Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FERNANDES ISIDORO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO TRABALHADOR INDEPENDENTE | ||
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Nº do Documento: | RP20120326515/09.5TTLMG.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/26/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Sendo o sinistrado de um acidente laboral um trabalhador por conta própria, ele reúne em si a dupla qualidade de empregador e trabalhador, designadamente no tocante às regras de segurança e saúde no trabalho. II - Assim, são-lhe aplicáveis as regras que regulam a segurança no trabalho, quer as respeitantes aos trabalhadores por conta de outrem, previstas nas alíneas a) e b) do nº1 da LAT, quer as relativas às entidades empregadoras a que se refere o art. 18º/1 do mesmo diploma, pelo que a sua inobservância pode conduzir á não reparação das consequências danosas do acidente de trabalho, considerando o disposto no art. 4º/1-g) da Apólice Uniforme do Seguro de Acidente de Trabalho para Trabalhadores Independentes. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Registo nº 588 Proc. Nº 515/09.5TTLMG.P1 Sumariado (art. 713º/7 CPC) Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I. B… instaurou[1] a presente ação com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra C… Companhia de Seguros , S.A., pedindo que, procedente a ação, seja condenada a reconhecer o acidente como de trabalho e a pagar-lhe: ● A quantia de € 1430,39 de indemnização por ITA; ● O capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de € 1287,35; ● A quantia de € 35,40 relativa a despesas de alimentação e deslocações obrigatórias; ● A quantia de € 750,00 referente a almoços e deslocações ao Hospital … para tratamento e assistência médica; ● A quantia de € 139,00 a título de despesas médicas. Alega, para tanto e em síntese, que desenvolvendo a atividade de carpinteiro por conta própria celebrou um contrato de seguro de acidentes laborais com a ré e que, em 1.06.2009, quando procedia à afinação da largura de corte numa máquina conhecida por serra circular/esquadrejadeira, sofreu um acidente ao ser atingido nos dedos polegar, indicador e médio esquerdos pela respetiva serra do disco. Mais alega que a companhia de seguros não assumiu a sua obrigação de ressarcimento dos prejuízos resultantes do acidente sendo certo que, no caso concreto, foram cumpridas todas as normas de segurança exigíveis para o caso. Citada, contestou a Ré seguradora, alegando, em suma, que o acidente ocorreu por violação das regras de segurança por parte da entidade patronal porquanto não se encontrava montado o dispositivo de segurança que visava evitar o contacto com a lâmina. Concluiu a pugnar pela improcedência da ação. Requereu ainda a realização de perícia colegial, formulando os respetivos quesitos. Foi proferido o despacho saneador e selecionada a matéria de facto assente e controvertida, que não foi objeto de reclamação. Procedeu-se a julgamento sem gravação da prova, após o que foi decidida, sem censura, a matéria de facto provada e não provada. Por fim, foi proferida sentença que, julgando improcedente a ação, absolveu a ré dos pedidos. Inconformado com a decisão, apelou o A., pedindo a respetiva revogação e formulando para o efeito as seguintes conclusões: 1- A discordância do recorrente em relação à douta sentença recorrida advém do facto de entender que o acidente de que foi vítima deverá ser caracterizado como de trabalho por ter ocorrido no tempo, no local de trabalho e no exercício da atividade profissional de carpinteiro, por conta própria. 2- O Tribunal a quo concluiu que o acidente dos autos ocorreu devido à violação por parte do sinistrado/entidade patronal das regras de segurança, designadamente as constantes no D.L. 50/2005 de 25/02 e na Portaria 53/71 de 03/02 com a alteração imposta pela Portaria 702/80 de 22/09. 3- No âmbito da presente ação o recorrente alegou ter sofrido um acidente de trabalho quando procedia à afinação da largura de corte numa máquina conhecida por serra circular/esquadrejadeira, atento o facto de que para proceder ao corte de uma peça de madeira/rodapé que ia trabalhar tinha de remover temporariamente o dispositivo de segurança a fim de efetuar a mudança do disco e o posicionamento do protetor. 4- Por sua vez a recorrida/Seguradora alegou em sede de defesa que o autor no momento do acidente procedia ao corte de uma prancha de madeira não tendo colocado como devia e era imposto por lei, o dispositivo de segurança, pelo que o sinistro devia ser descaracterizado por violação das regras de segurança, de acordo com o art.º 7º n.º 1 da LAT. 5- Da matéria de facto dada como provada o Mm. Juiz a quo conclui que o autor é sinistrado e simultaneamente entidade patronal na medida em que desempenha as suas funções de carpinteiro por conta própria. 6- Que no dia do acidente encontrava-se a trabalhar numa máquina de cortar madeira, não tendo montado na máquina o dispositivo de proteção da lâmina enquanto a mesma se encontra ligada e a serrar madeira. Caso tivesse colocado o dispositivo de segurança o acidente não se teria verificado. 7- Salvo o devido respeito, o recorrente entende que a matéria de facto dada como provada é insuficiente para se concluir como o fez o tribunal “…que o acidente ocorreu devido à violação por parte da entidade patronal das regras de segurança existentes”. 8- Nem o comportamento do sinistrado consubstancia nenhuma das situações previstas nos art.ºs 7º n.º 1 al. a) e b) e art.º 18 da Lei 100/97 de 13/09. 9- Na orientação maioritária da jurisprudência, a atuação do sinistrado não poderá integrar a noção de comportamento exclusivamente temerário em alto e relevante grau, tanto mais que já havia realizado idênticas tarefas em circunstâncias similares às que se verificaram no dia do acidente, sem que daí tivesse resultado qualquer perigo. 10- O recorrente exerce a atividade profissional de carpinteiro há 46 anos, sem nunca ter sofrido acidentes graves. 11- Isto significa que acostumado à realização de tais tarefas acaba por se habituar ao perigo do trabalho que desenvolve diariamente, resultante da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão, o que afasta a noção de negligência grosseira nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 8º do D.L. 143/99 de 30/04. 12- O recorrente apesar de ser um trabalhador por conta própria não detém qualquer estabelecimento industrial ou fábrica, mas sim uma pequena oficina de cariz familiar, onde angaria a sua subsistência e a do seu agregado familiar. 13- Por este motivo não lhe será aplicável o Regulamento Geral de Segurança e Higiene do Trabalho constante da Portaria 53/71 de 03/02, que tem como destinatários os Estabelecimentos Industriais. 14- E ainda que assim não fosse, o art.º 45º deste Regulamento prevê a possibilidade de remoção temporária das proteções ou dos dispositivos de segurança, para reparação ou regulação da máquina, protetor, mecanismo ou dispositivo de segurança, o que afastaria o não cumprimento desta norma. 15- Também não se afigura como possível a subsunção do acidente dos autos ao caso especial de responsabilização da entidade patronal constante do art.º 18º n.º 1 da LAT, ou a sua mera equiparação, tendo em conta que o Autor, é aqui, a própria vítima, e a referida norma visa responsabilizar e penalizar o empregador relativamente aos acidentes sofridos pelos trabalhadores ao seu serviço. 16- Por último entende-se que o comportamento do recorrente não integra a previsão do art.º 7º n.º 1 al. a) da LAT, pois na esteira do que tem vindo a ser decidido pelos tribunais superiores não basta a mera circunstância do sinistrado violar as normas de segurança impostas por lei, é também necessária a demonstração de que não existiu causa justificativa dessa violação, o que implica a prova de factos relativos à dinâmica do acidente, bem como ao grau de instrução ou de acesso à informação do trabalhador face às normas jurídicas aplicáveis, ao conhecimento e perfeita perceção do seu conteúdo. 17- Ora a descaracterização do acidente constitui um facto impeditivo do direito que o Autor se arroga e, como tal, de acordo com os critérios gerais da repartição do ónus da prova, a sua prova compete ao Réu na ação, o que não foi feito. 18- Assim, a douta decisão em crise fez uma incorreta interpretação e aplicação do direito, violando os disposto nos art.ºs 7º n.º 1 a) e b) e art.º 18º da Lei 100/97 de 13/09, art.º 8º do D.L. 143/99 de 30/04 e art.º 342 n.º 2 do C.C. A R., em contra alegações, defendeu a confirmação na integra da sentença recorrida. O Exmo. Magistrado do Mº Pº nesta Relação emitiu douto Parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, em parecer a que reagiu o A/sinistrado. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II – Factos São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo: 1. O Autor exerce a atividade profissional de carpinteiro, por conta própria. 2. Para cobertura de eventuais lesões que lhe pudessem advir do exercício daquela sua atividade profissional, o Autor celebrou com a Ré um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, com prémio variável, titulado pela apólice n.º 11-20934. 3. No dia 01 de junho de 2009, pelas 17H00, quando o Autor se encontrava a trabalhar na sua oficina ocorreu um evento infortunístico. 4. Em consequência direta e necessária do evento referido em 3., o Autor sofreu as lesões descritas no relatório do GML de Vila Real de fls. 30 a 34, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. 5. As lesões referidas em 4., determinaram ao autor as seguintes sequelas no membro superior esquerdo: -Múltiplas cicatrizes, na região tenar, dedo polegar, indicador e médio, sendo a de maior dimensão de dez centímetros de comprimento. Imobilidade de todo o dedo polegar. - Amputação de F2 e F3 do dedo indicador. Limitação muito acentuada da articulação metacarpo-falângica do dedo indicador. Impotência funcional dos dedos polegar, indicador e médio. - Limitação dos movimentos do ombro. 6. Do evento referido em 3., resultou uma incapacidade temporária absoluta fixável num período total de 93 dias, desde 02/06/2009 a 02/09/2009, data da alta definitiva. 7. À data do evento referido em 3., o autor auferia um salário de 565,00€ x 14 meses. 8. O Autor nasceu no dia 11/09/1952. 9. No momento em que o evento referido em 3., ocorreu, a máquina que o trabalhador estava a comandar encontrava-se sem o dispositivo destinado a proteger o disco circular da mesma. 10. O evento referido em 3., ocorreu quando o autor trabalhava na máquina conhecida por serra circular/esquadrejadeira. 11. O autor exerce a atividade profissional de carpinteiro há 46 anos, sem nunca ter sofrido acidentes graves. 12. Como consequência do evento referido em 3., o autor ficou com uma incapacidade permanente parcial de 28,5%. 13. Em consequência do evento referido em 3., o Autor gastou em despesas com deslocações obrigatórias a este Tribunal e ao GML de Vila Real a quantia de € 35,40. 14. Em virtude do evento referido em 3., o autor despendeu a quantia de € 750,00 em transportes e almoços efetuados com deslocações ao Hospital … no Porto, para tratamentos e consultas médicas. 15. O autor despendeu em consultas médicas a quantia de 139,00€. 16. O Autor nada recebeu da Ré, tendo esta a partir de 02/09/2009 cessado toda a assistência médica que lhe vinha prestando, alegando que o acidente ocorrera por manifesta inobservância das normas legais de segurança. 17. O evento referido em 3., ocorreu quando o autor se encontrava a cortar uma prancha de madeira. 18. A máquina em que o autor se encontrava a trabalhar é do ano de fabrico de 1994. 19. Se o autor tivesse colocado o dispositivo de segurança que tapa a serra da máquina o evento referido em 3., não teria ocorrido. III – O Direito Consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da motivação do recorrente (arts 684º/3 e 685º-A/1 do CPCivil[2], aplicável ex vi do art. 87º do CPT do CPT), com ressalva da matéria de conhecimento oficioso – diremos que, no essencial, a(s) questão(ões) a dirimir no caso em apreço são as seguintes: 1. Da impugnação da matéria de facto; 2. Da não descaracterização do acidente como de trabalho. III. 1 Da matéria de facto. Adrede entende o A/recorrente que a matéria de facto dada como provada é insuficiente para se concluir como o fez o tribunal “…que o acidente ocorreu devido à violação por parte da entidade patronal das regras de segurança existentes”. Não tem razão, neste entendimento, porquanto não existe a reclamada insuficiência. Efetivamente, como bem refere o MP, uma coisa è a insuficiência da matéria de facto para a decisão da causa; e outra, bem diversa, é a não prova dessa factualidade. Só que in casu o A. não fez a prova dos factos por si alegados como pertinentes, ou seja da factualidade constante dos nºs 2º,3º,5º,6º e 8º da BI. E tal onus probandi incumbia-lhe por se tratar de factos constitutivos do direito por si invocado. Inexiste assim qualquer insuficiência da matéria de facto, antes omissão de prova de factualidade relevante. E tal omissão sibi imputet, nos termos dos arts 342º/1 do CC e 563º do CPCivil. Por outro lado, também não se configura qualquer impugnação – ainda que vaga e genérica - da matéria de facto. Mas a admitir-se, ainda que hipoteticamente, essa impugnação, a mesma não procederia. Na verdade, nos termos do disposto no artigo 685º-B do CPCivil, ao impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: “- Quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados [a)]; - Quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [b)].” -E o nº 2, por seu turno, acrescenta que: “No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 522º-C., incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.” Ora, no caso em apreço, a recorrente não deu cumprimento aos ónus exigidos nas alíneas a) e b) do nº1 do transcrito normativo, já que não especificou os concretos pontos de facto incorretamente julgados, nem os concretos meios probatórios a imporem decisão diversa, como também, é certo, que os depoimentos prestados em audiência de julgamento não foram objeto de gravação. Diz, por outro lado, o artigo 712º/1 do Código de Processo Civil que a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada por esta Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º-B, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou. Ora, como vimos, não tendo o apelante cumprido os aludidos ónus, não se tendo procedido à gravação da prova pessoal prestada em julgamento, nem estando em causa a apreciação de documentos ou outras provas que só por si imponham decisão diversa, nunca em sede de 2ª instância se poderia tomar conhecimento do recurso, nesta parte, que assim sempre seria de rejeitar. Na verdade, como se disse em acórdão desta [2ª] instancia: “se o tribunal formou a sua convição em determinados meios de prova e se estes não chegam ao conhecimento da Relação não pode reconhecer-se a esta o poder de alterar o julgamento do tribunal, a não ser que se verifique alguma das exceções contempladas nas diversas alíneas do nº1 do art. 712º do CPC”- exceções estas que, convenhamos, in casu não se verificam. É o que a propósito da eventual e/ou sugerida impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto - que assim se tem de considerar como assente, tal como decidida a quo - se impõe, aqui e agora, salientar. III.2 Da não descaracterização do acidente. Diz o recorrente/sinistrado que o acidente em causa não deve ser descaracterizado, porquanto o respetivo comportamento não consubstancia nenhuma das situações previstas nos art. 7º/1- a) e b) e art. 18º da L 100/97, de 13.09 [doravante LAT] e do art. 8º do DL 143/99, de 30.04 [doravante RLAT]. Apreciando. E fazendo-o, diremos, antes de mais, que tratando-se, como se trata, de acidente, ocorrido em 1.06.2009, é o mesmo, com efeito, regulado pela referida LAT e respetivo diploma regulamentar RLAT - cfr. arts 1.º DL 382-A/89, 22/09, 41º da LAT e 71º/1 do RLAT[3] e ainda o disposto nos arts 3º/1 e 2 e 21º/2 da L. 99/2003, 27.08, que aprovou o CT2003. Por outro lado, inquestionada se mostra in casu a existência do acidente como de trabalho de que foi vitima o A./recorrente que exercia a atividade profissional de carpinteiro por conta própria e, nessa qualidade, celebrara com a ora apelada/seguradora um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, titulado pela apólice nº 11-….., para cobertura de eventuais lesões que lhe pudessem advir do exercício daquela sua atividade profissional, nos termos do art. 3º/1 da LAT e arts 1º e 2º do DL 159/99, de 11.05. Vejamos o que a propósito, diz a sentença sub iudice: “(…) determina o artigo 7º, nº 1, da citada Lei nº 100/97[4], que não dá direito a reparação o acidente: a) Que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou prevista na lei; b) Que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado. Estipula, por seu turno, o artigo 8º, nº 1, do Decreto-lei nº 143/99, que para efeitos do disposto no citado artigo 7º, considera-se existir causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pela entidade empregadora da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la. Por outro lado, define o n.º 2, como negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não consubstancie um ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão. No caso supra enumerado a exclusão ou redução da responsabilidade por acidentes de trabalho advém de motivos imputáveis ao lesado traduzindo-se numa autorresponsabilização do trabalhador pela sua conduta. Com efeito, assentando a responsabilidade objetiva do empregador no risco profissional não se justificaria que a mesma subsistisse no caso de o acidente se ter ficado a dever a uma falta do trabalhador. Não obstante não será uma qualquer atuação menos cuidada por parte do trabalhador que acarreta a exclusão ou a redução da responsabilidade impondo-se que a mesma revista alguma gravidade. Para que o acidente de trabalho seja, no caso previsto no citado artigo 7º, nº 1, alínea a), descaracterizado é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal ou previstas na lei; violação, por ação ou por omissão, dessas condições, por parte do sinistrado; que a atuação deste seja voluntária e sem causa justificativa; que exista um nexo de causalidade entre essa violação e o acidente. Assim, no caso previsto na supra citada alínea a), o legislador exige a atuação culposa do sinistrado ou apenas a violação das condições de segurança sem qualquer causa justificativa dispensando o requisito da culpa ou negligência. Com efeito, se o trabalhador conhecendo as condições de segurança vigentes na empresa ou no ordenamento jurídico, as viola conscientemente e, por força disso, sofre um acidente de trabalho, não é de exigir a negligência grosseira do sinistrado nessa violação para excluir a responsabilidade do empregador a qual, contudo, não será excluída se o trabalhador, atendendo ao seu grau de instrução ou de acesso à informação dificilmente teria conhecimento das condições de segurança ou se não tinha capacidade de as entender. Por seu turno, nos termos da alínea b), do citado preceito, a descaracterização do acidente procede de negligência grosseira do sinistrado entendida esta como a omissão grave do dever objetivo de cuidado adequado segundo as circunstâncias concretas a evitar a produção do evento. Com efeito, neste caso, a descaracterização do acidente de trabalho exige a adoção, pelo sinistrado, de um comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou nos usos e costumes da profissão, conforme resulta do disposto no artigo 8.º, n.º 2, do Regulamento da Lei dos Acidentes de Trabalho. Ora, considera-se temerário, um comportamento perigoso, arriscado, imprudente, audacioso, arrojado, intrépido, que não tem fundamento. A negligência ou mera culpa consiste na violação de um dever objetivo de cuidado, sendo usual distinguir entre aquelas situações em que o agente prevê como possível a produção do resultado lesivo, mas crê, por leviandade ou incúria, na sua não verificação (negligência consciente) e aquelas em que o agente, podendo e devendo prever aquele resultado e cabendo-lhe evitá-lo, nem sequer concebe a possibilidade da sua verificação (negligência inconsciente). A negligência pode também assumir diferentes graus: será levíssima quando o agente tenha omitido os deveres de cuidado que uma pessoa excecionalmente diligente teria observado; será leve quando o padrão atendível for o comportamento de uma pessoa normalmente diligente e será grave quando a omissão corresponder àquela em que só uma pessoa excecionalmente descuidada e incauta teria também incorrido. A negligência grosseira, correspondendo a uma culpa grave, pressupõe que a conduta do agente – porque gratuita e de todo infundada – se configure como altamente reprovável, à luz do mais elementar senso comum, devendo ser apreciada em concreto – conferindo as condições do próprio acidentado – e não com referência a um padrão abstrato de conduta. Por último, para excluir o direito à reparação nos termos da alínea b), do n.º 1, do citado artigo 7.º, é indispensável que o evento seja imputado, mediante o estabelecimento do nexo de causalidade, exclusivamente, ao comportamento grosseiramente negligente do sinistrado, o que implica a prova de que nenhum outro facto concorreu para a sua produção. Vejamos ainda o regime previsto para a responsabilização da entidade patronal, por violação das regras de segurança. Relativamente aos casos especiais de reparação, o artigo 18º, n.º1, da Lei dos Acidentes de Trabalho, aprovada pela Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, estabelece que as prestações previstas nesta lei são agravadas quando: “o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho”. Nos casos aqui enunciados, a responsabilidade pelo pagamento das prestações previstas na Lei dos Acidentes de Trabalho, da instituição seguradora para quem o empregador haja transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho assume cariz subsidiário nos termos do artigo 37.º, n.º 2, e reporta-se às prestações normais previstas nesta lei. O citado artigo 18.º, da Lei dos Acidentes de Trabalho, não fala agora em “culpa” da entidade patronal, ao invés do que sucedia no âmbito da Base XVII, da Lei n.º 2.127, de 3 de agosto de 1965 e do seu regulamento aprovado pelo Decreto-lei n.º 360/71, de 21 de agosto, embora aluda ao acidente “provocado” pela entidade empregadora e ao que resultou “da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho”, exigindo igualmente quanto a esta última hipótese quer a constatação da inobservância das regras, quer o nexo de causalidade entre esta inobservância e o acidente. Não obstante, a ideia de culpa continua subjacente a toda a previsão do preceito. Com efeito, conforme refere Carlos Alegre, in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2ª Edição, Pag. 104, “a culpa do agente não existe, apenas, quando atua com dolo, mas também quando não age com o cuidado ou a diligência que as circunstâncias do trabalho exigem, e a que está obrigado e é capaz. Em direito criminal chama-se a este comportamento de negligência, a lei dos acidentes de trabalho chama-o de culpa”. Assim, apesar de o artigo 18.º, da Lei dos Acidentes de Trabalho, não fazer qualquer referência ao conceito de culpa em sentido lato, todos os juízos pressupostos na norma estão relacionados com o padrão de negligência previsto na lei civil. Para o funcionamento da estatuição do artigo 18.º é necessário concluir: 1.º - que sobre a entidade empregadora (ou seu representante) recaía o dever de observar determinadas regras de comportamento cuja observância, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação do evento danoso e que a entidade empregadora (ou seu representante) faltou à observância dessas regras, não tomando por esse motivo o cuidado exigível a um empregador normal; 2.º - que entre essa sua conduta e o acidente intercorre um nexo de causalidade adequada. * No caso dos presentes autos resulta dos factos provados que no dia 1 de junho de 2009 o autor encontrava-se a trabalhar numa máquina de cortar madeira.Provou-se também que o autor não tinha montado na máquina (relembre-se que o autor é sinistrado e simultaneamente entidade patronal na medida em que desempenha as suas funções de carpinteiro por conta própria) o dispositivo de proteção da lâmina da máquina e que serve para tapar a lâmina enquanto a mesma se encontra ligada e a serrar madeira. Finalmente, provou-se que, caso o autor tivesse colocado o dispositivo de segurança o acidente em discussão nestes autos não se teria verificado. Ora subsumindo este relevante segmento fáctico ao enquadramento jurídico descrito e sem olvidar a situação concreta em que o trabalhador se encontrava no momento do acidente, não podemos deixar de considerar que o acidente ocorreu devido à violação por parte da entidade patronal das regras de segurança existentes. Vejamos: Ao caso concreto é aplicável o Decreto-Lei n.º 50/2005 de 25 de fevereiro, relativo a prescrições mínimas de segurança e de saúde na utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho assim como a Portaria 53/71, de 03 de fevereiro com a alteração imposta pela Portaria n.º 702/80, de 22 de setembro que se refere à proteção de máquinas na zona de operação. O artigo 3º do DL 50/2005 dispõe que: “Para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve: a) Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efetuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização; b) Atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização; c) Tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, bem como os princípios ergonómicos; d) Quando os procedimentos previstos nas alíneas anteriores não permitam assegurar eficazmente a segurança ou a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho, tomar as medidas adequadas para minimizar os riscos existentes; e) Assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10.º a 29.º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores”. Artigo 4.º - Requisitos mínimos de segurança e regras de utilização dos equipamentos de trabalho: “1 - Os equipamentos de trabalho devem satisfazer os requisitos mínimos de segurança previstos nos artigos 10.º a 29.º 2 - Os equipamentos de trabalho colocados pela primeira vez à disposição dos trabalhadores na empresa ou estabelecimento devem satisfazer os requisitos de segurança e saúde previstos em legislação específica sobre conceção, fabrico e comercialização dos mesmos. 3 - Os trabalhadores devem utilizar os equipamentos de trabalho em conformidade com o disposto nos artigos 30.º a 42.º” Artigo 16.º -Riscos de contacto mecânico: “1 - Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protetores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas. 2 - Os protetores e os dispositivos de proteção: a) Devem ser de construção robusta; b) Não devem ocasionar riscos suplementares; c) Não devem poder ser facilmente neutralizados ou tornados inoperantes; d) Devem estar situados a uma distância suficiente da zona perigosa; e) Não devem limitar a observação do ciclo de trabalho mais do que o necessário. 3 - Os protetores e os dispositivos de proteção devem permitir, se possível sem a sua desmontagem, as intervenções necessárias à colocação ou substituição de elementos do equipamento, bem como à sua manutenção, possibilitando o acesso apenas ao setor em que esta deve ser realizada”. Quanto à Portaria relevam as seguintes normas: Artigo 40º - Proteção e segurança das máquinas. “1 - Os elementos móveis de motores e órgãos de transmissão, bem como todas as partes perigosas das máquinas que acionem, devem estar convenientemente protegidos por dispositivos de segurança, a menos que a sua construção e localização sejam de molde a impedir o seu contacto com pessoas ou objetos. 2 - As máquinas antigas, construídas e instaladas sem dispositivos de segurança eficientes, devem ser modificadas ou protegidas sempre que o risco existente o justifique”. Artigo 56.º-A - Disposições específicas: “1 - As máquinas de trabalhar madeira ou produtos similares devem ter a ferramenta de corte protegida de modo a impedir que as mãos do trabalhador contactem com ela”. Face aos factos provados e à letra da lei, é para nós claro que o acidente em discussão nos autos só ocorreu porquanto a entidade patronal não cumpriu com as normas de segurança existentes. Provou-se a existência de tais normas, a sua violação e o nexo causal entre essa violação e o acidente em discussão nos autos. Consequentemente, improcede in totum a pretensão do autor assim se absolvendo a companhia de seguros de todos os pedidos contra si formulados.” Concordamos, no essencial, com a justeza da fundamentação e conclusão constante da sentença transcrita por consubstanciarem uma correta subsunção dos factos provados ao direito aplicável. Acrescentaremos apenas algumas notas complementares, em função dos argumentos aportados nas respetivas conclusões pelo recorrente: Na verdade, o A./apelante é um trabalhador por conta própria e nessa qualidade reclamou a reparação decorrente da LAT e demais legislação aplicável, dado ter outorgado, ope legis um contrato de seguro de acidentes de trabalho com a R./seguradora, nos termos do disposto no art.1º/1 do DL 159/99, de 11.05. E segundo dispõe o art. 2º deste diploma o contrato de seguro de acidentes de trabalho dos trabalhadores independentes rege-se pelas disposições da LAT e diplomas complementares. Em conformidade, estabelece o art. 273º/1 do CT/2003 que o empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, norma esta que é aplicável com as necessárias adaptações, ao trabalhador por conta própria, como dispõe o art. 212º da L 35/2004, de 29.07 (vulgo RCT). Ora, no caso em apreço se o sinistrado/A. é um trabalhador por conta própria, sendo a lei que equipara o trabalhador independente ao empregador, ele reúne em si a dupla qualidade de empregador e trabalhador, designadamente no tocante às regras de segurança e saúde no trabalho. E desta sorte, são-lhe aplicáveis as regras que regulam a segurança no trabalho, respetivamente, quer as respeitantes aos trabalhadores por conta de outrem, previstas nas alíneas a) e b) do nº1 da LAT, quer as respeitantes às entidades empregadoras a que se refere o art. 18º/1 do mesmo diploma, pelo que a sua inobservância pode conduzir à não reparação das consequências danosas do acidente de trabalho, considerando o disposto no art. 4º/1-g) da Apólice Uniforme do Seguro de Acidente de Trabalho.[5] Na verdade, segundo este preceito: “além dos acidentes excluídos pela legislação aplicável não ficam, em caso algum, abrangidos pelo presente contrato os acidentes que sejam consequência de falta de observância das disposições legais sobre segurança, higiene e saúde no local de trabalho”. Daí que, admitindo, hipoteticamente embora, que, na perspetiva do trabalhador, o acidente se configure como reparável, nos termos das disposições conjugadas dos art. 7º/1-a e b) da LAT e 8º/1 e 2 da RLAT, quer por alegadamente Ré não ter provado, como lhe incumbia, enquanto facto impeditivo do direito invocado (art.342º/2 do CC), que não existiu causa justificativa da violação das regras de segurança pelo trabalhador, quer, exclusivamente, a respetiva negligência grosseira, ainda assim diremos que atento o disposto no art. 18º /1 da LAT, resultando o acidente, como no caso vimos resultou, da falta de observância culposa[6] das regras de segurança por banda do empregador, tratando-se como se trata da mesma pessoa (trabalhador e empregador), é manifesto que sempre a reparação no caso em apreço - tendo outrossim presente o transcrito art. 4º/1-g) da Apólice Uniforme do seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes - se teria por excluída. E sendo assim, entendemos que também nesta ótica o acidente em apreço não é reparável pelo que a decisão do tribunal a quo não se configura como passível da censura vislumbrada pelo recorrente, assim improcedendo as pertinentes conclusões e, em consequência, a apelação. Em resumo e sumariando (art. 713º/5 do CPC): 1. Se o tribunal a quo formou sua convição em determinados meios de prova e se estes não chegam ao conhecimento da Relação não pode reconhecer-se a esta o poder de alterar o julgamento daquele tribunal, a não ser que se verifique alguma das exceções contempladas nas diversas alíneas do nº1 do art. 712º do CPC. 2. Sendo o sinistrado de um acidente laboral um trabalhador por conta própria, ele reúne em si a dupla qualidade de empregador e trabalhador, designadamente no tocante às regras de segurança e saúde no trabalho. 3. Assim, são-lhe aplicáveis as regras que regulam a segurança no trabalho, quer as respeitantes aos trabalhadores por conta de outrem, previstas nas alíneas a) e b) do nº1 da LAT, quer as relativas às entidades empregadoras a que se refere o art. 18º/1 do mesmo diploma, pelo que a sua inobservância pode conduzir á não reparação das consequências danosas do acidente de trabalho, considerando o disposto no art. 4º/1-g) da Apólice Uniforme do Seguro de Acidente de Trabalho para Trabalhadores Independentes. IV. Decisão Pelo exposto, decide-se julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida. Custas pelo recorrente. Porto, 2012-03-26 António José Fernandes Isidoro Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho António José da Ascensão Ramos __________________ [1] Com base em participação apresentada em 04-12-2009. (cfr fls 2) [2] Na versão introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08 (cfr o disposto nos seus arts 11º/1 e 12º/1). [3] Aliás, a L. 98/2009, de 4.09, que agora regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, neste particular, apenas se aplica a acidentes de trabalho ocorridos após 1.01.2010 -, a data da sua entrada em vigor (cfr os seus artigos 186º-als a) e b) e 187º/1 ‘ a contrario’ e 188º) [4] Realce a negrito nosso [5] Cfr a propósito o acórdão desta Relação de13-6-2011, Procº Nº 235/08.8TTBGC.P1 [6] Cfr neste sentido, entre outros, Carlos Alegre, apud ob. e loc. citados, Mª José Costa Pinto, Violação das Regras de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho: Perspetiva Jurisprudencial, PDT (CEJ) Nºs 74/75,p 199; e acórdão do STJ de 25.11.2010, Procº 55/07.7TTLMG.P1.S1, em www.dgsi.pt. Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince. |