Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4704/21.6T8MAI-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
JUSTA CAUSA
COMUNICAÇÃO
Nº do Documento: RP202309184704/21.6T8MAI-B.P1
Data do Acordão: 09/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O trabalhador deve fazer a comunicação da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa por escrito, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” [n.º1, do art.º 395.º], sendo a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, já que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem [n.º 3, do art.º 398.º].
II - E, justamente porque na apreciação judicial da licitude da resolução apenas são atendíveis os factos que foram invocados para a justificar, mas também porque essa comunicação tem que permitir que para o empregador sejam perceptíveis os fundamentos invocados na resolução do contrato, a expressão “indicação sucinta dos factos”, embora possa sugerir outra leitura, deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 4704/21.6T8MAI-B.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 AA, BB, CC, DD, EE e FF, intentaram contraA..., Ldaa presente acção declarativa com processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que julgada procedente seja:
1. Reconhecida a existência de justa causa para a rescisão do contrato por parte dos AA;
2. A R. condenada a pagar aos autores o vencimento do mês de Junho, diuturnidades, férias, subsídio de férias, horas de formação e indemnização devida pela antiguidade, nos termos do n.º 1 e 2, al. a) do art.º 394.º e 395.º do Código do Trabalho, que importam:
- ao autor AA a quantia global de € 3 384,60;
- à autora CC a quantia global de € 18 807,30;
- à autora DD a quantia global de € 20 826,00;
- à autora EE a quantia global de € 22 603,30;
- à autora BB a quantia global de € 22 831,40;
- ao autor FF a quantia global de € 26 034,80.
3. Tudo acrescido de juros vincendos, desde a citação até efectivo e integral pagamento;
Alegam, em síntese, que a Ré é uma sociedade comercial que tem por objecto o comércio por grosso de produtos químicos, tendo-os admitido ao seu serviço, para lhes prestarem trabalho sobre as suas ordens, autoridade e direcção, respectivamente, em 2006, 1990, 1994, 1992, 1990 e 1998.
A Ré, desde Abril de 2020, deixou de lhes pagar os salários no último dia de cada mês, passando a pagá-los no mês seguinte, nunca antes de dia 15 de cada mês, sem que lhes desse qualquer explicação. Acrescentam, que desde Abril de 2021, a situação agravou-se, passando a requerida a pagar os vencimentos às prestações.
Essa situação, que se prolongou desde Abril de 2020, causou complicações quer no que respeita ao cumprimento das obrigações mensais dos Autores, quer ao nível pessoal e familiar, reflectindo-se negativamente nos seus agregados familiares e até no bem estar e saúde dos autores.
Por esse motivo, por cartas de 0-06-2021, comunicaram à Ré, nos termos dos n.ºs e 2, al. a) do art.º 394.º e 395.º do CT, a rescisão imediata dos seus contratos de trabalho com justa causa. Na referida comunicação reclamaram o pagamento de créditos laborais devidos.
Com esses fundamentos concluem deduzindo os pedidos acima transcritos.
Designado dia para a audiência de partes, procedeu-se a este acto, tendo sido obtida a transação parcial quanto ao objecto do litígio, nomeadamente, o acordo quando a créditos devidos relativamente a cada um dos autores, termos de pagamento e garantias de cumprimento.
Foi determinado o prosseguimento da acção para apreciação das questões ainda controvertidas, relativas aos créditos de formação e indemnização pela cessação dos contratos de trabalho por resolução com invocação de justa causa.
A Ré contestou no prazo legal. Arguiu a nulidade por ineptidão da petição inicial, alegando, em síntese, que a carta enviada pelos trabalhadores autores refere o não pagamento pontual das retribuições não culposo –art.º 394.º n.º3, al. c), do CT -, não podendo aqueles agora invocarem ou alterarem os fundamentos nela mencionados. A rescisão pelo trabalhador com justa causa, mas sem justa causa subjectiva (falta de pagamento pontual não culposa) não confere direito a indemnização. Mais alegou, que apesar dos atrasos nos pagamentos das retribuições, nunca ficou sem lhes pagar e, muito menos, por 60 dias. Os AA resolveram os contratos de trabalho por motivos pessoais e não pelo fundamento que invocaram.
Responderam os autores, contrapondo que a R. contestou interpretando convenientemente a PI e os seus pedidos, pelo que deverá ser julgada improcedente a excepção.
Findos os articulados, o tribunal a quo proferiu despacho designado dia para a realização de audiência prévia. Nesse acto, as partes requereram a suspensão da instância pelo prazo de 5 dias, no termo do qual não obtiveram a auto composição do litígio.
Tendo as partes prescindido da continuação da audiência prévia, o Tribunal a quo proferiu novo despacho comunicando-lhes o propósito de conhecer parcialmente do mérito da causa quanto à questão do reconhecimento da justa causa invocada para a resolução dos contratos de trabalho e consequente indemnização pedida, concedendo-lhes o prazo de dez dias para, querendo-o, se pronunciarem.
