Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1446/08.1TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
PRÉMIO DE ASSIDUIDADE
Nº do Documento: RP201105231446/08.1TTPRT.P1
Data do Acordão: 05/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Para efeitos de reparação infortunística há que atender à retribuição abstractamente convencionada entre as partes, independentemente da assiduidade do trabalhador.
II - Tendo as partes convencionado o pagamento de um prémio de assiduidade por cada mês completo de serviço, este integra o conceito de retribuição para efeitos da reparação infortunística independentemente de, em concreto, o sinistrado o não ter auferido em algum ou alguns dos meses por virtude da sua falta de assiduidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 1446/08.1TTPRT.P1 Apelação
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. 418)
Adjuntos: Des. António José Ramos
Des. Eduardo Petersen Silva

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

B…, representado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra Companhia de Seguros C…, SA e D…, Ldª, alegando, em síntese, que: no dia 09.05.2008, foi vítima do acidente que descreve, de que lhe resultaram incapacidades temporárias e incapacidade permanente parcial (IPP); auferia a retribuição mensal de €500,00 x 14 meses, bem como €3,74 x 242 dias de subsídio de refeição, €125,00 x 12 meses de subsídio de turno e €50,00 x 11 meses de subsídio de assiduidade; a responsabilidade, à excepção do subsídio de assiduidade, encontrava-se transferida para a Ré Seguradora; tal subsídio integra a retribuição como decorre do contrato de trabalho, sendo que ele não chegou a ser auferido porque “o autor apenas trabalhou um mês completo e bastava o tempo perdido a marcar o ponto para o subsídio já não ser pago.”; não concorda com a IPP atribuída.
Conclui, pedindo a condenação das RR. a pagar-lhe:
- a pensão anual e vitalícia, com efeitos a partir da alta ocorrida em 08.09.08, calculada com base na retribuição acima mencionada e na IPP que vier a ser fixada pela junta médica;
- A quantia de €105,44 de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária;
- A quantia de €25,00 gasta com deslocações;
- Juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento.
Requereu, ainda, exame por junta médica.

Regularmente citadas, ambas as RR. contestaram:
- A Ré Seguradora, alegando que a responsabilidade apenas se encontrava transferida com base na retribuição de €500,00 x 14 + €3,74 x 242 + €125,00 x 12, sendo que o montante relativo ao subsídio de assiduidade não foi transferido.
A Ré patronal considera que nada tem a pagar por ter transferido toda a sua responsabilidade para a Ré seguradora, para tanto considerando que o subsídio de assiduidade não integra a retribuição já que o A. nunca o auferiu. Acrescenta que, como o nome o indica, o dito subsídio destina-se a premiar os trabalhadores que não têm faltas ao trabalho, nem atrasos ao início do período normal de trabalho, sendo o período de apuramento mensal (art. 4º da contestação) e que, uma vez que o A. chegava atrasado com alguma frequência, nunca diligenciou por “picar o ponto” atempadamente, o que levou a que o prémio lhe fosse descontado no recibo de vencimento (art. 5º da contestação).

Foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto, consignando-se a assente e elaborando-se base instrutória, que foi objecto de reclamação por parte da Ré Seguradora (fls. 98), oportunamente deferida[1].

Ordenou-se a abertura de apenso de fixação da incapacidade, no qual, após realização de exame por junta médica, foi, por decisão de fls. 18/19, fixada ao Autor a IPP de 2% desde 08.09.2008.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova pessoal nela prestada, e decidida a matéria de facto, foi proferida sentença absolvendo a Ré empregadora dos pedidos contra ela formulados e condenando a Ré Seguradora a pagar ao A.: “o montante de €131,67 (…) a título de pensão anual e vitalícia por incapacidade permanente e parcial, a partir de 08.Set.08;”; “uma prestação de valor igual a 1/14 da pensão anual, nos meses de Maio e Novembro, que acrescerá àquela (art. 51º do DL 143/99, de 30 Abr);”. “o montante de €25,00 (…) a título de transportes.”, mais se consignando que “a referida pensão anual é imediatamente remível” e condenando-se ainda no pagamento de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento.

Inconformado, veio o A. recorrer, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso é relativo à matéria de facto e de direito, art. 522-B do C.P.Civil por se ter procedido a gravação da prova produzida em julgamento.
2. De acordo com o documento apresentado pelo autor, contrato de trabalho que vigorava entre o autor e co-ré patronal à data do acidente o Mº Juiz deveria ter dado como provado que de acordo com o contrato de trabalho, o autor à data do acidente tinha direito, como contrapartida do seu trabalho, à quantia de €50,00 auferido a onze meses de subsídio de assiduidade, que não se encontrava transferida para a Seguradora.
3. Nos presentes autos não se reclama direito ao prémio de assiduidade mas a reparação do acidente sofrido pelo autor a 9 de Maio de 2008, para tal é necessário saber qual a retribuição auferida pelo autor nessa data;
4. Uma vez que a quantia mensal de €50,00 auferida onze meses faz parte do montante que deve ser pago pela entidade patronal como contrapartida do trabalho do autor, quantia acordada no contrato de trabalho, essa quantia deve ser considerada como retribuição para efeito do cálculo das indemnizações por incapacidade temporária e da pensão por incapacidade permanente.
5. Deve a sentença, ora recorrida, na parte em que absolve a co-ré patronal ser revogada e em seu lugar deve ser lavrada sentença que atendendo à quantia de €50,00 x 11 e ao grau de incapacidade temporária e permanente, condene a co-ré patronal a pagar ao autor as indemnizações e pensão peticionadas.”

A Recorrida contra-alegou, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto teve vista no processo.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Matéria de Facto Provada
Na 1ª instância deu-se como assente a seguinte factualidade:

1. O autor prestou trabalho para a co-ré entidade empregadora desde 10.MAR.08, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, mediante a retribuição mensal de, pelo menos, €500,00 x 14 meses, acrescida de €3,74 x 242 dias de subsídio de refeição e de €125,00 x 12 meses de subsídio de turno.
2. No dia 09.MAI.08, o A., no local de trabalho e quando cumpria o seu horário normal de trabalho, sofreu um acidente.
3. Em consequência desse acidente, o A. sofreu incapacidade temporária absoluta entre 13.MAI.08 e 07.AGO.08; de incapacidade temporária parcial de 25% entre 8. AGO. 08 e 11.AGO.08; e de incapacidade temporária parcial de 10% entre 12.AGO.08 e 08.SET.08.
4. Do referido acidente o autor ficou a padecer de incapacidade permanente e parcial para o trabalho, de 2%, a partir de 08.SET.08.
5. O A. gastou a quantia de €25,00 com deslocações a Tribunal.
6. A responsabilidade por acidentes de trabalho encontrava-se, à data do acidente, transferida para a co-ré seguradora através de contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice n.º ……., pelos montantes de €500,00 x 14 meses, acrescido de €3,74 x 242 dias a título de subsídio de alimentação e de €125,00 x 12 meses de subsídio de turno.
7. A co-ré seguradora pagou ao autor as indemnizações devidas pelos períodos de incapacidades temporárias do autor, com base nos montantes de €500,00 x 14 meses, acrescido de €3,74 x 242 dias a título de subsídio de alimentação e de €125,00 x 12 meses de subsídio de turno.
8. Em 19.MAI.09 teve lugar a tentativa de conciliação no âmbito destes autos de ac. de trabalho, em que estiveram presentes a A., a co-ré seguradora C…, S.A. e a co-ré entidade empregadora D…, Ldª no decurso da qual:
- a co-ré seguradora declarou aceitar o acidente dos autos como de trabalho, o nexo de causalidade entre o acidente sofrido pelo autor e as lesões por ele sofridas, bem como o resultado do exame médico a que foi submetido, bem como a transferência do salário do autor no valor de €500,00 x 14 meses, acrescido de €3,74 x 242 dias a título de subsídio de alimentação e de €125,00 x 12 meses de subsídio de turno e ainda a responsabilidade pelo pagamento ao autor da quantia de €25,00 de transportes;
- a co-ré entidade empregadora declarou aceitar o acidente dos autos como de trabalho, o nexo de causalidade entre o acidente sofrido pelo autor e as lesões por ele sofridas, bem com o resultado do exame médico a que foi submetido (cfr. o doc. de fl.s 55/57 dos autos, parte integrante do presente despacho, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os legais efeitos).
9. A remuneração auferida pelo autor, declarada pela co-ré entidade empregadora à co-ré seguradora foi apenas de €500,00 x 14 meses, acrescido de €3,74 x 242 dias a título de subsídio de alimentação e de €125,00 x 12 meses de subsídio de turno.
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III. Do Direito

Nos termos do disposto nos artºs 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC, na redacção introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08, aplicáveis ex vi do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º do CPT, as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objecto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Daí que sejam as seguintes as questões suscitadas:
-Alteração da matéria de facto;
- Se a quantia mensal de €50,00 (x 11 meses) referente ao prémio de assiduidade deve integrar a retribuição do A. para efeitos de cálculo da reparação devida em consequência do acidente de trabalho.

2. Quanto à 1ª questão

Pretende o recorrente que a resposta ao quesito 1º, que foi dado como não provado, seja a de que “foi acordado entre o sinistrado e a entidade empregadora um subsídio de assiduidade de €50,00 por cada mês completo de trabalho.”, alteração esta que fundamenta na clª 4ª do contrato de trabalho celebrado entre o A. e a Ré empregadora o qual consta de fls. 66 a 70 dos autos.

Era o seguinte o teor do referido quesito: “Além dos montantes referidos na al. A), a co-ré entidade empregadora pagava ainda ao A. a quantia mensal de €50,00 x 11 meses, a título de subsídio de assiduidade?”, quesito esse que, como se disse, mereceu a resposta de não provado, constando da respectiva fundamentação o seguinte: “As respostas que antecedem resultaram da ponderação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento pelas testemunhas inquiridas (em especial da testemunha E…, que explicou as condições e termos em que era pago pela co-ré entidade empregadora o premio de assiduidade e esclareceu as razões pelas quais tal prémio não foi pago ao autor) …”.
Do referido contrato de trabalho celebrado entre o A. e a Ré empregadora, que foi por aquele junto com a petição inicial (fls. 66 a 70 dos autos) e que não foi impugnado pela Ré empregadora, consta, na sua clª 4ª, nº 3, que passamos a reproduzir, que as partes acordaram em que: “3. O 2º outorgante [o Autor] terá direito a um Prémio de Assiduidade no valor de 50€, por cada mês completo de trabalho.”.
Tal cláusula não está em contradição com a resposta de não provado dada ao quesito 1º, pois que uma coisa é as partes terem acordado nos termos da clª transcrita e, outra diferente, é esse prémio haver sido, ou não, pago.
O Recorrente não põe em causa que esse prémio não haja sido pago, nem invoca qualquer depoimento testemunhal no sentido da alteração que pretende (aliás, da petição inicial, parece até poder concluir-se que ele não foi pago). No fundo, o que o Recorrente entende, e pretende, é que seja dado como provado o que as partes acordaram na referida cláusula do contrato de trabalho, facto este que se encontra documentalmente provado e que, porque relevante, deverá ser levado à matéria de facto assente.
A resposta ao quesito 1º deverá, pois manter-se, sem prejuízo porém de dever ser aditada à matéria de facto provada o que as partes, nessa cláusula, acordaram.
Assim, adita-se o nº 10 à matéria de facto provada, com o seguinte teor:
10. No “Contrato de Trabalho Temporário” celebrado entre o A. e a Ré empregadora que consta do documento que constitui fls. 66 a 70 dos autos, foi acordado na sua clª 4ª, nº 3, que: “3. O 2º outorgante [o Autor] terá direito a um Prémio de Assiduidade no valor de 50€, por cada mês completo de trabalho.”[2].

3. Da 2ª questão

Tem esta questão por objecto saber se o referido prémio de assiduidade integra, ou não, a retribuição para efeitos de reparação infortunística.
Na sentença recorrida, a este propósito, refere-se, apenas, que o sinistrado não logrou fazer prova de que a ré empregadora lhe pagava efectivamente o montante em causa, pelo que se entendeu que o mesmo não integraria a retribuição.

3.1. Desde logo, cumpre referir que, tendo as partes acordado no pagamento de tal prémio (“por cada mês completo de trabalho”), da simples circunstância de o A. não ter feito prova de que a recebeu não se pode concluir, como concluiu a sentença recorrida, que ele não seria devido. Determinada prestação pode não ser paga, mas ser devida. Se, por exemplo, o empregador não paga a retribuição base mensal tal não significa que ela não seja devida e/ou que não deva ser tida em conta para efeitos infortunísticos; significa apenas que a retribuição se encontra em dívida.
Ou seja, perante o acordado na clª 4ª, nº 3, do contrato de trabalho, não podia o tribunal a quo, para decidir como decidiu, ter-se bastado com a falta de prova de que a Ré empregadora haja pago esse prémio (sendo de referir que, aliás, a falta de prova de um facto não significa a prova do facto contrário). Se entendia, como parece que entendeu, que o seu efectivo pagamento, rectius, não pagamento, seriam relevantes para a solução do caso em apreço, então cabia-lhe averiguar, e dar como provada, ou não provada, a razão por que esse prémio, não obstante estipulado contratualmente, não foi pago. Com efeito, a justificação desse não pagamento foi alegada e consta dos artºs 4º e 5º da contestação da recorrida empregadora, nos quais se refere que a sua atribuição se destina a premiar os trabalhadores que não têm faltas ao trabalho nem atrasos ao início do período normal de trabalho, que o A. chegou atrasado com “alguma frequência” e que “nunca diligenciou por “picar o ponto” atempadamente, o que levou a que o “prémio lhe fosse descontado no recibo de vencimento.”. Acontece que esta matéria não foi levada à base instrutória, nem foi objecto de qualquer ampliação (cfr. artº 72º do CPT) em sede de julgamento em 1ª instância, pelo que sobre ela não incidiu qualquer decisão.
Ou seja, da resposta negativa ao quesito 1º não se pode concluir que o pagamento do prémio, estipulado contratualmente, não fosse devido. E se, porventura, se entendesse que a questão de o mesmo haver sido, ou não, pago teria relevância, então haveria que se apurar da razão por que não foi pago, o que determinaria, nos termos do art. 712º, nº 4, do CPC, a necessidade de anulação do julgamento, da decisão da matéria de facto e da sentença com vista à ampliação da matéria de facto por forma a abranger a matéria constante dos arts. 4º e 5º da contestação.
Acontece que, e como adiante se dirá, afigura-se-nos irrelevante apurar se o prémio de assiduidade terá, ou não, sido pago e, não o tendo sido, das razões desse não pagamento.

3.2. Ao caso, atenta a data da ocorrência do acidente (09.08.2008) é aplicável a Lei 100/97, de 13.09 (LAT), bem como o Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, de 27.08.

Dispõe a LAT no seu:
Artigo 26º
Retribuição
1. As indemnizações por incapacidade temporária absoluta ou parcial serão calculadas com base na retribuição diária ou na 30.ª parte da retribuição mensal ilíquida, auferida à data do acidente, quando esta representar a retribuição normalmente recebida pelo sinistrado.
2. As pensões por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, serão calculadas com base na retribuição anual ilíquida, normalmente recebida pelo sinistrado.
3. Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
4. Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras remunerações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.

Como é sabido, o conceito de retribuição para efeitos infortunísticos não é inteiramente coincidente com a noção legal de retribuição do Cód. Trabalho (artsº 249º e segs.), sendo aquele mais abrangente do que esta.
De todo o modo, começando pelo conceito de retribuição constante do Cód. Trabalho, relevam os arts. 249º e 261º, os quais dispõem que:
Artigo 249º
Princípios gerais
1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2. Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4. (…)
Artigo 261º
Gratificações
1 – Não se consideram retribuição:
a) As gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa;
b) As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido.
2 – O disposto no número anterior não se aplica às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele.
3 – O disposto no nº 1 não se aplica, igualmente, às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no respectivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante.

A propósito deste preceito refere Joana Vasconcelos, in anotação constante do Código do Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez e outros, Almedina, 4ª edição, pág. 470, que “(…). E muito embora o princípio afirmado seja o de que tais gratificações não constituem retribuição desde que o respectivo pagamento “não esteja antecipadamente garantido”, do mesmo nº 1 in fine se retira a contrario que, sempre que esse pagamento esteja antecipadamente garantido (o que não é incompatível com a definição de pressupostos ou condições a preencher, relacionados com o objectivo prosseguido pelo empregador) tais prestações integrarão a retribuição do trabalhador, o que é, aliás, expressamente reafirmado nos nºs 2 e 3.”.
Por outro lado, de harmonia com o citado art. 26º, nº 3, da LAT, para além daquilo que a lei considera como elemento integrante da retribuição, dever-se-ão, ainda, considerar como constituindo retribuição outras prestações desde que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
No sentido de que o prémio de assiduidade integra a retribuição para efeitos infortunísticos veja-se o Acórdão desta Relação de 12.06.2006, in Acidentes de Trabalho, Jurisprudência, 2000-2007, Colectânea de Jurisprudência, Edições, pág. 307, em que se refere o seguinte:
“(…) Aliás, sempre se dirá que aquelas quantias, na medida em que pretendem apenas estimular o cumprimento pontual da prestação de trabalho e a assiduidade do trabalhador, como resulta dos factos provados, constituem, afinal, prémios de pontualidade e assiduidade pagos pela entidade patronal.
A tal respeito, e como é entendimento pacífico desta Relação, «os prémios de pontualidade e assiduidade, pagos pela entidade patronal, pelo seu carácter de regularidade e permanência e sua ligação com o trabalho, constituem prestações devidas pela patronal a integrar a retribuição do trabalhador – cfr. Acórdão de 23/04/01 – o mesmo se dizendo no Acórdão de 13/01/03 (ambos disponíveis in www.dgsi.pt): «A assiduidade é uma das facetas da prestação laboral. Tem a ver com o período de duração daquela prestação. É, por isso, indissociável da própria prestação laboral. No fundo, prende-se com a quantidade da prestação e, sendo assim. Como se entende que é, o prémio de assiduidade, destinando-se, embora, a estimular o cumprimento pontual da prestação laboral, não pode deixar de ser visto como uma contrapartida do próprio trabalho, integrando, por isso, o conceito de retribuição.”.

3.3. No caso, as partes acordaram que o A. teria direito a um prémio de assiduidade por cada mês completo de trabalho, do que se pode, desde logo, concluir no sentido da integração desse prémio no conceito de retribuição atenta não apenas a jurisprudência citada, mas também o disposto no art. 261º, nº 2, do Cód. Trab. Trata-se de uma prestação que é devida por força do que foi contratualizado pelas partes, cujo pagamento, verificadas as condições da sua atribuição, está antecipadamente garantido.
E a isso não obsta a argumentação da Recorrida empregadora de que o A. chegaria constantemente atrasado, razão pela qual nunca lhe terá pago tal prémio[3]. É que uma coisa é a definição dos pressupostos do seu pagamento e, coisa diferente, a contratualização da obrigação desse pagamento. A não verificação, em concreto, das condições desse pagamento não lhe retira a natureza retributiva (apenas determina que, no mês em que esses pressupostos não se verifiquem, que o prémio não seja atribuído), o que aliás decorre do próprio art. 261º, nº2, na medida em que, como nele se diz, o disposto no nº 1 não se aplica ainda que a atribuição da “gratificação” esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador. Ou seja, o condicionamento da atribuição do prémio a determinadas requisitos não lhe retira a natureza retributiva.
Por outro lado, tal obrigação não tem carácter aleatório, mas sim obrigatório (porque decorre do contrato) e tem natureza regular, criando a expectativa do seu recebimento, para isso bastando o cumprimento das condições definidas para a sua atribuição (que, no caso e de acordo com o estipulado, era “cada mês completo de trabalho”) e sendo irrelevante que, em concreto, o prémio pudesse não ser devido em determinado ou determinado(s) meses por o A. não atingir os objectivos da assiduidade.
A retribuição a ter em conta como base de cálculo da reparação infortunística é a retribuição abstractamente acordada, independentemente da repercussão de factos impeditivos do seu recebimento em concreto. Tanto assim é que, para efeitos da determinação do montante retributivo a ter em conta, é irrelevante que o sinistrado haja, por exemplo, faltado injustificadamente; como se sabe, as faltas injustificadas determinam perda de retribuição; não obstante, o que releva é o montante da retribuição integral e não a concretamente auferida em consequência dessas faltas. O mesmo se diga, por exemplo, em relação ao subsídio de alimentação relativamente ao qual, para efeitos infortunísticos, se tem em conta o seu montante mensal global e não o resultante de eventuais descontos decorrentes de eventuais faltas.
E bem se compreende que assim seja. Com efeito, a reparação devida por virtude de acidente de trabalho visa compensar ou repor a perda da capacidade de ganho. Ora, a capacidade de ganho deve ter por referência aquilo a que o sinistrado, nos termos do contrato de trabalho, poderia ter a expectativa de auferir. Ou seja, para estes efeitos, não releva tanto o que o A. auferiu ou não auferiu, mas sim aquilo que, nos termos do contrato, poderia vir a auferir, esta a medida da expectativa do seu ganho. E, no caso, a expectativa de ganho do sinistrado incluía o prémio de assiduidade, ainda que, em concreto, o não tivesse auferido (aliás, e diga-se, no caso o sinistrado apenas havia sido admitido ao serviço da ré empregadora aos 10.03.2008, sendo que o acidente logo ocorreu aos 09.05.2008). Se é certo que o prémio de assiduidade não foi pago (ainda que, porventura, pelo facto de não se terem verificado os pressupostos do seu pagamento), a verdade é que, repete-se, a obrigação do seu pagamento foi acordada entre as partes, sendo que nada impedia o A. de, posteriormente, o vir a receber por observância dos pressupostos do seu pagamento.
Importa, ainda, esclarecer que não estamos, no caso, perante retribuição de montante variável a que se houvesse que recorrer, para o apuramento do seu valor, a qualquer média mensal.
E, assim sendo, como se nos afigura que é, o montante da retribuição para efeitos do cálculo das prestações devidas ao A. em consequência do acidente de trabalho deverão integrar, também, o prémio de assiduidade no montante mensal de €50,00 x 11 meses, deste modo procedendo as conclusões do recurso.

4. Uma vez que tal parcela retributiva não se encontrava transferida para a Ré Seguradora (cfr. nº 6 dos factos provados), é a Ré empregadora a responsável pelo pagamento das prestações na parte correspondente ao montante desse prémio – art. 37º, nº 3, da Lei 100/97.
Considerando os períodos de incapacidade temporária absoluta (ITA) e parcial (ITP) referidos no nº 3 dos factos provados, bem como o disposto no art. 17º, nº 1, als. e) e f), da Lei 100/97, tem o A. direito, a título de indemnização à quantia global de €106,23 (indemnização diária de 1,17[4] x 87 dias de ITA + 1,17 x 25% ITP x 4 dias + 1,17 x 10% ITP x 28 dias).
Nos termos do disposto na al. d) do nº 1 do citado art. 17º e atenta a IPP de 2%, tem ainda direito, com efeitos a partir de 09.09.2008, dia imediato ao da alta definitiva (art. 17º, nº 4, da LAT), ao capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de €7,7 (50,00 x 11 meses x 70% x 2%).
Sobre as referidas prestações (indemnização e capital de remição) são devidos juros de mora, à taxa lega, desde a data da citação, o peticionado, até integral pagamento.

Resta esclarecer, para que dúvidas não restem, que o ora decidido não prejudica a sentença recorrida na parte não impugnada e que, nessa parte, transitou em julgado, ou seja, na parte em que condenou a Ré Seguradora nas prestações nela previstas.
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IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, em consequência do que se decide, na parte impugnada, revogar a sentença recorrida, condenando-se agora a Ré, D…, Ldª, a pagar ao A., B…, a quantia de €106,23 a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, bem como, com efeitos a partir de 09.09.2008, o capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de €7,70 (sete euros e setenta cêntimos), tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

Fixa-se à acção o valor de €2.455,50.

Custas, na 1ª instância, pelas RR Seguradora e empregadora.
Custa do recurso pela Recorrida empregadora.

Porto, 23.05.2011
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
António José da Ascensão Ramos
José Carlos Dinis Machado da Silva
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[1] A impressão do despacho que deferiu a reclamação foi por nós ordenada conforme despacho de fls. 184, já que aquele não constava do suporte em papel do processo que foi enviado a esta Relação.
[2] Sublinhado constante da clª transcrita.
[3] Cabe repetir que, quanto a este facto, não foi ele levado à base instrutória, nem aditado pelo tribunal a quo, razão pela qual a 1ª instância sobre ele não se pronunciou. Daí que se, porventura, fosse ele tido por relevante, impor-se-ia a anulação do julgamento com vista à ampliação da matéria de facto.
[4] €50,00 : 30 x 70%.
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SUMÁRIO
I. Para efeitos de reparação infortunística há que atender à retribuição abstractamente convencionada entre as partes, independentemente da assiduidade do trabalhador.
II. Tendo as partes convencionado o pagamento de um prémio de assiduidade por cada mês completo de serviço, este integra o conceito de retribuição para efeitos da reparação infortunística independentemente de, em concreto, o sinistrado o não ter auferido em algum ou alguns dos meses por virtude da sua falta de assiduidade.

Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho