Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | CARLOS PORTELA | ||
| Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO EXCLUSÃO DA GARANTIA DO SEGURO OBRIGATÓRIO COBERTURAS FACULTATIVAS DECLARAÇÃO DE QUITAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP20120510255/10.2TBVRL.P1 | ||
| Data do Acordão: | 05/10/2012 | ||
| Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Os danos sofridos pelo próprio segurado, condutor do veículo automóvel objecto do contrato de seguro, bem como os danos decorrentes de lesões corporais por ele causados ao seu cônjuge e descendentes estão excluídos da garantia do seguro obrigatório respeitante a tal veículo. II - Fora dessa exclusão ficam os danos não patrimoniais sofridos por estes familiares, decorrentes da morte do segurado. III - O recibo de quitação, validamente obtido e resultante de negociação com a seguradora, impede o lesado que o subscreveu de pedir a reparação de prejuízos que ultrapassem o montante nele fixado, a menos que se trate de danos que só posteriormente tenham sido revelados. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Apelação nº255/10.2TBVRL.P1 Tribunal recorrido: 3º Juízo de Vila real Relator: Carlos Portela (394) Adjuntos: Des. Joana Salinas Des. Pedro Lima da Costa Acordam na 3ª Secção (2ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório: B…, residente em …, …, Penafiel, por si e em representação da sua filha menor C…, intentou a presente acção de condenação, emergente de acidente de viação, com a forma de processo ordinária, contra a Companhia de Seguros D…, SA., com sede na Rua …, n.º .., Porto, pedindo a condenação desta no pagamento das seguintes quantias: a) € 25.000,00, a cada uma das autoras, a título de ressarcimento por danos não patrimoniais; b) € 50.000,00, a ambas as autoras, a título de indemnização pela perda da vida por parte do seu marido e pai. Para tanto e em síntese, alegou que no dia 02-10-2006, ocorreu um acidente de viação, no qual foi interveniente E…, seu marido e pai, em consequência do qual o mesmo veio a falecer. Mais referiu que a culpa do sinistro se deve à actuação de E…, por conduzir o veículo, seguro pela Ré em excesso de velocidade. Afirmou que com a morte mencionada, sofreram grande abalo psicológico e desgosto, para cujo ressarcimento reclama, para cada uma das autoras, a quantia de € 25.000,00. Pela perda do direito à vida, reclama, em conjunto, a quantia de € 50.000,00. Refere ainda que sendo terceiras em relação ao condutor, têm direito à indemnização por força da sua morte (art. 7º, n.º1, do DL n.º 522/85, de 31-12) nos termos peticionados. Devidamente citada para o efeito a Ré apresentou a contestação de fls. 29 e seguintes, onde concluiu pela improcedência da acção. Para o efeito e além de impugnar a versão do sinistro alegada na petição inicial, alegou, em síntese, que por força do disposto no art. 7º, n.º1 e 2, al. a), do DL n.º 522/85, de 31-12, e do art. 6º, n.º1 e 2, al. a), das Condições Gerais da Apólice, estão excluídos da garantia do seguro os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro. Afirma que os danos não patrimoniais decorrentes da morte do condutor do veículo seguro não estão cobertos pelo contrato de seguro, atento o disposto no art. 7º do DL n.º 522/85 de 31-12. Defende que, conforme resulta da apólice referente ao contrato de seguro do veículo conduzido pelo falecido, foram contratadas coberturas facultativas de protecção de ocupantes, com a garantia de morte e invalidez permanente de € 5.000,00, quantia que já pagou às AA., tendo as mesmas, com tal recebimento, a exonerado, sem reserva, relativamente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, e renunciaram expressamente aos direitos que lhes corresponderiam em virtude do sinistro. Considera por isso, não ser responsável pelas quantias reclamadas pelas Autoras. As mesmas Autoras apresentaram a réplica de fls. 102 e seguintes onde, além de reiterarem o alegado na petição inicial, alegaram que o seguro de ocupantes é uma cobertura facultativa, que não exclui a obrigatoriedade de subscrição do seguro de responsabilidade civil automóvel, cumulando-se com o mesmo. Afirmam que o recebimento da quantia entregue pela R. em cumprimento da cobertura facultativa não a exonera do pagamento da indemnização devida pelo contrato de seguro obrigatório. Os autos prosseguiram os seus termos e em sede de audiência preliminar, elaborou-se o despacho onde se saneou o processo, se fixou a matéria tida como provada e se seleccionou a matéria de facto pertinente para apreciação do litígio. Tal despacho não foi objecto de qualquer reclamação das partes. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, no culminar da qual se proferiu decisão relativamente à matéria de facto controvertida vertida na Base Instrutória. Tal decisão também não obteve qualquer reparo nem das Autoras nem da Ré. Proferiu-se então sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência condenou a Ré a pagar as seguintes quantias: a) € 17.500,00 à Autora B…; b) € 15.000,00 à Autora C…, representada na lide pela Autora B…. Mais se decidiu que a Ré deverá pagar juros de mora contados sobre os antes referidos valores, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento, à taxa de 4% sem prejuízo de outras taxas que, eventualmente, venham a vigorar. Inconformada com esta decisão dela veio recorrer a Ré, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações. As Autores também recorreram subordinadamente da sentença proferida, apresentando também as suas alegações. Autoras e Ré contra-alegaram, pugnando no fundo pela improcedência dos recursos interpostos pela parte contrária. Os dois recursos foram considerados tempestivos e legais, admitidos como sendo de Apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo. Recebido o processo nesta Relação foi proferido despacho que teve os recursos por válidos, tempestivamente interpostos e admitidos com efeito e modo de subida adequados. Colhidos os vistos legais e nada obstando ao seu conhecimento, cumpre apreciar e decidir os recursos em apreço. * II. Enquadramento de facto e de direito:A presente acção foi proposta em 12.02.2010. Assim e atento o disposto nas regras conjugadas dos artigos 11º, nº1 e 12º, nº1 do D.L. nº303/2007 de 24.08. aos presentes recursos devem ser aplicadas as regras processuais postas a vigorar por este último diploma legal. Ora como é por demais sabido, o objecto dos presentes recursos e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo teor das conclusões vertidas pelos Apelantes nas suas respectivas alegações (cf. artigo 660º, nº2, 684º, nº3 e 685º-A, nº1 do CPC). Por isso passamos a transcrever o seu conteúdo. Conclusões do recurso da Ré: 1. No âmbito do contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatório, ao abrigo do disposto no 7.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro e do art. 6.º n.º 1 e, n.º 2 alínea a) das Condições Gerais da Apólice (juntas aos autos), estão excluídos da garantia do seguro os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro. 2. As Autora, sendo embora reflexamente prejudicadas com o acidente dos autos, não são beneficiárias do seguro em relação aos danos não patrimoniais alegados, considerando que as lesões corporais do lesado directo, causais da sua morte, se acharem excluídas do seguro, por ser aquele o condutor do veículo seguro, responsável pelo acidente. 3. Compreende-se que assim seja: sendo o condutor do veículo o beneficiário da garantia do seguro, nos termos do disposto no art. 8.º do citado diploma legal, não pode, simultaneamente, ser considerado terceiro para efeito de ressarcimento de danos próprios. 4. Estando excluídos da cobertura do seguro os danos principais – os sofridos pela vítima do acidente – necessariamente estão excluídos também os danos reflexa ou indirectamente por eles causados aos familiares. 5. A este respeito, cita-se, por ilustrativo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/01/2009, disponível in www.dgsi.pt, cujo sumário é: “1. Os danos sofridos pelo condutor dum veículo automóvel não estão abrangidos pelo seguro obrigatório respeitante a tal veículo. 2. Em caso de morte daquele, esta ressalva de abrangência inclui a cobertura dos danos que daí resultaram para os familiares.” 6. Também assim foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30/03/2006, disponível in www.dgsi.pt, cujo sumário é: “1. Os danos sofridos por pai e irmão, decorrentes da morte do condutor do veículo e titular da apólice estão excluídos da garantia do seguro obrigatório”. 7. Mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá que no caso dos autos ficou provado que a R. já procedeu ao pagamento de € 5.000, quantia garantida pela cobertura facultativa de protecção de ocupantes, às Autoras e que a R. B… assinou o recibo constante de fls. 37, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 8. Nos termos do disposto no artigo 236º do Código Civil, a declaração negocial deve ser interpretada de acordo com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, retiraria. 9. No caso em concreto, não há dúvidas que a declaração de que é destinatária a Ré tinha referências a todos os danos decorrentes do sinistro: “com o recebimento da quantia acima, relativa a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais supramencionados”. 10. E, para que dúvidas não restassem, mais consta daquela declaração “exoneramos, sem reserva a Companhia de Seguros D… ... renunciando expressamente aos direitos que nos correspondiam em virtude do sinistro, de acordo com a legislação em vigor” 11. Não há, portanto, qualquer dúvida de que a declaração de que foi destinatária a ora Apelante é uma declaração de quitação e renúncia de todos os direitos emergentes do acidente em causa nos autos. 12. No caso dos autos, entende a Apelante que o normal declaratário, colocado na posição concreta em que se encontrava o destinatário daquela declaração, entendê-la-ia como uma renúncia da declarante a qualquer outra importância indemnizatória em consequência do acidente dos autos, para além daquela que recebera. 13. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou, entre outros, o disposto no art.7.º do D.L. n.º 522/85, de 31/12, e os arts.236.º e seguintes do C.C. NESTES TERMOS, e nos demais de direito, concedendo provimento ao recurso, e absolvendo a R. dos pedidos contra si deduzidos, conforme supra preconizado, farão V. Ex.as. a costumada VERDADEIRA JUSTIÇA! Alegações das Autoras: I-DO VALOR DA INDEMNIZAÇÃO A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS 1 - Na fixação do quantum indemnizatório o tribunal deve ter em conta o grau de parentesco, mais próximo ou mais remoto, o relacionamento da vítima com os seus familiares e o sentimento que os unia, já que a indemnização por estes danos traduz o “preço” da angústia, da tristeza, da falta de apoio, carinho, orientação, assistência e companhia sofrida pelos familiares a quem a vítima faltou. 2 - De acordo com a matéria de facto dada como provada sob este título, é justo e equitativo a quantia de 25.000,00€ para cada uma das AA. a título de danos não patrimoniais – AC. STJ de 03.11.2010, procº 55/06.4PTFAR.E1.S1. II-DA TITULARIDADE DA INDEMNIZAÇÃO PELA PERDA DO DIREITO À VIDA 3 – No caso de lesão mortal, a indemnização correspondente ao dano da morte sofrido pelos familiares mais próximos da vítima, mencionados no nº 2 do artº496º do C.C., lhes cabe iure proprio, e não aos herdeiros por via sucessória. 4 - Se a perda de vida da vítima da lesão desse lugar a um direito de reparação integrado no seu património e transmissível por via sucessória, passaria a haver, então, dois direitos de indemnização: um, integrado na herança, atribuído aos sucessíveis designados nos artigos 2132º e seguintes; outro, de que seriam titulares, por direito próprio, apenas as pessoas destacadas no nº 2º do artigo 496º, tese esta jamais sustentada, por absurda, em qualquer aresto. 5. Ao decidir como decidiu o Tribunal de que se recorre violou o disposto no artº496º, nº 2 do Código Civil. TERMOS EM QUE CONCEDENDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E CONDENANDO A RÉ NOS PEDIDOS FORMULADOS NA PETIÇÃO INICIAL SE FARÁ JUSTIÇA. * O Tribunal “a quo” teve como provados os seguintes factos:1. No dia 02-10-2006, pelas 2:00 horas, no IP., Km 89,837, Vila Real, ocorreu um acidente de viação (A); 2. Nele foram intervenientes o ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-JD, propriedade e conduzido por E…, o qual havia transferido a responsabilidade civil dos riscos de circulação deste veiculo para a Ré, através de contrato de seguro titulado pela apólice 90/…….., no qual foram contratadas as coberturas facultativas de protecção ocupantes, com a garantia de morte ou invalidez permanente de 5.000,00 € (B); 3. Em resultado directo do acidente de viação referido em A), o condutor do JD, E…, veio a falecer (C); 4. À data do acidente o mencionado E… tinha 32 anos de idade (D); 5. Era casado com a A. B… que, à data do acidente, tinha 29 anos de idade (E); 6. Desse casamento nasceu a menor C… (F); 7. A R. já procedeu ao pagamento da quantia referida na alínea B) às Autoras (G); 8. A A. B… assinou o recibo constante de fls. 37, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (H); 9. Nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas em 1, o veículo de matrícula ..-..-JD circulava no sentido .../… (1º); 10. Nas mesmas circunstâncias, o veículo de matrícula ..-..-JD invadiu a hemi-faixa de rodagem destinada à circulação de veículos no sentido …/… (1º); 11. Após invadir a hemi-faixa de rodagem destinada à circulação de veículos no sentido …/…, nesta mesma hemifaixa, o veículo de matrícula ..-..-JD embateu na viatura ligeira de passageiros de matrícula …QHE.. (2º); 12. A viatura ligeira de passageiros de matrícula …QHE.. seguia no sentido …/… (2º); 13. As autoras e E… nutriam forte afeição entre si (3º); 14. Para as AA. foi muito sentida a morte e intensa a dor com a perda do referido E… (4º); 15. Ficaram intensamente abaladas com a perda do marido e pai (5º); 16. Com a sua morte sofreram enorme desgosto e abalo psicológico (6º); 17. A vítima era pessoa forte e saudável e não padecia de qualquer deformidade ou enfermidade (7º); 18. Era uma pessoa que amava a vida e gostava de brincar e ver crescer a filha (8º); 19. Era estimada pela família, amigos e vizinhos (9º). * Perante o acabado de expor, resulta claro serem as seguintes as questões a apreciar e a decidir no âmbito destes dois recursos:1ª) No recurso da Ré: -A de saber se todos os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da morte do condutor do veículo seguro estão ou não excluídos da garantia do contrato de seguro em apreço nos autos; -A de saber se a declaração subscrita pelas Autoras exonera a Ré do pagamento de qualquer quantia indemnizatória decorrente do acidente dos autos. 2ª) No recurso subordinado das Autoras: -A de saber se deve ser alterado o montante da indemnização atribuído às Autoras a título de danos não patrimoniais sofridos por estas em virtude do falecimento da vítima do acidente e respectivamente marido e pai de cada uma delas; -A que se refere à titularidade do direito à indemnização pela perda do direito à vida da já antes citada vítima do acidente em apreço nos autos. Iniciando naturalmente a nossa análise pelas pretensões recursivas da Ré, temos como importante recordar que na sentença recorrida e a tal propósito ficou consignado o seguinte: “Importa, neste momento, apurar se a R., Companhia de Seguros, é responsável pelo ressarcimento dos danos emergentes do sinistro em apreço. De acordo com o disposto no art. 1º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31-12 (vigente à data do sinistro, sendo que, actualmente, vigora o regime jurídico aprovado pelo DL 291/2007, de 21-08), toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos não patrimoniais e patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo a motor, seus reboques e semi-reboques, deve, para que os veículos possam circular, encontrar-se coberta por um seguro que garanta essa mesma responsabilidade. Já o art.8º, n.º1, do mesmo diploma estatui que o contrato garante a responsabilidade civil do tomador do seguro bem como dos legítimos detentores e condutores do veículo. Resulta da matéria provada e descrita no ponto 2, supra, que a R. celebrou o contrato de seguro aí mencionado, por força do qual assumiu o dever de indemnizar terceiros por danos emergentes da circulação do veículo com a matrícula ..-..-JD, cujo condutor deu causa ao sinistro. Sobre a ré impende, pois, o dever de indemnizar os lesados no sinistro objecto dos presentes autos, até ao limite do seguro obrigatório – cfr. art.6º do Decreto-Lei n.º522/85, de 31-12. Sobre tal montante deverão acrescer os juros moratórios respectivos, caso se mostrem devidos, por se entender que o limite da responsabilidade supra referido se reporta apenas ao valor do capital devido, sendo os juros decorrentes do acto ilícito da seguradora de retardar o seu pagamento (cfr. Ac. STJ, de 17-01-1990, BMJ, 393, 585). E logo a seguir fez-se constar o seguinte: “Apurada a responsável pelo ressarcimento dos danos emergentes do sinistro, há que conhecer dos mesmos, sua extensão e se são ou não indemnizáveis. Se bem se compreende o doutamente alegado no articulado inicial, as AA pretendem ser ressarcidas pelos seguintes danos, de natureza não patrimonial: a) os respeitantes aos por si sentidos directamente, que correspondem ao sofrimento que padeceram devido à morte do condutor do veículo seguro pela R.; b) os respeitantes à perda do direito à vida sofrido pelo mencionado condutor. Para a apreciação do peticionado importa atentar em que está provado nos autos que a A. B… era, à data do óbito, casada com o sinistrado e que a A. C… é filha do mesmo – cfr. pontos 5 e 6, supra. Entende a R. que o contrato de seguro por si celebrado, a que acima se fez referência, não contempla a ressarcibilidade dos danos mencionados, com os fundamentos a que acima se fez referência. Tal contrato de seguro garante a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula ..-..-JD, excluindo-se da garantia de seguro os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo, bem como os danos decorrentes de lesões corporais causados ao seu cônjuge e descendentes, de acordo com a respectiva apólice (cfr. art. 6º, n.º 1 e 2, al. a), das Condições Gerais e especiais, constantes de fls. 44 e ss.) e com o disposto no art. 7º do DL n.º 522/85, de 1 Dezembro, na redacção introduzida pelo DL n.º 130/94, de 19-05, em vigor à data do sinistro. A garantia em referência abrange apenas os danos causados a terceiros. Como se refere no Ac. do STJ de 08-01-2009 (proc. n.º 08B3796, acessível em www.dgsi.pt), invocado pelas AA. em sede de petição inicial, a redacção deste art. 7º, introduzida Dec-Lei 130/94, de 19 Maio, é uma decorrência da transposição da directiva nº 90/232/CEE, de 14 de Maio de 1990, para o direito interno português em matéria de responsabilidade civil atinente à circulação de veículos automóveis. Seguindo o que se afirma em tal aresto, a exclusão do condutor da garantia do seguro justifica-se porquanto sendo ele próprio beneficiário dessa garantia (art. 8º do Dec-Lei 522/85) não pode simultaneamente ser considerado terceiro para efeito de ressarcimento de danos próprios. Apesar de se não dar uma definição de terceiros, eles são determinados naquele normativo por exclusão de partes, afastando da garantia certas pessoas e grupo de pessoas. A al. d) do nº 2 do citado art.7º exclui o cônjuge e descendentes do condutor de serem ressarcidos dos danos sofridos decorrentes de lesões materiais. A garantia de seguro já não exclui os danos próprios, de natureza não patrimonial, sofridos pelo cônjuge e filhos do condutor do veículo decorrentes da sua morte, consistentes nos sofrimentos, desgosto e tristeza que essa mesma morte lhes provocou. E este entendimento até aparece reforçado no confronto com o nº 3 do mesmo art.7º onde se exclui especificamente qualquer indemnização ao responsável culposo do acidente por danos não patrimoniais. Se houve a intenção explícita de não conferir ao condutor o direito a indemnização por este tipo de danos, é porque a exclusão contida na aludida al. d) do nº 2 se limita à indemnização pelos danos decorrentes de lesões materiais. Conclui-se, assim, ao contrário do defendido pela R., que o ressarcimento dos danos próprios das AA. decorrente do decesso do condutor do veículo seguro não está excluído da garantia do mesmo e, como tal, está a ré seguradora obrigada a indemnizá-las de tais danos.” No que toca à Ré como antes já vimos e fundando-se igualmente no conteúdo do supra citado aresto do STJ de 8.01.2009, “estando excluídos da cobertura do seguro os danos principais – os sofridos pela vítima do acidente – necessariamente estão excluídos também os danos reflexa ou indirectamente por eles causados aos familiares”. Isto porque, “as Autoras, sendo embora reflexamente prejudicadas com o acidente dos autos, não são beneficiárias do seguro em relação aos danos não patrimoniais alegados, considerando que as lesões corporais do lesado directo, causais da sua morte, se acharem excluídas do seguro por ser aquele o condutor do veículo seguro, responsável pelo acidente.” Tudo porque “sendo o condutor do veículo o beneficiário da garantia do seguro, nos termos do disposto no art.8º do citado diploma legal, não pode, simultaneamente, ser considerado terceiro para efeito de ressarcimento de danos próprios.” Ora da leitura atenta no referido Acórdão do STJ de 8.01.2009, relatado pelo Conselheiro Alberto Sobrinho, no processo nº08B3796 e dado a conhecer em www.dgsi.pt/jstj, resulta em nosso entender e inequivocamente, a assumpção de argumentos que vão no sentido da confirmação da tese defendida na sentença aqui recorrida. Assim e para comprovar a conclusão que agora retiramos, passamos aqui a citar o que de mais relevante ficou a constar no aludido aresto. Assim: O contrato de seguro obrigatório garante e a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo, excluindo-se da garantia de seguro os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo seu condutor, bem como os danos decorrentes de lesões corporais causados ao seu cônjuge e descendentes, de acordo com a respectiva apólice, em consonância, alias, com o estatuído no art.7º do D.L. nº522/85, de 31 Dezembro, que reproduz este normativo. Garante apenas os danos causados a terceiros. A redacção actual deste art.7º, introduzida pelo D.L. nº130/94, de 19 Maio, é uma decorrência da transposição da directiva n°90/232/CEE, de 14 de Maio de 1990, para o direito interno português em matéria de responsabilidade civil atinente à circulação de veículos automóveis. Compreende-se esta exclusão do condutor da garantia do seguro, porquanto sendo ele próprio beneficiário dessa garantia (art.8° do D.L. nº522/85) não pode simultaneamente ser considerado terceiro para efeito de ressarcimento de danos próprios. Mas a garantia de seguro já não exclui os danos próprios, de natureza não patrimonial, sofridos pelo cônjuge e filhos do condutor do veículo decorrentes da sua morte, consistentes nos sofrimentos, desgosto e tristeza que essa mesma morte lhes provocou. Aliás neste mesmo sentido já ia também, o Acórdão do STJ de 21.10.2003, relatado no processo nº03A2664 pelo Conselheiro Moreira Alves e também publicado em www.dgsi.pt/jstj. Ora não obstante sabermos da existência de jurisprudência com orientação diversa, (cf. por exemplo os Acórdãos do STJ de 8.01.2009, relatado pelo Conselheiro João Bernardo no processo nº08B3722, publicado na antes aludida base de dados e o de 24.02.2011, relatado pelo Conselheiro Cunha Barbosa, reste publicado na CJSTJ, tomo I, a pág.95), é nosso entendimento que deve ser acolhida a opinião vertida quer na decisão recorrida quer nos dois primeiros acórdãos lavrados pelo nosso mais alto Tribunal. E a ser assim, evidente se mostra que improcede a primeira das pretensões recursivas da Ré e ora Apelante, antes se impondo neste ponto, a confirmação da decisão recorrida. Resolvida que está a primeira das duas questões suscitadas pela Ré, justifica-se agora transpor a nossa atenção para a segunda delas. Ora como resulta da sentença recorrida, na mesma a Sr.ª Juiz “a quo”, entendeu por bem considerar que a declaração emitida pelas Autoras e cuja cópia foi junta ao processo a fls.37, não constitui nenhuma renúncia ao crédito indemnizatório na mesma reconhecido. Já para a Ré e interpretando a declaração negocial nos termos do disposto no art.236º, nº1 do Código Civil, dúvidas não se suscitam de que a declaração de que é destinatária, consubstancia uma declaração de quitação e renúncia a todos os direitos emergentes do acidente em causa nos autos. Recordemos pois e agora o teor da declaração em apreço: “Com o recebimento da quantia acima, relativa a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais supramencionados, exoneramos sem reserva a Companhia de Seguros D…, S.A., o segurado, o proprietário do veículo e motorista, renunciando expressamente aos direitos que nos correspondam em virtude do sinistro, de acordo com a legislação em vigor. Herdeiras. B… e C… conforme habilitação de herdeiros”. Do mesmo documento resulta que ás mesmas subscritoras e pelo dano morte foi atribuída a verba de 5.000,00 Euros, mais se constatando desta que tal declaração foi emitida em 14.11.2006. Perante o acabado de expor e salvo sempre melhor opinião, consideramos que tem razão a Ré/Apelante quando defende que a declaração em apreço é uma declaração de quitação e renúncia de todos os direitos emergentes do acidente em causa nos autos. Por isso não subscrevemos de todo a opinião das Autoras/Apeladas segunda a qual, o mesmo recibo ao conter a referência expressa à qualidade de herdeiras do sinistrado e ao convencionar uma cláusula facultativa com a Ré, a qual tinha como finalidade cobrir o risco de morte dos ocupantes do veículo, assegurando o pagamento de uma quantia para o caso de tal evento ocorrer, independentemente dos danos patrimoniais ou não patrimoniais efectivamente produzidos em consequência de tal óbito na esfera jurídica de terceiros, não obsta ao ressarcimento dos danos próprios de natureza não patrimonial sofridos pelas mesmas e decorrentes da morte do seu pai e marido. Antes temos como correcta a opinião vertida no acórdão do STJ de 12.06.2003, relatado pelo Conselheiro Quirino Soares, no processo nº03B1937, dado a conhecer em www.dgsi.pt/jtrp e segundo a qual, “o documento particular em causa tem a natureza de recibo ou quitação, mas não só. Ele incorpora, também, uma liquidação dos danos decorrentes do acidente, a qual, naturalmente, resultou de negociação com a seguradora, mas que foi formalizada através de uma declaração unilateral receptícia do lesado, com a qual a seguradora se conformou, pagando os correspondentes montantes pecuniários”. Assim sendo e independentemente da resolução da divergência relativa a saber se o direito ao ressarcimento pela perda do direito da vida, nasce ou não na esfera jurídica das pessoas referidas no art.496º, nº2 do Código Civil e que na sentença recorrida é tratado de forma profusa e cuidada, não podemos de todo acolher a solução encontrada para a antes citada questão da interpretação do conteúdo da declaração trazida ao processo e junta a fls.37. Consideramos pois, que ao caso não pode deixar de ser aplicada a ideia de que os recibos de quitação são válidos e impedem o lesado que os subscreveu de pedir reparação de prejuízos que ultrapassem o montante aí fixado, a menos que se trate de danos que só posteriormente vieram a ser revelados e assim, imprevisíveis (cf. Acórdão do STJ de 19.01.2006, relatado pelo Conselheiro Moitinho de Almeida, processo nº05B3840 em www.dgsi.pt/jtrp). Por via do antes exposto e não obstante o que atrás ficou decidido, resulta evidente a procedência do recurso interposto pela Ré, impondo-se por isso a revogação da sentença proferida e ora recorrida. E a ser deste modo, deverá pois a mesma Ré, ser absolvida das quantias arbitradas às Autoras e a título de ressarcimento por danos não patrimoniais próprios emergentes do óbito de E… e que à data do sinistro era o condutor da viatura com a matrícula ..-..-JD. Decidindo-se como se acabou de decidir, resulta para nós evidente a improcedência do recurso interposto pelas Autoras. Isto porque considerando-se como se considerou, que a Ré não está obrigada a indemnizar as Autoras a qualquer título, necessário é concluir que não pode ter acolhimento qualquer pretensão que tenha por objectivo apreciar qualquer questão respeitante à natureza ou ao quantitativo das indemnizações peticionadas e que na sentença recorrida tenham sido ou não objecto de definição por parte do Tribunal “a quo”. Por isso e sem necessidade de mais considerações, fácil é dizer que improcede totalmente o recurso por aquelas interposto. * Sintetizando a argumentação nos termos do nº7 do art.713º do CPC:1. O contrato de seguro obrigatório garante e a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo, excluindo-se da garantia de seguro os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo seu condutor, bem como os danos decorrentes de lesões corporais causados ao seu cônjuge e descendentes, de acordo com a respectiva apólice. 2. Esta exclusão do condutor da garantia do seguro, compreende-se porque sendo ele próprio beneficiário dessa garantia, não pode simultaneamente ser considerado terceiro para efeito de ressarcimento de danos próprios. 3. No entanto, a garantia de seguro já não exclui os danos próprios, de natureza não patrimonial, sofridos pelo cônjuge e filhos do condutor do veículo decorrentes da sua morte, consistentes nos sofrimentos, desgosto e tristeza que essa mesma morte lhes provocou. 4. Os recibos de quitação desde que validamente celebrados e resultantes de negociação com a seguradora, devem ser tidos como válidos, impedindo assim que o lesado que os subscreveu venha a juízo pedir a reparação de prejuízos que ultrapassem o montante aí fixado, a menos que se trate de danos que só posteriormente vieram a ser revelados e que assim, eram imprevisíveis * III. Decisão:Pelo exposto, julga-se procedente o recurso de Apelação interposto pela Ré e improcedente o recurso de Apelação interposto pelas Autoras. Em face do antes decidido, revoga-se a sentença recorrida, julgando totalmente improcedente por não provada a acção e, em consequência absolve-se a Ré de todos os pedidos contra si formulados pelas Autoras. * Nos termos do disposto no artigo 446º, nºs 1 e 2 do CPC, as custas em ambas as instâncias são a cargo das Autoras, sem prejuízo do apoio judiciário que lhes foi concedido nos autos.* Notifique.Porto, 10 de Maio de 2012 Carlos Jorge Ferreira Portela Joana Salinas Calado do Carmo Vaz (Cf. voto anexo) Pedro André Maciel Lima da Costa ______________ VOTO DE VENCIDA Voto este acórdão vencida pelas seguintes razões: Não subscrevo a posição deste acórdão quanto à interpretação que faz da declaração junta aos autos considerando-a de quitação e renúncia a todos os direitos emergentes do acidente em causa nos autos, invocando para tanto o disposto no artº 236º nº1 do Código Civil. Com efeito, na minha perspectiva, o contrato de seguro em causa inclui dois tipos de cobertura: > a) a responsabilidade civil dos riscos de circulação do veículo, em relação ao qual as autoras têm o direito de receber as indemnizações fixadas, como se decidiu na 1ª instância e como se confirma neste acórdão; > b) e as coberturas facultativas de protecção de ocupantes, com a garantia de morte ou invalidez permanente com o capital máximo de €5.000,00. Ora, no facto 7 diz-se que a R. já procedeu ao pagamento da quantia referida na alínea B) às Autoras (G). Mas essa quantia é exactamente o montante de €5.000,00 das coberturas facultativas de protecção de ocupantes e não a título de indemnização pelo contrato de seguro (principal) mencionado em a). E tendo sido dessa parte acessória e facultativa do contrato, o sentido da declaração é que elas foram, erradamente, porque não são terceiras, indemnizadas nessa qualidade (coberturas facultativas) e nessa qualidade renunciaram a mais qualquer outro montante. Ainda nos ocorre comentar que tendo o falecimento ocorrido 02/10/2006, nem bem se compreende como é que a seguradora foi tão apressada, em 14/11/2006, em pagar-lhes esta indemnização de €5.0000,00. Isto porque, uma normal declaratária, por si e em representação da sua filha menor, um mês e 10 dias depois do falecimento do amado marido e pai (como resulta dos factos provados) não está apta a aquilatar o alcance e a interpretação que se pode dar à declaração por si assinada. São o que nos dizem as regras da experiência comum. Por isso que subscrevemos integralmente o que se decidiu quanto a esta matéria na 1ª instância, que aqui transcrevemos: "Invoca, ainda, a R. que as AA., com o recebimento da quantia de €5.000,00, respeitante à cobertura facultativa incluída no contrato de seguro em referência nos autos, a que respeita o ponto 2 da matéria provada, a exoneraram, sem reserva, relativamente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, e renunciaram expressamente aos direitos que lhes corresponderiam em virtude do sinistro, pelo que não têm direito à indemnização pretendida. Importa atentar em que, como se afere dos pontos 7 e 8 da matéria de facto provada, a R. efectuou o pagamento da mencionada quantia à A. B…, tendo a mesma assinado o documento constante de fls. 37. Tal documento, intitulado de “Recibo de Indemnização”, contém, além do mais, quanto à natureza da indemnização, a referência a “morte” e, quanto à identificação da entidade recebedora, a referência a herdeiros legais de E…. Consta, ainda, do mesmo documento o seguinte: "com o recebimento da quantia acima, relativa a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais supramencionados, exoneramos sem reserva a Companhia de Seguros D…, SA., o segurado, o proprietário do veículo e motorista, renunciado expressamente aos direitos que nos correspondam em virtude do sinistro, de acordo com a legislação em vigor. Herdeiras: B… e C… conforme habilitação de herdeiros.” A declaração em referência, emitida pela A. B…, em nome próprio e em representação da A. C…, porque tem natureza negocial, encontra-se sujeita ao disposto nos arts. 236º e ss. do CC. Tendo em conta que o dano invocado pelas AA. já se havia constituído e manifestado às mesmas no momento da declaração negocial, afastada fica a aplicabilidade ao caso da norma contida no art. 809º CC, que comina de nulidade a cláusula contratual pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores do Código, nos casos de não cumprimento ou mora do devedor (tem-se como seguro que o citado preceito do art. 809º é aplicável à responsabilidade civil aquiliana, na esteira do defendido por A. Varela, Das Obrigações em Geral, I/3ª ed., pg. 786, e M. Cordeiro, Obrigações, II/425. A declaração emitida pela A. B…, por si e em representação da filha, a A. C…, compreende, em rigor, dois segmentos: o primeiro de quitação; o segundo de renúncia abdicativa. Resta saber o alcance da renúncia. Como é doutrina do ordenamento jurídico português (art. 236º, nº1, CC), “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. A doutrina da impressão do destinatário, recondutível ao âmbito do princípio da protecção da confiança, impõe ao declarante um ónus de clareza na manifestação do seu pensamento, desta forma se concedendo primazia ao ponto de vista do destinatário da declaração, a partir de quem tal declaração deve ser focada (P. Mota Pinto, Declaração Tácita, pg.206). Porém, a lei não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário, significando o entendimento subjectivo deste, mas apenas concede relevância ao sentido que apreenderia o declaratário normal, colocado na posição do real declaratário – a pessoa com capacidade, razoabilidade, conhecimento e diligência medianos (P. Mota Pinto, op. cit., pg.208). Não se impõe ao declaratário uma investigação sobre o que o declarante pretendeu significar com esse comportamento, mas antes a apreensão do sentido objectivo que resulta da declaração, independentemente da cognoscibilidade da verdadeira intenção do declarante. Ora, a realidade é que tal declaração foi produzida na sequência do pagamento da quantia prevista na cláusula facultativa consagrada no contrato de seguro celebrado pela R., que determina o pagamento de € 5.000,00 em caso de morte ou invalidez por ocupante – cfr. pontos 2, 7 e 8 da matéria de facto provada. Por outro lado, importa atentar em que a declaração negocial de quitação foi emitida contendo a referência expressa, por parte das declaratárias, à qualidade de sucessoras do sinistrado falecido. Desta forma, o declaratário apenas poderia ou deveria entender a declaração enquanto reportada aos pressupostos da obrigação liquidada, isto é, reportada ao cumprimento da obrigação contida na cláusula facultativa. Esse é o sentido objectivo da declaração, e não aquele que, subjectivamente, o declaratário lhe possa ter querido atribuir. Atente-se, ainda, que, em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, em matéria de negócios onerosos, deve prevalecer o sentido que conduzir a um maior equilíbrio das prestações – artº 237º C.Civ. No caso dos autos, tal equilíbrio não se mostra alcançado com a interpretação defendida pela R., posto que a mesma conduziria a uma situação de derrogação da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais próprios das AA. emergentes da morte do condutor seu familiar, prevista no acervo normativo acima mencionado. Acresce que a cláusula facultativa convencionada pela R. não tinha como finalidade, certamente, cobrir tais danos, antes se reconduzindo a uma cobertura do risco de morte dos ocupantes do veículo, assegurando o pagamento de uma quantia para o caso de tal evento ocorrer, independentemente dos danos patrimoniais ou não patrimoniais efectivamente produzidos em consequência de tal óbito na esfera jurídica de terceiros. Conclui-se, assim, ressalvando o devido respeito por opinião diversa, que a declaração emitida pelas AA. ora apreciada não constitui nenhuma renúncia ao crédito indemnizatório acima reconhecido, ao contrário do pugnado pela R." *** Com os fundamentos expostos, confirmaria integralmente a decisão da 1ª instância, já que também julgo adequados e equitativos os montantes indemnizatórios fixados.*** Joana Salinas Calado do Carmo Vaz |