Notificados, a Ré veio dizer nada ter a opor e os autores nada vieram dizer.
I.2 Subsequentemente foi proferido despacho saneador e fixado o valor da acção em € 1 487,00.
Foi apreciada a arguida ineptidão da petição inicial, tendo sido julgada improcedente.
Em seguida foi proferida decisão parcial sobre o mérito da causa, com fixação e dos factos e aplicação do direito, concluída nos termos seguintes:
«[..]
[..]».
I.3 Inconformados com esta decisão, os AA interpuseram recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram concluídas nos termos seguintes:














Conclui pedindo a procedência do recurso, revogando-se a decisão sob censura e decidindo-se nos moldes a pontados.
I.4 A Ré apresentou contra alegações, mas não as sintetizou em conclusões.
Acompanha a decisão recorrida, que na sua perspectiva julgou correctamente a causa e alega, no essencial, que os AA. não indicam os concretos meios de prova que impunham uma decisão diversa dos pontos que alegadamente se encontrem incorrectamente julgados, pretendendo um novo julgamento, possibilidade que não vem contemplada na lei.
Dos factos provados não se retira fundamento para alterar a decisão recorrida, que deve ser mantida.
I.5 O Ministério Público junto desta Relação teve visto nos autos, para os efeitos do art.º 87.º3 do CPT, tendo emitido parecer referindo, no essencial, o seguinte:
-“[..]
5. Está em causa neste caso saber se os factos invocados pelos AA., são ou não motivo para resolução dos contratos de trabalho por sua iniciativa.
Prevê o art.º 394º do CT, sob a epigrafe “justa causa de resolução”, que “ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato – n.º 1.
E que constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador (n.º 2):
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
c. Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição; (n.º 3, al, c).
Além disso considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo – n.º 5 do art.º 394º do CT.
6. No presente caso os AA. na carta endereçada à Ré/Recorrida, alegam a falta não culposa de pagamento pontual da retribuição, e citam o art.º 394º, n.º 3, al. c), do CT para justificar a resolução do contrato, por sua iniciativa, e na p. i. vêm depois alegar factos a que se refere a al. a) do n.º 2 do art.º 394º do CT.
A douta decisão em recurso, analisa a hipótese de falta culposa de pagamento pontual da retribuição, a que se refere a al. a) do n.º 2 do art.º 394º do CT.
Entende-se que com os factos dados como provados e previsão legal citada, deveria julgar-se reconhecida a existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte dos AA/trabalhadores, nos termos da disposição legal citada na carta referida.
Na verdade deu-se como provado (i)o teor da carta enviada pelos AA à Ré, onde são alegados os atrasos no pagamento das retribuições, e que 9)- Verificaram-se atrasos no pagamento das retribuições dos AA.
Com base nestes factos e atento o disposto no art.º 394º, n.º 3, al. c), do CT, então deveria, salvo melhor opinião, reconhecer-se que existe justa causa de resolução do contrato de trabalho por iniciativa dos trabalhadores/recorrentes.
7. Mas, para além disso na petição inicial, nomeadamente nos artigos 10º a 16º, vem alegados factos que poderão indiciar ou integrar a previsão do disposto na al. a) do n.º 2 do art.º 394º do CT.
Em relação a alguns vêm indicados elementos de prova documental, mas não em relação a outros.
Quanto a estes deveria realizar-se julgamento, produzir-se prova, nomeadamente testemunhal, e a final decidir.
Entende-se, assim, que não havia ainda elementos bastantes para proferir decisão.
Deveria, por isso, revogar-se a decisão e realizar-se julgamento para apuramento destes factos e subsequente decisão.
[..]”.
I.5.1 Respondeu a recorrida, mas encimando o respectivo articulado como segue:
AA e outro´s, recorrente, devidamente identificado nos autos à margem referenciados, notificado do Parecer do Ministério Público e do Recorrida, vem apresentar a sua RESPOSTA».
No mais, reitera a posição defendida nas contra-alegações, reproduzindo literalmente os argumentos que aí usou.
I.5.2 Notificados dessa resposta ao parecer emitido pelo Ministério Público, os AA vieram apresentar requerimento referindo que o cabeçalho nos termos acima referidos “[..] terá de entender-se como um manifesto lapso, tanto mais grave pois que a subscritora não é mandatária dos Recorrentes, nem o requerimento apresentado traduz a posição dos aqui Recorrentes”, pugnando para que fosse determinado o seu desentranhamento.
Pelo relator foi proferido despacho indeferindo o requerido desentranhamento e determinando que se anotasse no requerimento “tratar-se de resposta da Ré A..., Lda., e não, como erradamente foi feito constar por lapso manifesto da ilustre mandatária daquela, pelo “AA e outro´s recorrente”, nessa parte considerando-se o cabeçalho não escrito”.
I.6 Foram colhidos os vistos legais e determinou-se a inscrição do processo em tabela para ser submetido a julgamento.
I.9 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso, as questões colocadas para apreciação pelos recorrentes consistem em saber o seguinte:
- Se a decisão proferida no despacho saneador “[..] não se poderá manter por ser manifesta a insuficiência da decisão quanto à matéria de facto de modo a permitir a decisão proferida quanto ao julgamento da existência ou não de justa causa para a resolução do contrato de trabalho por parte dos Recorrentes/Autores, nos termos do disposto no art.º 607.º n.º3 e 4 e 615.º, n.º1 al. b) ambos do C.P.C. [..]”, devendo ser revogada e “[..] ordenada a baixa dos autos à 1.ª instância, para que seja proferido despacho saneador nos termos do disposto no art.º 595.º e 596.º ambos do CPC, para posterior realização de Audiência de Discussão e Julgamento, de forma que seja possível produzir prova para alcançar uma decisão” [conclusões 6 e 11].
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo, atendendo ao “acordo das partes resultante dos articulados e das diligências realizadas nos autos”, fixou o elenco factual que adiante se passa a transcrever:
1) A R. é uma sociedade comercial, tendo por objecto o comércio por grosso de produtos químicos.
2) Os AA. foram todos contratados como trabalhadores da Requerida, tendo sido admitidos respectivamente em:












II.2 NULIDADE DA SENTENÇA
Defendem os recorrentes que despacho saneador “[..] não se poderá manter por ser manifesta a insuficiência da decisão quanto à matéria de facto de modo a permitir a decisão proferida quanto ao julgamento da existência ou não de justa causa para a resolução do contrato de trabalho por parte dos Recorrentes/Autores, nos termos do disposto no art.º 607.º n.º3 e 4 e 615.º, n.º1 al. b) ambos do C.P.C. [..]”.
As nulidades da sentença só ocorrerão, como causa invalidante típica, nas diversas hipóteses taxativamente contempladas no n.º 1 do art.º 615º do CPC.
Resulta do nº 4 do mesmo art.º 615.º, que a arguição de nulidades (salvo a respeitante à falta de assinatura do juiz) deve ser feita perante o tribunal que proferiu a decisão, se esta não admitir recurso ordinário. No caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Importa ainda assinalar, desde já, que as causas de nulidade constantes do elenco do n.º1, do art.º 615.º, não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Almedina, 1985, pp. 686].
Nos termos do n.º 1, al. b), do art.º 615.º do CPC, a sentença é nula quando “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
A falta de fundamentação é uma das causas de nulidade substancial ou de conteúdo da decisão e verifica-se quando o tribunal julgar procedente ou improcedente um pedido e não especifique quais os fundamentos de facto ou de direito com base nos quais formou essa convicção e decidiu.
A nulidade decorre da violação do dever de motivação ou fundamentação de decisões judiciais (art.º 208.º n.º1 da CRP e 154.º n.º1 e 607.º n.ºs 3 e 4 do CPC).
Porém, essa nulidade só ocorre se existe falta absoluta de motivação. A não ser assim, a existência de motivação ainda que deficiente, medíocre ou errada é o suficiente para excluir a nulidade, apenas ficando a sentença sujeita ao risco de revogação ou alteração em sede de apreciação de recurso.
A propósito do sentido e alcance desta norma, provinda do CPC de 1939 e mantendo o mesmo conteúdo, o Professor Alberto dos Reis, elucidava “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto” [Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Reimpressão, 1984, pp. 140].
A falta de fundamentação pode referir-se só aos fundamentos de direito ou só aos fundamentos de facto.
No caso, é esta última vertente que os recorrentes põem em causa.
É certo que dos n.º3 e 4, do art.º 607.º do CPC, impõe ao juiz o dever de na fundamentação da sentença tomar em conta os factos que devam considerar-se provados, bem como os que julga não provados, fazendo o exame crítico das provas respectivas.
Contudo, como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “(..) não é a falta de tal exame que basta para preencher a nulidade prevista na alínea b) do art.º 668.º. Para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão”[op. cit., pp. 688].
Ora, no caso vertente a mera leitura da sentença é quanto basta para se poder afirmar, sem hesitação ou dúvida, que não se verifica o alegado vício. Há fundamentação bastante, nomeadamente factual, que na perspectiva do Tribunal a quo seria a atendível para justificar a decisão que proferiu.
Se o Tribunal a quo decidiu bem ou mal, não releva agora. O que poderá ocorrer é um erro de julgamento, mas já não uma nulidade da sentença. O Tribunal a quo poderá ter assumido que os factos relevantes são apenas os que fixou e considerou para a decisão, mas constatar-se que errou nessa leitura, revelando-se uma “[..] situação que exija a ampliação da matéria de facto, por terem sido omitidos dos temas de prova alegados pelas partes que se revelam essenciais para resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, António Abrantes Geraldes, Almedina, 2013, p. 240], enquadrável na previsão do art.º 662.º n.º2, al. c), do CPC.
Improcede, pois, a arguida nulidade da sentença.
II.3 Motivação de Direito
Discordam os AA da sentença proferida na fase de saneamento, por não ter sido reconhecida a existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho, absolvendo a Ré do pedido da indemnização prevista no art.º 396.º do CT/09.
No seu entender a sentença deve ser revogada e “[..] ordenada a baixa dos autos à 1.ª instância, para que seja proferido despacho saneador nos termos do disposto no art.º 595.º e 596.º ambos do CPC, para posterior realização de Audiência de Discussão e Julgamento, de forma que seja possível produzir prova para alcançar uma decisão” [conclusões 6 e 11].
Na fundamentação da sentença, o Tribunal a quo após deixar as noções gerais sobre a figura da justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com invocação de justa causa e a destrinça entre justa causa objectiva e justa causa subjectiva, no que aqui releva, pronunciou-se como segue:
-«[..]
Os requisitos de forma da resolução com invocação de justa causa encontram-se previstos no art. 395°, n.º 1 do CT/2009, que preceitua que o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.
Com efeito, colhemos do ensinamento da jurisprudência que "A resolução, com invocação de justa causa, do contrato de trabalho pelo trabalhador, depende, em primeiro lugar, da observância dos requisitos de forma a que se reporta o art. 395º, nº1, do CT/2009 mencionado preceito - forma escrita, com indicação sucinta dos factos que a justificam-, formalidade esta que tem natureza ad substantiam, delimitando, o seu conteúdo, a invocabilidade em juízo dos factos susceptíveis de serem apreciados para tais efeitos conforme resulta do art.. 398°, nº 3, indicação que, ainda que não seja exigível o mesmo rigor subjacente à descrição circunstanciada da nota de culpa, não se basta todavia com a mera alusão a conceitos, imputações vagas e conclusivas Ou juizos de valor." - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 4-4-2022, proferido no processo 3191/20.0T8MTS-A.P1, in www.dgsi.pt.
Volvendo ao caso vertente, debruçando-nos sobre a comunicação escrita da resolução do contrato de trabalho, verificamos que não foi invocado qualquer facto concreto que permita assacar à R um juízo de culpa para a mora no pagamento das retribuições aos AA., pelo que se conclui pela não verificação de fundamento para resolução com justa causa subjectiva, fundada na falta culposa do pagamento pontual da retribuição e, por isso, não terão os AA. direito à indemnização prevista no art. 396º, nºs 1 a 3 do CT/2009, tendo a ação de improceder quanto aos pedidos de indemnização pela antiguidade e respectivos juros.
[..]».
Alegam os recorrentes que “está em causa o conhecimento das questões relativas à cessação do contrato com invocação de justa causa por parte dos Recorrentes / Autores” não sendo exigível ao trabalhador que na comunicação proceda a uma descrição circunstanciada dos factos, mas apenas a uma “indicação sucinta”, o que cumpriram. Referem que “os factos alegados na petição inicial, por serem circunstanciais conexos com os fundamentos sucintamente invocados na carta de rescisão enviada à recorrida, mostram-se relevantes para que o tribunal possa avaliar a gravidade de tais factos e a sua natureza inviabilizadora da manutenção da relação de trabalho”.
Contrapõe a recorrida, para além do mais, que os os AA. não indicam os concretos meios de prova que impunham uma decisão diversa dos pontos que alegadamente se encontram incorrectamente julgados, pretendendo um novo julgamento, possibilidade que não vem contemplada na lei.
II.3.1 A abordagem das questões a apreciar aconselha que se deixem algumas notas essenciais sobre a resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador com invocação de justa causa.
O trabalhador pode fazer cessar o contrato de trabalho imediatamente, isto é, sem necessidade de aviso prévio, sempre que se verifique uma situação de justa causa [n.º1 do art.º 394.º do CT/09].
A justa causa para a resolução do contrato de trabalho pode ser fundada num comportamento ilícito do empregador ou resultante de circunstâncias objectivas, relacionadas com o trabalhador ou com a prática de actos lícitos pelo empregador [respectivamente, n.º2 e n.º3 do art.º 394]. No primeiro caso diz-se que a resolução é fundada em justa causa subjectiva; e, no segundo, que é fundada em justa causa objectiva.
A resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com invocação de justa causa “tem como efeito essencial dispensar o trabalhador de cumprir o aviso prévio a que normalmente estaria obrigado para promover a extinção do vínculo laboral através da denúncia. E pode ainda ter como consequência a constituição do direito do trabalhador a receber a indemnização prevista no art.º 396.º, nas situações cobertas pelo artigo 394.º, 2” [Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Principia, 2012, Parede – Portugal, p. 523].
Dito de outro modo, o direito do trabalhador a receber a indemnização só ocorre nas situações de justa causa subjectiva, que têm como fundamento a invocação de um comportamento do empregador que se reconduza a um acto ilícito, nomeadamente, uma das situações referidas nas alíneas do n.º2, do art.º 394.º do CT/09, que se passam a transcrever:
[a)] Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
[b)] Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador;
[c)] Aplicação de sanção abusiva.
[d)] Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
[e)] Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador:
[f)] Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticado pelo empregador ou seu representante.
A resolução tem de ser comunicada ao empregador nos 30 dias subsequentes ao conhecimento pelo trabalhador dos factos que a justificam (n.º1 do art.º 395.º, CT/09).
No que respeita à forma, o trabalhador deve fazer a comunicação da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa por escrito, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” [n.º1, do art.º 395.º, do CT], sendo a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, já que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem [n.º 3, do art.º 398.º, do CT].
Justamente porque na apreciação judicial da licitude da resolução apenas são atendíveis os factos que foram invocados para a justificar, mas também porque essa comunicação tem que permitir que para o empregador sejam perceptíveis os fundamentos invocados na resolução do contrato, a expressão “indicação sucinta dos factos”, embora possa sugerir outra leitura, deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão [Cfr. Furtado Martins, Op. cit, p. 533].
No mesmo sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, observa que «Nos termos desta norma, a declaração de resolução deve ser emitida sob forma escrita e com a indicação sucinta dos respetivos factos justificativos (art.º 395.º n.º 1). Apesar da referência da lei ao carácter “sucinto” desta indicação, a descrição clara dos factos justificativos da resolução é importante, uma vez que, em caso de impugnação judicial da resolução, são estes factos os únicos atendíveis pelo tribunal, nos termos do art.º 398.º n.º 3» [Tratado de Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais, 6ª Edição, Almedina, Coimbra, p.949].
Partilha o mesmo entendimento João Leal Amado, que ao tratar do procedimento para resolução do contrato defende: «Não é, pois, indispensável proceder a uma descrição circunstanciada dos factos, bastando uma indicação sucinta dos mesmos, de modo a permitir, se necessário, a apreciação judicial da justa causa invocada pelo trabalhador», para depois, em nota de rodapé, acrescentar que «Isso mesmo resulta do n.º 3 do art.º 398.º, norma relativa à impugnação da resolução pelo empregador, na qual se esclarece que em tal ação judicial apenas são atendíveis para justificar a resolução os factos constantes da comunicação escrita prevista no art.º 395.º, n.º 1» [Contrato de Trabalho, Noções básicas, 2016, Almedina, Coimbra, p. 384].
Esse entendimento é pacífico na jurisprudência dos tribunais superiores, como o ilustram os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, que passamos a indicar e a transcrever os respectivos sumários [disponíveis em www.dgsi.pt]:
i) de 14-07-2016 [Proc.º 1085/15.0T8VNF.G1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol]:
1. A carta de resolução do contrato enviada pelo trabalhador à empregadora em que se faz consignar como justa causa da resolução, apenas, a «falta de pagamento do trabalho suplementar prestado e da retribuição legal» e o «incumprimento das obrigações legais relativas ao tempo de trabalho e descanso do trabalhador», não especifica qualquer facto concreto, mas antes afirmações de natureza conclusiva, reproduzindo fórmulas legais.
2. A indicação dos factos concretos e da temporalidade dos mesmos, na carta de resolução do contrato de trabalho, mostra-se indispensável para, além do mais, se aferir se o direito foi exercido no prazo legal, condição formal de que, também, depende a licitude da resolução.
3. A verificada preterição dos requisitos de natureza procedimental previstos no n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho, determina a ilicitude da resolução operada pelo trabalhador, ainda que por razões meramente formais, incorrendo este, nos termos dos artigos 399.º e 401.º do mesmo Código, em responsabilidade perante a empregadora».
ii) de 31.10.2018 [Proc. 16066/16.9T8PRT.P1.S1, Conselheiro Chambel Mourisco]
- «I. O art.º 395.º, nº1, do Código do Trabalho exige que a comunicação do trabalhador ao empregador com vista à resolução do contrato de trabalho deve conter a indicação sucinta dos factos que a justificam.
II. Cumpre a referida disposição legal a comunicação enviada pelo trabalhador ao empregador, na qual fez consignar que pretende a resolução imediata, com justa causa, do contrato de trabalho, por motivo de violação do direito de continuar a exercer efetivamente a atividade para a qual foi contratado, na medida em que indica de forma sucinta o fundamento da resolução, com recurso a uma expressão de base factual.
Assinala-se que também esta Relação já se pronunciou várias vezes nesse sentido, para além do mais, nos Acórdãos seguintes [todos disponíveis em www.dgsi.pt]:
i) De 15-10-2012 [Proc.º 1020/10.2TTPRT.P1; Desembargadora Maria José Costa Pinto] «I – O trabalhador não pode vir invocar, na acção judicial em que pretende ver reconhecida a justa causa para a resolução, fundamentos fácticos diferentes dos mencionados na carta de resolução.
