ao valor de mercado, sendo o adquirente beneficiado em pelo menos € 10.500,00 (correspondente à diferença do preço dos veículos e o respetivo valor de mercado de cada um dos veículos) e em detrimento dos credores da insolvente, designadamente dos credores privilegiados ISS e AT, que deixaram de ser pagos por aqueles veículos ou pelo produto da sua venda. 7. Ponto 63. O valor de mercado dos equipamentos vendidos à C... ascendia a € 24.600,00, ao que acrescia o IVA. 8. Ponto 65. Ademais, através desta venda de bens à “C...”, e tendo em conta a diferença entre o preço fixado e o valor de mercado dos bens, a insolvente e requerido beneficiaram ainda a adquirente “C...” em € 9.600,00, em detrimento dos credores da insolvente, designadamente dos credores privilegiados ISS e AT, que deixaram de ser pagos por aqueles bens ou pelo produto da sua venda. 9. Ponto 67. Face aos incumprimentos generalizados e reiterados junto do ISS e não pagamento das rendas devidas desde setembro de 2020, a sociedade insolvente pelo menos desde março de 2021 já se encontrava em situação de insolvência, o que era do conhecimento do requerido que, ao invés de apresentar a sociedade à insolvência, optou por prosseguir a atividade da insolvente (que apresentou prejuízo no ano de 2022) e por alienar o património da insolvente para terceiros, retirando-o da esfera patrimonial da insolvente, fazendo com que tais bens deixassem de responder pelas suas dívidas, designadamente pelos seus créditos privilegiados do ISS e AT e que à data já se encontravam vencidos. 10. Ponto 68. Ademais, ao não se apresentar à insolvência, designadamente, 30 dias após a cessação da suspensão do dever de apresentação à insolvência, até 4 de agosto de 2023, a insolvente e o requerido causaram ainda prejuízos aos credores, correspondentes ao avolumar do passivo junto do Instituto da Segurança Social, em concreto, as contribuições entretanto vencidas e não pagas ao ISS referentes aos meses de agosto de 2023 (€ 6.875,47) e de setembro de 2023 (€ 3.987,84), num total de € 10.863,31. 11. Ponto 69. A insolvente e seu gerente praticaram as condutas acima descritas lesivas dos interesses dos credores da sociedade, voluntária e conscientemente. 12.Os concretos meios probatórios, constantes do processo, ou de registo ou gravação nele, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (artigo 640.º-1-b), do CPC 2013), são todos os meios probatórios que se encontram nos autos, designadamente, e depoimento do contabilista certificado da sociedade e da Ilustre Administradora de Insolvência que, em nenhuma parte poderiam fazer o tribunal concluir qual com o valor dos bens alienados, com alegado benefício para a devedora ou para o Requerido ou para os concretos credores intervenientes nos negócios e com prejuízo para a generalidade dos credores; 13.Por outro lado, nenhuma prova foi produzida em Tribunal que pudesse ter concluído que a Devedora estaria insolvente desde março de 2021, antes pelo contrário: conforme resulta dos documentos juntos aos autos e factos dados como provados –vide ponto10–no ano de 2021 a Devedora teve um volume de negócios de € 1.416.854,93, um resultado operacional de € 397.553,38 e um resultado líquido € 303.827,38. 14. Apenas apresentado prejuízo no ano de 2022 de €265.645,70, mas com um volume significativo de negócios de € 682.552,97, um total de ativo de € 1.275.711,83, capital próprio de € 172.988,76 e passivo inferior ao ativo.– vide novamente ponto 10 dos factos dados como provados na Douta Sentença. 15.Tudo que o Tribunal a quo, considerou, erradamente, como matéria provada, apesar de nenhum das depoentes com conhecimento científico sobre contabilidade tenham corroborado essa conclusão. 16.Sobre o depoimento da Ilustre AI e do contabilista certificado da sociedade, indicam-se em cumprimento do comandado no artigo 640.º-2- a), do CPC 2013, as passagens da gravação em que se funda o presente recurso, passagens essas que correspondem, naturalmente com a exatidão que é exigida pela Lei Processual - e porque só assim se pode chegar à conclusão de que não existem quaisquer dados que pudesse ter levado à conclusão do Tribunal sobre o valor dos alegados prejuízos respeitante à venda de determinados bens ou sobre a data em que a sociedade ficou insolvente - à totalidade da gravação em causa, levada a cabo através do sistema integrado de gravação digital do Tribunal a quo; 17.Compulsada a Motivação da Matéria de Facto verifica-se, quanto aos pontos que se requereu ser alterados para não provados, concretamente o valor real dos bens que o Tribunal considerou para efeito de apuramento do prejuízo para a generalidade dos credores e benefício para o credor em concreto que operou a compra, para a Insolvente e para o Requerido que o Tribunal se socorreu de prova externa ao presente processo. 18. A determinada altura da motivação de facto o Tribunal a quo refere o seguinte: Solicitada informação no apenso L à “D..., S.A.” referente às vendas dos veículos ..-RV-.. e ..-SN-.., e tendo tal sido junto ao apenso L a 17.12.2024 (já notificado ao requerido naquele apenso, e tendo-se consignado no despacho saneador que o processo de insolvência é um processo global, pelo que a análise do presente incidente não pode deixar de atender à documentação e tramitação constante do processo principal de insolvência e seus apensos, ali se consignando, de forma expressa que, para a decisão da presente causa, o Tribunal iria a atender à globalidade do processo de insolvência e seus apensos e documentos juntos, sendo o ilustre mandatário do requerido associado ao processo principal e todos os apensos), veio tal entidade informar que os veículos foram transacionados nos leilões realizados nos dias 10/08/2022 e 12/08/2022 respetivamente. As referidas viaturas foram colocadas à venda pela entidade FF, tendo sido adquiridas pelas seguintes entidades, conforme copia das faturas que junta: Viatura ..-SN-..: E... Unipessoal, Lda, pelo valor de 17600 Euros. Viatura ..-RV-..: F... Unipessoal, Lda, pelo valor de 17700 Euros. Ora, esta informação vem corroborar o depoimento prestado pela AI no sentido de que os valores de mercado dos veículos vendidos pela insolvente a FF são superiores ao valor da venda (ficando o Tribunal convencido que o valor de mercado dos veículos ascenderia a pelo menos € 17.500,00 cada, pelo que esses atos de venda são prejudiciais aos credores e beneficiaram o adquirente dos bens em pelo menos € 10.500,000, pois adquirira os veículos por valor inferior ao valor de mercado dos bens. Além de que com a venda dos veículos, saiu do património social aqueles bens, deixando os credores (mormente os credores privilegiados ISS e AT) de ser pagos através daquele património, perdendo aquela garantia patrimonial. Dispôs, assim, a insolvente (através do gerente ora requerido) destes veículos em benefício do adquirente FF e em detrimento dos seus credores, designadamente dos credores privilegiados ISS e AT, que deixaram de ser pagos por aqueles veículos ou pelo produto da sua venda e naquela data já tinham créditos vencidos e até já se encontrava em curso execução fiscal, pois conforme referira o requerido e contabilista certificado, a insolvente já teria as contas penhoradas pelo ISS, o que motivara a saída imediata da conta da insolvente do preço recebido pela venda para fugir à penhora (e evitar o pagamento coercivo dos créditos do ISS), ainda que depois aplicasse tal quantia no giro da sociedade.” 19. Sendo certo que no Apenso L, o Requerido, aqui Recorrente, tão pouco é parte, estando a Tribunal a quo impedido de se socorrer da prova extra processual obtida nesse apenso; 20. Mais adiante, também na motivação à matéria de facto (página 38), refere o Tribunal a quo: “No que diz respeito ao valor de mercado destes bens, valorou-se os documentos juntos ao apenso N a 05.12.2024 (tendo-se logo no despacho saneador se salientado a possibilidade de valorar os documentos juntos nos outros apensos, aos quais está associado o mandatário do requerido e que tem vindo a ser notificado dos atos ali praticados, atenta a natureza global do processo de insolvência). Desses documentos resulta que os bens transmitidos à C... pela insolvente (e que foram transmitidos em agosto de 2022 pelo preço de € 15.000,00, acrescido de IVA) foram depois transmitidos pela C... a terceiros em outubro do mesmo ano de 2022 pelo montante global de€30.258,00(já com IVA) (cfr. Fatura n.º 252 e Fatura n.º 255 de 3 e 6 de Outubro de 2022, nos valores de € 7.600,00 e € 17.000,00, acrescidos de IVA, respetivamente). Face ao valor da venda destes bens em outubro de 2022 (escassos meses depois da transmissão pela insolvente), o tribunal ficara convencido que o valor de mercado destes bens em agosto de 2022 era de, pelo menos, € 24.600,00 (ao que acrescia Iva), pelo que a venda destes bens à C... em agosto de 2022, claramente, beneficiou o adquirente C... em pelo menos € 9.600,00.”; 21. Também neste apenso (N), no qual o M.mo Juiz do Tribunal a quo se socorreu para atribuir determinado valor aos bens vendidos, estava salvo o devido respeito, impedido de o fazer, sendo que o Requerido nem é parte no referido processo; 22.Sendo que também não foi observado a esse propósito a audiência contraditória, o que era absolutamente essencial, para se concluir pela legalidade da prova; 23.Nenhuma mais prova foi feita – sendo que o Tribunal a isso se refere expressamente quando ao valor dos bens na motivação da Matéria de facto – para além da prova (que resulta de uma eventual venda) feita nos referidos apensos (apenso L e N); 24.Aliás, como resulta dos depoimentos supratranscritos, mormente do contabilista certificado da sociedade, a Audiência de Julgamento serviu praticamente apenas para se apurar o facto relativo ao fluxo de dinheiro que transitou do insolvente para a conta do gerente, aqui recorrente e deste para aquela, nada se apurando no que diz respeito ao valor real dos bens transacionados ao espaço temporal em que a Devedora estaria insolvente. 25.Portanto, conjugada toda a prova, nomeadamente a prova documental junta aos autos sobre a situação financeira da sociedade, o facto o tribunal não poder valorar factos provados com base noutros processo em que o Recorrente não é parte, não foi ouvido nem exerceu o contraditório, e, bem assim, os depoimentos da Ilustre AI e do Contabilista Certificado da sociedade, o Tribunal a quo, salvo melhor opinião, deveria julgado os factos em crise da seguinte forma, o que desde já se requer: 26.Ponto 42. Este negócio “Acordo” datado de 03.11.2022 alcançado naquele processo executivo e subsequente Fatura n.º FC A.2022/22 constituíram atos de disposição de bens da insolvente, em prejuízo dos demais credores e credores privilegiados da insolvente e apenas em benefício de um terceiro, um único credor comum – B..., Lda 27. A última parte é conclusiva, ao que acresce que não foi feita qualquer prova sobre o facto do prejuízo alegadamente causado aos demais credores, pelo que deve ser retirado “em prejuízo dos demais credores e credores privilegiados da insolvente e apenas em benefício de um terceiro, um único credor comum – B..., Lda” 28.Ponto 53. O valor de mercado deste veículo ascendia a, pelo menos, € 17.500,00. 29. Deve ser retirado, pois que o Tribunal concluiu por este valor socorrendo-se de um processo que o Recorrente não é parte nem exerceu o contraditório. 30. Ponto 57. O valor de mercado do veículo ascendia a, pelo menos, € 17.500,00; 31. Deve ser retirado. Mais uma vez o Tribunal a quo concluiu por este valor socorrendo-se de um processo que o Recorrente não é parte nem exerceu o contraditório; 32. Ponto 58. Dispôs, assim, a insolvente e requerido destes veículos ..-SN-.. e ..-RV-.. em benefício do adquirente FF, que adquiriu os veículos por um valor inferior ao valor de mercado, sendo o adquirente beneficiado em pelo menos € 10.500,00 (correspondente à diferença do preço dos veículos e o respetivo valor de mercado de cada um dos veículos) e em detrimento dos credores da insolvente, designadamente dos credores privilegiados ISS e AT, que deixaram de ser pagos por aqueles veículos ou pelo produto da sua venda. 33. Deve ser retirado, a parte conclusiva e a parte que refere os valores dos veículos e o alegado prejuízo pelas razões amplamente suprarreferidas neste articulado, apenas devendo ficar a constar que “a insolvente vendeu a FF os veículos ..-SN-.. e ..-RV-...” 34.Ponto 63. O valor de mercado dos equipamentos vendidos à C... ascendia a € 24.600,00, ao que acrescia o IVA. 35.Deve ser retirado pelas razões mencionadas de ilegalidade de obtenção de prova, nada sendo provado quanro ao valor de mercado dos equipamentos. 36. Ponto 65. Ademais, através desta venda de bens à “C...”, e tendo em conta a diferença entre o preço fixado e o valor de mercado dos bens, a insolvente e requerido beneficiaram ainda a adquirente “C...” em € 9.600,00, em detrimento dos credores da insolvente, designadamente dos credores privilegiados ISS e AT, que deixaram de ser pagos porá queles bens ou pelo produto da sua venda. 37. Conclusivo quanto ao benefício para a C... e ilegalidade na obtenção da prova, pelo que deve ser retirado. 38.Ponto 67. Face aos incumprimentos generalizados e reiterados junto do ISS e não pagamento das rendas devidas desde setembro de 2020, a sociedade insolvente pelo menos desde março de 2021 já se encontrava em situação de insolvência, o que era do conhecimento do requerido que, ao invés de apresentar a sociedade à insolvência, optou por prosseguir a atividade da insolvente (que apresentou prejuízo no ano de 2022) e por alienar o património da insolvente para terceiros, retirando-o da esfera patrimonial da insolvente, fazendo com que tais bens deixassem de responder pelas suas dívidas, designadamente pelos seus créditos privilegiados do ISS e AT e que à data já se encontravam vencidos. 39. Também conclusivo (pelo menos em parte), sendo que deve ser retirada a parte em que refere: a sociedade insolvente pelo menos desde março de 2021 já se encontrava em situação de insolvência até final, sendo prova do contrário, os elementos contabilísticos apresentados pela Senhora AI e que foram dados como provadas. – Ponto 10 dos factos dados como provados. 40.Ponto 68. Ademais, ao não se apresentar à insolvência, designadamente 30 dias após a cessação da suspensão do dever de apresentação à insolvência, até 4 de agosto de 2023, a insolvente e o requerido causaram ainda prejuízos aos credores, correspondentes ao avolumar do passivo junto do Instituto da Segurança Social, em concreto, as contribuições entretanto vencidas e não pagas ao ISS referentes aos meses de agosto de 2023 (€ 6.875,47) e de setembro de 2023 (€ 3.987,84), num total de € 10.863,31. 41. Deve ser retirado, pois que nenhum facto foi apurado de que a sociedade se deveria apresentar à insolvência até 4 de agosto de 2023, sendo que tal não gerou nem agravou o seu eventual estado de insolvência. 42. Ponto 69. A insolvente e seu gerente praticaram as condutas acima descritas lesivas dos interesses dos credores da sociedade, voluntária e conscientemente; 43. Conclusivo e vago. Deve ser retirado. Nada foi apurado quanto a atos dolosos ou voluntários e a consciência do gerente da insolvente ao praticar os factos que lhe são imputados. 44.Com se referiu, não se pode lançar mão do valor extraprocessual das provas se as partes não forem as mesmas nem tiver sido observada a audiência contraditória como, in casu, aconteceu; 45.Violando assim a Sentença o disposto no artigo 421º do CPC. 46.Para além disso, a inclusão na presente ação dos factos declarados provados na indicada ação determina a violação do art.º 621º do Código de Processo Civil, o qual determina e fixa os efeitos de caso julgado, dispondo o indicado preceito legal que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…)”. Assim os efeitos do caso julgado reportam-se à própria decisão e não aos respetivos fundamentos; 47.A inclusão de factos declarados provados numa outra ação viola o disposto no art. 621º do Código de Processo Civil, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respetiva decisão judicial; 48. Sendo certo que o princípio do inquisitório (cfr. artigo 11.º do CIRE), quando confere ao juiz a faculdade de fundar a sua decisão em factos não alegados pelas partes ou quando lhe permite proceder oficiosamente à realização e recolha de provas, não conduz a que o juiz tenha que se substituir às partes, no que se refere à alegação da factualidade essencial, ou no que se refere à recolha de prova pela qual as partes não curaram de diligenciar; 49. Sem prescindir, por outro lado, a alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE exige que os bens objeto de destruição, danificação, inutilização, ocultação ou extravio por parte dos administradores sejam todo ou parte considerável do património do devedor, o que manifestamente não é o caso; 50. Pelo que a simples venda de um veículo pertencente à devedora insolvente não integra a al. a) do nº 2 do artigo 186.º do CIRE, pois que, salvo o devido respeito, ter-se-iam de apurar factos de onde decorra que Recorrente realizou atos de disposição de bens do devedor e em proveito pessoal (do Administrador) ou de terceiros, o que também não se logrou provar. 51. Ainda sem preterir, não obstante a citada alínea não fazer menção à importância económica dos bens de que o administrador dispôs, eventualmente, em proveito pessoal ou de terceiros, se não estiver demonstrado – como não ficou - que os bens tinham algum relevo económico a insolvência não deve, com fundamento nessa norma, ser qualificada como culposa. 52.Pois que não seria o prejuízo considerado pelo Tribunal – que apenas se admite por suposição académica a impedir a situação de insolvência sendo, aliás, possível a resolução – como foi - da citada venda em benefício da massa insolvente, razão pela tal negócio jurídico nunca permitiria qualificar a insolvência como culposa ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE. 53.No que respeita à oportunidade e dever de se apresentar à insolvência, o que resulta das contas apuradas e dadas como provadas nos autos é que, não obstante as dificuldades, da Devedora não estava numa situação de Insolvência pelo menos até à data do encerramento do seu estabelecimento industrial. 54.Para além disso, o que resulta do artigo 186.º, nº 3 do CIRE é apenas uma presunção de culpa grave, em resultado da atuação dos administradores, mas não uma presunção da causalidade da sua conduta em relação à situação de insolvência, exigindo-se a demonstração, nos termos do nº 1 do mesmo artigo, que a insolvência foi causada ou agravada em consequência dessa mesma conduta, uma vez que o devedor pode ter atuado dolosamente mas em nada ter contribuído para a criação ou agravamento da insolvência. 55.O que salvo o devido respeito não é aflorado ou dissecado sequer na Douta Sentença para ter concluído como concluiu. 56.Violou assim o Tribunal a quo o disposto no artigo 421º, 607º e n.º 4 do art.º 697º, todos do Código de Processo Civil e artigo 186º, n.º 1 alínea d) e n. 3, alínea a) do CIRE. Concluiu, pedindo que a presente apelação ser julgada procedente, por provada e, consequentemente, revogada a decisão recorrida na parte em que qualificou a insolvência como culposa, declarou o recorrente afetado por essa qualificação e lhe impôs consequências/sanções, concluindo a insolvência como fortuita ou, sem prescindir, caso se considere a insolvência como culposa – o que se concebe apenas para efeitos académicos – serem alteradas as sanções impostas ao recorrente em consonância como o que este tribunal considerar adequado. 9. Foi apresentada resposta pelo Magistrado do Ministério Público, pugnando pela confirmação do julgado. 10. Foram observados os Vistos. * II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO: O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC. * As questões a decidir, em função das conclusões de recurso, são as seguintes: 1ª Questão- Se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada; 2ª Questão- Se a insolvência deve ser qualificada como fortuita, ou alteradas as sanções impostas ao Apelante. ** III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Pelo tribunal de 1ª Instância foram considerados provados os seguintes factos: 2020 2021 2022 Volume de Negócios €1.142.581,70 €1.416.854,93 €682.552,97 Total de Proveitos €1.194.860,24 €1.465.729,05 €802.497,27 Total de Custos €1.092.391,47 €1.161.901,67 €1.068.142,97 Resultados Operacionais €136.076,73 €397.553,38 €264.172,44 Resultados Líquidos €102.468,77 €303.827,38 - €265.645,70 Total Ativo € 813.554,40 €1.500.945,22 €1.275.711,83 Total Capital Próprio € 134.807,08 €438.634,46 €172.988,76 Total Passivo € 678.747,32 €1.062.310,76 €1.102.723,07 ** IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, sob pena de rejeição, a seguinte especificação: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[1] São as conclusões das alegações de recurso que estabelecem os limites do objecto da apelação e, consequentemente, do poder de cognição do Tribunal de 2ª instância, de modo que na impugnação da decisão sobre a matéria de facto devem constar das conclusões de recurso necessariamente os concretos pontos de facto impugnados, pese embora a decisão alternativa que o recorrente propõe para cada um dos factos impugnados (AUJ nº 12/2023 de 14.11), bem como a análise pormenorizada dos concretos meios probatórios possa constar apenas do corpo das alegações ou motivação propriamente dita, tal como as concretas passagens das gravações ou transcrições dos depoimentos de que o recorrente se socorra. Analisadas as conclusões deste recurso concluímos que o Apelante fez específica alusão nas conclusões de recurso aos pontos dos factos provados que impugnava (Conclusões 2 a 11), à decisão alternativa e aos concretos meios de prova que em seu entender sustentam a pretendida alteração da decisão sobre a matéria de facto impugnada, considerando-se minimamente cumpridos os ónus previstos no art. 640º do CPC para que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto possa ser por nós conhecida. Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. No âmbito do recurso de impugnação da decisão de facto, o Tribunal da Relação pode e deve realizar uma efectiva reapreciação da prova produzida, levando em consideração, não só os meios de prova indicados no recurso, como outros que relevem para a decisão relativa aos pontos da matéria de facto impugnada, com vista a formar a sua própria convicção, mas sem que isso culmine num segundo julgamento, destinando-se apenas a aferir se resulta evidente algum erro de apreciação dos factos controvertidos à luz das regras do regime jurídico aplicável, às regras do ónus da prova, das regras de experiência comum ou de prova vinculada. O Apelante impugnou os pontos 42, 53, 57, 58, 63, 65, 67, 68 e 69 dos factos provados. Passamos a reproduzi-los para melhor percepção: “Ponto 42. Este negócio “Acordo” datado de 03.11.2022 alcançado naquele processo executivo e subsequente Fatura n.º FC A.2022/22 constituíram atos de disposição de bens da insolvente, em prejuízo dos demais credores e credores privilegiados da insolvente e apenas em benefício de um terceiro, um único credor comum – B..., Lda; Ponto 53. O valor de mercado deste veículo ascendia a, pelo menos, € 17.500,00 (a indicação do número 53 tratar-se-á seguramente de um lapso de escrita pois que o texto diz respeito ao número 52); Ponto 57. O valor de mercado do veículo ascendia a, pelo menos, € 17.500,00; Ponto 58. Dispôs, assim, a insolvente e requerido destes veículos ..-SN-.. e ..-RV-.. em benefício do adquirente FF, que adquiriu os veículos por um valor inferior ao valor de mercado, sendo o adquirente beneficiado em pelo menos € 10.500,00 (correspondente à diferença do preço dos veículos e o respetivo valor de mercado de cada um dos veículos) e em detrimento dos credores da insolvente, designadamente dos credores privilegiados ISS e AT, que deixaram de ser pagos por aqueles veículos ou pelo produto da sua venda; Ponto 63. O valor de mercado dos equipamentos vendidos à C... ascendia a € 24.600,00, ao que acrescia o IVA; Ponto 65. Ademais, através desta venda de bens à “C...”, e tendo em conta a diferença entre o preço fixado e o valor de mercado dos bens, a insolvente e requerido beneficiaram ainda a adquirente “C...” em € 9.600,00, em detrimento dos credores da insolvente, designadamente dos credores privilegiados ISS e AT, que deixaram de ser pagos por aqueles bens ou pelo produto da sua venda; Ponto 67. Face aos incumprimentos generalizados e reiterados junto do ISS e não pagamento das rendas devidas desde setembro de 2020, a sociedade insolvente pelo menos desde março de 2021 já se encontrava em situação de insolvência, o que era do conhecimento do requerido que, ao invés de apresentar a sociedade à insolvência, optou por prosseguir a atividade da insolvente (que apresentou prejuízo no ano de 2022) e por alienar o património da insolvente para terceiros, retirando-o da esfera patrimonial da insolvente, fazendo com que tais bens deixassem de responder pelas suas dívidas, designadamente pelos seus créditos privilegiados do ISS e AT e que à data já se encontravam vencidos. Ponto 68. Ademais, ao não se apresentar à insolvência, designadamente, 30 dias após a cessação da suspensão do dever de apresentação à insolvência, até 4 de agosto de 2023, a insolvente e o requerido causaram ainda prejuízos aos credores, correspondentes ao avolumar do passivo junto do Instituto da Segurança Social, em concreto, as contribuições entretanto vencidas e não pagas ao ISS referentes aos meses de agosto de 2023 (€ 6.875,47) e de setembro de 2023 (€ 3.987,84), num total de € 10.863,31. Ponto 69. A insolvente e seu gerente praticaram as condutas acima descritas lesivas dos interesses dos credores da sociedade, voluntária e conscientemente.” Uma primeira palavra para afirmarmos que, em conformidade com as regras do ónus de prova em matéria de factos fundamentadores da qualificação da insolvência, apenas seria relevante para a procedência deste recurso a exclusão do elenco dos factos provados de todos os factos concretos que revelassem a prática pelo Apelante, por acção ou omissão, de algum dos actos previstos no art. 186º nº 2 do CIRE, uma vez que bastará a prova de um deles para que as presunções de culpa e de nexo de causalidade se tenham por adquiridas à luz do art. 186º nº 2 al a) a i) do CIRE como melhor explicitaremos em sede de direito. Ora, afigura-se-nos de antemão, pelo mero confronto entre a matéria factual impugnada e toda a demais que se mostra vertida na sentença recorrida e não foi questionada em sede deste recurso, que a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto acabará por se traduzir numa actividade inútil uma vez que mesmo que a impugnação porventura procedesse na sua totalidade ainda assim subsistiria factualidade bastante para qualificar a presente insolvência como culposa, como se evidencia da articulação dos pontos 11, 19 a 22, 36 a 39, 43, 45 a 47, 54 e 55, 60 a 62, e 72, como melhor analisaremos mais à frente. Sem prejuízo, oferece-nos afirmar o seguinte relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto: - veio o Apelante impugnar o ponto 42 dos factos provados, defendendo que a última parte é conclusiva, e que não foi feita qualquer prova sobre o prejuízo alegadamente causado aos demais credores, requerendo que seja dele retirado o seguinte segmento: “(…) em prejuízo dos demais credores e credores privilegiados da insolvente e apenas em benefício de um terceiro, um único credor comum- B..., Lda.” Efectivamente, todo esse ponto de facto contém apenas matéria conclusiva e como tal não deve constar nem dos factos provados, nem dos factos não provados, impondo-se a sua eliminação. O que se assume como relevante é apenas que constem do elenco dos factos a atender na sentença recorrida aqueles factos que permitam chegar à conclusão referida no ponto impugnado, o que no caso se mostra vertido suficientemente no ponto 43 dos factos provados, ponto de facto esse que não foi impugnado. Deste modo, por apenas conter matéria conclusiva, determina-se a eliminação na sentença recorrida do ponto 42 nela considerado provado. -No que diz respeito aos pontos 53 (tratar-se-á de um lapso de escrita pois que a matéria impugnada consta do ponto 52), 57 e 63 defende o Apelante que devem ser retirados dos factos provados porque para os dar como provados o Tribunal a quo socorreu-se de um processo no qual o Apelante não é parte nem exerceu o contraditório, concluindo pela ilegalidade da obtenção da prova por violação do art. 421º do CPC. Para considerar tais factos como provados o Tribunal a quo verteu na sentença recorrida a seguinte motivação: “Solicitada informação no apenso L à “D..., S.A.” referente às vendas dos veículos ..-RV-.. e ..-SN-.., e tendo tal sido junto ao apenso L a 17.12.2024 (já notificado ao requerido naquele apenso, e tendo-se consignado no despacho saneador que o processo de insolvência é um processo global, pelo que a análise do presente incidente não pode deixar de atender à documentação e tramitação constante do processo principal de insolvência e seus apensos, ali se consignando, de forma expressa que, para a decisão da presente causa, o Tribunal iria a atender à globalidade do processo de insolvência e seus apensos e documentos juntos, sendo o ilustre mandatário do requerido associado ao processo principal e todos os apensos), veio tal entidade informar que os veículos foram transacionados nos leilões realizados nos dias 10/08/2022 e 12/08/2022 respetivamente. As referidas viaturas foram colocadas à venda pela entidade FF, tendo sido adquiridas pelas seguintes entidades, conforme copia das faturas que junta: Viatura ..-SN-..: E... Unipessoal, Lda, pelo valor de 17600 Euros. Viatura ..-RV-..: F... Unipessoal, Lda, pelo valor de 17700 Euros. Ora, esta informação vem corroborar o depoimento prestado pela AI no sentido de que os valores de mercado dos veículos vendidos pela insolvente a FF são superiores ao valor da venda (ficando o Tribunal convencido que o valor de mercado dos veículos ascenderia a pelo menos € 17.500,00 cada, pelo que esses atos de venda são prejudiciais aos credores e beneficiaram o adquirente dos bens em pelo menos € 10.500,000, pois adquirira os veículos por valor inferior ao valor de mercado dos bens. Além de que com a venda dos veículos, saiu do património social aqueles bens, deixando os credores (mormente os credores privilegiados ISS e AT) de ser pagos através daquele património, perdendo aquela garantia patrimonial. Dispôs, assim, a insolvente (através do gerente ora requerido) destes veículos em benefício do adquirente FF e em detrimento dos seus credores, designadamente dos credores privilegiados ISS e AT, que deixaram de ser pagos por aqueles veículos ou pelo produto da sua venda e naquela data já tinham créditos vencidos e até já se encontrava em curso execução fiscal, pois conforme referira o requerido e contabilista certificado, a insolvente já teria as contas penhoradas pelo ISS, o que motivara a saída imediata da conta da insolvente do preço recebido pela venda para fugir à penhora (e evitar o pagamento coercivo dos créditos do ISS), ainda que depois aplicasse tal quantia no giro da sociedade. - Fatura n.º FC A.2022/18, no valor de € 15.000,00 acrescido de IVA (no tal de € 18.450,00), emitida pela insolvente à sociedade “C...”; No que diz respeito ao valor de mercado destes bens, valorou-se os documentos juntos ao apenso N a 05.12.2024 (tendo-se logo no despacho saneador se salientado a possibilidade de valorar os documentos juntos nos outros apensos, aos quais está associado o mandatário do requerido e que tem vindo a ser notificado dos atos ali praticados, atenta a natureza global do processo de insolvência). Desses documentos resulta que os bens transmitidos à C... pela insolvente (e que foram transmitidos em agosto de 2022 pelo preço de € 15.000,00, acrescido de IVA) foram depois transmitidos pela C... a terceiros em outubro do mesmo ano de 2022 pelo montante global de € 30.258,00 (já com IVA) (cfr. Fatura n.º 252 e Fatura n.º 255 de 3 e 6 de Outubro de 2022, nos valores de € 7.600,00 e € 17.000,00, acrescidos de IVA, respetivamente). Face ao valor da venda destes bens em outubro de 2022 (escassos meses depois da transmissão pela insolvente), o tribunal ficara convencido que o valor de mercado destes bens em agosto de 2022 era de, pelo menos, € 24.600,00 (ao que acrescia Iva), pelo que a venda destes bens à C... em Agosto de 2022, claramente, beneficiou o adquirente C... em pelo menos € 9.600,00, em detrimento da generalidade dos credores da insolvência, designadamente os credores privilegiados ISS e AT, que deixaram de ser pagos por esses bens, bem como pelo produto da venda e na esfera patrimonial da insolvente apenas dera entrada valor inferior ao valor de mercado em pelo menos € 9.600,00. Acresce que este negócio beneficia, ainda, a C... em pelo menos € 2.306,25, correspondente à parte do preço alegadamente paga através de acerto de contas, pois a C..., a ser credora, sempre seria um credor comum e não poderia receber com primazia face aos credores privilegiados AT e ISS, que nessa data já tinham créditos vencidos e em incumprimento.” Podemos desde logo concluir que para prova dos referidos pontos de facto impugnados o Tribunal a quo não se socorreu de depoimentos e perícias produzidos noutros processos (hipótese consagrada no invocado art. 421º do CPC), mas de prova documental de factos dos quais teve conhecimento por virtude do exercício das suas funções (art. 412º nº 2 do CPC), fazendo uso do art. 11º do CIRE como consta expressamente da motivação da decisão sobre a matéria de facto, factos esses comprovados documentalmente nos apensos L e N, consubstanciando documentação cuja possibilidade de utilização na prolação da sentença o Tribunal a quo deu antecipadamente conhecimento ao aqui Apelante conforme despacho exarado em sede de despacho saneador, e sobre os quais foi concedida desse modo ao Apelante a possibilidade de exercer o contraditório, não precisando para isso de ser parte naqueles apensos. Por tais razões, contrariamente ao defendido pelo Apelante, não se evidencia que tais factos tenham sido dados como provados mediante a obtenção ilegal de prova por violação do art. 421º do CPC, e como tal serão mantidos no elenco dos factos provados face à prova documental que os suporta. Sustentou ainda o Apelante, que os meios probatórios que impunham a eliminação de tais factos dados como provados, foram “todos os meios probatórios que se encontram nos autos, designadamente o depoimento do contabilista certificado da sociedade e da Ilustre Administradora de Insolvência que, em nenhuma parte poderiam fazer o tribunal concluir qual o valor dos bens alienados, com alegado benefício para a devedora ou para o Requerido ou para os concretos credores intervenientes nos negócios e com prejuízo para a generalidade dos credores”, porém, como vimos, no essencial foi a prova documental extraída dos apensos L e N que foi valorada para dar tais factos como provados, sendo totalmente indiferente para a sorte da impugnação destes pontos de facto a reapreciação dos referidos depoimentos da testemunha e da AI. -Relativamente aos pontos de facto 58 e 65, tem razão o Apelante, determinando-se a sua eliminação do elenco dos factos, pois que consubstanciam apenas asserções conclusivas, sendo que os factos que a esse propósito relevarão para a decisão da causa estão vertidos nos pontos de facto 49 a 57, bem como nos pontos 60 a 64, os quais não foram impugnados neste recurso. -Finalmente, quanto aos pontos de facto 67, 68 e 69, mais uma vez estamos em praticamente todos eles perante asserções meramente conclusivas, e como tal devem tais pontos de facto ser eliminados, com excepção da parte final do ponto 68, no segmento “(…) as contribuições entretanto vencidas e não pagas ao ISS referentes aos meses de agosto de 2023 (€6.875,47) e de Setembro de 2023 (€3.987,84) num total de €10.863,31”, factos esses comprovados documentalmente na certidão de dívida junta aos autos pelo ISS por email de 25.10.2023, documento do qual o Tribunal a quo lançou mão, como fez constar da motivação da decisão de facto, e que não foi impugnado pelo Apelante. Relativamente às demais conclusões vertidas nos referidos pontos impugnados, designadamente quanto à data da situação de insolvência, afigura-se-nos igualmente que os factos a esse propósito relevantes para a decisão da causa constam já dos pontos de facto 11, 19 e 72 que não foram impugnados neste recurso, devidamente articulados com as presunções consagradas na lei a esse respeito, como veremos em sede de matéria de direito. Em suma, apesar da pouca relevância que assumiu a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, decide-se, na sequência do acima exposto, proceder às seguintes alterações: i. eliminação dos pontos 42, 58, 67 e 69 dos factos provados; ii. manutenção nos factos provados dos pontos 53, 57 e 63; iii. alteração do ponto 68 dos factos provados para a seguinte redação: 68- As contribuições ao ISS referentes aos meses de agosto de 2023 (€6.875,47) e de Setembro de 2023 (€3.987,84), entretanto vencidas e não pagas, totalizaram o valor de €10.863,31. Qualificação da insolvência e afectação do requerido Em sede de incidente de qualificação da insolvência, foi proferida a sentença recorrida que concluiu pela qualificação da presente insolvência como culposa, declarando afectado pela qualificação o Apelante, enquanto gerente da insolvente. O Apelante centrou o presente recurso essencialmente na alteração daqueles pontos de facto impugnados, e quanto ao mérito da sentença recorrida insurgiu-se contra a qualificação da insolvência como culposa e com a sua afectação pela qualificação, sustentando que “(…)a alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE exige que os bens objeto de destruição, danificação, inutilização, ocultação ou extravio por parte dos administradores sejam todo ou parte considerável do património do devedor, o que manifestamente não é o caso; (…) pelo que a simples venda de um veículo pertencente à devedora insolvente não integra a al. a) do nº 2 do artigo 186.º do CIRE, pois que, salvo o devido respeito, ter-se-iam de apurar factos de onde decorra que Recorrente realizou atos de disposição de bens do devedor e em proveito pessoal (do Administrador) ou de terceiros, o que também não se logrou provar. Ainda sem preterir, não obstante a citada alínea não fazer menção à importância económica dos bens de que o administrador dispôs, eventualmente, em proveito pessoal ou de terceiros, se não estiver demonstrado – como não ficou - que os bens tinham algum relevo económico a insolvência não deve, com fundamento nessa norma, ser qualificada como culposa. Pois que não seria o prejuízo considerado pelo Tribunal – que apenas se admite por suposição académica a impedir a situação de insolvência sendo, aliás, possível a resolução – como foi - da citada venda em benefício da massa insolvente, razão pela tal negócio jurídico nunca permitiria qualificar a insolvência como culposa ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE. No que respeita à oportunidade e dever de se apresentar à insolvência, o que resulta das contas apuradas e dadas como provadas nos autos é que, não obstante as dificuldades, da Devedora não estava numa situação de Insolvência pelo menos até à data do encerramento do seu estabelecimento industrial. Para além disso, o que resulta do artigo 186.º, nº 3 do CIRE é apenas uma presunção de culpa grave, em resultado da atuação dos administradores, mas não uma presunção da causalidade da sua conduta em relação à situação de insolvência, exigindo-se a demonstração, nos termos do nº 1 do mesmo artigo, que a insolvência foi causada ou agravada em consequência dessa mesma conduta, uma vez que o devedor pode ter atuado dolosamente mas em nada ter contribuído para a criação ou agravamento da insolvência.” A primeira parte da argumentação do Apelante radica num manifesto equívoco, porquanto a qualificação da insolvência como culposa não teve como fundamento a al. a) do nº 2 do art. 186º do CIRE, mas apenas e só a alínea d), para cuja verificação é totalmente dispensável apurar se a parte do património de que o administrador dispôs, em proveito pessoal ou de terceiros, foi ou não considerável, grandeza que só relevava para integração na alínea a), hipótese que o Tribunal a quo afastou. Também não se tratou, como singelamente o Apelante quer fazer crer, de uma simples venda de um veículo pertencente à devedora insolvente, tendo o Apelante vendido diversos bens da insolvente a terceiros (veículos e equipamentos) por valores inferiores aos respectivos valores de mercado, não havendo evidências sequer de que tais valores tenham sido recebidos na totalidade, e mesmo os que foram recebidos tenham revertido efectivamente em prol do património financeiro da devedora (tal a confusão evidenciada de transferências entre contas da devedora, da sócia e do próprio Apelante). De igual modo o Apelante entregou a determinados credores bens da devedora em dação em pagamento numa altura em que aquela já se encontrava em situação de insolvência, beneficiando determinado credor em detrimento dos demais credores, designadamente em confessado detrimento dos credores privilegiados como o ISS e AT. Tudo isso ficou provado, como resulta evidente dos pontos 11, 19 a 23, 36 a 39, 43, 45 a 47, 49 a 57, 60 a 64 dos factos provados. Basta ver que está provado que desde o ano de 2022 que a sociedade insolvente tem apresentado prejuízos (ponto 11), que a insolvente deixou de pagar as rendas do imóvel onde laborava a partir de setembro de 2020 (ponto 19), e que os incumprimentos ao ISS se iniciaram em fevereiro de 2020, sendo esse incumprimento reiterado e sucessivo desde setembro de 2020, e que os incumprimentos à AT se iniciaram em novembro de 2021. Com base nesses factos a lei faz presumir a situação de insolvência da devedora, por traduzirem factos-índice de impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas, como é o caso do incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas tributárias, de contribuições e quotizações para a segurança social e de rendas de qualquer tipo de locação relativamente a local em que a devedora realiza a sua actividade (art. 20º nº 1 al. g), i, ii, iv), presunção essa que o Apelante não logrou ilidir, pois que nem sequer oposição apresentou. Assim sendo, em articulação com o art. 18ºnº 3 do CIRE, sendo o devedor titular de uma empresa, presume-se de forma inilidível o seu conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações de algum dos tipos referidos na alínea g) do nº 1 do art. 20º do CIRE, obrigações essas acima identificadas. Em conclusão, no ano de 2022, quando a devedora se encontrava em situação de insolvência, o Apelante sabia que não podia dispor daqueles veículos e equipamentos da forma como o fez, pois que a disposição de bens a que alude a al. d) do nº 2 do art. 186º do CIRE abrange todos os actos que impliquem uma diminuição da garantia patrimonial dos credores, diminuição que efectivamente ocorreu. Fez-se constar do ponto 43 dos factos provados- ponto de facto não impugnado- que “o negócio celebrado a 03.11.2022 entre insolvente e sociedade “B...”, consubstanciado numa dação em pagamento, somente beneficiou o credor comum que interveio no negócio (sociedade B...), que se antecipou aos demais credores (designadamente em relação aos credores privilegiados AT e ISS, que na altura já tinham créditos vencidos e incumpridos pela ora insolvente) e fez seus os bens abrangidos na dação, sendo que os negócios foram celebrados numa altura em que a sociedade já se encontrava insolvente, com incumprimentos sucessivos e reiterados junto do ISS e falta de pagamentos de rendas desde setembro de 2020, tendo já sido decretado o despejo da insolvente das instalações onde laborava em outubro de 2022.” Igualmente se fez constar do ponto 64 dos factos provados- ponto de facto não impugnado- que “Ao vender estes bens à sociedade “C...” em agosto de 2022, e sendo parte do preço pago através de encontro de contas, a insolvente e requerido dispuseram desses bens em benefício da sociedade “C...”, em detrimento dos demais credores, e sobretudo dos credores privilegiados ISS e AT (que sempre deveriam ser pagos com primazia em relação ao alegado credor comum “C...”. Todos aqueles bens de que o Apelante dispôs eram da sociedade devedora e, por conseguinte, o gerente dispôs em benefício de terceiros do património da sociedade afecto a garantir as responsabilidades dela perante todos os credores sem excepção. O enquadramento jurídico discorrido na sentença recorrida sobre o incidente da qualificação da insolvência e o modo de enquadramento das situações nas hipóteses legais de insolvência culposa previstas no art. 186º nº 2 do CIRE, afigura-se-nos ter sido correctamente abordado, e como tal limitar-nos-emos a uma breve referência para contextualizar a nossa decisão. A insolvência é culposa, segundo o art. 186º nº 1 do CIRE, quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. A qualificação da insolvência como culposa tem sempre como pressupostos (i) o facto, por acção ou omissão, praticado pelos administradores (de facto ou de direito); (ii) cometido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência; (iii) que tenha criado ou agravado a situação de insolvência; (iv) com dolo ou culpa grave. Retirando-se o conceito da insolvência culposa do art. 186º nº 1 do CIRE, seguem-se, no nº 2 do referido preceito legal, situações-tipo concretizadoras de tal qualificação- na sua esmagadora maioria são actos aptos em geral a causar ou a agravar uma situação de insolvência porque prejudicam a situação patrimonial da devedora- perante a verificação das quais a declaração da insolvência culposa será inevitável. Isto é, verificados os dois primeiros pressupostos acima mencionados- um dos factos taxativamente previstos no art. 186º nº 2 do CIRE praticado pelo administrador da insolvente, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência- a insolvência considerar-se-á sempre culposa por se presumir que aquele facto tenha sido praticado com dolo ou culpa grave e que o mesmo tenha criado ou agravado a situação de insolvência, não tendo de ficar demonstrada a culpa do administrador nem o nexo de causalidade entre o facto e a situação de insolvência. Considera-se um dado adquirido e consolidado na doutrina[2] e na jurisprudência[3], que no nº 2 do art. 186º do CIRE prevêem-se presunções iuris et de iure de insolvência culposa, pelo que, demonstrado o acto previsto na situação-tipo, presume-se a insolvência culposa, não sendo admitida prova em contrário. Alegados e provados os factos que servem de base a uma daquelas previsões, a insolvência será, sempre, considerada como culposa. Na sentença recorrida a qualificação da insolvência como culposa fundamentou-se na verificação da alínea d) do nº 2 do art. 186º, bem como da alínea a) do nº 3 do mesmo preceito legal. Prevê aquele dispositivo legal que: “2 - Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: (…) d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros; 3-Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido: a)o dever de requerer a declaração de insolvência. A lei claramente consagra no nº 2 do art. 186º do CIRE presunções de carácter absoluto (presunções inilidíveis), não só de culpa, mas também de nexo de causalidade, considerando que os actos nele elencados automaticamente, sem admitirem prova em contrário, ainda que em concreto possam não ter sido causa única dessa insolvência, desencadeiam os efeitos da insolvência culposa. Diferente será o caso das hipóteses previstas no nº 3 do mesmo preceito legal, em que estamos perante presunções iuris tantum, ilidíveis, que recaem apenas sobre a culpa e não também sobre o nexo de causalidade, exigindo-se nesses casos sempre a demonstração de que o acto omitido causou ou agravou a situação de insolvência. Isto é, nas hipóteses previstas no nº 3 do art. 186º do CIRE estaremos apenas perante presunções de culpa qualificada, sendo necessário a prova também do nexo de causalidade para poder ser decretada a insolvência culposa. Para a improcedência do presente recurso basta ter ficado demonstrado nos autos a prática pelo Apelante- gerente da insolvente- no período dos 3 anos que antecederam o início do processo de insolvência, de um dos comportamentos previstos no art. 186º nº 2 do CIRE, pois que todo e qualquer argumento por si apresentado para afastar a culpa na criação ou agravamento da situação de insolvência, ou o nexo de causalidade, será perfeitamente inconsequente já que, verificado o acto presume-se a culpa e o nexo de causalidade sem possibilidade de prova em contrário. Como escreveu Maria do Rosário Epifânio, as alíneas do nº 2 do art. 186º podem ser agrupadas em três categorias fundamentais, a saber: 1) atos que afetam, no todo ou em parte considerável, o património do devedor; 2) atos que, prejudicando a situação patrimonial, em simultâneo trazem benefícios para o administrador que os pratica ou para terceiros; 3) incumprimento de certas obrigações legais. (…)O proémio do nº 2 do art. 186º prevê um elenco de presunções iuris et de iure, considerando “sempre culposa a insolvência” quando se preencha alguma das suas alíneas.”[4] No mesmo sentido, entre outros, José Engrácia Antunes, O Âmbito Subjectivo do Incidente de Qualificação da Insolvência, Revista de Direito da Insolvência, 2017, pág.83; Carvalho Fernandes e João Labareda, A Qualificação da Insolvência e a Administração da Massa Insolvente pelo Devedor, Themis, 2005, pág. 95 e Carina Magalhães, Incidente de qualificação da insolvência. Uma visão geral, Estudos de Direito da Insolvência, 2015, pág. 118. Deste modo, é entendimento consolidado que relativamente a todas as alíneas do nº 2 do art. 186º do CIRE, é dispensada a prova do nexo causal entre os factos aí previstos e a criação ou agravamento da situação de insolvência. “O proveito aludido na alínea d) do nº 2 do art. 186º do CIRE tem ínsita a ideia de favorecimento/vantagem ou benefício ilegítimo, de repercussão negativa no património do insolvente”[5], designadamente quando a transferência de bens do devedor tenha sido feita a título gratuito, ou, sendo a título oneroso, tenha tido como contrapartida preço inferior ou desconforme ao valor real do bem[6]. Tal como já dissemos, afigura-se-nos que o Tribunal a quo decidiu acertadamente quando considerou integrarem-se naquela hipótese os actos mencionados nos pontos 43, 49 a 57, e 60 a 64 dos factos provados. A verificação, no caso sub judice, da prática pelo Apelante de actos previstos na referida alínea d) do nº 2 do art. 186º do CIRE, no hiato temporal previsto no nº 1 do mesmo preceito legal (nº 2 que como vimos consabidamente consagra uma presunção inilidível de culpa e de nexo de causalidade), acarretou a impossibilidade de fazer prova da ausência de culpa ou da ausência de nexo de causalidade, pelo que restava-lhe fazer a prova de que não havia praticado o acto que lhe fora imputado, o que não encontra qualquer respaldo no elenco dos factos provados. Neste sentido, refere Maria do Rosário Epifânio, que “tratando-se de presunções inilidíveis, quando se preencha algum dos factos elencados no nº 2 do art. 186º, a única forma de escapar à qualificação da insolvência como culposa será a prova, pela pessoa afetada, de que não praticou o acto.” De igual modo escreve Carina Magalhães, que “perante presunções iuris et de iure, pela gravidade que evidenciam, dispensa-se a verificação do nexo causal. Assim, a insolvência irá sempre considerar-se culposa, a não ser que o afetado prove que não praticou o ato censurável, visto que não lhe é admitido provar que esse ato não criou ou agravou a situação de insolvência.”[7] A jurisprudência tem sufragado tal entendimento como se pode ler, entre outros, nos recentes Ac STJ de 16.11.2023, proferido no Proc. Nº1937/21.9T8CBR-A.C1.S1 e Ac STJ de 17.01.2023, Proc. Nº 14604/18.1T8LSB-A.L2.S1, (consultáveis em www.dgsi.pt). Também assim defende Carneiro da Frada, que a propósito da inadmissibilidade da prova em contrário nas situações referenciadas no nº 2 do art. 186º do CIRE, escreveu que “a inadmissibilidade dessa prova [prova em contrário] não é todavia (em geral) excessiva, enquanto puder justificar-se como forma enérgica de dissuadir ou prevenir condutas indesejáveis que, segundo a experiência, são susceptíveis de ocasionar insolvências e estão com elas intimamente ligadas. É isso que justifica a declaração da insolvência como culposa sem necessidade de mostrar a ligação entre a conduta censurada e a concreta insolvência ocorrida (vedando a prova em contrário ou aceitando que a superveniência de elementos fortuitos que co-determinaram a insolvência não exclui essa insolvência culposa).”[8] Demonstrado o acto previsto na situação-tipo referenciado na sentença recorrida (na al. d) do art. 186º nº 2 do CIRE), presume-se a insolvência culposa, não sendo admitida prova em contrário. Deste modo, perante a factualidade acima aludida, aqueles actos cometidos pelo gerente da insolvente, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, presumem-se culposos, assim como se presume terem sido causa do surgimento ou agravamento da insolvência, presunções que não admitem prova em contrário, por se subsumirem à situação prevista no art. 186º nº 2 al d) do CIRE, determinando inevitavelmente a qualificação da insolvência como culposa. Em suma, também nós concluímos que, demonstrado que os negócios praticados pela insolvente e sob apreciação, integram-se na hipótese consagrada na alínea d) do CIRE, impõe-se a qualificação da insolvência como culposa, soçobrando os argumentos recursivos invocados para a sua qualificação como fortuita. Sem prejuízo do assim decidido, sempre a qualificação seria de manter à luz do art. 186º nº 3 al. a) do CIRE porquanto, como vimos, desde pelo menos setembro de 2020 que a sociedade se encontrava em situação de insolvência sem que o Apelante tenha requerido essa declaração de insolvência, a qual só veio a ser requerida em Outubro de 2023 por impulso de alguns dos trabalhadores da insolvente, presumindo-se por tal facto a culpa grave do Apelante (que este não logrou ilidir), e estando demonstrado que tal incumprimento agravou a situação de insolvência pois que pelo menos conduziu ao avolumar das dívidas junto do ISS como se extrai dos pontos 68 e 72 dos factos provados. Mantida a qualificação da insolvência como culposa e as razões subjacentes à afectação do Apelante pela qualificação, não vislumbramos razões para divergir das sanções que lhe foram impostas, e a bem da verdade apesar de o Apelante ter peticionado, a título subsidiário, a alteração das mesmas não alicerçou tal pretensão em factos que permitissem tal ponderação e, como tal, mantém-se na integralidade a sentença recorrida. ** V. DECISÃO:Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o presente recurso de apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas do presente recurso a cargo do Apelante, que nele ficou vencido. Notifique. Porto, 10.07.2025 Maria da Luz Teles Meneses de Seabra (Relatora) Alexandra Pelayo (1ª Adjunta) Ramos Lopes (2º Adjunto) (O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
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