Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MÁRCIA PORTELA | ||
Descritores: | INVENTÁRIO RECLAMAÇÃO À RELAÇÃO DE BENS PEDIDO DE INFORMAÇÕES BANCÁRIAS INDEFERIMENTO | ||
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Nº do Documento: | RP20250325238/21.7T8CPV-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Em processo de inventário, para efeitos de relação de bens, apenas relevam os saldos bancários existentes à data do óbito do de cujus, sendo, por norma, irrelevantes as movimentações da respectiva conta após o óbito. II - Só será de atender a movimentações anteriores ao óbito em caso de apropriação ilegítima por parte de co-titulares, cabendo ao interessado na diligência o ónus de alegação e prova da suposta atitude ilícita do co-titular da conta. III - Deve ser indeferido o requerimento por parte de um interessado no sentido de se pedir informações bancárias relativamente a instituições que não foram identificados na reclamação contra a relação de bens. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 238/21.7T8CPV-A.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto Relatora: Marcia Portela 1.º Adjunto: Rui Moreira 2.º Adjunto: Artur Dionísio 1. Relatório Na audiência prévia nos autos de inventário por óbito de AA, falecido em 06 de Agosto de 2018, em que desempenha funções de cabeça-de-casal BB, e são interessadas CC e DD, ambas de apelido ..., foi apresentado pela interessada CC o seguinte requerimento: No seguimento do que veio reclamado quanto à existência de outras contas bancárias que terão sido utilizadas pelo de cujus e pela cabeça de casal ou e até, eventualmente, pelas demais interessadas, que também poderiam ser titulares das mesmas, logo na reclamação, a aqui requerente e reclamante peticionou a prova, que se produzisse prova ou que este Tribunal ordenasse produção de prova no que diz respeito ao ponto III, alínea C, com vista a, de uma forma simples, direta e eficiente, sabermos através da cabeça de casal, que é quem administra e sempre administrou os bens da herança, nos pudesse dar informação sobre as ditas movimentações e ditas contas que poderiam também existir no local onde o extinto casal viveu durante muitos anos, algumas décadas, sita na Suíça. Neste seguimento e depois do douto despacho que foi proferido ordenando que às instituições indicadas nacionais viessem prestadas, desde logo essas informações sobre a existência de contas, saldos e respectivos, eventuais, meios financeiros e instrumentos financeiros utilizados, de harmonia com, ou no seguimento ainda do que já constava na relação de bens, verba número 2, quanto a activos financeiros, assim descritos genericamente, na Banco 1..., em Castelo de Paiva, com o número de conta que vem aduzido na respetiva verba número 2, disse-nos a cabeça de casal que isso corresponderia a um valor de € 35.159,79, assim é que é, de forma correta, e que para tal aduziu e juntou, inclusivamente, um documento titulando essa realidade. Verdade é que na informação que vem na declaração que foi emitida pela Banco 1..., com data de 7 de Fevereiro de 2024 às 15h35, informação junta através de um ofício que se crê ter (sido) dado entrada neste tribunal com data de 22 de abril do corrente ano, se verifica que há uns fundos com um código específico ..., que à data do óbito representava uma quantidade de 4.290,92 títulos, mas que, por força da própria informação da Banco 1..., se desconhece o respectivo valor. Sendo impossível à Requerente e Reclamante e ao aqui e a este Digníssimo Tribunal saber, efetivamente, se estamos a falar dos mesmos títulos, de outros títulos, seja na totalidade ou sejam parciais, pois que, como também resulta do dito documento, à data em que esta declaração veio emitida, quer a quantidade, quer o valor, a quantidade inexistia, portanto, terão sido transacionados, terão sido resgatados pela cabeça de casal, mas quer a quantidade, quer o valor, eram também ou foram também desconhecidos. Urge, salvo melhor opinião e modesto entendimento da Requerente, capear esta mesma informação que não é digamos, absolutamente assertiva quanto aos dados que importa recolher, mormente, se a verba do número 2 corresponde a estes fundos, quando é que os mesmos foram resgatados e qual é o valor dos mesmos nesta dita e nesta mesma circunstância. E, portanto, porque na presente data, já posterior à apresentação da Relação de bens, os mesmos terão sido resgatados, a requerente peticiona especificamente quanto a esta matéria a Vossa Excelência, que se digne ordenar a notificação da Banco 1... para informar especificamente da data de resgate, do valor efetivamente resgatado e por quem e qual o valor, qual a avaliação que a mesma Banco 1... fazia à data e agora dos respectivos fundos. Assim precisando e ficando o Tribunal e as partes e as interessadas, na posse de toda a informação que consideram ser necessária para se poder relacionar, sem qualquer sombra de dúvidas ou de restrições, aquilo que vem referido como sendo Verba n.º 2. A este propósito ainda, e no que tange à utilização das referidas contas bancárias, a Requerente e Reclamante reitera o pedido que fez no ponto III alínea C, uma vez que a cabeça de casal não se dignou, apesar de ter tempo para o ter feito, informar sobre as contas bancárias que o extinto casal, incluindo-se nisto de cujus, cabeça de casal e interessadas poderiam ser titulares ou co-titulares no país onde toda a vida trabalharam e onde movimentariam também por lá, efectivamente, verbas através de fluxos financeiros a crédito e a débito em bancos Suíços. Por isso, para além de, como se agora se reitera, peticionar a Vossa Excelência e ilustre tribunal a notificação da Cabeça de casal para responder conforme havia sido requerido nessa alínea C, para que efectivamente se oficie ao Banco Central da Suíça para informar em nome (do) da Cabeça de casal, do de cujus e das interessadas as contas bancárias que, em vida e pós-mortem, existam ou tenham existido em nome daqueles, sem prejuízo, porque a Requerente o faz ao abrigo do princípio da cooperação e para descoberta da verdade material, como é seu timbre desde a primeira hora, a mesma pode também dar nota sem conseguir circunstanciar e concretizar qualquer tipo de número ou qualquer tipo de balcão adstrito ou sequer o Cantão onde cada uma destas instituições que passa a indicar e a descrever seriam utilizadas pelo de cujus e pela cabeça de casal sem prejuízo, repete-se, indica como possíveis ou muito possíveis bancos utilizados por estes A... que terá uma localização em ..., numa localização que depois, obviamente, poderá concretizar por escrito ao tribunal, mas desde já fica exarado. Portanto, esta ..., ... em Zürich. E também outro banco que, quando era mais nova, se recorda também de seus pais utilizarem, que era o B..., que poderá ser, que poderá ser notificado na seguinte localização, C... AG, ..., ..., naturalmente, ambas as instituições na Suíça. Fá-lo desde já e sem prejuízo do pedido que faz a Vossa Excelência, no sentido de ser notificado e oficiado o Banco Central da Suíça porque, para obviar a tudo quanto seja necessário ao dito pedido de informação, ele possa ser o mais concretizável e possa ser o mais facilitado para os autos. Aliás, desde já, faz questão de, junto a Vossa Excelência e junto do Tribunal, declarar que a mesma se compromete a transcrever o que for necessário na língua que for necessária, uma vez que se pensa que neste Cantão, ou pelo menos nesta parte onde moraria o extinto casal, é usual, digamos, várias línguas serem utilizadas, para além do próprio Inglês, e portanto, mas muito provavelmente o Alemão, e desde já a cabeça de casal, para obviar tudo aquilo que normalmente entrava os autos com as questões das transcrições e das traduções, a mesma protesta fazê-lo, por suas expensas para que a informação possa, naturalmente na língua nativa destes autos, em Português, mas transposta para aquela que se verificar ser a necessária, desde já se compromete em fazê-lo em cooperar dessa forma com o Tribunal, facultando às partes, naturalmente, quer aquilo que for o original que se encontra nos autos, na nossa língua materna, e aquilo que for necessário enviar com este destino. Além disso, crê que a demora na recolha desta informação, não vai de alguma maneira, digamos, atrapalhar o normal defluxo dos autos e também esta posição de cooperação da requerente reclamante está conexionado com as óbvias dificuldades que houve anteriormente quando foi necessário adoptar a mesma metodologia para notificar instituição, para notificar pessoa colectiva no mesmo país. Nessa altura, conforme nós verificámos e como foi facilmente constatável pelos autos, houve alguns atrasos, sem os querer imputar a quem quer que seja, porque o esforço e o denodo há-de ter sido muito, com certeza, porque os papéis e os documentos também o eram, mas de qualquer maneira vai por avanço esta colaboração por parte da Requerente para tentar obviar a que não se perca tempo e os autos possam ter, entre as diligências que já estão consignadas por Vossa Excelência nestes autos, e entre estas, cuja concretização se peticiona, e portanto, conforme se dizia, cuja concretização se peticiona especificamente sobre as ditas, as referidas contas bancárias usadas pelo extinto casal, é efectivamente o que tem a requerer e desde já se compromete a cooperar e a colaborar com estes autos e com este Tribunal e com a Vossa Excelência, no sentido de simplificar, agilizar aquilo que dela depender e aquilo que ela puder auxiliar, de modo a que estes autos não se transformem por via destas burocracias e por via, enfim, destes actos absolutamente necessários de fazer entre países que não falam a mesma língua materna e que normalmente entrevam a normal decorrência e defluência dos mesmos. O deferimento de Vossa Excelência, também com esta ressalva, feita deste já, pretende efetivamente evitar, obviar, o que já se constatou nestes autos e dessa maneira também que isso não sirva de alguma forma, para fazer procrastinar os autos que é interesse, que a Requerente, não tem e está em querer as interessadas também o não têm, só se lamentando neste pequeno conspecto que a cabeça de casal não tivesse, efetivamente por motu proprio, o que teria facilitado, evitado esta mesma decorrência, ela própria informado, das informações que tem à sua mão, mas que nos autos não constam, e por isso temos que recorrer, temos que rogar a Vossa Excelência, efetivamente, que as mesmas sejam intermediadas pelo tribunal e sejam ordenadas, tal como se peticiona agora, por Vossa Excelência. É o que se requer. A Ilustre Mandatária da interessada DD disse nada ter a opor, à excepção do solicitado a Banco 1... relativamente ao valor dos fundos à data actual que se mostra desnecessário para a presente acção, pois será apenas necessário para eventual prestação de contas. Foi, então, proferido o seguinte despacho: Vem a reclamante CC requerer o atrás consignado, tenho em conta que a reclamante apresentou reclamação a relação de bens e na mesma não é alegada qualquer conta titulada pelo inventariado em bancos não domiciliados em Portugal, mostra-se despiciendo, desnecessário, e não tendente a comprovar qualquer facto constante da reclamação contra a relação de bens. Acresce que na reclamação apresentada não é impugnado o valor atribuído pela cabeça-de-casal à verba n.º 2, relativamente a aplicação financeira. Consabidamente o objecto da reclamação do presente incidente de reclamação de bens circunscreve-se a matéria de facto constante na mesma. Nesse conspecto, foi alegado pela reclamante CC que existiam outras contas bancárias em alguns dos bancos aí indicados. Consigna-se que todos os bancos, à excepção da Banco 1..., responderam negativamente. No mais, nada mais é alegado nesta sede Pelos motivos expostas, indefere-se o requerido. Inconformada, apelou a reclamante, apresentado as seguintes conclusões: 1) Requerente e interessadas discutem, enquanto herdeiras, em sede de acção de inventário por morte do de cujus EE, e, nesse contexto, depois de a recorrente ter apresentado Reclamação à Relação de Bens, o exacto conteúdo do acervo de bens hereditários a partilhar. 2) Nesse contexto o presente recurso é interposto antes de proferida sentença, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC, por se entender haver violação do direito ao contraditório e princípio do inquisitório, com a consequente necessidade de produção de prova, considerando-se violado o disposto nos artigos 3.º, 4.º 5.º, 6.º, 411.º, 417.º, 547.º e 1104.º, n.º 1, d), 1105.º e 1109.º, todos do CPC. 3) À presente instância recursiva deve ser atribuído efeito suspensivo, atendendo à fase processual em que se encontram os autos, pois que, com o prosseguimento e conclusão das diligências de prova para aferir do acervo de bens, a imediata execução da decisão de indeferimento, sem a produção da demais prova requerida pela Recorrente, causa prejuízo considerável à Recorrente e põe em causa os direitos da mesma. 4) Se o recurso merecer provimento, como defende a Recorrente, tal determinará a produção de prova atinente às contas bancárias utilizadas em vida pelo inventariado e a CC, antes e depois do decesso, o que poderá provocar ainda mais transtornos e encargos ao tribunal, situação que se pretende evitar com a atribuição do efeito suspensivo – vide n.º 4.º do artigo 647.º do CPC. 5) O recurso resulta do despacho proferido pelo tribunal a quo, que não admitiu requerimento probatório peticionado pela Recorrente, o qual foi formulado no seguimento das diligências probatórias peticionadas com a Reclamação à Relação de Bens, com vista a ser produzida prova, nos termos peticionados: “Seguidamente, pelo Ilustre Mandatário da interessada CC, foi requerido, em sumula, o seguinte: • reiterou o pedido efetuado na alínea C do ponto III das diligencias probatórias identificadas na reclamação à relação de bens; • que fossem oficiados 2 bancos situados na suíça e o Banco Central da Suíça para identificação das contas bancaria tituladas pelo inventariado e da cabeça de casal e os valores aí depositados à data do óbito e à data de hoje.” 6) Tal requerimento foi apresentado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 411.º, 417.º, 547.º e 1104.º, n.º 1, d), 1105.º e 1109.º, todos do CPC. 7) O presente recurso visa, assim, a reapreciação da decisão de indeferimento que recaiu sobre o aludido pedido. 8) Em causa está apurar movimentos e saldos bancários existentes na Suíça, país onde o de cujus e a Cabeça de Casal (CC) residiram durante muitos anos e tinham vida organizada até ao óbito do inventariado. 9) Mas em causa está também apurar movimentos financeiros efectuados pela Cabeça de Casal quanto a títulos existentes no banco Banco 1.... 10) Saber do acervo global de bens a partilhar, antes da realização da conferência de interessados, para a consequente partilha, é precisamente o que está em causa. 11) Tendo a Recorrente declarado não ter conhecimento nem acesso a tal informação, uma vez que a administração e cargo de Cabeça de Casal foi atribuído, e bem, ao cônjuge sobrevivo, nada mais natural do que suscitar-se a sua notificação para vir informar os autos, o que o Tribunal não fez, não ordenou e nem se pronunciou. 12) Não era previsível que a CC, no âmbito das funções que exerce e dos deveres que sobre a mesma impende, notificada para colaborar e se pronunciar sobre a Reclamação, nada dissesse ou respondesse, sequer quanto ao incidente de sonegação de bens desde logo deduzido – vide artigo 1097.º, 3.º, e) – O compromisso de honra do fiel exercício das funções de cabeça de casal. 13) O requerimento logo impetrado pela Recorrente no sentido de se mandar notificar a Cabeça de Casal para obter as informações pretendidas, deveria ter sido logo decidido, por corresponder a pretensão licita e legitima da Recorrente, tanto mais que, de outra forma, a mesma não logra produzir prova sobre a matéria alegada, entre outros, nos artigos 1º a 10º e 22.º a 41.º (Sonegação de Bens) da Reclamação. 14) A Recorrente peticionou que, ao abrigo do princípio da cooperação e para descoberta da verdade material, previstos no artigo 417.º do CPC, tal diligência fosse determinada. 15) Inerente à decisão de indeferimento, estão prejudicados vários princípios processuais, cuja concretização pelo tribunal a quo é absolutamente determinante, mormente no que tange ao princípio da necessidade (artigo 3.º do CPC), pois que a Recorrente alegou factologia para cuja decisão é determinante produzir a prova requerida; princípio da igualdade das partes (artigo 4.º do CPC) uma vez que a Cabeça de Casal está na posse de informação muito relevante e que a Recorrente reputa como essencial para decidir das questões suscitadas na Reclamação e no âmbito da sonegação de bens; o princípio do dispositivo e inquisitório (artigos 5.º e 411.º do CPC) pois que a decisão do tribunal há-de contemplar factos instrumentais e factos complementares, sendo que sobre estes é necessário produzir prova para se poder pronunciar; e princípio da boa gestão processual (artigo 6.º do CPC) pois que, o andamento célere dos autos não é sinónimo de redução dos meios probatórios a que as partes podem recorrer, para mais quando, em parte extensa do seu articulado (Reclamação) alegou factos que a Recorrente considera colocarem a Cabeça de Casal em situação de actuar em manifesta contradição e antítese com os deveres que sobre a mesma impendem. 16) A Recorrente alegou, entre outros, na reclamação que: “1 A relação de bens apresentada pela cabeça-de-casal (doravante apenas CC) é muito deficiente e OMITE inúmeros BENS que devem, a final, integrar a herança a partilhar por óbito do inventariado.” “3 Por via da morte do de cujus, as interessadas têm bens a partilhar, encontrando-se os mesmos na posse e sob a administração EXCLUSIVA da CC e interessada DD.” “4 Em vida do de cujus, este possuía e era titular de diversas contas bancárias.” “5 A Reclamante tem conhecimento que o inventariado possuía várias contas bancárias, pelo que tais activos patrimoniais devem integrar o acervo de bens a partilhar.” “6 Tal (s) bem (s) móvel (s) ora identificado (s), que têm que integrar a herança, encontram-se na posse da cabeça-de-casal, sendo por ela administrados.” “7 Desconhecendo-se os movimentos a crédito ou a débito de tais contas, após o decesso do inventariado.” 34 Para aquilatar da fundada dedução do presente incidente de sonegação de bens, E DA CONDUTA DOLOSA DA CABEÇA-DE-CASAL, sempre se deverá ordenar as diligências ao diante peticionadas, tendo exclusivamente este Tribunal o poder para se substituir à inércia e omissão da CC. 36 Em face da postura da CC, de acordo com o ora peticionado, e, por via a esgotar, dentro dos presentes autos, a possibilidade de se aferir, com verdade, de quais os bens que fazem parte do acervo de bens a partilhar, requer a V.ª Ex.a o conjunto de diligências infra descritas. 40 Deve a CC ser notificada para vir comprovar, documentalmente, a existência dos bens móveis descritos neste articulado ou dizer o que se lhe oferecer, fornecendo todos os elementos tidos como necessários à correcta identificação e quantificação desses bens, por ser a única pessoa com condições materiais para o fazer. “Nestes termos e nos melhores de Direito que V.ª Ex.a Mui Doutamente suprirá, Requer se digne mandar proceder às diligências de prova peticionadas, como vista à descoberta da verdade material e, a final, o acervo de bens a partilhar ser constituído por todos os bens da herança.” “Mais requer que, posteriormente, se digne marcar dia e hora para produção de prova sobre o Incidente de Sonegação de Bens ora invocado, ordenando-se para tal outras diligências julgadas pertinentes e reputadas como necessárias.” “Mais Requer se digne aceitar e, a final, considerar provado o incidente de sonegação de bens deduzido, condenando a cabeça-de-casal nas penas da lei, nos termos e para os efeitos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 2096.º do CC, seguindo-se os ulteriores termos até final.” 17) E foram pedidas, entre outras, várias diligências a saber, Se digne mandar notificar a CC para vir juntar: (I) prova documental sobre negócios jurídicos celebrados após o decesso do inventariado; (II) prova documental sobre todas as movimentações financeiras efectuadas, a crédito e a débito após a data de 06/08/2018; (III) identificação da conta bancária utilizada para recebimento das rendas auferidas; (IV) identificação da conta bancária utilizada para recebimento da pensão de reforma auferida em virtude do decesso do inventariado e qual o saldo actual; (V) identificação de todas as contas bancárias que utilizou antes do óbito do inventariado e juntar os respectivos extractos bancários relativos ao último ano de casamento com o inventariado. 18) O legislador procurou impor à cabeça de casal um ónus de alegação e prova em tudo semelhante ao cometido a um qualquer autor numa ação judicial, passando a competir-lhe, nos termos do artigo 1097.º do CPC, trazer aos autos os elementos de identificação e prova suficientes para que sejam conhecidos a causa de pedir (abertura de sucessão) a sua legitimidade e os demais interessados, todos os elementos que entenda poderem influenciar a partilha, e a relação dos bens e dos créditos e dívidas da herança, deste modo se reunindo naquela peça processual diversos atos até aqui dispersos. 19) A lei admite a possibilidade de realização de uma audiência prévia, tendo por objeto o previsível acordo sobre a partilha ou acerca de alguma ou algumas das questões controvertidas ou, se o juiz o considerar útil, ouvir pessoalmente os interessados sobre alguma questão. Não sendo obtido o acordo, o juiz realiza as diligências de prova necessárias para decidir as matérias controvertidas. 20) A Recorrente tinha a fundada expectativa de ver determinadas as diligências probatórias requeridas ou outras tidas por pertinentes pelo Senhor Juiz. 21) Urgia notificar a Cabeça de Casal, nos termos peticionados na alínea C) do Ponto III, o que não foi determinado pelo Tribunal a quo, mesmo após ter sido reiterado tal pedido na Audiência Prévia, de molde a obter todas as informações na posse da CC, e, assim, se possa aferir e circunscrever o acervo de bens, bem como apurar dos actos praticados pela mesma, e, assim, seja possível decidir sobre o incidente de sonegação deduzido. 22) Qualquer irregularidade ou falta de menção, que inexiste e apenas se concebe por dever de patrocínio, é suprível com recurso ao disposto nos n.ºs 3, 4, 5 e 6 do artigo 590.º do CPC, sendo que o convite ao suprimento é susceptível de, com menores encargos, mora e ónus processuais, resolver a questão que o Tribunal a quo considerou existir, tendo sido violado, assim, o espírito e conteúdo da citada norma do CPC. 23) O requerimento para produção da prova e as consequentes diligências, tal como peticionado pela Recorrente, de acordo com o previsto no artigo 417.º do CPC, deve ser admitido, de molde a que sejam prestadas pela Cabeça de Casal e pelas instituições descritas, todas as informações devidas nos autos, por abono ao princípio da confiança e da adequação formal previsto no artigo 547.º do CPC, tornando, assim, o processo justo e equitativo. 24) Sendo a referida prova crucial para o bom desfecho dos autos, assim deve ser determinado, ordenando-se as notificações nos termos requeridos pela Recorrente. 25) Para efeitos dos temas a discutir na Conferência de Interessados a designar, nos termos do artigo 1110.º do CPC, salvo melhor opinião e com o mui Douto suprimento deste Colendo Tribunal deve, assim, ser substituída a decisão de indeferimento recorrida, por outra que ordene as notificações e diligências probatórias nos termos peticionados, de molde a realizar-se todas as diligências para produção de prova sobre a indicada matéria de facto alegada, entre outros, nos artigos 1º a 10º e 22.º a 41.º (Incidente de Sonegação de Bens) da Reclamação à Relação de Bens. Nestes termos e nos melhores de direito, das razões de facto e de direito invocadas e as demais mui Doutamente supridas por V.ªs Ex.as, concedendo provimento ao presente recurso, e, a final, substituindo o despacho recorrido por douto Acórdão que admita o requerimento probatório enxertado nos termos peticionados pela Recorrente, assim se fará inteira, Habitual e Sã JUSTIÇA! Não foram apresentadas contra-alegações. 2. Tramitação relevante Consta do Relatório. 3. Do mérito do recurso O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigos 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se na apreciação da (im)pertinência das seguintes diligências de prova: a) ─ diligências requeridas no ponto III, alínea C da reclamação contra a relação de bens; b) ─ diligências relativas a verba n.º 2 da relação de bens (activos financeiros existentes na Banco 1... de Castelo de Paiva); c)─ diligências relativas a contas bancarias existentes na Suíça. Enquadramento das diligências requeridas As diligências requeridas pela reclamante inserem-se no âmbito do incidente da reclamação contra a relação de bens. A relação de bens destina-se a inventariação dos bens deixados pelo de cujus, para posterior partilha pelos interessados. O artigo 2024.º CC define sucessão como o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das situações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam. E de acordo com o n.º 1 do artigo 2025.º CC que não constituem objecto de sucessão as relações jurídicas que não devam extinguir-se por morte do respectivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei, acrescentando o n.º 2 que podem, porém, extinguir-se por morte do titular e por vontade deste os direitos disponíveis. Nas palavras de Lopes Cardoso, Partilha Judiciais, Almedina, vol. I, pgs. 426-7, o acervo hereditário compreendem-se todos os bens, direitos e obrigações que não sejam considerados intransmissíveis por sua natureza, por força da lei ou por vontade do autor da sucessão. Apreciemos, então, as diligências requeridas. Alínea a) São as seguintes as diligências requeridas no ponto III C da reclamação de bens: Notificação da cabeça-de-casal para juntar: (I) prova documental sobre negócios jurídicos celebrados após o decesso do inventariado; (II) prova documental sobre todas as movimentações financeiras efectuadas, a crédito e a débito após a data de 06.08.2018; (III) identificação da conta bancária utilizada para recebimento das rendas auferidas; (IV) identificação da conta bancária utilizada para recebimento da pensão de reforma auferida em virtude do decesso do inventariado e qual o saldo actual; (V) identificação de todas as contas bancárias que utilizou antes do óbito do inventariado e juntar os respectivos extractos bancários relativos ao último ano de casamento com o inventariado. Os negócios jurídicos celebrados após o decesso do inventariado, presume-se que relativamente a bens integrados na herança, são irrelevantes para determinação do acervo hereditário, que é aferido a data do óbito do inventariado (06.08.2018). O mesmo se diga relativamente a movimentações financeiras a débito e a crédito após o decesso do inventariado. A identificação da conta bancária utilizada para o recebimento das rendas também não reveste qualquer interesse nesta sede, pois as rendas relevam para a prestação de contas, como, aliás, decidiu o Tribunal recorrido por despacho de 10.02.2022, determinando a eliminação da verba n.º 3 da relação de bens (arrendamento de prédio urbano pela renda mensal de € 250,00). O pedido enunciado sob o n.º IV ─ identificação da conta bancária utilizada para recebimento da pensão de reforma da cabeça-de-casal auferida em virtude do decesso do inventariado e qual o saldo actual ─ é absolutamente inadmissível, por se tratar de facto relativo à vida pessoal da cabeça-de-casal sem qualquer relevância para o processo. Como inadmissível é o pedido relativo à junção dos extratos bancários de todas as contas utilizadas no último ano de casamento com o inventariado, não se vislumbrando qual a utilidade da devassa da vida pessoal do inventariado e da cabeça-de-casal, já que nenhuma justificação foi avançada para uma diligência tão intrusiva. Para efeitos de relação de bens, apenas relevam os saldos bancários existentes à data do óbito do de cujus, sendo, por norma, irrelevantes as movimentações da respectiva conta: cada um dá ao seu dinheiro o destino que bem entender, desde que essa seja a sua vontade livre e consciente. Só será de atender a movimentações anteriores ao óbito em caso de apropriação ilegítima por parte de co-titulares, cabendo ao interessado na diligência o ónus de alegação e prova da suposta atitude ilícita do co-titular da conta (cfr. acórdão da Relação de Lisboa, de 30.04.2009, da ora Relatora, www.dgsi.jtrl.pt., proc. n.º 9615/2008-6). Nada tendo sido alegado, a diligência traduzir-se-ia numa devassa gratuita da vida económica do de cujus e da cabeça-de-casal. O acórdão da Relação do Porto, de 2001.04.26, Leonel Serôdio,, www.dgsi.jtrl.pt., proc. 0130447, citado no acórdão supra referido, abordou esta problemática no âmbito de uma acção de prestação de contas: relativamente a uma conta solidária, de que eram titulares a mãe e duas filhas, entendeu aquele tribunal que o facto de uma das filhas ter procedido ao levantamento da totalidade do depósito antes do óbito da mãe não podia ser considerado, sem mais, anormal, e que para que houvesse obrigação de prestar contas relativamente a essas quantias seria necessário provar que esse levantamento foi feito sem o consentimento e a vontade do de cujus. No mesmo sentido, acórdão da Relação de Guimarães, de 06.10.2016, Higina Castelo, www.dgsi.jtrg.pt, proc. n.º 956/13.3TBBCL-A.G1: As quantias movimentadas a débito de contas bancárias tituladas pela inventariada e por terceiro, em regime de solidariedade, dias ou semanas antes do óbito, e integradas no património de terceiro não fazem parte do acervo hereditário. Para que essas quantias constituam crédito da herança é necessária a alegação e prova, cujo ónus impende sobre o herdeiro que se sinta lesado, de que essas quantias pertenciam à inventariada e de que a subtração ao património daquela foi ilícita. Pelo exposto, improcede este segmento do recurso. Alínea b) Esta alínea prende-se com a verba n.º 2 da relação de bens (activos financeiros existentes na Banco 1... de Castelo de Paiva), e com o documento que a acompanhava para respectiva prova, constando do mesmo o código ..., e a indicação da quantidade de 4.290,92 títulos e a cotação de 8,1194. Pretende a apelante que se solicite informação a Banco 1... sobre se a verba n.º 2 corresponde a esses fundos, a ainda quando os mesmos foram resgatados e por quem, qual o valor à data do resgate e o valor actual, uma vez que o campo destinado a estas realidades não se encontra preenchido. Esta pretensão carece igualmente de fundamento. Em primeiro lugar, não compete a Banco 1..., mas ao Tribunal, aferir se existe correspondência entre a descrição da verba constante da relação de bens e o documento destinado à sua prova. Sendo certo que o documento não foi oportunamente impugnado. Acresce que a omissão relativamente a situação actual não significa que os títulos tenham sido resgatados, mas tão-só que a informação não é relevante por que, destinando-se a comprovar verba constante da relação de bens, o único valor que releva reporta-se à data do óbito. Razão por que a diligência foi bem indeferida. Alínea c) O pedido de diligências relativamente a contas bancárias sedeadas na Suíça é intempestivo porque, como se refere no despacho recorrido, na reclamação contra a relação de bens, nenhuma referência foi feita à eventual existência de contas bancárias na Suíça. Não pode agora, em sede de requerimentos de prova relativamente a matéria da reclamação contra a relação de bens, enxertar uma nova reclamação. Este segmento está igualmente votado ao insucesso. 4. Decisão Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida. Custas pela apelante (artigo 527.º CPC). Porto, 25 de Março de 2025 Márcia Portela Rui Moreira Artur Dionísio Oliveira |