II - Mas também não está impedido de alegar e provar a ocorrência de factos circunstanciais que, tendo conexão com os fundamentos sucintamente invocados na carta, se mostrem pertinentes para o tribunal avaliar da gravidade destes e da sua natureza inviabilizadora da manutenção da relação laboral».
ii) de 07-12-2018, relatado pelo aqui relator e com intervenção do aqui 1.º adjunto [Proc.º 1953/17.5T8VFR.P1], consignando-se no sumário na parte que aqui releva, o seguinte:
I - O trabalhador deve fazer a comunicação da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa por escrito, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” [n.º1, do art.º 395.º], sendo a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, já que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem [n.º 3, do art.º 398.º].
II - Justamente porque na apreciação judicial da licitude da resolução apenas são atendíveis os factos que foram invocados para a justificar, mas também porque essa comunicação tem que permitir que para o empregador sejam perceptíveis os fundamentos invocados na resolução do contrato, a expressão “indicação sucinta dos factos”, embora possa sugerir outra leitura, deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão.
[…]».
iii) No acórdão de 20-11-2017, [Desembargador Nelson Fernandes –aqui 1.º adjunto e com intervenção da 2.ª adjuntaProc.º 10948/14.0T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt], lendo-se no sumário, no que aqui releva:
-«[..]
IV – Invocações vagas não permitem ter por devidamente cumprida a exigência, que resulta do n.º 1 do artigo 395.º, do CT/2009, de indicação, ainda que sucinta, dos factos que justificam a justa causa invocada para a resolução do contrato, sendo que é essa indicação que delimita, depois, a invocabilidade em juízo dos factos suscetíveis de serem apreciados para efeitos de apreciação da justa causa.
[..]».
iv) No acórdão de 22-03-2021, relatado pelo aqui relator e com intervenção dos mesmos adjuntos [Proc.º 1175/19.0T8AVR.P1, disponível em www.dgsi.pt], lendo-se no sumário, no que aqui releva:
IV - A expressão “indicação sucinta dos factos” constante do art.º 395.º n.º1, do CT, deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão».
v) No acórdão de 04-04-2022 [Proc.º 3191/20.0T8MTS-A.P1; Desembargadora Paula Leal de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt], no qual interveio o aqui relator como adjunto, lendo-se no respectivo sumário:
«I - A resolução, com invocação de justa causa, do contrato de trabalho pelo trabalhador, depende, em primeiro lugar, da observância dos requisitos de forma a que se reporta o art. 395º, nº 1, do CT/2009 mencionado preceito – forma escrita, com indicação sucinta dos factos que a justificam-, formalidade esta que tem natureza ad substantiam, delimitando, o seu conteúdo, a invocabilidade em juízo dos factos susceptíveis de serem apreciados para tais efeitos conforme resulta do art. 398º, nº 3, indicação que, ainda que não seja exigível o mesmo rigor subjacente à descrição circunstanciada da nota de culpa, não se basta todavia com a mera alusão a conceitos, imputações vagas e conclusivas ou juízos de valor.
[..]».
Sempre nessa linha de entendimento - também acessíveis em www.dgsi.pt-, pronunciaram-se ainda os Acórdãos relatados pelo aqui relator e com intervenção deste mesmo colectivo, de 14-12-2022 [proc.º 4340/21.7T8MTS-A.P1] e de 24-10-2022 [proc.º 1953/21.0T8OAZ.P1]; e, de 15-11-2021 [proc.º 4404/20.4T8MTS-A.P1, Desembargador Nelson Fernandes].
Já nos referimos ao art.º 394.º do CT, mas para além do que se disse, cabe relembrar que o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso e com direito a indemnização, quando se verifique um comportamento do empregador que constitua justa causa de resolução, sendo “a justa causa apreciada nos termos do n.º3, do art.º 351.º, com as necessárias adaptações” [n.º 4 do art.º 394.º], ou seja, atendendo-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre este e o empregador e às demais circunstâncias relevantes.
Dito de outro modo, para além da verificação das condutas que sejam imputadas ao empregador, é também necessário que se verifique a característica essencial do conceito de justa causa, ou seja, é preciso que esse comportamento lhe seja imputável a título de culpa e que pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral [Cfr. Furtado Martins, Op. cit., pp. 534].
Vale isto por dizer, que tal como no despedimento por iniciativa do empregador com fundamento em justa causa por facto imputável ao trabalhador, a noção de justa causa para resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador assenta na ideia de inexigibilidade do prosseguimento da relação laboral, o que pressupõe respeitar a situações anormais e particularmente graves, mas agora apreciada na perspectiva do trabalhador [Cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, p.644].
Para que a resolução seja lícita, é preciso que o trabalhador invoque e demonstre a existência de justa causa, ou seja, que alegue os factos constitutivos do direito a fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho, bem assim que deles faça prova [art.º 342.º 1, do Código Civil].
Feita aquela prova pelo trabalhador, a culpa do empregador presume-se, nos termos gerais da responsabilidade contratual, por aplicação do artigo 799.º do CC. Assim, cabe à entidade empregadora afastar a presunção, alegando e provando os elementos suficientes para habilitar o tribunal a formular um juízo de não censurabilidade da sua conduta [artigos 344.º 1 e 350.º 1 e 2, do Código Civil].
No que concerne ao n.º5, do artº 394º C. T., dispondo “Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo”, é entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência que a norma estabelece uma presunção “juris et de jure” de culpa do empregador, isto é, uma ficção legal de culpa que não admite prova em contrário. Mas, não obstante a referida presunção, inilidível, de culpa do empregador, para que se verifique a justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador é necessário que a falta de pagamento em causa, pela sua gravidade e consequências, torne praticamente impossível a subsistência do contrato [Cfr., Pedro Furtado Martins, op. cit., p. 534 e 537; Ac. STJ de 16-03-2017, proc.º 244/14.8TTALM.L1.S1, Conselheiro CHAMBEL MOURISCO, disponível em www.dgsi.pt]; Ac. TRC de 10-02-2011, proc.º 1022/09.1TTCBR.C1, Desembargador AZEVEDO MENDES; Ac. TRE de 07-02-2013, proc.º 56/11.0TTPTM.E1, Desembargador João Nunes; Ac. TRP de 23-04-2018, proc.º 27556/15.0T8PRT.P1, Desembargador Jerónimo Freitas; todos disponíveis em www.dgsi.pt].
Mas como elucida o Ac. do STJ de 16-03-2017, acima invocado, “Apesar de as circunstâncias que têm de ser apreciadas para que se considere verificada a justa causa para a resolução do contrato por parte do trabalhador terem de ser reportadas às estabelecidas para as situações de despedimento por facto imputável ao trabalhador (art.º 351.º), a doutrina e jurisprudência têm vindo a considerar que o juízo de inexigibilidade para a manutenção do contrato de trabalho terá de ser menos exigente do que nas situações em que a cessação é desencadeada pelo empregador». Esse mesmo entendimento fora já afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/01/2015 [proc.º 2881/07.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro Melo Lima, disponível em www.dgsi.pt], onde se afirma: “Não obstante as circunstâncias a apreciar para a verificação da justa causa para a resolução do contrato por parte do trabalhador serem reportadas às estabelecidas para os casos da justa causa de despedimento levado a cabo pelo empregador, o juízo de inexigibilidade da manutenção do vínculo tem de ser valorado de uma forma menos exigente relativamente à que se impõe para a cessação do vínculo pelo empregador, uma vez que este, ao contrário do trabalhador, tem outros meios legais de reação à violação dos deveres laborais.”.
II.3.2 Revertendo ao caso, na comunicação de resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, datada de 30 de Junho de 2021, que cada um dos AA dirigiu individualmente à Ré, estes invocaram terem tomado essa decisão com “[..] com base nos seguintes factos”:
-“Desde Abril de 2020, que o meu vencimento, incluindo o subsídio de Férias e de Natal, tem sido sempre pago com atraso, mantendo-se esta situação de não pagamento pontual da retribuição (art.º 394.º, n.º3. al. c) do CT.
Na verdade, existe uma situação crónica de remunerações pagas com atraso, como já referido, desde a remuneração e Abril de 2020 até ao mês de Maio de 2021, inclusive, e ainda quanto aos subsídios de Férias e de Natal.
Ora enquanto trabalhador/a não posso estar sujeito de forma persistente ao não reconhecimento pontual da minha remuneração de trabalho.
E facto, esta situação tem causado complicações quer no que diz respeito ao cumprimento das minhas obrigações mensais, quer ao nível pessoal e familiar, reflectindo-se negativamente no meu agregado familiar.
Esta persistência assume gravidade suficiente para justificar a impossibilidade de manutenção do contrato de trabalho.
Assim e não tendo sido liquidados pontualmente os vencimentos referentes aos meses de Abril, Maio, junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2020, e Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio de 2021 e até o subsídio de Férias e de Natal, venho rescindir, com justa causa, nos termos do disposto no art.º 394.º, n.º 3, al. c) e ss do Código do Trabalho, o contrato de trabalho em vigor.
Tais factos tornam praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho e constituem motivos de justa causa, nos termos do disposto no art.º 394.º e ss do Código do Trabalho, para rescindir o contrato de trabalho, rescisão essa que produzirá todos os seus efeitos a partir de 1 de Julho de 2021, data em que cesso todas e quaisquer funções laborais para essa empresa.
Entretanto, solicito a V. Ex.ªs que procedam ao apuramento dos vencimentos e demais créditos que me sejam devidos àquela data, bem como se dignem passar, no prazo de 5 dias, a declaração para efeitos de requerer fundo de desemprego, enviando por via postal para a m/ morada.
[..]”.
Como assinalou a Ré na contestação, do transcrito texto resulta com clareza que para fundamentar a justa causa de resolução, os AA. invocaram expressamente a falta não culposa de pagamento pontual das retribuições, estribando-se no art.º 394.º n.º3, al. c), do CT.
De resto, note-se, em consonância com essa posição, tão pouco concluíram reclamado o direito a serem indemnizados e o pagamento da respectiva indemnização, como certamente não deixariam de fazer caso estivessem a fundamentar a justa causa de resolução por falta culposa de pagamento pontual da retribuição, nos termos do mesmo da alínea a), do n.º2, do mesmo art.º 394.º, do CT.
Por outro lado, como refere o tribunal a quo, verifica-se que da comunicação não consta a invocação de qualquer facto concreto tendente a imputar à Ré uma actuação culposa. Os AA limitam-se a dizer, todos eles nos mesmos moldes, que não foram “liquidados pontualmente os vencimentos referentes aos meses de Abril, Maio, junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2020, e Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio de 2021 e até o subsídio de Férias e de Natal”, não havendo a mínima concretização sobre o atraso no pagamento, ou seja, se foi de um dia ou mais em cada um dos meses. Mas ficando claramente excluída a falta de pagamento das retribuições, ou de alguma delas, por mais de 60 dias, apenas acrescentando genericamente que “esta situação tem causado complicações quer no que diz respeito ao cumprimento das minhas obrigações mensais, quer ao nível pessoal e familiar, reflectindo-se negativamente no meu agregado familiar”.
Na petição inicial é que vem dizer algo mais, nomeadamente, o seguinte:
Art.º 13“[..] e como era do conhecimento dos trabalhadores, havia dinheiro e não havia dívidas, havia trabalho e encomendas, tendo a sociedade património imobiliário [..]
Art.º 14.º “Como retaliação, em virtude de em processo anterior, intentado pelos aqui Autores contra a Ré, e no qual viria a ser obtido acordo para pagamento em prestações de diferenças salariais, diuturnidades e horas de formação não ministradas desde janeiro de 2007 até março de 2018”.
Para depois rematarem, mas numa afirmação que não tem correspondência com a realidade da comunicação que dirigiram à Ré, afirmando que “Por tal motivo, os AA comunicaram por carta, nos termos dos n.ºs 1 e 2, al. a) do art.º 394.º e 395.º do Código do Trabalho a rescisão imediata dos seus contratos de trabalho, com justa causa, em 30/06/2021”. Ou melhor dito, uma afirmação inverídica, já que nem invocaram aqueles alegados motivos e muito menos que tomavam essa decisão e a comunicavam “nos termos dos n.ºs 1 e 2, al. a) do art.º 394.º e 395.º do Código do Trabalho”.
Ora, como já ficou devidamente explicado e ilustrado com a jurisprudência citada, o trabalhador deve fazer a comunicação da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa por escrito, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” [n.º1, do art.º 395.º], sendo a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, já que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem [n.º 3, do art.º 398.º]. E, justamente porque na apreciação judicial da licitude da resolução apenas são atendíveis os factos que foram invocados para a justificar, mas também porque essa comunicação tem que permitir que para o empregador sejam perceptíveis os fundamentos invocados na resolução do contrato, a expressão “indicação sucinta dos factos”, embora possa sugerir outra leitura, deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão.
Por isso mesmo, os factos alegados na petição inicial, que contrariamente ao defendido pelos AA não são “factos circunstanciais conectos com os fundamentos sucintamente invocados na carta de rescisão”, mas antes factos essenciais, que a terem sido invocados consubstanciariam um fundamento concreto diverso e para além do invocado na comunicação, não poderiam ser de todo considerados pelo Tribunal a quo e, logo, nenhuma razão exigia que o processo prosseguisse para julgamento. Se porventura motivaram a decisão dos AA resolverem os respectivos contratos de trabalho com invocação de justa causa, para serem considerados, esses alegados factos não poderiam deixar de ter sido invocados na aludida comunicação.
Assim sendo, o Tribunal a quo não errou o julgamento quer ao decidir a causa no saneador, quer ao concluir pela inexistência de fundamento para sustentar os pedidos formulados pelos Autores de condenação da Ré no pagamento a cada um deles “de indemnização devida pela antiguidade, nos termos do n.º 1 e 2, al. a) do art.º 94.º e 395.º do Código do Trabalho”.
Por último, com o devido respeito pela posição afirmada pelo Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer, não cabia também ao Tribunal a quo julgar verificada a existência de justa causa de resolução objectiva, ou seja, nos termos do disposto no art.º 394.º n.º3 al. c), do CT. Não foi essa questão colocada pelos AA na acção, nem tão pouco foi suscitada pela R. que, de resto, tanto quanto decorre da posição assumida na acção aceitou tal verificação. O que os AA. vieram pedir foi o reconhecimento de justa causa subjectiva, nos termos do previsto na al. a), do n.º2, do mesmo art.º 394.º do CT.
Não sendo essa a questão controvertida na acção, não cumpria ao Tribunal a quo, estando-lhe até vedado, pronunciar-se sobre ela, sob pena de incorrer em nulidade da sentença [art.º 615.º n.º1, al. d), do CPC].
Concluindo, improcede o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo dos recorrentes, atento o decaimento (art.º 527.º2, CPC).

Porto, 18 de Setembro de 2023
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira