Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1390/21.7T8GDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAQUEL CORREIA DE LIMA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
INDEMNIZAÇÃO
CRITÉRIO DE AVALIAÇÃO
Nº do Documento: RP202507101390/21.7T8GDM.P1
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 26.º, nº 12 do Código das Expropriações serve para evitar que os expropriados sejam prejudicados em benefício da entidade expropriante, garantindo indemnizações justas.
II - Relativamente a solos classificados pelo PDM como Solo Rural – Espaços Culturais, em princípio, não se aplica porque o uso cultural (museus, auditórios, equipamentos coletivos) não tem carácter privado edificável com valor de mercado comparável ao urbano-habitacional ou comercial.
III - Concluindo-se que a restrição ao direito de propriedade da expropriada está apenas assente no valor cultural do local, não pretendendo a autarquia enriquecer à custa de uma nova classificação da parcela efectuada após a aquisição, a situação não cai no âmbito do artigo 26º nº 12 do CE que visa impedir actuações do poder autárquico com as chamadas “expropriações de plano”.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 1390/21.7T8GDM.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Local Cível de Gondomar - Juiz 2

ACÓRDÃO

I. RELATÓRIO (transcrição)

Nestes autos de expropriação por utilidade pública em que é expropriante o MUNICÍPIO DE GONDOMAR e expropriada A..., S.A., foi expropriada uma parcela de terreno, denominada n.º 5, sita no lugar ..., freguesia ..., com a área de 71.000m2, correspondente ao prédio descrito na CRP sob o n.º ...25 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...61, da freguesia ..., concelho ..., destinada à reabilitação do couto mineiro de ..., sua envolvente e criação da entrada do parque das serras do Porto.


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Foi declarada de utilidade pública e com carácter de urgência a expropriação da referida parcela – Declaração 1/2020, publicada no Diário da República – 2ª série, n.º 3, de 6 de Janeiro de 2020.

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A entidade expropriante entrou na posse administrativa da parcela n.º 5, e realizou-se uma arbitragem que, avaliando o terreno expropriado, considerou, por unanimidade, que a justa indemnização a atribuir aos expropriados, por reporte à data da declaração de utilidade pública, seria de € 71.855,00.

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Remetido o processo ao Tribunal, foi proferida sentença adjudicatória, em consonância com a mencionada arbitragem.

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Inconformada, pela expropriada foi interposto recurso da decisão arbitral.

Em apertada súmula, a expropriada insurge-se contra o facto de os Srs. Árbitros terem considerado para a parcela expropriada uma área inferior àquela que consta do da DUP, da vistoria ad perpetuam rei memoriam e do despacho de adjudicação, entendendo que os Srs. Árbitros extravasaram aquelas que são as suas competências.

Mais defende que, contrariamente ao vertido pelos Srs. Árbitros no seu laudo, não existem resíduos perigosos depositados na parcela a expropriar.

Diz ainda ser nulo o acto administrativo (despacho do secretário de Estado da Cultura de 12/3/2010), pelo qual foi aprovada a Portaria 221/2010, de 19/3 (embora, por lapso evidente, diga 221/2020).

Finalmente, discorda que a parcela seja classificada como solo para outros fins, crendo que deve ser classificada como solo apto para construção (excepto na parte integrada em REN) e deve ser aplicado o critério plasmado no artigo 26.º, n.º 12, do Cód. das Expropriações.

Porquanto os “espaços culturais” apenas foram introduzidos no PDM em 2015, sendo seu entendimento que, nesta sede, não releva a data em que o imóvel foi adquirido por “cisão” da Companhia das Minas de Carvão, mas sim a data em que esta última adquiriu, que é muito anterior à criação do primeiro PDM de Gondomar, que data de 1995.

Com base na sua argumentação, calcula como justa indemnização pela expropriação o valor de € 1.580.180.


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Foi admitido o recurso da expropriada e notificado o mesmo ao expropriante, veio este responder a 2/11/2021 (refª 30373236).

De forma sumária, sustenta o expropriante que na parcela 5, conforme se encontra delimitada na planta parcelar da expropriação, faziam parte 2 subparcelas que pertenciam a outros prédios.

Devendo, assim, ser considerada para cálculo da justa indemnização a área de 67.355,0 m2 apurada no Relatório de Arbitragem.

No mais, diz acompanhar na íntegra o sobredito relatório.


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Procedeu-se, seguidamente, à avaliação prevista nos arts. 61.º a 63.º do Código das Expropriações, na sequência da qual foi elaborado um relatório subscrito por todos os peritos.

No mesmo, propõem os peritos nomeados pelo Tribunal indemnização fixada em € 379.998,52 ou € 1.391.478,34, consoante o Tribunal venha ou não a entender que parte da parcela expropriada é classificável como Solo Rural – Espaços Culturais, com as inerentes restrições à aptidão construtiva.


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Solicitou-se ao Serviço de Finanças territorialmente competente que informasse da existência da lista a que alude o artigo 26.º, n.º 3, do Cód. Expropriações, tendo este remetido o que consta de refª 38988577, de 9/5/2024.

Notificados dessa listagem, os peritos vieram sustentar não ser exequível a aplicação do “critério fiscal”, pelos motivos que expuseram a 23/5/2024 (refª 39135242).


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Finalmente, foi concedida às partes a possibilidade de apresentarem as alegações a que alude o artigo 64.º do Cód. Expropriações.

Ambas as partes alegaram, através de requerimentos com refª 40109769 e 40299898.

Com relevo para o que cabe decidir, a expropriada, nas suas alegações, veio a aceitar que a área a considerar, para efeitos da presente expropriação, seja de 67,355m2: “A expropriada pretende apenas que lhe seja atribuída a ‘justa indemnização’ pela expropriação do seu prédio com a área de solo que sem margem para quaisquer dúvidas dele é parte integrante. Ora, no relatório de arbitragem foi considerado que a parcela 5 tem a área de 67.355 m2, por sua vez a expropriante, na resposta ao recurso da expropriada, entende que esta é a área correcta, e atendendo ainda ao vertido no Laudo de peritagem (na pág. 8), a expropriada aceita que seja considerado, para os devidos e legais efeitos, que a parcela expropriada tem a área de 67.355 m2.”

Foi proferido despacho saneador e a final foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela expropriada A..., S.A. e, em consequência, fixou o montante indemnizatório a pagar pelo expropriante à expropriada em €379.998,52 (trezentos e setenta e nove mil, novecentos e noventa e oito euros e cinquenta e dois cêntimos), a actualizar, nos termos do art.º 24.º do Código das Expropriações, de acordo com os índices de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicados pelo I.N.E..

RECURSO

Inconformada com a decisão veio a expropriada interpor recurso. Após alegações, termina com as seguintes CONCLUSÕES:

1. A razão da discordância da douta decisão recorrida reconduz-se ao valor da indemnização de € 377.575,52 por ela fixado pela expropriação de parte da parcela expropriada com a área de 64.714m2, qualificada como ‘solo apto para construção’, não inserida na REN, decorrente da não aplicação do critério de avaliação fixado no art.º 26.º, n.º 12, do C.E. (pois que, quanto à indemnização fixada pela expropriação da parte da parcela incluída na REN e da benfeitoria existente, nenhuma censura merece a douta decisão recorrida).

2. Os senhores peritos, por entenderem que o critério de avaliação de 64.714m2 da parcela expropriada, por eles qualificada por unanimidade como ‘solo apto para construção’, não abrangido pela REN, envolvia questões de direito, decidiram, também por unanimidade, proceder à avaliação segundo dois critérios, relegando para decisão judicial qual dos critérios devia ser observado. Na verdade,

3. Os senhores peritos, por unanimidade, decidiram proceder à avaliação dos referidos 64.714m2, por um lado, de acordo com as disposições do Regulamento do PDM em vigor à data da DUP e fixando o valor de € 367.575,52. Por outro lado, de acordo com as disposições do n.º 12 do art.º 26.º do C.E. e fixando o valor de € 1.379.055,34.

4. Em relação às avaliações efectuadas, por unanimidade, pelos senhores peritos, a douta sentença consignou o seguinte: ‘Em qualquer das hipóteses deixadas ao crivo do Tribunal, a avaliação dos peritos é justa e bem fundamentada, restando optar por uma ou por outra’.

5. A douta decisão recorrida, apesar de concordar com a opinião unânime dos senhores peritos que qualificaram a referida parte da parcela expropriada como ‘solo apto para construção’ (por estarem verificados os requisitos do n.º 2 do art.º 25.º do C.E., desde logo os da sua alínea c), estando classificado pelo PDM de Gondomar como ‘solo Rural - Espaços Culturais’, não abrangido pela REN), decidiu não ser aplicável o critério de avaliação definido no n.º 12 do art.º 26.º do C.E., por considerar que tal parcela não se enquadra na previsão de tal preceito. Com efeito,

6. A douta decisão recorrida considerou que a expropriação do prédio (parte do prédio com a área de 64.714m2) da recorrente, ao ser classificado pelo PDM de 2015 como ‘Solo Rural - Espaços Culturais’, não pode ser havida como uma classificação de ‘zona verde, de lazer ou para a instalação de infraestruturas e equipamentos públicos’.

7. Com o respeito devido, a recorrente não se conforma com o entendimento da douta decisão recorrida vertida na conclusão anterior, nem o mesmo é consentâneo com o disposto nos art.ºs 42.º e 43.º do Regulamento do PDM e com a intenção, propósito ou finalidade da expropriação das 11 (onze) parcelas (nas quais se inclui a da recorrente), expressa na fundamentação da resolução de expropriação e declaração de utilidade pública com carácter urgente de 26 de Novembro de 2019.

8. Da análise conjunta e articulada do art.º 42.º (identificação e usos) com o art.º 43.º (regime de edificabilidade) do Regulamento do PDM, resulta, de forma clara e inequívoca, que o Município expropriante, não só restringiu ou limitou ao máximo a capacidade construtiva nos prédios classificados como ‘espaços culturais’, como circunscreveu ou limitou a finalidade ou destino dos equipamentos a instalar em tais espaços.

9. Em tais espaços apenas é permitido/admitido a ‘instalação de equipamentos de utilização colectiva’ e intervenções de promoção turística e recreativa que promovam a salvaguarda e reabilitação das instalações existentes e que incentivem a sua visitação e uso colectivo enquanto espaços identitários da actividade mineira do concelho (art.º 42.º, n.º 2, do PDM).

10. Com as classificações e restrições/limitações acabadas de referir, decorrentes dos art.ºs 42.º e 43.º do PDM de 2015, o que o Município de Gondomar fez, de facto, foi destinar os espaços que integram o denominado ‘Couto Mineiro de ...’ (onde se integra a parcela expropriada da recorrente) a fins culturais e de lazer, com a consequente instalação de ‘equipamentos públicos’, pois as restrições/limitações à capacidade construtiva e ao destino dos equipamentos tornam inviável qualquer iniciativa privada.

11. Aliás, se dúvidas houvesse quanto ao propósito das restrições/limitações impostas pelos citados art.ºs 42.º e 43.º do PDM, as mesmas resultaram dissipadas com a fundamentação expressa pelo Município de Gondomar na resolução de expropriar e declaração de utilidade pública com carácter urgente de expropriação de 11 parcelas (a da recorrente incluída), destinada à reabilitação do Couto Mineiro de ..., datada de 26/11/2019.

12. O anunciado propósito de ‘há vários anos’ ser intenção do Município adquirir quer o Cavalete de S. Vicente, quer o que ainda resta do Complexo Mineiro de ..., torna claro e evidente que as classificações, usos e restrições impostas nos art.ºs 42.º e 43.º do PDM de Gondomar tinham como propósito a instalação em tais espaços de ‘equipamentos públicos de cultura e zona de lazer’.

13. É certo que no texto ou redacção do art.º 42.º, n.º 2, do PDM, quando se refere aos equipamentos permitidos em tais espaços, é utilizada a expressão ‘equipamentos de utilização colectiva’, e não a fórmula sacramental ‘equipamentos públicos’. Porém,

14. É manifesto que a expressão ‘equipamentos de utilização colectiva’, no contexto em que é utilizada e atenta a finalidade a que se destinam os equipamentos, tem de ser entendida como sinónima de ‘equipamentos públicos’ e espaço de lazer.

15. Assim, a expropriação do solo da recorrente nos termos preditos, teve por finalidade a instalação de ‘equipamentos públicos’ e zona de lazer e, nessa exacta medida, o prédio expropriado cabe claramente na previsão do art.º 26.º, n.º 12, do C.E., sem necessidade de qualquer interpretação extensiva, contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida.

16. consequentemente, estão verificados todos os pressupostos ou requisitos enunciados na lei para a aplicação do critério de avaliação enunciado no art.º 26.º, n.º 12, do C.E. em relação à parte da parcela expropriada com a área de 64.714m2. Com efeito,

17. O solo expropriado referido na conclusão anterior destina-se, de facto, à instalação de equipamentos públicos e zona de lazer; foi classificado como solo apto para construção, por estarem verifica- dos os requisitos enunciados no art.º 25.º, alínea a), do C.E.; não se encontra inserido na REN; foi adquirido pela ‘B..., S.A.’ antes da existência de qualquer PDM em Gondomar, advindo à titularidade da ora recorrente em 28/05/1998 por cisão daquela sociedade, quando estava em vigor o PDM de 1995 que não tinha as restrições/limitações que vieram a ser impostas pelo PDM de 2015, prédio esse que foi objecto da expropriação a que se reportam os presentes autos.

18. Por outro lado, considerando que as classificações, restrições e limitações impostas pelos art.ºs 42.º e 43.º do PDM correspondem a um propósito de classificação do solo resultante da vontade do Município em afectá-lo à instalação de equipamentos públicos e zona de lazer, propósito esse existente há vários anos e que levou à aquisição, desde 2016, de vários prédios rústicos e urbanos pela via do direito privado, ou seja, foi dado corpo desse modo ao que a doutrina qualifica como ‘expropriação plano’, isto é, desvalorização prévia do terreno que se pretende expropriar, para depois retirar vantagens económicas na aquisição expropriativa, circunstância que também imporia a avaliação de acordo com o art.º 26.º, n.º 12, do C.E..

19. A ‘ratio’ da norma é dúplice. Por um lado, evitar as classificações dolosas de solos ou a manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos municipais; e, por outro lado, salvaguardar o princípio da igualdade, conferindo um direito indemnizatório especial a quem tenha adquirido o terreno em momento anterior ao da restrição imposta pelo Plano (perda da aptidão construtiva) – o que se impõe seja cumprido nos presentes autos, atribuindo a justa indemnização ao expropriado, em conformidade com o que determina o apontado preceito.

20. Assim, resultou evidenciado que de acordo com o art.º 26.º do Regulamento do PDM de Gondomar de 1995, para a área de equipamento estruturante, o índice de utilização permitido era de 1,0m2/m2, bem superior ao índice de 0,05m2/m2 de espaços culturais (al. c) do art.º 43.º do Regulamento do PDM de Gondomar de 2015), concretamente 20 vezes superior.

21. Do mesmo modo, para a área predominantemente residencial de nível 3, o índice de utilização máximo era de 0,7m2/m2 (art.º 17.º, n.º 1, al. c) do Regulamento do PDM de Gondomar de 1995), ou seja, catorze vezes superior ao referido índice de 0,05m2/m2.

22. Também resultou evidenciado que a referida parte da parcela expropriada reunia as condições para ser classificada como solo apto para construção, nos termos da al. a), do n.º 2, do art.º 25.º do C.E., como por unanimidade sustentaram os senhores peritos, e como decidiu a douta sentença recorrida. Assim,

23. Por estarem verificados os pressupostos do art.º 26.º, n.º 12, do C.E., deverá ser atribuído o valor de € 1.379.055,34 pela expropriação dos referidos 64.714m2, correspondente à avaliação feita, por unanimidade, pelos senhores peritos.

24. Em sequência e pelas razões aduzidas, o valor global da justa indemnização a pagar pelo expropriante à expropriada, deverá ser fixado em (€ 1.379.055,34 + € 7.923,00 + € 4.500,00 =) € 1.391.478,34, a actualizar nos termos do art.º 24.º do C.E..

25. Ao decidir de modo diverso, a douta sentença recorrida incorreu em erro de interpretação e aplicação do art.º 26.º, n.º 12, do C.E., o qual deverá ser interpretado nos termos que melhor constam da motivação do presente recurso e que, por razões de economia processual, aqui se dão por integralmente reproduzidas.

26. Por fim, deve a recorrente ser dispensada do pagamento da taxa de justiça remanescente, nos termos do n.º 7 do art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais, o que expressamente requer, atenta a simplicidade da ‘causa decidendi’, por se tratar exclusivamente de matéria de direito, e por a conduta das partes não merecer censura.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. Ex.ªs DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER RECEBIDO, JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, E EM CONSEQUÊNCIA SER PROFERIDO DOUTO ACÓRDÃO QUE, REVOGANDO A TAMBÉM DOUTA DECISÃO RECORRIDA, FIXE O MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO A PAGAR PELO EXPROPRIANTE À EXPROPRIADA NO VALOR DE € 1.391.478,34, A ACTUALIZAR NOS TERMOS DO Art.º 24.º DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES.

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A expropriante veio contra-alegar, concluindo da seguinte forma:

a) A recorrente, nas suas alegações de recurso, indica que a douta sentença recorrida incorreu em erro de interpretação e aplicação do n.º 12 do artigo 26.º do Cexp., andando mal ao atribuir o valor de 379.998,52 € como justa indemnização à expropriada, devendo ao invés ter sido atribuído o valor de 1.391.478,34 €.

b) Isto porque considera a expropriada que a parcela deveria ter sido considerada como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos, quando não o foi pela douta sentença.


c) E que, para além do mais, o Município efetuou uma expropriação de plano, ou seja, uma desvalorização prévia do terreno que se pretende expropriar, para depois retirar vantagens económicas na aquisição expropriativa.

d) Ora, carecem de qualquer cabimento as alegações de recurso da recorrente expropriada.

Senão vejamos,
e) Os senhores peritos não decidiram no relatório pericial de novembro de 2023 por unanimidade, uma vez que colocaram a ponto 9 a sua opinião própria sobre a hipótese de avaliação que entendem que deve ser seguida, e só admitiram poder existir outra posição para poderem chegar a um consenso entre todos.

f) Defendendo efetivamente os três senhores peritos indicados pelo Tribunal e o perito indicado pelo recorrido que a justa indemnização a fixar à recorrente se fixaria em 379.998,52€.

g) Aliás, o próprio senhor perito indicado pela expropriada admitiu que entendimento que fixa o valor de valor de 1.391.478,34€ pode ser discutível.

h) recorrida não efetuou uma expropriação de plano que justifique a aplicação do n.º 12 do artigo 26.º do Cexp., porquanto a decisão de expropriar caminha desde data anterior à data em que a expropriada adquiriu a parcela, uma vez que as minas de ..., couto mineiro onde se inclui a parcela, fecharam a 25 de março de 1970 e o poder local desde essa data sempre pretendeu ver salvaguardado e conservado na memória e no património cultural do município de Gondomar, pela relevância nacional e europeia advinda do local, que se encontrou em contínuo funcionamento durante cerca de 170 anos.

i) Sem as minas de carvão não existiria ..., e as suas gentes sempre pretenderam que o couto mineiro fosse salvaguardado, uma vez que muitas famílias lá trabalharam, hoje em dia pais, avós ou bisavós, e o local se encontrava num estado de abandono e desconsideração que se reflete, na verdade, como uma desconsideração pelas gentes de ... e de todos os trabalhos forçados que lá foram sujeitos e todo o esforço e dedicação de uma vida às minas pela população.

j) A preservação do local preserva a cultura não só dos gondomarenses, mas dos portugueses, que migravam de diversos cantos do país para procurar uma vida melhor no trabalho das minas.

k) O solo da parcela expropriada não é uma zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos, porquanto não se enquadra em nenhum destes, como bem dita a sentença recorrida a pág. 17 da douta sentença recorrida.


l) O recorrido, no PDM de 2015, apenas e só definiu como espaço cultural, a Central Térmica da Tapada do Outeiro e o couto mineiro de ... onde se inclui a parcela controvertida, pelo que expressamente são espaços culturais e não espaços de zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos.

m) Mais não seja, a intenção de intervencionar o couto mineiro de ... não decorre ab initio da DUP, mas sim através da Resolução da Assembleia da República n.º 61/2009, de 3/8 e consequente portaria 221/2010, anteriores ao PDM de 2015 da recorrida, conforme página 17 da douta sentença recorrida.

n) O destino dado à data da DUP pela parcela nunca teria qualquer proveito económico relevante para a recorrente, nem um interesse económico para quaisquer agentes que levassem a querer adquirir a parcela para edificar o que quer que fosse, porquanto é de conhecimento público que a parcela se encontra inserida no couto mineiro e que o Estado pretendia intervencionar o local.

o) Indemnizar a recorrente em 1.391.478,34 € desvirtuaria e quebrava por absoluto o princípio basilar do direito das expropriações, o direito à justa indemnização, patente a artigo 23.º do Cexp.

p) A não existência da prova da manipulação das regras urbanísticas (expropriação de plano), assim como considerar que um solo deve ser classificado como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos quando na verdade não o é (considerar como terreno apto para construção um terreno onde o proprietário não pode construir).

q) Aliás, já a aqui recorrente foi expropriada da parcela onde se encontrava o cavalete e a casa das máquinas integradas no couto mineiro no âmbito do processo de expropriação 1388/21.5T8GDM – Juízo Local Cível – Juiz 1, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, onde considerou este douto Tribunal recorrido, através de acórdão de 05/11/2024, já transitado em julgado, que o valor da justa indemnização a fixar à parcela se fixaria em 115.000,00 € segundo critérios equitativos para apurar o verdadeiro valor da parcela, ao invés de 252.500,00 € defendidos pela tese da aqui recorrente

r) Mais uma vez, os senhores peritos, tal como no processo referido, e relativamente à mesma expropriada, procederam a uma avaliação da parcela por forma a que pudesse ser atribuída pela Administração uma justa indemnização ao expropriado, e não indemnizar o expropriado segundo critérios que possam evidenciar desigualdade e falta de proporcionalidade que colocam em causa a atividade da Administração Pública aqui recorrida.

s) Pelo que, a parte da parcela classificada como Solo rural – Espaços Culturais (não inserido na REN), deve ser sempre calculada fora do âmbito do n-º 12 do artigo 26.º do Cexp., ou seja, deve ser calculada como solo apto para construção em função do custo da construção, em condições normais de mercado.

t) E, indemnizar o expropriante a expropriada conforme o valor à data da DUP, 379.998,52 €, ou indemnizar a expropriada conforme critérios ficcionados em 1.391.478,34 €, traduz-se no último caso numa verdadeira compensação do benefício alcançado pela entidade expropriante, porquanto teria o expropriante de indemnizar a expropriada quanto ao valor que a parcela poderia ter valido quando não se encontrava como Solo Rural – Espaços Culturais, pelo que deve o presente recurso improceder.

Sem descurar,
u) O recorrido acolhe o entendimento da recorrente aposto a conclusão 26.ª, pelo que se requer que o expropriante recorrido seja dispensado do pagamento do remanescente de taxa de justiça nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tendo em conta que a causa não é complexa e a conduta processual das partes sempre se pautou pela diligência.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá o recurso apresentado ser rejeitado, fazendo-se assim inteira e sã JUSTIÇA.


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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. A DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil.

Nos presentes autos está em causa saber se à parcela expropriada são aplicáveis as disposições do Regulamento do PDM em vigor à data da DUP ou o disposto no artigo 26.º, n.º 12, do Cód. das Expropriações.

III. FUNDAMENTAÇÃO

A. OS FACTOS

Factos provados:

1. Por escritura pública de “cisão”, outorgada no dia 28/5/1998, no Sexto Cartório Notarial do Porto, procedeu-se à cisão da “B..., S.A.”, através do destaque de partes do património desta sociedade, para constituir outras duas sociedades, sendo uma das quais a aqui expropriada “A...”.

2. Na aludida escritura declara-se que são transmitidos, pelo respectivo valor líquido, a favor da “A..., S.A.” - sociedade a constituir - os prédios descritos e enumerados em documento complementar.

3. Mais se declara que a sociedade cindida não se dissolve por força da cisão. Integra o aludido documento complementar intitulado “relação dos bens imóveis a integrar o activo da sociedade A..., S.A.”, para além de outros, o seguinte: “Prédio rústico, denominado ..., sito na freguesia ..., concelho ..., inscrito na 3ª Repartição de Finanças ..., Gondomar, com o artigo matricial rústico ...48, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o número ...28, a folhas 115 do livro ..., com a área de 71.000m2, com o valor patrimonial de quatro mil setecentos e cinquenta e oito escudos e com o valor líquido contabilístico de três milhões novecentos e quarenta e seis mil seiscentos e oitenta e sete escudos” (actualmente com o artigo matricial rústico ...61, da mesma freguesia).

4. O direito de propriedade do imóvel referido nos pontos anteriores encontrava-se registado, à data da DUP, a favor da expropriada A..., pela Ap. n.º 81, de 1999/07/09.

5. Mostrando-se, actualmente, registado a favor do expropriante Município de Gondomar, pela Ap. ...08, de 2021/05/24.

6. Foi declarada de utilidade pública e com carácter de urgência a expropriação de uma parcela de terreno, denominada n.º 5, correspondente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ...25 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...61 da freguesia ..., destinada à reabilitação do Couto Mineiro de ..., sua envolvente e criação da entrada do Parque das Serras do Porto – Declaração 1/2020, publicada no Diário da República – 2ª série, n.º 3, de 6 de Janeiro de 2020.

7. A qual foi rectificada pela Declaração n.º 26/2020, publicada no Diário da República – 2ª série, n.º 63, de 30 de Março de 2020.

8. Não obstante o que consta da DUP, da vistoria ad perpetuam rei memoriam e do despacho de adjudicação, a área de 71.000m2 aí indicada, incluí uma área de solo urbanizado que diz respeito à parcela 11, também objecto de expropriação (195m2) e uma subparcela com área de 3450m2 que não pertence à parcela 5, pelo que a área real da parcela 5, a expropriar, é de 67.355m2.

9. A parcela objecto dos presentes autos tem uma forma irregular, compósita, de 2 trapézios acoplados em “T”. Tem topografia irregular, em algumas zonas acidentada – mormente Norte – e plana noutras – particularmente a Nascente e Sul.

10. À data da vistoria ad perpetuam rei memoriam, na parte Norte, tinha características florestais, estando recoberta por povoamentos de regeneração natural de eucaliptos, pinheiros e acácias (austrálias), em boa densidade.

11. Na parte restante via-se vegetação herbácea espontânea.

12. A envolvente caracteriza-se por espaços de natureza florestal e mais a poente e sul por zonas de moradias unifamiliares de r/c e andar.

13. O prédio confronta com 4 arruamentos públicos pavimentados: Rua ... (principal entrada do prédio); Rua ..., Rua ... e Rua ....

14. Todos os arruamentos referidos dispõem, no local, de redes públicas de água, saneamento, electricidade, estação depuradora, gás e telefones.

15. As frentes do prédio que dispõem para os sobreditos arruamentos têm uma extensão total de cerca de 390 metros.

16. A parcela dista cerca de 1.000m do centro da freguesia ... e cerca de 6 Km da sede do concelho.

17. Estando dotada de razoáveis acessos.

18. Na mesma parcela existe um muro, construído em alvenaria de pedra, que a delimita na confrontação com a Rua ..., com as seguintes dimensões: Espessura – 0,40m; Altura – 4m; Comprimento – 60 m.

19. O qual se encontra em razoável estado de conservação.

20. De acordo com a Planta de Ordenamento do PDM, a parcela situa-se na sua totalidade em “Solo Rural – Espaços Culturais”.

21. Apresenta-se ainda parcialmente inserida (2.641,20m2) em área de “Reserva Ecológica Nacional” e classificada na sua totalidade como “Património cultural classificado – Monumento de Interesse Público – Cavalete de S. Vicente e Instalações do Couto Mineiro – Zona Especial de Protecção” (Portaria 221/2010, do Ministério da Cultura, de 19/3).

22. Nos presentes autos de expropriação, o acórdão de arbitragem a que alude o artigo 49.º do Cód. das Expropriações, concluiu, de forma unânime, que o solo da parcela deveria ser qualificado como “solo apto para outros fins”, nos termos do artigo 25.º, n.º 3, do Cód. das Expropriações, apontando ainda que “-No início da década anterior foram depositados resíduos nas escombreiras das antigas minas; - Por análises efectuadas por entidades competentes os resíduos ali depositados foram considerados perigosos; - O local encontra-se ambientalmente degradado, com pequenas montureiras e equipamentos abandonados; - Parte do terreno encontra-se coberto com uma camada de 5 a 15 cm de material das escombreiras; - Trata-se de uma área degradada pela deposição de estéreis das minas e pela realização de aterros, escavações e terraplanagens que alteraram significativamente o relevo”.

23. E que: “no presente caso, a instalação de equipamentos só é admitida desde que promova a salvaguarda e reabilitação do existente, ou seja, a contrapartida pela instalação do equipamento será a reabilitação das instalações existentes que como se viu se encontram em estado de ruína, para lá do que resultará da desnecessária contaminação dos solos e será seguramente muito superior ao seu benefício em termos comerciais. Além disso e por isso mesmo, a edificabilidade admitida é simbólica e não conduz a que se classifique para efeitos de aplicação do artigo 25 do CE (…)

24. Socorrendo-se, para o cálculo do valor por m2, dos seguintes factores/critérios: “Como resulta da vistoria ad perpetuam rei memoriam e das visitas ao local, o rendimento da parcela nas condições existentes à data da DUP resulta de plantações que são fruto de regeneração espontânea de espécies diversas, incluindo acácias, pinheiros e eucaliptos. Se considerarmos os condicionalismos dos solos em causa, com zonas de aterro e resíduos, poderemos estimar a possibilidade de obter os seguintes valores de produção e rendimento: - produção – 10,0ton/ha; - preço – 30,0€/ton em pé; - taxa de capitalização – 3,0%; Valor do terreno/ha = 10ton x 30,0€/ton x 100/3 = 10.000,0€/ha”.

25. Chegando, por aplicação dos critérios elencados e de forma unânime, a um valor de € 67.355,0 de indemnização.

26. Acrescendo a avaliação do muro supra referido, como benfeitoria, de € 4.500 (60m x € 75/m).

27. Interposto recurso de tal decisão arbitral, procedeu-se a avaliação, tendo os senhores peritos, por unanimidade, concluído que o solo devia ser classificado, na parte que integra a REN, como “solo para outros fins” e, no remanescente, como solo apto para construção, considerando para o efeito que “(…) o Regulamento do PDM de Gondomar em vigor à data da DUP admite capacidade construtiva para os espaços culturais, ainda que restringida a um índice de utilização de apenas 0,05 (alínea c) do artigo 43.º do Regulamento do PDM e que “Em concreto e para os Espaços Culturais e que é uma das categorias do “Solo Rural”, o Regulamento do PDM permite a edificabilidade atrás referida pelo que o terreno reúne condições para ser classificado e avaliado como “solo apto para a construção”, tanto mais que o prédio confronta com arruamentos pavimentados e dotados de infraestruturas, nomeadamente as que constam da alínea a do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações (aliás até mais do que as que constam nesse normativo)”.

28. De seguida, para a hipótese de o Tribunal considerar serem aplicáveis as disposições do Regulamento do PDM em vigor à data da DUP, consideram unanimemente ser justa a atribuição de indemnização no valor de €379.998,52, sendo €7.923,00 da parte abrangida pela REN; €367.575,52 do solo apto para construção e €4.500,00 da benfeitoria (muro) existente.

29. Ou, para o caso de o Tribunal entender ser aplicável o disposto no artigo 26.º, n.º 12, do Cód. das Expropriações, os peritos, novamente de forma unânime, atribuem o valor de €7.923,00 à parte do solo abrangida pela REN, €1.379.055,34 para o solo apto para construção e €4.500,00 ao muro existente, num total de € 1.391.478,34.

30. Foi ainda solicitado ao Serviço de Finanças territorialmente competente que informasse da existência das listas a que aludem os artigos 26.º, nº 2 e 3 e 27.º, n.º 1 e 2, do Cód. das Expropriações, tendo este remetido a listagem que consta de refª 38986793, de 9/5/2024.

31. Notificada a mesma aos Srs. Peritos, vieram estes manifestar que entendem que “a aplicação deste tipo de critério (…) pressuporia que, depois das Finanças enviarem a informação necessária referente a todas as freguesias em causa (aquela onde se situa a parcela expropriada e as limítrofes), os Peritos teriam de conseguir identificar todos os prédios da relação recebida com a sua localização exacta in situ para poderem identificar cada um deles nas plantas do PDM para aferir a sua classificação em termos de instrumento de gestão territorial e ainda a ponderar as características de cada um dos prédios e a comparar as mesmas - classificações e características - com as da parcela expropriada, nomeadamente classificações nas plantas de ordenamento e condicionantes do PDM, frentes para as vias públicas (os que as tiverem), infraestruturas em serviço junto dos prédios, dimensões e configuração. Ora para tal seria necessário que as Finanças enviassem as cadernetas prediais de cada um dos prédios e plantas com as localizações de cada um deles. Com o devido respeito e que é muito, não nos parece exequível, em termos práticos e dentro de um prazo minimamente aceitável para a resolução do processo, andar a tentar descobrir in situ a localização de cada prédio da relação enviada pelas Finanças que contem referências a 14.382 (CATORZE MIL TREZENTOS E OITENTA E DOIS) registos de transações de prédios (ainda que alguns dados se refiram aos mesmos prédios, provavelmente por serem de vários proprietários) e a realizar as demais tarefas elencadas no ponto 3 desta informação, mesmo que as Finanças enviassem as cadernetas prediais de cada prédio. Seguramente só no caso de as Finanças enviarem plantas com a localização de todos os prédios é que tal seria possível, ainda que, mesmo nessa situação, demorasse seguramente muitos meses (ou mesmo alguns anos, caso ainda surgissem dúvidas sobre os limites dos prédios identificados em planta por comparação com as áreas matriciais) andar a verificar as classificações e características de cada um dos prédios constantes da longa listagem recebida.


*


Factos não provados:

Não resultou provado que:

a) Na parcela a expropriar tenham sido depositados resíduos perigosos.

B. O DIREITO

A expropriação por utilidade pública como transmissão coactiva que é, sempre esteve e continua a estar sujeita a dois grandes princípios constitucionais, que são o seu condicionamento a fins de utilidade pública e a exigência da correspondente indemnização.
Tanto mais que a expropriação constitui uma forma de aquisição originária, não ficando a entidade Expropriante sujeita a quaisquer ónus ou encargos que incidam sobre o direito de propriedade do Expropriado, o direito de propriedade do Expropriado extingue-se para nascer na esfera da entidade Expropriante um direito de propriedade novo (cfr. Prof. Oliveira Ascensão, in "Direito Civil - Reais", Coimbra 1983, pág.219; Acórdão do S.T.J. de 11/12/1973, in B.M.J. nº232, págs.61 e segs.).
Assim, sob a epígrafe "propriedade privada" estabelece o art. 62º, n.º 2 da C.R.P. que "A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento da justa indemnização".
Daqui resulta que o legislador constitucional ao consagrar o direito à propriedade privada estabelece, igualmente, a fronteira entre essa garantia e as duas mais fortes limitações a que ela pode estar sujeita, definindo os princípios que limitam e condicionam os institutos da requisição e da expropriação. Princípios esses que relativamente às expropriações são, fundamentalmente, os seguintes:
a) reserva de lei - a legitimidade do poder expropriatório depende de previsão legal;
b) fim de utilidade pública - a expropriação só pode ser admitida pelo legislador e efectuada pela administração tendo em vista a prossecução de um fim de utilidade pública e na exacta medida em que é necessária para a realização desse fim. O que significa que a expropriação está sujeita a dois outros princípios decorrentes deste e que são o da necessidade e o da proporcionalidade;
c) justa indemnização - a expropriação constitui sempre o Expropriante na obrigação de compensar o Expropriado pelo desvalor que lhe foi infligido;
d) justo procedimento expropriatório - ao Expropriado tem que ser permitido fazer valer adequadamente as suas razões, bem como fiscalizar o procedimento que conduz à extinção do seu direito de propriedade.
O legislador constitucional deixou a cargo do legislador ordinário a definição dos critérios concretos que permitem, caso a caso, preencher aquele conceito de "justa indemnização", e assim, fixar o quantum indemnizatório a arbitrar
É entendimento generalizado dos Tribunais superiores o de que às expropriações por utilidade pública é aplicável a lei que vigorar à data da respectiva declaração, considerada a sua publicação no Diário da República – cfr. entre muitos, Acórdão da Relação de Coimbra de 11.03.2008, tirado no processo 148/07.0TBGRD.C1, Acórdãos do S.T.J. de 18/06/1974, de 09/07/1974 e de 02/12/1975, todos em dgsi.pt,
Deste entendimento resulta que ao caso de que nos ocupamos é aplicável o Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro.

Ao expropriado é devida uma indemnização que não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data – cfr. artigo 23º do CE.
Acerca da determinação do valor dos bens prescreve o n.º2, daquele artigo o que não pode ser tomado em consideração.
Já o art. 1310º do Código Civil dispunha que "havendo expropriação por utilidade pública (...), é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares dos outros direitos reais afectados".
Relativamente ao cálculo do montante da indemnização dispõe o artigo 24º do Código das Expropriações, no seu n.º 1, que: "O montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação" precisando o n.º 2 que: "O índice referido no número anterior será publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação dos bens ou da sua maior extensão."
Para efeitos de classificação da indemnização o Código das Expropriações, no art. 25º, n.º 1, al. a) e b) classifica os solos em "apto para a construção" e "apto para outros fins", definindo, no n.º 2 desse artigo, quais os solos que se podem considerar aptos para construção.
Em face dessa qualificação, os critérios de cálculo do valor de cada tipo de solo vêm, depois, definidos nos artigos 26º e 27º, daquele Código, preceituando-se para o valor de edifícios ou construções, expropriações parciais, regras de calculo especificas (cfr. arts.28º e 29º).
Dos critérios que acabamos de referir resulta que o princípio da "justa indemnização" tem de ser visto em concreto e à luz dos diferentes interesses a conjugar, devendo o Expropriado receber aquilo que conseguiria obter pelos seus bens se não tivesse havido expropriação, ou seja, a indemnização deve corresponder ao valor do mercado do objecto Expropriado, de modo a ser reposto no património do Expropriado o valor equivalente ao dos bens de que ficou privado – cfr. Dr. Fernando Alves Correia, in "Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública", págs. 129 e segs., bem como do mesmo autor, em obra mais recente "O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade", (Coimbra 1989), págs. 546 e segs. e, ainda, Dr. Manuel Augusto da Gama Prazeres, in "Código das Expropriações - Anotado e Actualizado", pág. 49).
Se bem que a justa indemnização deva corresponder em princípio ao valor real e corrente do bem expropriado, a equivalência de tais valores não pode ser tida como absoluta, mas será apenas tendencial, já que, na verdade, se a justa indemnização visa compensar o expropriado pelo prejuízo que lhe advém da expropriação, temos que atentar que além do prejuízo que sempre resulta para o expropriado ao ser ver privado do bem expropriado poderá ainda acontecer que tal bem constituindo fonte de rendimentos para o expropriado este veja a sua actividade produtiva afectada com o acto expropriativo, situação essa em que na justa indemnização se terão ainda de incluir o valor dos prejuízos provocados com a suspensão da actividade do expropriado ou mesmo com a própria extinção da mesma actividade (cfr. arts. 23º e segs. e 31º do Código das Expropriações).
A indemnização por expropriação terá, pois, de atentar em duas espécies de danos: os resultantes da perda da substância do objecto expropriado e que correspondem ao respectivo valor de mercado e os derivados directa e necessariamente da expropriação.
Note-se, todavia, que a indemnização por expropriação desempenha uma função de compensação, não se confundindo com a indemnização correspondente à responsabilidade por factos ilícitos ou pelo risco (cfr. entre outros, Prof. Oliveira Ascensão, in "Estudos sobre Expropriações e Nacionalizações", págs.70 e 71, )
Daí se infere que o dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de uma forma integral e justa, conforme supra se referiu, se a indemnização corresponder ao valor de mercado do bem, ou seja, a quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se tivesse sido objecto de um livre contrato de compra e venda.
Para além de que a indemnização a arbitrar abrange apenas o valor da substância no momento da intervenção, não sendo de tomar em consideração os aumentos de valor que se venham a verificar no futuro ou que resultem do próprio fim da expropriação.
Refira-se, ainda, que interesse público subjacente ao instituto da expropriação justifica que certas mais-valias ou aumentos de valor verificados no bem expropriado não sejam tomados em consideração para efeitos de indemnização.

Da classificação do solo:

O acórdão de arbitragem a que alude o artigo 49.º do Cód. das Expropriações, concluiu, de forma unânime, que o solo da parcela deveria ser qualificado como “solo apto para outros fins”, nos termos do artigo 25.º, n.º 3, do Cód. das Expropriações, apontando ainda que “-No início da década anterior foram depositados resíduos nas escombreiras das antigas minas; - Por análises efectuadas por entidades competentes os resíduos ali depositados foram considerados perigosos; - O local encontra-se ambientalmente degradado, com pequenas montureiras e equipamentos abandonados; - Parte do terreno encontra-se coberto com uma camada de 5 a 15 cm de material das escombreiras; - Trata-se de uma área degradada pela deposição de estéreis das minas e pela realização de aterros, escavações e terraplanagens que alteraram significativamente o relevo” e que: “no presente caso, a instalação de equipamentos só é admitida desde que promova a salvaguarda e reabilitação do existente, ou seja, a contrapartida pela instalação do equipamento será a reabilitação das instalações existentes que como se viu se encontram em estado de ruína, para lá do que resultará da desnecessária contaminação dos solos e será seguramente muito superior ao seu benefício em termos comerciais. Além disso e por isso mesmo, a edificabilidade admitida é simbólica e não conduz a que se classifique para efeitos de aplicação do artigo 25 do CE (…)”
Interposto recurso de tal decisão arbitral, procedeu-se a avaliação, tendo os senhores peritos, por unanimidade, concluído que o solo devia ser classificado, na parte que integra a REN, como “solo para outros fins” e, no remanescente, como solo apto para construção, considerando para o efeito que “(…) o Regulamento do PDM de Gondomar em vigor à data da DUP admite capacidade construtiva para os espaços culturais, ainda que restringida a um índice de utilização de apenas 0,05 (alínea c) do artigo 43.º do Regulamento do PDM e que “Em concreto e para os Espaços Culturais e que é uma das categorias do “Solo Rural”, o Regulamento do PDM permite a edificabilidade atrás referida pelo que o terreno reúne condições para ser classificado e avaliado como “solo apto para a construção”, tanto mais que o prédio confronta com arruamentos pavimentados e dotados de infraestruturas, nomeadamente as que constam da alínea a do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações (aliás até mais do que as que constam nesse normativo)”.
Na verdade, e como foi escrito na sentença em crise, relativamente aos 64.714 m2 – únicos em discussão neste recurso – não há qualquer impedimento para que sejam como “solo apto para construção”, já que preenchem os requisitos constantes do artigo 25.º, n.º 2, al. a) do Cód. das Expropriações, sendo que a aptidão construtiva, apesar de limitada pelo PDM, não está totalmente excluída.

Do valor da indemnização
Em função da qualificação da parcela, os critérios de cálculo do valor de cada tipo de solo vêm depois definidos nos arts. 26º e 27º, sendo que, ao caso, não pode ser convocada a aplicação do método comparativo ou fiscal (n.ºs 2 e 3 do artigo 26.º do Cód. das Expropriações), pois tal critério de cálculo somente pode funcionar adequadamente se os árbitros e os peritos tiverem acesso aos referidos elementos fiscais.
Os Senhores Peritos, em face da listagem que foi enviada pelo SF, consideraram que não era possível a utilização de tal critério. Não se tratava de uma mera dificuldade, mas de uma manifesta impossibilidade. Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 05.11.2024, retirado no processo 3561/22.0T8MTS.P1, relator, Ex. Sr. Desembargador Rui Moreira” I - Na expropriação de uma parcela classificada como solo apto para construção, a utilização do método fiscal ou comparativo, para determinação do valor indemnizatório devido pela expropriação, não é uma opção alternativa, nem é dependente da pretensão de qualquer das partes, ou de um juízo de oportunidade do tribunal. II - O legislador prefere a aplicação do método comparativo, só admitindo o recurso ao critério de valor, referido ao custo da construção possível na parcela, caso se torne impossível operar aquele outro (quando a informação prestada pelo Serviço de Finanças não for útil, por exemplo por não have um número de negócios imobiliários significativo e esclarecedor sobre os preços praticados, por os preços apurados estarem em claro desfasamento para com uma realidade evidenciada por outra via, pondo justificadamente em dúvida a sua fiabilidade, ou quando não se conseguirem apurar características dos imóveis anteriormente negociados e a sua similitude com o prédio expropriado).”
Deste modo, há apenas que atentar aos critérios consagrados no Código das Expropriações.
Desses critérios resulta que o princípio da justa indemnização tem de ser olhado em concreto e à luz dos diferentes interesses em conflito, devendo o expropriado receber aquilo que conseguiria obter pelo imóvel se não tivesse havido expropriação: a indemnização deve corresponder ao valor do mercado do objecto expropriado, de modo a ser reposto no património do expropriado o valor equivalente ao dos bens de que ficou privado, ou seja, a quantia que teria sido paga pelo bem se tivesse sido objecto de um livre contrato de compra e venda.
Ao contrário do que é habitual, os Sr. Peritos, por unanimidade, apresentaram dois valores consoante o tribunal entendesse ser de aplicar o PDM de 2015 ou o disposto no artigo 26.º, n.º 12, do Cód. das Expropriações.
Dispõe o artigo 26º nº 12 que “Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada”.

Este preceito é, por vezes referido como constituindo um tertium genus entre o caso da expropriação de terreno apto para construção e o da expropriação de terreno para outros fins.
O artigo 26º nº 12 do Código das Expropriações aplica-se quando um terreno classificado como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos, e que já estava classificado antes da entrada em vigor do plano municipal de ordenamento do território, é expropriado. Nesses casos, o valor do terreno para efeitos de indemnização é calculado com base no valor médio das construções existentes na área, ou, na falta destas, com base em valores de construções em terrenos semelhantes na mesma freguesia ou limítrofes.
Este n.º 12 aplica-se quando um prédio (terreno ou imóvel) a expropriar se encontra localizado numa zona abrangida por um instrumento de planeamento urbanístico como: um loteamento aprovado, um plano de pormenor, ou uma unidade de execução e ainda não se tenha concretizado a operação urbanística (ou seja, a urbanização ou construção ainda não ocorreu de facto).

Este normativo pretende salvaguardar os legítimos interesses do proprietário, atribuindo-lhe uma indemnização justa e proporcional ao potencial valor económico do terreno, com base na sua afectação futura prevista nos planos urbanísticos, mesmo que ainda não tenha sido concretizada.

Assim, evita-se que o Estado ou outra entidade expropriante: pague menos com base no estado atual (por exemplo, rústico), quando o terreno já está formalmente destinado a um uso urbano mais valioso (como habitação, comércio, etc.).

Existe, porém, uma excepção importante, “ salvo se o uso dominante na zona for diferente do uso previsto”, ou seja, se a realidade envolvente demonstrar que o uso efectivo da zona continua a ser incompatível com o uso previsto no plano (por exemplo, se continua a ser predominantemente agrícola), então não se aplica a valorização como se a operação estivesse concluída.
A título de exemplo: um terreno rústico está inserido num plano de pormenor aprovado que prevê a construção de edifícios de habitação. Ainda não foram construídas infraestruturas nem iniciado o loteamento. O terreno é expropriado para uma estrada pública. Neste caso, a indemnização deve refletir o valor que o terreno teria como urbano/loteado, e não apenas como rústico, desde que o uso dominante da zona já tenda para esse fim urbano. A jurisprudência dominante exige que o terreno tenha sido comprado antes da limitação urbanística, tivesse aptidão efetiva para construção quando adquirido, o plano tenha retirado essa aptidão e só depois seja expropriado.

O artigo 26.º, nº 12, serve para evitar que os expropriados sejam prejudicados em benefício da entidade expropriante, garantindo indemnizações justas. Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 16.11.2015, tirado no processo 972/11.0TBFLG.P1” I - Os pressupostos de aplicação do critério previsto no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações enquadram-se em três momentos relevantes, sequenciais: i) o expropriado é proprietário de um terreno apto para construção; ii) mais tarde, o terreno vem a ser objecto de classificação que lhe retira a aptidão edificativa; iii) em momento posterior à perda da aptidão edificativa o terreno vem a ser expropriado. II - A previsão do normativo citado restringe-se a expropriações de terrenos adquiridos pelos expropriados antes da entrada em vigor dos referidos planos diretores municipais ou de ordenamento do território, que se situem em zonas urbanizadas ou urbanizáveis, visando salvaguardar as legítimas expectativas dos adquirentes quanto à aptidão edificativa dos prédios e, consequentemente, quanto ao seu valor de mercado decorrente desse fator, nas situações em que tal expectativa se vem a frustrar com a inserção na RAN ou na REN por instrumento de gestão territorial e, posteriormente, pela expropriação pelo valor mais baixo, correspondente a tal qualificação. III - O critério legal enunciado na referida norma é também apto a proteger o expropriado nas situações em que se verifique a manipulação abusiva dos critérios de classificação, numa estratégia de pré-ordenado abaixamento, pela entidade expropriante, dos custos da expropriação, com a dolosa articulação dos dois atos – o de classificação administrativa e o de expropriação. IV - Tendo a expropriada adquirido o prédio objeto da expropriação em momento posterior à entrada em vigor do PDM que qualificou o terreno como inserido na RAN, não tem qualquer relevância, para efeitos de aplicação do critério enunciado no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, o facto de o prédio ter anteriormente pertencido a familiares da expropriada.

A questão em causa prende-se com Planta de Ordenamento do PDM que qualificou a parcela como Solo Rural – Espaços Culturais”.

Esta classificação permite a aplicação do citado artigo 26º nº 2 do Código das Expropriações?

Em princípio, não se aplica porque o uso cultural (museus, auditórios, equipamentos coletivos) não tem carácter privado edificável com valor de mercado comparável ao urbano-habitacional ou comercial.

O proprietário não pode edificar livremente para fins lucrativos – logo, não existe expectativa de mais-valia privada protegida. A Jurisprudência, de uma forma geral, tem considerado que os terrenos afectos a usos públicos específicos (escolas, zonas verdes, vias, cultura, etc.) não beneficiam da valorização prevista no art. 26.º, nº 12, pois não têm valor de mercado urbanístico típico. Pode haver excepções se se chegar à conclusão que a afectação a “espaço cultural” está desactualizada e que não tem esse uso em vista.

Está assente que a aquisição do prédio pela expropriada (mesmo tendo por referência a data da cisão) ocorreu antes do PDM de 2015 no qual foi criada a categoria de “espaços culturais”

De acordo com o PDM de 2015 estes espaços “integram antigas instalações de unidades industriais que pelo seu valor cultural constituem exemplares de arqueologia industrial a salvaguardar, reabilitar e promover”, sendo classificados como tal apenas dois: as minas de ..., incluindo o Cavalete de S. Vicente e as galerias mineiras e a Central Térmica da Tapada do Outeiro.

Como se escreve na decisão em crise, “do estudo de reabilitação do couto mineiro que se mostra junto aos autos, a intenção da presente expropriação é, para além do mais, a de salvaguardar o património cultural, arqueológico e histórico da localidade de ..., relacionado com a indústria extractiva do carvão (antracite) que data da primeira metade do séc. XIX, e proceder à reabilitação ambiental do local, protegendo-se ainda o susodito Cavalete que, embora não faça parte da parcela objecto destes autos, é considerado uma obra de engenharia relevante, considerado “um dos raros exemplares existentes na Europa” de um cavalete em betão armado, fazendo uso das “técnicas adoptadas num período bem definido da exploração mineira na Europa, em especial, da evolução da engenharia portuguesa. Apenas no período entre as duas guerras, se construíram na Europa cavaletes em betão”.

Daqui não podemos passar para a classificação de tal solo como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos.

Por outro lado, não se verifica, no caso, a necessidade de impedir actuações do poder autárquico com as chamadas “expropriações de plano”, dado que o regime que o PDM fixou em 2015 vem na sequência da Resolução da Assembleia da República n.º 61/2009, de 3/8 (referida no Estudo de Reabilitação), na qual se recomendou ao Governo Português “1 - A rápida promoção do processo de classificação do Cavalete do Poço de São Vicente e de todos os elementos do couto mineiro de São Pedro da Cova e a urgente reabilitação desta estrutura; 2 – O estabelecimento de um modelo de parceria e a elaboração de um projecto com vista à musealização da actividade mineira em São Pedro da Cova, construindo um museu vivo que alie as vertentes cultural, científica e de atracção turística, capazes de fazer desta estrutura uma âncora de desenvolvimento económico e social para a comunidade; 3 – A rápida resolução do passivo ambiental das minas de São Pedro da Cova integrando este processo no Programa de Reabilitação Ambiental de Áreas Mineiras Abandonadas (PRAAMA)” e da criação da Zona Especial de Protecção do Cavalete de São Vicente e instalação do Couto Mineiro, através da Portaria 221/2010, do Ministério da Cultura.”


A restrição ao direito de propriedade da expropriada está apenas assente no valor cultural do local, não pretendendo a autarquia enriquecer à custa de uma nova classificação da parcela efectuada após a aquisição.

Como se escreve no Acórdão da Relação de Coimbra de 09.0.2018, tirado no processo 46/12.6TBRSD.C2” O disposto no nº12 do artigo 26º do Cod. Expropriações deve considerar-se reservado para aqueles casos em que não fora a classificação atribuída pelo plano municipal – como zona verde ou de lazer ou para instalação de infraestruturas ou equipamentos públicos – teriam de ser considerados como aptos para a construção.”; Acórdão da Relação do Porto de 04.06.2025, retirado no processo 210/21.7T8ESP.P1 “- O nº 12 do art.º 26º do CE não prescreve apenas para os “solos aptos para construção”, posto que contempla os “solos em zona verde ou de lazer” que manifestamente não são zonas onde se possa construir. II - O nº 12 do art.º 26º do CE constitui uma cláusula de salvaguarda no sentido que, nos casos em que a parcela expropriada não possa ser classificada com “solo apto para a construção” do ponto de vista estrito, ainda assim pode e deve ser avaliada em função do valor de edifícios ou construções envolventes, desde que reunidas as condições estipuladas no art.º 26º nº 12 e 28º do CE.

Assim, não vemos razão para interpretação extensiva ou aplicação analógica do preceito do artigo 26.º, n.º 12, aos “espaços culturais”, porque os mesmos não estão abrangidos pelo espírito da lei, nem postulam regulamentação idêntica àquela que foi reservada para os solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos.

Os espaços culturais, como categoria de afectação prevista no PDM, têm tipicamente uma vocação pública e não permitem construção para fins económicos ou urbanísticos privados — o que inviabiliza a invocação de qualquer expectativa de mais-valia urbanística legítima e protegida. Podemos concluir que o PDM não retirou arbitrariamente o valor urbanístico ao terreno, mas sim reconheceu e consolidou o seu valor cultural e histórico, o que não é passível de indemnização nos termos do artigo 26.º, n.º 12.

Concluindo, afastada que está a aplicação do nº 12 do artigo 26 do Código das Expropriações, será de confirmar a sentença que atribuiu à expropriada a indemnização determinada pelos Sr. Peritos para a “1ª hipótese” identificada no seu relatório, ou seja, em € 379.998,52 (trezentos e setenta e nove mil, novecentos e noventa e oito euros e cinquenta e dois cêntimos), a actualizar nos termos do artigo 24º, conforme já determinado pelo tribunal “a quo”.

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IV. DECISAO

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pela expropriada, mantendo a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente – artigo 527º nº 2 do Código de Processo Civil, com dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais (a conduta das partes apenas foi consequência do relatório apresentado com duas soluções viáveis, no entender dos Sr. Peritos)

Registe e notifique.

DN

Porto, 10 de Julho de 2025.

(Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos)

Por expressa opção da relatora, não se segue o Acordo Ortográfico de 1990.

Raquel Correia Lima (Relatora)

Maria da Luz Teles Menezes de Seabra (1º Adjunto)

Alberto Eduardo Monteiro de Paiva Taveira (2º Adjunto)