Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ISABEL SILVA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO INCUMPRIMENTO VENCIMENTO ANTECIPADO DAS PRESTAÇÕES VINCENDAS INJUNÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP202510091630/25.3T8VLG.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A resolução contratual e a possibilidade de acionar as prestações vincendas pressupõem um incumprimento culposo imputável ao devedor (art.º 801º CC), ou seja, a responsabilidade civil contratual pela mora. II - Sendo inquestionável em abstrato (art.º 781º do CC), que a falta de cumprimento de 2 ou mais prestações confere ao credor o direito a considerar vencidas todas as restantes, o certo é que essas prestações vincendas, decorrentes da resolução contratual, não podem ser acionadas em procedimento de injunção. III - Não tendo o requerimento de injunção sido recusado [art.º 11º nº 1 al. h) do Decreto-Lei n.º 269/98], e tendo a injunção seguido para execução, o uso indevido do procedimento de injunção configura uma exceção dilatória inominada, suscetível de ser apreciada e decretada oficiosamente pelo juiz nos termos do art.º 726º nº 2 al. b) do CPC e art.º 11º nº 1 al. h) do Decreto-Lei nº 269/98, a apreciar em sede de despacho liminar. IV - Nesse caso, o indeferimento liminar pode ser parcial (art.º 726º nº 3 do CPC) desde que os autos forneçam os elementos necessários para diferenciar qual o valor das prestações vencidas e das vincendas. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Apelação nº 1630/25.3T8VLG.P1
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I – Resenha do processado 1. Banco 1... – Sucursal da SA Francesa Banco 1... instaurou processo de execução contra AA e BB visando o pagamento coercivo da quantia de € 12.042,68. Apresentou como título executivo uma injunção na qual foi aposta fórmula executória. No requerimento executivo, mais mencionou que “os factos constam do título executivo em anexo” e demonstrou o cálculo dos juros moratórios após a fórmula executória. Em sede liminar, a Mmª Juíza rejeitou a execução, com a seguinte fundamentação: «Banco 1... (Sucursal da S.A. Francesa) veio interpor a presente ação executiva contra AA e BB com vista ao pagamento da quantia de € 12.42,68 dando à execução um requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória e no qual alega que “Requerente e Requerido(s) celebraram em 09/05/2022 um contrato de crédito mediante o qual a Requerente concedeu ao(s) Requerido(s) um financiamento de € 13443,91, destinado à aquisição de bem ou serviço a fornecedor, ao qual foi atribuído o n.º.... Por força do contrato celebrado o(s) Requerido(s) obrigou-se(aram-se) a proceder ao reembolso do montante financiado em 96 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 200,74. O(s) Requerido(s) aderiu(iram) ao seguro de proteção ao crédito em 09/05/2022, cujo custo está expressamente previsto nas respetivas condições. Ocorre que o(s) Requerido(s) deixou(aram) de proceder aos pagamentos a que estava(m) obrigado(s) por força do contrato de crédito celebrado com a Requerente, tendo a Requerente procedido ao cumprimento do PERSI mediante envio das competentes comunicações. Não obstante o(s) Requerido(s) não procedeu(eram) à regularização dos valores em divida apesar de interpelado(s) para o efeito, pelo que face ao incumprimento verificado a Requerente procedeu à resolução do contrato em 30/10/2024. Face à resolução ocorrida o valor atualmente em dívida ascende a € 11108,40 ao qual acrescem juros vencidos desde a data de resolução contratual até à entrada do presente procedimento de injunção, à taxa estipulada de 14,8%%, e juros vincendos até efetivo e integral pagamento. É igualmente devido o imposto de selo sobre os juros de mora – que, à presente data, ascende a 18,92– calculados à taxa de 4%, nos termos do 17.3.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo. O(s) Requerido(s) é(são) assim devedor(es) do valor supra peticionado, pelo que a Requerente exerce agora o seu direito de exigir judicialmente o cumprimento da obrigação pecuniária do valor que lhe é devido”. Nos termos do artigo 7º do DL n.º 269/98 de 1 de setembro (DL n.º 269/98 de 1 de setembro) considera-se injunção “a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003 de 17 de fevereiro”. Do exposto, resulta que são duas as situações que podem fundamentar o uso deste processo especial: transações comerciais nos termos do Decreto-Lei n.º 32/2003 de 17 de Fevereiro (DL n.º 32/2003) e o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor não superior a 15.000 Euros (artº. 1º. D.L. 269/98). Do requerimento de injunção dado à execução resulta que este foi intentado, não para o cumprimento de obrigação pecuniárias emergente de contrato, a contrapartida pelo empréstimo concedido - a remuneração -, mas sim a efetivação das consequências da sua extinção por efeito da resolução, ou seja, fazer valer direitos indemnizatórios concernentes à responsabilidade contratual inerente ao incumprimento do referido contrato. Não vem pedido no requerimento de injunção dado à execução o “cumprimento de uma obrigação pecuniária stricto sensu”, antes reconduzindo-se a pretensão formulada “ao exercício da responsabilidade civil contratual subsequente à resolução de um contrato por incumprimento, com todas as consequências dele resultantes” – Ac. RP de 14 de setembro de 2023 pub. in www.dgsi.pt. Ora, como resulta do artº. 1º. do D.L. 269/98, o procedimento de injunção destina-se a “exigir o cumprimento de obrigações pecuniária emergentes de contratos”, ou seja, obrigações consistentes na entrega de dinheiro em sentido estrito e não obrigações de valor em que o valor pecuniário traduz apenas a liquidação do valor da obrigação. Nas palavras de Salvador da Costa, o regime processual da injunção “só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual.” –A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6ª. ed., pág. 48. No mesmo sentido, Paulo Duarte Teixeira, essas obrigações são “(…) apenas aquelas que se baseiam em relações contratuais cujo objeto da prestação seja diretamente a referência numérica a uma determinada quantidade monetária (…) daqui resulta que só pode ser objeto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objeto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro” - Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção, in “Themis”, VII, nº 13, pgs. 184-185). Temos, assim, que o procedimento de injunção requerido pela exequente é um expediente processual impróprio para obter a satisfação dos pedidos, “já que estes não são subsumíveis ao conceito de cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de um contrato” – Ac. da RP de 15 de dezembro de 2021, relatado pelo Sr. Desembargador Rui Moreira e disponível in www.dgsi.pt. Este uso indevido do procedimento de injunção, constitui uma exceção dilatória inominada que afeta “todo o procedimento de injunção, designadamente a aposição da fórmula executória, por não se mostrarem reunidos os pressuposto legalmente exigidos para a sua utilização (as condições de natureza substantiva que a lei impõe para que seja decretada a injunção) não permitindo o aludido vício qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento, pois caso contrario, estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção” – Ac. da RP de 8 de novembro de 2022, proferido no Proc. nº. 901/22.5T8VLG-.P1, relatado pela Srª. Desembargadora Alexandra Pelayo. O procedimento de injunção devia ter sido recusado pela secretaria com fundamento na pretensão nele deduzida não se ajustar à finalidade do procedimento, em conformidade com o que dispõe o artº 11º n.º 1 al. h) do Regime Anexo ao Dec. Lei 269/98 de 01/09, na redação introduzida pelo Dec. Lei 107/2005 de 01/07 ou, não o tendo sido, sempre devia o secretário judicial ter recusado a aposição da formula executória, conforme prevê o artº 14º n.º 3 do citado diploma. E não obstante a questão não tenha sido suscitada no procedimento de injunção pelo requerido, nada obsta a que na ação executiva ela possa ser apreciada uma vez que estamos perante um título executivo ilegal, porquanto obtido à revelia dos pressupostos legalmente exigidos para o recurso ao procedimento de injunção Estamos, assim, perante uma exceção dilatória inominada, insuprível, de conhecimento oficioso, que tem como consequência a absolvição da instância – cfr. artº. 576º. nº. 2 do e 578º. CPC. Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no artº. 726º. nº. 2 al. b) e 734º. nº. 1 do CPC rejeito a presente execução.»
2. É contra esta decisão que a Exequente vem reagir com a presente apelação, apresentando as seguintes conclusões: A. Em 12/02/2025 a ora Recorrente intentou contra AA e BB um procedimento de injunção, peticionando o pagamento da quantia de 11.108,40€ adveniente do incumprimento de um contrato de crédito ao consumo celebrado com a Requerente, bem como juros de mora no valor de 472,94€. B. O procedimento de injunção foi devidamente notificado às aí Requeridas que não deduziram qualquer oposição, tendo sido aposta fórmula executória ao procedimento de injunção. C. A Recorrente intentou em 01/05/2025 ação executiva com base neste título – aposição de fórmula executória. D. Em 12/05/2025 foi a Recorrente notificada, sem que tivesse tido oportunidade de se pronunciar previamente, da Douta Sentença proferida a 10/05/2025, que recusou o requerimento executivo por considerar que “Temos, assim, que o procedimento de injunção requerido pela exequente é um expediente processual impróprio para obter a satisfação dos pedidos, “”já que estes não são subsumíveis ao conceito de cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de um contrato””. E. Concluindo que: “Estamos, assim, perante uma exceção dilatória inominada, insuprível, de conhecimento oficioso, que tem como consequência a absolvição da instância – cfr. artº. 576º. nº. 2 do e 578º. CPC. F. Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no artº. 726º. nº. 2 al. b) e 734º. nº. 1 do CPC rejeito a presente execução.” G. Não pode no entanto a aqui Recorrente concordar com a decisão proferida. H. O art.º 1 do Diploma Preambular do DL n.º 269/98, de 01 de setembro estipula que “É aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma.”. I. Este artigo é de resto completado pelo art.º 7 do DL indicado que define Injunção como “…a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular…”. J. No caso em apreço, o procedimento de injunção intentado pela aqui Recorrente peticionava o pagamento da quantia de 11.108,40€ adveniente do incumprimento de um contrato de crédito ao consumo celebrado com a Requerente, bem como juros de mora no valor de 472,94€. K. Os valores peticionados no procedimento de injunção intentado apenas exige o pagamento das rendas vencidas e não pagas, acrescido do capital das rendas vincendas após resolução contratual, e respetivos juros de mora, não sendo peticionada qualquer indemnização a título de responsabilidade contratual pelo incumprimento. L. Não foi facultada à ora Recorrente oportunidade de se pronunciar quanto à alegada exceção inominada. M. Verifique-se ainda que, o diploma - D.L. n.º 269/98, não é claro e não apresenta uma definição de “obrigações pecuniárias” pelo que se terá de entender as obrigações pecuniárias como uma modalidade de obrigações genéricas em que a prestação consiste numa quantia em dinheiro e neste sentido, remetendo para o artigo 550.º do Código Civil (doravante CC), o qual refere expressamente que o cumprimento se “faz em moeda que tenha curso legal no País à data em que for efetuado e pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver, salvo estipulação em contrário”. N. É pressuposto objetivo genérico do procedimento da injunção, a presença de obrigações pecuniárias geradas por um contrato, ou seja, por um negócio jurídico plurilateral de natureza onerosa, e apenas aquelas que tenham por objeto uma prestação em dinheiro destinada a proporcionar ao credor o valor de uma quantia devida em virtude daquele contrato. O. Deste modo, o procedimento de injunção apenas poderá ter objeto obrigações pecuniárias em que a quantia (pecuniária) é o próprio objeto da prestação. P. Os valores peticionados só existem porque as Requeridas, ora Executadas, incumpriram as obrigações emergentes do contrato celebrado. Q. Na exposição dos factos do requerimento de injunção a aqui Recorrente não fez referência ou peticionou qualquer indemnização pelo incumprimento contratual. R. Pelo que, salvo o devido respeito, não é o simples facto de um contrato se encontrar resolvido por incumprimento que invalida o recurso ao procedimento de injunção. S. Não podemos deixar de citar, pela sua importância, o diploma preambular do DL n.º 269/98, de 01 de setembro que indica que, o referido regime se justifica de forma a agilizar a justiça no sentido de dirimir conflitos com “(…) empresas que negoceiam com milhares de consumidores (…)”, conforme ocorre com a Recorrente. T. Considerando o exposto e salvo o devido respeito, baseando-se o procedimento de injunção no incumprimento de contrato de crédito ao consumo não pode simplesmente a Meritíssima Juiz a quo presumir que é peticionada qualquer valor a título de responsabilidade civil contratual quando não existe qualquer referência tal facto no requerimento de injunção e sem sequer questionar o Requerente/Exequente para esclarecimento dessa circunstância. U. O que no entender da Recorrente determina a nulidade da sentença recorrida, por violação do princípio do Contraditório, V. Efetivamente, os termos do n.º 3, do artigo 3.º do CPC “(…) O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem (…)”. W. Considerando o exposto, não tendo a aqui Recorrente peticionado qualquer indemnização pela resolução contratual, o procedimento de injunção é o meio processual adequado para exigir ao Requerido, ora Recorrido, o cumprimento das obrigações assumidas aquando da celebração dos contratos de crédito celebrados com a Recorrente. Nestes termos e, nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso e, em consequência, revogando a douta sentença recorrido, farão como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!
3. Não houve contra-alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO 5. Apreciando o mérito do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC). No caso, são as seguintes as questões a decidir: ● Do erro de julgamento da decisão recorrida ● Da decisão surpresa e suas consequências
5.1. Do erro de julgamento § 1º - Segundo o art.º 1º do atual Decreto-Lei nº 269/98, de 01.09 (sujeito, entretanto, a sucessivas alterações, a última das quais introduzida pela Lei n.º 117/2019, de 13.09), foi seu objetivo criar “procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000”. E, como resulta do seu Anexo, tais procedimentos são Nos termos do seu art.º 7º, considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro. As obrigações pecuniárias são uma das modalidades das obrigações, sem definição legal no Código Civil (CC), mas uniformemente tidas pela doutrina como aquelas em que a prestação do devedor consiste na entrega de dinheiro, ou seja, um montante monetário nominal. [[1]] Ora, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, no tempo e no lugar convencionados: art.º 762º, 774º e 777º do CC. Por seu turno, o referido Decreto-Lei nº 32/2003 define transação comercial como “qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respetiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração”.
§ 2º - Ora, consultado o requerimento de injunção, vemos que foi invocado um contrato de crédito celebrado entre as partes, no qual a (ora) Exequente concedeu às (ora) Executadas um financiamento de € 13443,91; por seu turno, as Executadas ficaram obrigadas a proceder ao reembolso do montante financiado em 96 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 200,74. Daqui decorre que entre as partes foi celebrado um contrato, uma transação, sendo que a prestação das Executadas consistia em obrigações pecuniárias. Porém, a Exequente não exerceu apenas o direito ao pagamento das prestações vencidas. Para além delas, resulta do requerimento de injunção que a Exequente, com fundamento no incumprimento/atraso do pagamento das prestações vencidas, procedeu à resolução do contrato, acionando ainda o pagamento das prestações vincendas, bem como os juros de mora. Em abstrato, tais direitos são inquestionáveis. Como decorre do art.º 781º do CC, a falta de cumprimento de 2 ou mais prestações, confere ao credor o direito de considerar vencidas todas as restantes. Da mesma feita que podia exigir juros moratórios, face ao art.º 806º do CC. Sucede que, diferentemente dos juros remuneratórios (já incluídos no montante de cada prestação) cobrados pelo financiamento concedido, os juros moratórios integram já uma obrigação de indemnização, ou seja, responsabilidade civil contratual pela mora. O mesmo sucede com a resolução contratual e a possibilidade de acionar as prestações vincendas, que pressupõem um incumprimento culposo imputável ao devedor (art.º 801º CC). Não obstante, o pedido de juros moratórios tem sido aceite, na consideração de que «além do montante das prestações pecuniárias em dívida, cabe no âmbito do procedimento o pedido de pagamento de juros de mora sobre as prestações vencidas e não pagas, já que estes, embora se traduzam em indemnização pela constituição em mora – art.º 806º nº 1 do CCiv. –, estão diretamente relacionados/conexionados com aquelas prestações, mais propriamente numa relação de acessoriedade com aquela obrigação principal.» [[2]] Por outro lado, é o próprio modelo oficial do requerimento de injunção que permite “formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas”: art.º 10º, nº 1 e 2, al. e), do Decreto-Lei nº 269/98. E o mesmo acontece com o art.º 703º nº 2 do CPC. Ficam, então, apenas em causa as prestações vincendas, decorrentes da resolução contratual, essas consideradas uniformemente pela jurisprudência como inadmissíveis em requerimento de injunção. [[3]] Daí que, efetivamente, o requerimento de injunção deveria ter sido recusado ao abrigo do art.º 11º nº 1 al. h) do Decreto-Lei n.º 269/98, o pedido não se ajustar ao montante ou finalidade do procedimento.
§ 3º - Sendo isto assim na apreciação dum requerimento de injunção, vejamos o que acontece em sede executiva quando, pese embora as invalidades/irregularidades, foi conferida fórmula executória à injunção? Dado que uma ação executiva permite o uso da força, tornam-se necessárias as maiores cautelas e garantias de segurança, razão que justifica que o elenco dos títulos executivos seja taxativo, esteja sujeito a numerus clausus. Só os títulos indicados na lei podem servir de base a um processo executivo. Importa ainda recordar que a (in)existência de título executivo é realidade diversa da força executiva desse título; o título/documento pode existir, mas não reunir as condições impostas por lei para dar suporte à execução (condições de exequibilidade). É pelo título executivo que se determinam o fim e os limites da ação executiva: art.º 10º nº 5 do CPC. Por norma, «O título executivo habilita a determinar o fim da acção executiva, porque é por ele que se verifica qual foi a obrigação contraída pelo executado e é essa obrigação que define o fim da execução. (…) Finalmente, o título fixa os limites da acção executiva. É pelo título que se conhece, com precisão, o conteúdo da obrigação do devedor (…).» [[4]] Inquestionável que uma injunção à qual foi aposta fórmula executória constitui um título executivo: art.º 703º nº 1 al. d) do CPC e art.º 14º do Decreto-Lei nº 269/98. No caso, o título executivo contém todos os requisitos de índole formal exigidos. Já quanto à validade substancial, concluímos atrás que a mesma não se verifica, pois que compreende as prestações vincendas, que não podiam fazer parte da injunção. E foi com esse fundamento que foi rejeitada a execução. Pese embora a unanimidade (ao que cremos) jurisprudencial no sentido que o uso indevido do procedimento de injunção configura uma exceção dilatória inominada, suscetível de ser apreciada e decretada oficiosamente pelo juiz nos termos do art.º 726º nº 2 al. b) do CPC e art.º 11º nº 1 al. h) do Decreto-Lei nº 269/98, a apreciar em sede de despacho liminar, há que contar com a possibilidade de indeferimentos parciais. Na verdade, o despacho liminar pode ser de indeferimento total ou parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo: art.º 726º nº 3 do CPC. «O despacho de indeferimento liminar parcial é a decisão apropriada em situações em que os vícios não afetam a totalidade da execução nos seus elementos objetivo ou subjetivo, como sucede quando o pedido extravasa os limites ou finalidades constantes do título (…).» [[5]] E seria de conferir essa possibilidade de indeferimento parcial no caso dos autos conterem todos os elementos para o efeito. Porém, não se nos oferece ser esse o caso. Assim, no requerimento executivo, a Exequente mencionou que “os factos constam do título executivo em anexo”. [[6]] Para além disso, juntou o requerimento de injunção; e nele se diz que o contrato teve início em 09/05/2022, tendo-se a resolução operado em 30/10/2024. Mais juntou cópia do contrato e suas condições, onde se refere terem sido acordadas 96 prestações e o montante de cada uma. Ora, se o que extravasa o requerimento de injunção são as prestações vincendas, rectius, as devidas após a resolução contratual, poder-se-ia considerar ser fácil operar com o montante das prestações vencidas à data da resolução e passíveis de serem executadas. Sucede que falta um dado essencial: desconhece-se em que data as Executadas deixaram de pagar. Podemos saber que as prestações vincendas são as ocorridas a partir de novembro de 2024, mas não sabemos quantas prestações foram pagas ou o número das que não foram. E, porque no requerimento de injunção o valor pretendido pelas prestações é feito em bloco (€ 11.753,26), também não é possível descortinar qual o valor das vencidas e das vincendas. «X. Reportando-se o uso indevido do procedimento de injunção apenas a parte do requerimento de injunção dado à execução (já que este não se esgota no pedido de pagamento da referida cláusula penal), verifica-se falta de título executivo somente no que respeita aos valores que não poderiam ter sido incluídos no requerimento de injunção. XI. Pode, pois, ao abrigo do art.º 734º do CPC, ser rejeitada a execução apenas relativamente à parte do pedido exequendo que excede os limites válidos do título executivo, ou seja, relativamente aos valores que não poderiam ser objeto de procedimento de injunção, desde que estes estejam devidamente delimitados no requerimento de injunção.» (sublinhado nosso) [[7]] Concluindo, porque os factos essenciais da causa de pedir têm de constar do requerimento de injunção que integra o título executivo, a omissão da data em que as Executadas deixaram de pagar inviabiliza saber quantas prestações foram pagas, ou o número das que não foram, medida em que o indeferimento tem de ser total, e não parcial. Sendo, pois, de manter a decisão recorrida.
5.2. Da decisão surpresa Pese embora a questão contenda com a nulidade da decisão e devesse ser conhecida em 1º lugar, apreciamos apenas agora em virtude do princípio pro actione, ou seja, a prevalência da substância sobre a forma. Na verdade, como já referimos, a jurisprudência é unânime quanto à ocorrência da exceção dilatória inominada considerada na sentença [[8]]. Pelo que, vir a decretar a nulidade da decisão teria apenas como consequência efeitos dilatórios pois que, ouvida a Exequente, tudo indica que a Mmª Juíza proferiria nova decisão em idêntico sentido. Acresce que «IV – Ante a ressalva expressa constante do art.º 3.º, n.º 3, do CPC, é de considerar lícita a prolação de uma tal decisão sem previamente convidar as partes a pronunciarem-se a esse respeito, considerando ainda que, no caso, nem sequer tinha sido efetuada a citação da Executada (a qual só veio a ser realizada nos termos do art.º 641.º, n.º 7, do CPC), tendo sido possível à Exequente, não obstante o valor da execução fosse inferior à alçada da 1.ª instância, interpor recurso da decisão de rejeição oficiosa da execução (cf. art.º 853.º, n.º 3, do CPC), pronunciando-se sobre as questões aí apreciadas, pelo que o exercício do contraditório, que estava diferido, acabou por se cumprir. Logo, não se mostra violado o princípio do contraditório e, mais especificamente, o princípio da proibição de decisões-surpresa.» [[9]]
6. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC) ……………………………… ……………………………… ………………………………
III. DECISÃO 7. Pelo que fica exposto, acordam os Juízes que compõem este coletivo em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida. Tendo sucumbido no recurso, ficam a cargo da Recorrente as respetivas custas: art.º 527º nº 1 e 2 do CPC. |