Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA | ||
| Descritores: | ACTIVIDADE PERIGOSA PRESUNÇÃO DE CULPA TAUROMAQUIA | ||
| Nº do Documento: | RP20220912231/17.5T8PNF.P1 | ||
| Data do Acordão: | 09/12/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Uma garraiada à vara larga, na qual se utilizam varas de cerca de três metros e com uma ponta metálica (para picar os touros) é uma atividade perigosa, enquadrável na previsão do n.º 2 do artigo 493 do CC. II - Este preceito estabelece uma presunção, ainda que não de causalidade. Mas a causalidade fica demonstrada se as grades da arena permitiam a passagem das varas de picar e o autor (que estava fora da arena), foi atingido por dessas varas de picar, projetada de dentro da arena. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2231/17.5T8PNF.P1 Recorrentes - AA (Apelação 1) e BB (Apelação 2) Recorrido (em ambos os recursos) – CC Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Mendes Coelho. Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I - Relatório CC instaurou a presente ação e, demandando DD, AA e EE, pediu a condenação solidária dos réus a pagar-lhe a quantia global de, pelo menos, 125.142,32€, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais descritos na petição, e bem assim, na quantia que se venha a liquidar em execução de sentença referente aos danos e prejuízos decorrentes de tratamentos, despesas de transporte, despesas médicas e medicamentosas posteriores à instauração da ação, tudo acrescido dos juros à taxa legal, sobre os montantes peticionados, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento. Para tanto e em síntese, alega que, os réus, os 1.º a 3.º enquanto organizadores do evento e a 4.ª enquanto proprietária do local onde o mesmo se realizou, sabiam que, nas circunstâncias de tempo e lugar indicadas na petição, não estavam asseguradas as condições mínimas de segurança para o desenvolvimento do evento/garraiada, tratando-se de uma atividade perigosa, por natureza e pelos meios utilizados, designadamente, não estavam asseguradas as condições mínimas de segurança no que respeita ao local destinado aos espetadores daquela atividade. Os réus sabiam que, ao utilizarem no seu interesse, próprio e comum, aqueles touros, que estavam sob a sua detenção e vigilância, de grande porte, violentos e perigosamente reativos às picadas que constantemente lhe eram desferidas na garraiada, ao utilizarem varas em madeira, com mais de três metros de comprimento e extremidades em pontas de aço, estavam a promover, realizar e permitir uma atividade de natureza perigosa, quer pela atividade per si mesma, quer pelos meios utilizados, com forte possibilidade e probabilidade de causar dano, sendo maior essa possibilidade e probabilidade do que a normalmente derivada de outras atividades. O conhecimento dessa possibilidade e probabilidade de causar dano é exponenciada no seu máximo, porquanto os réus bem sabiam que os espetadores não estavam protegidos e seguros por qualquer forma, regra de segurança, que medianamente se exigia, para evitar que pudessem ser atingidos pelas varas de grande dimensão. Bem sabiam os réus que estes factos poderiam originar lesões graves para a integridade física dos espetadores, nomeadamente do autor, incluindo perigo para a vida, mas conformaram-se com tal resultado, permitindo e contribuindo para a sua realização e incentivando o público a ali comparecer. Não obstante o conhecimento dos factos referidos, para o qual todos contribuíram sem que fosse garantida a segurança dos espetadores, os 1.º a 3.º réus quiseram organizar e realizar a referida garraiada, como membros da comissão organizadora, e a 4.ª ré, como proprietária/possuidora/administradora do terreno onde o evento foi realizado, permitiu que isso acontecesse. Os réus previram que as varas de madeira atiradas e largadas na aludida garraiada que organizaram, realizaram e permitiram, poderiam atingir alguém do público que ali se encontrasse, ferindo-o gravemente, mas aceitaram tal consequência, não tendo cuidado de assegurar que, naquele local, hora e circunstâncias estivessem reunidas as mínimas condições de segurança para os espetadores. Pela respetiva obrigação de pagamento/indemnização respondem os 1.º a 4.º réus, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 483 e ss., 499 e ss. do Código Civil (CC), e solidariamente por serem responsáveis civis pelos danos causados ao autor, nos termos dos artigos 497 e 507 do CC. Citados, os réus contestaram. Os réus DD e BB apresentaram contestação conjunta, aceitando terem sido organizadores do evento alegado pelo autor, mas acrescentando que o foram juntamente com os restantes réus e (ainda) com FF e GG, contra quem deduziram incidente de intervenção principal provocada como seus associados. No mais, impugnam os factos alegados pelo autor, sustentam que cumpriram todas as exigências de segurança no evento em questão e imputam a sua ocorrência à conduta ilícita e culposa do autor, alegando que o mesmo não cumpriu com as regras de segurança que estavam implementadas no local. Mais suscitam a falsidade do 1.º vídeo apresentado pelo autor como doc. n.º 7, alvitrando a manipulação e inexatidão do mesmo por parte do autor. Pugnam pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido. O réu AA arguiu a sua ilegitimidade processual passiva e negou perentoriamente ter pertencido à organização ou à comissão organizadora do evento, aceitando que ajudou a montar a arena e ajudou a recolher donativos no dia da garraiada, o que fez a pedido do réu DD, mas a título gratuito, tendo entregue a este os donativos que recolheu. Mais alega que o gado bovino sempre esteve à guarda e vigilância do respetivo proprietário, que não eram os réus, e não à guarda e vigilância destes. Alega que não presenciou o acidente, impugnando a dinâmica alegada pelo autor, assim como os danos. Pugna pela procedência da exceção dilatória e, para o caso de não ser esse o entendimento, pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido. A ré EE impugnou os factos alegados pelo autor, sustentando que não anuiu ou colaborou na organização do evento e que, à data do mesmo, sequer era a proprietário do prédio onde o evento foi realizado, pois que, em 28.11.2013, o vendeu à Fábrica de Igreja Paroquial da Freguesia .... Arguiu a exceção da sua ilegitimidade processual passiva. Por fim, arguiu a falsidade da assinatura do documento n.º 2 junto com a petição inicial, que lhe foi imputada pelo autor. Pugna pela procedência da exceção dilatória e a sua absolvição da instância e, para o caso de não ser esse o entendimento, pugna pela improcedência da ação e pela sua consequente absolvição do pedido. O autor apresentou articulado de resposta, no qual defendeu a improcedência das exceções processuais de ilegitimidade, reiterou a versão descrita na petição inicial e negou a existência de qualquer conduta ilícita e culposa da sua parte haja contribuído para o sinistro. Nesse articulado, o autor não deduziu oposição ao incidente de intervenção principal provocada deduzido pelos réus DD e BB e igualmente provocou o mesmo, dirigindo contra os chamados os pedidos da petição inicial. Mais requereu a intervenção principal provocada da Fábrica de Igreja Paroquial da Freguesia ..., do concelho de Amarante, a título de pluralidade subjetiva, a fim da chamada intervir nos autos como ré, a título subsidiário, relativamente à qual pretende, no caso de improcedência do pedido formulado contra a 4.ª ré, que a chamada seja condenada nos exatos termos peticionados no pedido apresentado. Alega ainda que o 1.º vídeo, apresentado como doc. n.º 7, não foi manipulado, antes sendo verdadeiro. Os incidentes de intervenção de terceiros vieram a ser admitidos e foram citados todos os chamados. Os chamados GG e FF apresentaram contestação conjunta, excecionando a sua ilegitimidade processual passiva e negando a sua participação na organização ou na comissão organizadora da garraiada em questão, aceitando, apenas, que o réu DD lhes pediu ajuda para montar a vedação da arena. Mais alegam que o chamado FF sequer assistiu ao evento e o gado não estava sob a vigilância dos réus ou dos chamados, mas sim do seu proprietário que era quem o soltava e recolhia. Alegam ainda que não viram o acidente, pelo que impugnam a sua dinâmica e os danos alegados pelo autor. Pugnam pela procedência da exceção e pela sua absolvição da instância, mas, para o caso de não ser esse o entendimento, pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido. O Conselho Paroquial para os Assuntos Económicos, anteriormente designada de Fábrica de Igreja Paroquial da Freguesia ..., apresentou contestação, arguindo a sua ilegitimidade processual passiva e alegando que não colaborou com o evento e não foi questionada sobre a ocupação do seu prédio para a realização do mesmo evento. Mais impugna a maior parte dos factos alegados pelo autor. Pugna pela procedência da exceção dilatória e pela sua absolvição da instância e, para o caso de não ser esse o entendimento, pela improcedência da ação e pela sua consequente absolvição do pedido. O autor respondeu a estas contestações, mantendo a sua versão dos factos que inicialmente apresentou. Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual se conheceu das exceções dilatórias de ilegitimidade processual, que foram julgadas improcedentes; se afirmou a validade e regularidade da instância; se fixou o objeto do litígio e se selecionou os factos assentes e os temas da prova. Nesta diligência, pelo réu BB foi junto aos autos o documento de fls. 255. Através do requerimento com a referência 30586036, os chamados GG e FF impugnaram o referido documento reputando-o de falso. Através do requerimento com a referência 30590113, o réu AA impugnou o referido documento reputando-o de falso. O réu BB, a fls. 382, pugnou pela sua veracidade e requereu a condenação do réu AA e dos chamados GG e FF como litigantes de má-fé. Nessa sequência, os chamados GG e FF, a fls. 400 e 401 dos autos, requereram a condenação do réu BB como litigante de má-fé. Através do requerimento com a referência 34871536, o réu BB pediu a condenação do autor como litigante de má-fé por alegadamente ter junto aos autos um vídeo falso. Em resposta, o autor, a fls. 742 e 743 dos autos, veio requerer a condenação como litigante de má-fé do réu BB por ter faltado à verdade quando argui a falsidade do 1.º vídeo, junto pelo como doc. n.º 7. Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal e foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Das questões incidentais: Pelo exposto, decide-se: a) julgar procedente o incidente de impugnação da veracidade da assinatura imputada à ré EE vertida no documento n.º 2 junto com a petição inicial; b) julgar improcedente o incidente de impugnação da exatidão do primeiro vídeo constante do documento n.º 7 junto com a petição inicial; c) julgar procedente o incidente de impugnação da veracidade do documento junto aos autos a fls. 255 pelo réu BB. Custas do incidente referido na al. a) a cargo do autor. Custas do incidente referido em b) a cargo dos respetivos impugnantes. Custas do incidente referido em c) a cargo do réu BB. * Do mérito da ação:Pelo exposto, julgando-se parcialmente procedente a ação, decide-se: a) condenar solidariamente os réus DD, AA e BB, a pagar ao autor CC a quantia de €43.183,96 (quarenta e três mil cento e oitenta e três euros e noventa e seis cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, vencidos e vincendos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento; b) condenar solidariamente os réus DD, AA e BB, a pagar ao autor CC a quantia de €30.000,00 (trinta mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, vencidos e vincendos desde a data da prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento; c) condenar solidariamente os réus DD, AA e BB, a pagar ao autor CC a quantia que se liquidar em liquidação de sentença respeitante às despesas com consultas de oftalmologia de vigilância e com o transporte para a mesma que se tiverem verificado após a entrada em juízo da presente acção; d) absolver de todos os pedidos a ré EE e os chamados GG, FF e Fábrica de Igreja Paroquial da Freguesia ..., agora designado Conselho Paroquial para os Assuntos Económicos; e) absolvem-se os réus AA e BB, os chamados e o autor dos pedidos de condenação dos mesmos como litigantes de má-fé. Custas da acção a cargo do autor e dos réus DD, AA e BB, na proporção do respetivo decaimento. Registe e notifique. Remeta ao Ministério Público cópia certificada da presente sentença, com nota de que a mesma ainda não transitou em julgado, e das atas de julgamento, para os fins tidos por convenientes, designadamente no que se refere aos depoimentos de parte prestados pelos réus DD, BB e AA, aos depoimentos prestados pelas testemunhas HH, II e JJ, e bem assim quanto à apurada falsificação da assinatura do documento n.º 2 junto com a petição inicial”. II – Dos Recursos II.I - Inconformado, o réu AA veio apelar, e pretende a revogação da sentença e que a ação seja julgada totalmente improcedente e o apelante absolvido do pedido. Formula as seguintes Conclusões: ………………………………………………………………… ………………………………………………………………… ………………………………………………………………… II.II – Igualmente inconformado com a sentença, o réu BB veio também apelar, pretendendo a revogação da decisão proferida e substituída por outra, nos termos das conclusões apresentadas. Formula, para tanto, as seguintes Conclusões: ………………………………………………………………… ………………………………………………………………… ………………………………………………………………… O autor respondeu a ambos os recursos e relativamente a ambos sustentou a improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e a consequente confirmação da sentença. Em relação ao recurso interposto pelo réu BB (Apelação 2), o recorrido acrescenta que a alegada violação do disposto nos artigos 411 e 526 do CPC “é flagrantemente destituída de fundamento”, tanto mais que o apelante “optou por prescindir da inquirição das testemunhas por si arroladas” e não requereu qualquer outra inquirição. Os recursos foram recebidos nos termos legais e os autos correram Vistos. Nada se observa que obste à apreciação do mérito das apelações, cujo objeto, atentas as conclusões formuladas, na apelação 1 é a) saber se deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto, concretamente os pontos 3, 8 a 13, 26, 39 e 40, com as consequências daí decorrentes e saber se b) independentemente da pretendida alteração da decisão relativa à matéria de facto, o recorrente devia ter sido absolvido do pedido, porquanto não lhe foi atribuída a autoria dos factos ilícitos e não se mostram, quanto a si, verificados os pressupostos relativos à responsabilidade civil. Quanto à apelação 2, importa saber se a) deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto, concretamente, eliminados ou modificados os factos constantes dos pontos 6, 21, 22, 24, 30, 31, 33 e 40 dos factos dados como provados e os pontos 6, 24, 25, 26, 28, 29, 31 e 35 dos factos dados como não provados e ainda b) se o tribunal violou o disposto nos artigos 411 e 526 do Código de Processo Civil (CPC) e c) Fez uma incorreta aplicação do disposto nos artigos 493 e 570 do Código Civil (CC). III - Fundamentação III.I – Fundamentação de facto III.I.I – Da invocada violação do disposto nos artigo 411 e 526 do CPC Antes de apreciarmos a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, suscitada em ambos os recursos, importa conhecer da questão suscitada na Apelação 2 (ponto b) do objeto deste recurso), que se prende com a eventual violação do disposto nos artigos 411 e 526 do CPC [Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer e Quando, no decurso da ação, haja razões para presumir que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, deve o juiz ordenar que seja notificada para depor]. O apelante BB, na sua conclusão JJ) vem sustentar que, “tendo o tribunal tomado conhecimento da existência de outras testemunhas em melhor posição ou com melhor conhecimento de causa para apurar factos alegados pelos réus, nomeadamente no que diz respeito ao local onde o autor veio a ser atingido com a vara, assim como às advertências que lhe foram feitas e que desrespeitou, deveria ter lançado mão da faculdade dos artigos 411 e 526 do CPC para ordenar a notificação das mesmas, a fim de as ouvir como testemunhas”. O recorrido, por seu turno, veio dizer, além do mais e ora em síntese, que a alegada violação do disposto nos artigos 411 e 526 do CPC “é flagrantemente destituída de fundamento”, tanto mais que o apelante “optou por prescindir da inquirição das testemunhas por si arroladas” e não requereu qualquer outra inquirição. Como é sabido, o artigo 411 do CPC consagra o princípio do inquisitório, igualmente aflorado no artigo 526 do mesmo diploma, devendo ter-se presente, no entanto, “que o ativismo judiciário deve ser moderado pela intervenção de outros princípios (como o do dispositivo ou o da autorresponsabilidade das partes) ou de outras regras que implicam o tratamento igualitário das partes e servem para assegurar a equidistância do tribunal”, ou seja, a intervenção oficiosa do tribunal tem “natureza complementar relativamente ao ónus da iniciativa da prova que impende sobre cada uma das partes, não podendo servir para superar, de forma automática falhas processuais”[1]. Com efeito, e como refere Paulo Pimenta[2], “não seria próprio as partes confiarem em exclusivo nos poderes inquisitórios do tribunal, esperando que fosse o juiz a determinar toda e qualquer diligência de prova, o que redundaria, as mais das vezes, num exercício errático e infrutífero, por falta de um critério mínimo para tal”. No caso presente, o apelante não vem discordar de qualquer despacho que lhe haja indeferido algum requerimento probatório, expresso, ou sequer haja desatendido a sugestão de audição de outras testemunhas. Efetivamente, apenas em sede de recurso, e, nas suas conclusões, de modo genérico, o apelante suscita a questão da oficiosa inquirição de testemunhas, defendendo agora um complemento instrutório que anteriormente não suscitou, ao longo do julgamento, tendo até prescindido – como salienta o recorrido – de alguma da sua prova testemunhal. Note-se que, se o apelante pretendesse, oportunamente, a inquirição oficiosa de alguma testemunha e tal lhe fosse negado pelo tribunal recorrido, esta decisão estaria “sujeita a apelação interlocutória, nos termos do art. 644.º, n.º, al. d), o que permite confrontar imediatamente a Relação com a verificação dos requisitos de que a lei faz depender a iniciativa”[3]. Em suma, e concluindo, não se verifica a violação da normas processuais invocadas. III.I.II – Da impugnação da matéria de facto Consideramos que ambos os recorrentes cumpriram o ónus de quem impugna a decisão relativa à matéria de facto (artigo 640 do CPC), cumprindo, por isso, proceder à reapreciação da prova, relativamente a ambos os recursos. Na apelação 1, o réu AA considera que devem ser alterados os pontos de facto 3, 8 a 13, 26, 39 e 40 [3. A assinatura correspondente ao nome de EE constante do documento referido foi ali aposta pelo punho do réu AA. 8. Os 1.º a 3.º réus, em proveito próprio, decidiram e quiseram organizar uma garraiada de touros à vara larga, no Lugar ..., da freguesia ..., ..., concelho de Amarante, a realizar no dia 17 de agosto de 2014. 9. Os 1.º a 3.º réus formaram um grupo ad hoc, que denominaram de Comissão de Festas em Honra .... 10. O referido evento foi organizado pelos 1.º a 3.º réus. 11. O evento foi objeto de publicidade, a qual foi realizada a mando dos 1.º a 3.º réus, com a divulgação do dia, hora, local e conteúdo do programa, apelando à presença de populares. 12. Foi requisitada a presença dos Bombeiros Voluntários de Amarante e da Guarda Nacional Republicana de Amarante. 13.E feito um contrato de seguro, de Responsabilidade Civil de exploração, organização de eventos tauromáquicos, com a F... - Companhia de Seguros, S.A., pessoa coletiva n.º ..., com sede no Largo ... Lisboa. 26. Em intervalos de aproximadamente 5 minutos, os touros, animais de grande porte, com hastes, que estavam sob vigilância e poder do seu proprietário, a quem o réu DD, com o acordo prévio dos réus AA e BB, tinha contratado os serviços e os animais para o evento em questão, eram individualmente soltos por toda a arena por aquele proprietário a mando e em conformidade com o previamente acordado com aqueles Réus, que, desta forma e nos moldes dados como provados, utilizaram aqueles animais no evento em questão. 39. Os réus DD, AA e BB sabiam que a garraiada é uma atividade que comporta riscos. 40. E representaram como possível que, no local, hora e circunstâncias descritas, podiam não estar reunidas todas as condições de segurança para o desenvolvimento da descrita garraiada, em virtude também da ausência de delimitação de um perímetro de segurança à volta da arena e até às barreiras metálicas que a delimitava, representando que, em virtude disso, os espetadores poderiam não estar protegidos e podiam vir a sofrer danos, mas não se conformaram com esse resultando, acreditando que tudo iria decorrer sem incidentes], sustentando que a “prova produzida (ou melhor, a falta dela), impõe considerar que o recorrente não falsificou qualquer assinatura, não organizou a garraiada, não existiu e, por maioria de razão, perante isso, como é lógico, também nunca poderia ter participado de uma organização ad hoc para a realização da garraiada, apenas tendo ajudado o organizador da garraiada, o réu DD, nem prestou essa ajuda obtendo qualquer benefício, bem pelo contrário, não mandou publicitar a garraiada, não fez qualquer seguro, nunca teve, nem tinha de ter sob a sua posse, domínio, vigilância e poder os animais, não contratou os serviços do proprietário dos animais, não tratou nem mandou tratar de qualquer formalidade para a obtenção de licença para o evento”. O recorrente pretende que o ponto de facto (dos factos dados como provados) n.º 3 seja considerado não provado e, quanto aos demais factos que impugna, os “julgados como provados sob o n.ºs 8 a 11, 26, 39 e 40, dir-se-á que atendendo à prova produzida, máxime a confissão dos 1.º e 3.º réus, apenas estes devem constar do texto pelo que deveriam ficar com a seguinte redação: 8. Os 1.º e 3.º réus, em proveito próprio, decidiram e quiseram organizar uma garraiada de touros à vara larga, no Lugar ..., da freguesia ..., ..., concelho de Amarante, a realizar no dia 17 de agosto de 2014. 9. Os 1.º e 3.º réus formaram um grupo ad hoc, que denominaram de Comissão de Festas em Honra .... 10. O referido evento foi organizado pelos 1.º e 3.º réus. 11. O evento foi objeto de publicidade, a qual foi realizada a mando dos 1.º e 3.º réus, com a divulgação do dia, hora, local e conteúdo do programa, apelando à presença de populares. 26. Em intervalos de aproximadamente 5 minutos, os touros, animais de grande porte, com hastes, que estavam sob vigilância e poder do seu proprietário, a quem o réu DD, com o acordo prévio do réu BB, tinha contratado os serviços e os animais para o evento em questão, eram individualmente soltos por toda a arena por aquele proprietário a mando e em conformidade com o previamente acordado com aqueles réus, que, desta forma e nos moldes dados como provados, utilizaram aqueles animais no evento em questão. 39. Os réus DD e BB sabiam que a garraiada é uma atividade que comporta riscos. 40. E representaram como possível que, no local, hora e circunstâncias descritas, podiam não estar reunidas todas as condições de segurança para o desenvolvimento da descrita garraiada, em virtude também da ausência de delimitação de um perímetro de segurança à volta da arena e até às barreiras metálicas que a delimitava, representando que, em virtude disso, os espetadores poderiam não estar protegidos e podiam vir a sofrer danos, mas não se conformaram com esse resultando, acreditando que tudo iria decorrer sem incidentes” e, relativamente aos pontos 12., 13. e 36, deveria constar o seguinte texto: 12. Foi requisitada, pelo réu DD, a presença dos Bombeiros Voluntários de Amarante e da Guarda Nacional Republicana de Amarante. 13. E feito um contrato de seguro, pelo réu DD, de Responsabilidade Civil de exploração, organização de eventos tauromáquicos, com a F... - Companhia de Seguros, S.A., pessoa coletiva n.º ..., com sede no Largo ... Lisboa. 36. O referido requerimento dirigido ao Município, pelo réu DD, foi acompanhado da declaração referida em 1 dos factos provados”. Por seu turno, na apelação 2, o réu BB pretende que sejam alterados (eliminados ou provados/alterados) os factos constantes dos pontos de facto dados como provados com os n.ºs 5[4], 21, 22, 24, 30, 31, 33 e 40 [5. O referido vídeo reporta-se à captação de imagens da garraiada ocorrida em 17/08/2014. 21. O espaço afeto aos espetadores era todo o exterior circundante às barreias que formavam a arena. 22. Sem que existissem espaços vedados ao público ou zonas de segurança até à arena. 24. Nem qualquer aviso prévio ou sinalização para zonas de segurança ou para a perigosidade da atividade e dos meios utilizados. 30. O autor manteve-se sempre na assistência, do lado exterior da arena. 31. Aí colocado a assistir à garraiada e já a mais de metro e meio de distância da arena, por volta das 18h45, o Autor foi surpreendido pelo arremesso de uma vara de madeira, após esta ter sido projetada/empurrada pelo touro que naquele instante estava a ser “garraiado”. 33. Ao ser atingido, o autor caiu inanimado no solo, tendo ficado momentaneamente em estado inconsciente. 40. E representaram como possível que, no local, hora e circunstâncias descritas, podiam não estar reunidas todas as condições de segurança para o desenvolvimento da descrita garraiada, em virtude também da ausência de delimitação de um perímetro de segurança à volta da arena e até às barreiras metálicas que a delimitava, representando que, em virtude disso, os espetadores poderiam não estar protegidos e podiam vir a sofrer danos, mas não se conformaram com esse resultando, acreditando que tudo iria decorrer sem incidentes] e os constantes dos pontos de facto dados como não provados com os n.ºs 6, 24, 25, 26, 28, 29, 31 e 35 [6. O 2.º vídeo constante do documento n.º 7 junto com a petição inicial se reportasse à captação de imagens da garraiada ocorrida em 17/08/2014. 24. Na garraiada em causa nos autos, realizada nas circunstâncias de tempo, lugar e modo descritas nos factos provados, os réus tivessem colocado ou mandado colocar, após as barreiras de metal, o recinto vedado por uma fita vermelha, a cerca de 2 metros de distância da barreira metálica existente. 25. Só após essa fita vermelha é que os espetadores podiam assistir ao espetáculo em segurança. 26. A zona de segurança estivesse bem delimitada e definida, à vista de todos os espetadores. 28.O Autor não estivesse estado sempre na zona de segurança, demarcada para o público. 29. O Autor tivesse atravessado a fita vermelha até colocar-se pendurado na barreira metálica, bem como tocar com a mão na cabeça dos animais. 31. Todos os avisos tivessem sido infrutíferos. 35. Tivesse sido, nesse momento, e nessa zona, dentro da área de segurança, ou seja, entre a barreira metálica e a fita vermelha, que o Autor foi atingido pela vara de madeira]. O recorrente BB pretende que “Os factos provados sob o n.ºs 6, 21, 22 e 24 devem ser eliminados. O facto não provado com o n.º 6[5] deve ser eliminado e incluído um novo facto no elenco dos factos provados com o seguinte teor: “O 2.º vídeo constante do documento n.º 7 junto com a petição inicial reporta-se à captação de imagens da garraiada ocorrida em 17/08/2014”. Devem ser eliminados os factos não provados n.ºs 24, 25 e 26 e incluídos novos factos à listagem de factos provados, com o seguinte teor: a. “Na garraiada em causa nos autos, realizada nas circunstâncias de tempo, lugar e modo descritas nos factos provados, os réus colocaram ou mandaram colocar, após as barreiras de metal, o recinto vedado por uma fita vermelha, a cerca de 2 metros de distância da barreira metálica existente”; b. “Só após essa fita vermelha é que os espetadores podiam assistir ao espetáculo em segurança”; c. “A zona de segurança estava bem delimitada e definida, à vista de todos os espetadores”. O facto provado n.º 40 deve ser também eliminado (...) deve ser alterado o facto provado n.º 24, passando a ter a seguinte redação: “24. No local e durante o evento, foram feitas várias advertências sonoras para que o público não ultrapassasse a barreira de segurança (fitas vermelhas) e não se encostasse às grades” (...) deve ser eliminado o facto provado com o n.º 33” (...) Devem assim os factos provados n.ºs 30 e 31 ser eliminados, assim como os factos não provados com os n.ºs 28, 29, 31 e 35, aditando-se ao elenco dos factos provados os seguintes: a. “O Autor não esteve sempre na zona de segurança, demarcada para o público”; b. “O Autor atravessou a fita vermelha até colocar-se pendurado na barreira metálica, bem como a tocar e a dar palmadas com a mão na cabeça do animal”; c. “O Autor ignorou todos os avisos para se manter fora do perímetro de segurança, assim como para não se aproximar das grades metálicas”; d. “O Autor foi atingido pela vara de madeira quando se encontrava dentro da área de segurança, entre a barreira metálica e a fita vermelha”.” Não estando em causa, nas impugnações ou na reapreciação da prova, os factos relativos aos danos[6] atentemos, desde já, na fundamentação da decisão relativa à matéria de facto, no que à restante factualidade respeita: “No que se refere às admissões efetuadas pelos depoimentos de parte prestados pelos réus DD, AA e BB, e bem assim no tocante às admissões efetuadas pelos chamados FF e GG (tudo vertido em assentada – fls. 814 a 825 – ata da sessão de julgamento do dia 25.05.2021), existindo entre todos um litisconsórcio voluntário, as mesmas só foram consideradas eficazes restringidas ao interesse de cada confitente, tendo apenas, nessa medida, feito prova plena dos factos que cada um deles confessou apenas contra o seu próprio interesse (cfr. arts. 353 e 358, n.º 1, do CC). No mais, quanto às admissões efetuadas pelos referidos réus e chamados que, naquele contexto, não produziram confissão integral e sem reservas, porque afetavam não apenas o seu próprio interesse, como também o interesse dos restantes e por estes não admitidos, as mesmas serão valoradas de acordo com a livre convicção deste Tribunal e de forma conjugada com os demais elementos de prova (cfr. art. 361 do CC). Por fim, os depoimentos de parte prestados pela ré EE e pelo autor não produziram qualquer admissão suscetível de valer como confissão integral e sem reserva de algum dos factos que lhes eram desfavoráveis ou de ser valorada livremente pelo tribunal, nos termos do art. 361 do CC.* Assim, quanto aos factos controvertidos (quer respeitantes ao mérito quer respeitantes aos incidentes), o tribunal formou a sua convicção na análise (...) dos depoimentos de parte dos réus DD, AA e BB, e dos chamados FF e GG, das declarações de parte do autor, dos depoimentos de todas as testemunhas ouvidas, de todos os documentos juntos aos autos, designadamente daqueles que foram objeto do referido incidente, e de forma muito relevante das provas periciais realizadas (cfr. perícia e relatório à assinatura imputada à ré EE e perícia realizada ao 1.º vídeo vertido no documento n.º 7 junto com a petição inicial e esclarecimentos escritos, a fls. 683 a 689, 734 a 736 e 945). (...) essas divergências inconciliáveis ocorrem apenas no que se refere à identidade dos organizadores da garraiada, à existência ou não de perímetro de segurança à volta da arena e de outros avisos de segurança e à existência ou não de um comportamento temerário por parte do autor, designadamente daquele que lhe era imputado pelos réus DD e BB na sua contestação (...) quanto aos factos e matérias onde as apontadas divergências ocorreram e/ou relacionadas com os documentos objeto daqueles incidentes, importa tecer as seguintes considerações: Quanto ao proprietário do terreno onde a garraiada de 17/08/2014 foi realizada, à existência ou não de autorização e conhecimento por parte do próprio sobre as sua realização e condições, dúvidas não existem que a ré EE já não era a proprietária do terreno, porquanto o havia vendido (...) Por outro lado, o documento n.º 2 seria o único meio de prova suscetível de envolver/comprometer a ré EE. Porém, resulta da prova pericial realizada à assinatura imputada à ré EE vertida nesse documento que é praticamente improvável que essa assinatura tivesse sido ali aposta pelo próprio punho (...) Por outro lado, o réu DD confessou, quer no seu articulado de contestação quer no seu depoimento de parte, que o documento em causa foi por ele utilizado para instruir o processo de licenciamento do recinto junto da Câmara Municipal, o que também resulta da documentação de fls. 469 a 525 (...) Avançando, agora, para as respostas de facto dadas à questão de saber quem foram os organizadores do presente evento, importa dizer que o documento de fls. 255 dos autos é um documento particular que não está assinado por ninguém, pelo que a sua força probatória terá de ser apreciada livremente pelo tribunal, nos termos do art. 366 do CC. O referido documento foi junto aos autos pelo réu BB com o objetivo de provar a identidade dos organizadores do evento em causa nos autos, tendo tal documento sido reputado de falso por parte do corréu AA e dos chamados GG e FF. Assim, incumbiria ao réu BB a demonstração da genuinidade e veracidade daquele documento. Porém, a prova produzida, quer documental quer testemunhal, é manifestamente insuficiente para demonstrar a veracidade de tal documento, e bem assim para conferir certezas de que se tratou do documento que foi utilizado para publicitar o evento em causa. Na verdade, não há prova documental nesse sentido (repare-se que as data da anunciada festa vertida no documento de fls. 383 dos autos nada tem que ver com a data do evento em causa) e nenhuma das testemunhas ouvidas revelou conhecimento sobre aquela correspondência (...) Porém, a participação dos réus DD e BB na organização do evento em questão foi confessada pelos próprios, quer nas suas contestações quer em sede de depoimento de parte. A prova testemunhal é, também, ela imprestável para a formação de uma convicção segura sobre esta matéria, porquanto o conhecimento que a maior parte das testemunhas revelaram não era suficiente a suportar determinadas conclusões que algumas dessas testemunhas retiraram, ou seja, a sua razão de ciência não era bastante (e isto vale quer para as testemunhas que concluíram que os réus e chamados pertenciam à organização quer para a testemunha KK que, sem razão de ciência bastante, afirmou que o réu AA não fez parte da organização). Na verdade, muitas dessas testemunhas assistiram à montagem da arena e verificaram o auxílio prestado não só pelos réus e chamados, como também por outros populares, não tendo conhecimento, contudo, de mais nenhum facto relevante que lhes permitisse afirmar que uns pertenciam à organização e outros não, apesar de todos juntamente com outros populares terem auxiliado na montagem daquela arena, sem que isso seja bastante para, sem mais, os transformar em organizadores da garraiada. E apenas a testemunha II referiu um facto que, a ser verdadeiro, poderia efetivamente suportar a conclusão de que todos, réus e chamados, pertenciam à organização do evento, a saber o facto de alegadamente essa comissão ter dado a volta à arena antes da garraiada começar. No entanto, esta foi a única testemunha a afirmar tal situação, em contradição clara com o que a este respeito foi afirmado pela testemunha LL, o que nos permite duvidar da veracidade do depoimento da testemunha II. Já a testemunha MM, mulher do chamado GG, é claramente interessada no desfecho da causa no que se refere ao mesmo, pelo que o seu depoimento não nos merece credibilidade. No entanto, a conjugação da prova documental, pericial e dos próprios depoimentos de parte, suporta indícios relevantes que permitem um juízo de inferência, necessariamente suficiente ou bastante, da participação do réu AA na organização do evento em questão, mas já não os comporta no que se refere aos chamados FF e GG. Na verdade, da análise pericial comparativa da assinatura constante do documento n.º 2 junto com a petição inicial com a letra e assinatura dos réus DD, BB e AA, concluiu-se ser provável que essa assinatura tenha sido aposto pelo punho do réu AA, com um grau de probabilidade compreendido entre > 50 e < 70%, e ser pouco provável que essa assinatura tenha sido aposta pelo punho dos réus DD e BB, o que corresponde a um grau de probabilidade entre > 30 e < 50% (cfr. relatórios periciais de fls. 586 a 621 e 659 a 670). Este resultado pericial permite um juízo de inferência, necessariamente suficiente ou bastante, de que foi o réu AA que apôs com o seu próprio punho a assinatura vertida no documento n.º 2 e que era imputada à ré EE (cfr. art. 351.º do CC). O que importa uma implicação e empenho do réu AA na organização do evento em causa que, em termos de regras da experiência comum, não é compatível e confundível com um mero auxílio, mas antes compatível e com aquela função de organizador. Conjugadamente, há prova documental nos autos que comprova que, para a realização deste evento, o réu DD celebrou com a F... um contrato de seguro, de Responsabilidade Civil de exploração, organização de eventos tauromáquicos, no qual aquele réu assume a qualidade de tomador e segurado, e celebrou três seguros de acidentes pessoais, cujos segurados eram os 1.º a 3.º réus, de que todos tinham conhecimento e aceitaram como os próprios confessaram. Nestes últimos seguros não foram englobadas outras pessoas que, de acordo com os próprios depoimentos de parte e com a prova testemunhal produzida, também ajudaram a montar/instalar a arena e em outras tarefas. Tal facto indicia uma posição diferenciada daquelas pessoas em relação às restantes e corrobora/reforça a presunção judicial estabelecida em relação à participação do réu AA na organização do evento. Por fim, o réu AA assumiu a realização de tarefas que, quando conjugado com as restantes conclusões agora extraídas, corrobora e reforça, mais uma vez, a presunção judicial estabelecida em relação à participação do réu AA na organização do evento. Este conjunto de factos instrumentais, que analisados, conjunta e criticamente, implicam aquele juízo de inferência para o réu AA, não se verificam com igual intensidade em relação aos chamados FF e GG, sendo que os existentes em relação a estes poderão, ainda, ser enquadráveis num mero auxílio /ajuda em algumas tarefas da logística do evento e não com as funções de organizadores. No que respeita aos factos relacionados com (in)existência do alegado perímetro de segurança e outros avisos relacionados com a segurança, o tribunal convenceu-se da sua inexistência tendo por base os vídeos vertidos no documento n.º 7 junto com a petição inicial, no depoimento da testemunha LL e nas declarações do próprio autor, que são corroboradas por aqueles meios de prova. Quanto ao segundo vídeo vertido naquele documento, resulta das contestações apresentadas que a exatidão do mesmo não foi posta em causa, pelo que temos por certo que o mesmo retrata a garraiada ocorrida no ano seguinte à dos autos, ou seja, no ano de 2015 (cfr. art. 368 do CC). Já quanto ao primeiro vídeo, a sua exatidão foi impugnada pelos réus DD e BB, tendo o autor defendido e pugnado pela sua genuinidade e exatidão. E quanto a este incidente foi produzida prova pericial, que concluiu nos moldes vertidos no relatório de fls. 683 a 689 e nos esclarecimentos de fls. 734 a 736 e 945 dos autos, ou seja, não há qualquer evidência técnica que permita suspeitar sequer da exatidão da reprodução em causa, sendo que a data constante dessa reprodução não corresponde à data do evento que retrata, mas apenas a corresponde à data em que a cópia em causa foi extraída. Por outro lado, as testemunhas LL e NN descrevem toda a dinâmica do evento, designadamente quanto à inexistência do perímetro de segurança alegado, nos moldes dados como provados e de forma coincidente às imagens constantes do primeiro vídeo inserido no mencionado documento. Acresce que a representação que o réu DD fez do sinistro na participação do mesmo dirigida à F... também não contempla o perímetro de segurança que nesta ação veio alegar (cfr. 577 a 582) e certamente que a únicas testemunhas presenciais aí identificadas não terão dito, à época, o contrário (essas testemunhas são LL, que no julgamento dos autos manteve a versão que aí sustentou, e HH, que no julgamento alterou o seu depoimento, o que desde logo põe em causa a credibilidade do seu depoimento). Por fim, resulta consensual da prova testemunhal produzida que o local retratado nos dois vídeos é o mesmo, que a garraiada de 2014 foi a primeira a ser realizada naquele concreto local, sendo que antes se realizava noutro sítio, e ainda que a garraiada de 2015 foi realizada no mesmo local onde foi levada a cabo a garraiada de 2014, mas foi o último ano que aí se realizou. Assim, tendo como certo que a garraiada de 2015 foi a última a ser realizada naquele local e teve um perímetro de segurança à volta da arena, assinalada por uma fita vermelha, tal como nos é revelado pelo segundo vídeo cuja exatidão da reprodução nunca foi posta em causa, sabendo-se que em 2014 foi a primeira vez que a garraiada se realizou naquele local, e sabendo-se que não há qualquer suspeita de manipulação do primeiro vídeo, a nossa convicção é que o mesmo é exato, retrata com fidedignidade a garraiada em causa nos autos e revela que a versão verdadeira quanto à inexistência daquele perímetro de segurança e de qualquer aviso de segurança, é a descrita pelo autor e pelas testemunhas LL e NN. Consequentemente, é nossa convicção que, consciente ou inconscientemente, faltaram à verdade as testemunhas HH, II e JJ, este o bombeiro que esteve no local e integrou a brigada que esteve destacada na garraiada em causa nos autos (cfr. documentos de fls. 891 a 894 e 903 a 905 dos autos). Esta última testemunha, inclusive, referiu que a colega que o acompanhava era a OO, resultando da informação vertida naqueles documentos que esta, na garraiada em questão, sequer esteve presente. Assim, e porque, pelas razões expostas, se conferiu credibilidade à versão descrita pelo autor e pelas testemunhas LL e NN, em detrimento dos depoimentos daquelas outras testemunhas, o Tribunal convenceu-se, de igual modo e com base nesses meios de prova, que o comportamento do autor foi aquele que quedou provado e não aquele que lhe era imputado pelos réus DD e BB, o qual foi dado como não provado. Estranhando-se, inclusive, que estes estivessem em condições de alegar tal comportamento como o descreveram, uma vez que, nos seus depoimentos de parte, admitiram que não assistiram ao momento do sinistro, o que, de resto, é comum ao restante corréu e aos chamados (...) existem indícios precisos e concordantes, de molde a permitir inferir/concluir pela prova dos factos que foram dados como provados e pela não prova da factualidade incluída nos factos não provados. Na verdade, de acordo com o padrão do homem médio e os critérios de normalidade, os réus organizadores do evento, e só estes porque só a eles incumbia o domínio do facto, não podiam deixar de saber que a garraiada é uma atividade que comporta riscos – é do sendo comum. Não podendo, de igual modo, deixar de representar como possível que podiam, em concreto, não estar reunidas todas as condições de segurança destinadas a proteger os espetadores, em virtude da ausência de um perímetro de segurança à volta da arena, do facto das grades destas arena não serem fechadas e da circunstância de serem utilizadas varas para “picar” os touros. E sendo assim, como entendemos que é, também tiveram que representar que aqueles espetadores ficavam desprotegidos e podiam sofrer danos. Porém, já não é razoável supor, atendendo à factualidade apurada e ao padrão do homem médio, que aqueles réus se conformaram com esse resultado, antes é de inferir, de forma suficiente ou bastante, de que não se conformaram com esse resultado, acreditando que tudo iria correr sem incidentes, como sempre havia decorrido. Por fim, o não apuramento dos factos dados como não provados, cuja justificação não resulte já do que ficou exposto, resulta de uma ausência ou insuficiência da prova produzida para os demonstrar”. Ouvimos toda a prova (depoimentos testemunhais e de parte) e dela retirámos os seguintes apontamentos[7]. O réu DD [Ficheiro n.º 20210525104918] referiu que os organizadores da garraiada foram cinco e não apenas três: além de si, do BB e do AA, o GG e FF, mas não a EE. Em 2013, o BB e o AA foram da comissão de festas, e quiseram organizar [a garraiada] em 2014, mas não tinha a ver com a comissão de festas anterior. A EE não colaborou nem era a proprietária do terreno, não tendo sido quem a autorizou nesse ano, mas em anos anteriores. Não reconhece o documento n.º 2 (min. 12,10). A publicidade do evento foi com cartazes com o nome dos organizadores e com uma carrinha a circular com autofalantes. A apólice do seguro era só para aquele dia e foi feita pelo depoente. A par, fez 3 seguros de acidentes pessoais, para si, AA e BB, que contavam estar na zona de maior risco (19,00). O gradeamento tinha espaços abertos que permitiam a visibilidade aos espetadores e havia uma fita vermelha a toda a volta da arena, a metro e meio/dois metros das barreiras, para o público não avançar. Não viu o autor nem onde estava colocado. A garraiada iniciou-se “lá para as cinco e meia” (32,00). Os touros eram soltos individualmente, com cinco a dez minutos de intervalo e andavam voluntários a picá-los. Os touros não eram de grande porte e tinham os cornos com proteção. O responsável pelos touros era um senhor do Ribatejo, PP, também proprietário do gradeamento, e eram os “homens dele” quem os vigiava. Vieram no camião do Senhor PP. Era o depoente que, quando via o touro massacrado de mais avisava o senhor PP, mas este quem os enviava para a arena: não era a organização que abria a jaula (41,00). Quem participava/picava, assinava um termo de responsabilidade. As varas para picar teriam dois metros e meio e 4 cms de diâmetro, e tinham uma ponta de aço. Não viu o acidente e “quando chegou ele já estava fora da fita de segurança”, a ser assistido. Estavam lá os bombeiros, que o transportaram, não sabe para onde. Aconteceu [o acidente] pelas seis ou seis e meia e foi transportado por volta das sete (50,30). À noite, do dia do acidente, o depoente foi ter com o pai da namorada do autor e disseram-lhe que iam participar ao seguro e, depois, foram à F... e fez a participação conforme ele, autor, declarou. Como não assistiu ao acidente, contactou o autor e pediu-lhe que o acompanhasse à participação e para ele próprio descrever como tinha ocorrido o acidente e, por isso, a descrição corresponde ao relatado pelo autor. Nos intervalos [do gradeamento] era possível passar uma vara, mas não os cornos dos touros. O evento estava licenciado e acha que cumpriram todas as regras (69,30). Sempre que os espetadores ultrapassavam a fita o depoente chamava a atenção das autoridades. O evento já era organizado há muitos anos e nunca houve problema. A zona de segurança, em 2015, foi igual à de 2014 (77,00). O AA também era da organização. O depoente organiza este tipo de eventos desde 1993, mas “sempre com grupos”. A vedação foram 1.250 euros e até foi o Senhor AA quem pagou. Todos procederam à montagem da vedação. A ideia do seguro de acidentes pessoais foi sua: falou com eles e eles deram-lhe cópia do cartão de cidadão, para o efeito (88,00). O depoente tratou das licenças e da presença do veterinário; adiantou dinheiro, e depois da coleta pouco sobrou, mas deu para as despesas. O Senhor AA teve o trabalho de fazer o peditório, com mais dois rapazes, e pagou ao homem dos touros; tirou-se o dinheiro gasto, sobraram 260 euros e, passado duas semanas fizeram um convívio e compraram leitões e frangos, e jantaram em casa do FF e, no fim, partiram as sobras (98,30). O Senhor QQ tratou da publicidade e, tal como o FF, esteve no recinto, embora o FF tenha ido ao batizado de um neto, mas voltou. Não viu o acidente: o que diz no processo sobre o comportamento do autor resulta de a ação ter sido metida “ao cabo de “três anos, “eu tinha participado” e passado uns dias vieram dizer-lhe, “ele que não se pendurasse na grade” e daí o que diz na sua contestação (123,00). Em 2014 não tinha nada a ver com a comissão de festas: pensa que o evento se chamou festa do emigrante. O sítio foi escolhido por todos os elementos da organização e “a papelada” foi feita com o conhecimento de todos. O senhor AA andou mais no peditório e também a “botar a mão aos espetadores, para que não houvesse problemas”. Foi ele o senhor do dinheiro e quem comprou os leitões e os frangos (144,00). Da assentada relativa a este depoimento consta: “Relativamente à Petição Inicial: O depoente diz corresponder à verdade os pontos 3.º e 5.º da Petição Inicial. Relativamente ao ponto 6.º o depoente respondeu que eram 5 pessoas: o depoente, o Sr. AA, o Sr. BB, GG e FF. Relativamente a este ponto diz ainda que é verdade no que a si diz respeito e ao Réu BB, mas a decisão também foi tomada conjuntamente com estas pessoas por AA, GG e FF. A propósito no vertido no art. 12.º da Petição Inicial apenas admite que as pessoas que já referiu efetuaram a publicidade do evento através de cartazes e de uma carrinha a circular ... – ... – Amarante, com alto-falante. O depoente diz corresponder à verdade o ponto 13.º da Petição Inicial. O depoente diz que o Ponto 14.º da Petição Inicial é verdade no que se refere ao contrato de seguro. O depoente confirma em relação ao 15.º da Petição Inicial que o seguro foi feito com a duração limitada ao dia 17/08/2014, que foi o depoente que contratou o seguro e que o local do risco foi o indicado nesse artigo 15.º da Petição Inicial. O depoente diz que o Ponto 16.º da Petição Inicial corresponde à verdade. Relativamente ao ponto 18.º da Petição Inicial confirma apenas que foram feitos esses seguros que se destinavam a segurar o depoente, o AA e o BB e que essas pessoas forneceram ao depoente os respetivos cartões de cidadão para que o depoente pudesse fazer os seguros. Relativamente aos pontos 21.º e 22.º da Petição Inicial responde apenas que se tratava de uma arena circular, com terra batida, com gradeamento de ferro galvanizado à volta onde os touros andavam, gradeamento esse que tinha aproximadamente 2 metros de altura. O depoente referiu que o gradeamento era constituído por diversas barreiras com um lanço de três metros, sendo que essas barreiras eram divididas por 5 traves horizontais e três traves verticais existindo entre elas espaços abertos (de ferro a ferro devia ter 30 cm a 40 cm) que permitiam a visibilidade dos espetadores. Relativamente ao ponto 23.º da Petição Inicial o depoente referiu que havia fita vermelha e refletora a toda a volta de arena a cerca de metro e meio/2 metros das barreiras para o público não poder avançar essa fita vermelha e não poder atingir as barreiras de metal. Além dessa fita refletora havia o controlo pela GNR no sentido de acautelar que os espetadores não ultrapassassem essa fita. Sempre que isso aconteceu e o depoente verificou chamou a atenção das autoridades no sentido de repor o público na posição que deviam estar. No que concerne ao ponto 28.º da Petição Inicial, os touros entraram com intervalos de 5 a 10 minutos, tinham cornos, mas tinham bolas de proteção. A propósito do ponto 28.º confirma ainda que os responsável pelo touro era RR, sendo proprietário dos touros e do gradeamento. No que se refere à montagem da arena e apesar do gradeamento ser propriedade do RR essa montagem foi feita pelo depoente, pelo SS, QQ, pelo AA, pelo BB e II. Quem mandava entrar os touros na arena era o proprietário dos touros e para o efeito contava com a ajuda de um homem que ele próprio trouxe. Quem mandava o touro sair da arena era o Sr. PP, por vezes a pedido do próprio depoente, por achar que o touro estava a ser muito massacrado. O depoente diz corresponder à verdade o ponto 29.º da Petição Inicial. Relativamente ao ponto 30.º da Petição Inicial o depoente refere que é verdade que as varas utilizadas eram de eucalipto, mas tinham apenas 2 metros e meio de comprimento e 4 cm de diâmetro cada uma. O depoente diz corresponder à verdade o vertido nos pontos 31.º e 37.º da Petição Inicial. Relativamente ao Ponto 40.º depoente referiu apenas saber que o Autor foi transportado pelos bombeiros do local, por volta das 19:00 horas. Relativamente ao ponto 140.º da Petição Inicial o depoente diz corresponder à verdade, sendo que a referência ao de 2016 trata-se de lapso, porquanto trata-se de 2014. No que concerne ao ponto 141.º da Petição Inicial o depoente diz corresponder à verdade, com a exceção do número da apólice que o depoente desconhece. Relativamente ao ponto 142.º da Petição Inicial o depoente confirma que o documento n.º 28 (junto com a Petição Inicial) é cópia da participação que subscreveu, confirma que a assinatura aposta na última página, correspondente ao seu nome, foi aposta pelo seu próprio punho. O depoente confirma ainda que essa participação foi feita nos moldes que constam desse documento com o seu consentimento e que pelo menos a letra constante do texto que segue ao local destinado à descrição pormenorizada do acidente e às testemunhas presenciais foi o próprio depoente que o escreveu. Porém, esclarece que, tal como já referiu anteriormente, não assistiu ao acidente e que por essa razão teve a preocupação de chegar ao contacto do autor e solicitar-lhe que o acompanhasse nesta diligência para fazer a participação junto da seguradora e para que o próprio autor Descrevesse a forma como o acidente tinha acontecido. Assim, a descrição que do acidente que dessa participação consta corresponde ao relato que lhe foi feito pelo Sr. CC e o mesmo se verificando relativamente às pessoas que terão assistido ao acidente, embora quanto a estas não tem a certeza. O depoente confirma o vertido no ponto 143.º da Petição Inicial. Relativamente aos pontos 144.º e 145.º o depoente apenas sabe que a F... liquidou o valor de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) ao Autor. Relativamente ao ponto 161.º da Petição Inicial, para além do que já confirmou anteriormente, acrescenta apenas ser verdade que os espaços abertos entre as barreiras metálicas, nos moldes que já descreveu anteriormente, tornaria possível que uma das varas que deveria ser utilizada pelos inscritos na garraiada dentro da própria arena pudesse sair por um desses espaços para fora da arena e ainda podiam sair por cima da própria vedação. O poente foi confrontado com os documentos n.º 5, 6 e 7, juntos com a Petição Inicial, confirma que esses documentos dizem respeito ao seguro aí referido. Relativamente à contestação do Réu AA: O depoente confirmou o vertido no ponto 30.º. Relativamente ao ponto 31.º o depoente disse corresponder à verdade, mas não o faz sozinho, mas sempre integrado em grupos de pessoas. Confirmou ainda que foi a primeira vez que a garraiada se realizou naquele local e que todos os membros da organização se deslocaram a esse local e todos escolheram em conjunto esse sítio. Relativamente ao ponto 35.º o depoente confirma apenas que foi o depoente que firmou o acordo junto do Sr. PP para a vedação e para os Touros, mas fê-lo com o acordo prévio das restantes pessoas que indicou como sendo organizadoras deste evento. No que concerne ao ponto 38.º o depoente reitera o que a este propósito já referiu sobre este contrato de seguro, acrescentando que julga que este concreto seguro só se destinava ao dia da tourada. Relativamente aos pontos 42.º a 48.º e ponto 52.º o depoente confirma que tais factos correspondem à verdade, mas pretende esclarecer que adiantou dinheiro para suportar tais despesas e que no fim do evento, feitas as contas, essas despesas lhe foram reembolsadas. Pretende ainda esclarecer que tudo o que confirmou foi feito por si no âmbito de uma divisão de tarefas que estava combinada entre todas as pessoas que identificou como pertencentes ao grupo organizador do evento. Relativamente ao ponto 55.º apenas confirma que o Sr. AA enquanto pessoa que também organizou o evento teve como tarefa, no quadro da divisão de tarefas, entre todos, a recolha dos donativos. No final do evento, a todas as pessoas que referiu pertencerem à organização reuniram-se para fazerem a contagem dos donativos, do dinheiro apurado foi retirado dinheiro necessário para reembolsar o depoente das despesas por ele suportadas e supra referidas, que o AA retirou desse dinheiro o montante necessário para ele próprio proceder ao pagamento ao homem dos Touros, o que fez, tendo ainda sobrado €260,00 que foi dinheiro que foi utilizado por todos os organizadores num jantar- convívio passados 15 dias em casa do chamado FF. No final desse jantar o Sr. AA dividiu entre todos os organizadores que referiu o dinheiro que havia ainda sobrado dando €43,00 a cada um. Relativamente à contestação do 1.º e 2.º chamados (FF e GG): O depoente confirma que a 17 de agosto de 2014 a festa da Na. Sra. ... já se tinha realizado. Relativamente ao ponto 50.º o depoente diz corresponder à verdade que o FF foi ao batizado do neto, mas esteve a ajudar a preparar na garraiada até às 11h30 e regressou às 17h00”. O réu AA [Ficheiro n.º 20210525145139] negou que tenha organizado a garraiada, nunca ouviu publicitar o evento e os Bombeiros e a Guarda foram requisitados pelo senhor DD. Sabe que foi feito um seguro porque o DD o chamou a uma reunião em casa dele e disse que ia fazer um seguro para os proteger e pediu que ajudassem a montar uma arena, ao que respondeu que sim. O trabalho era gratuito e era só ajudar. O seguro era para si, DD, FF e GG, que estavam na reunião (min. 7,30). Esteve lá no dia da garraiada, mas não se apercebeu da presença do autor, que não conhecia, e não assistiu ao acidente. A arena era em círculo, com grades metálicas, que tinham barreiras na horizontal e, mais pequenas, na vertical, ficando espaços abertos para se ver o interior. Havia uma fita a cerca de 1m, 1,20m, a toda a volta, para as pessoas não se aproximarem e para os Bombeiros circularem mais facilmente, se alguém se aleijasse. Não sabe se estavam afixados avisos das zonas de segurança. Os touros não eram soltos a seu mando. Na altura do acidente andava a fazer o que o Senhor DD mandou “e não viu praticamente nada”. As varas tinham pontas de aço, mas não pegou em nenhuma. Apercebeu-se que alguém se tinha aleijado e os bombeiros não deixavam ninguém “ir para a beira dele, onde ele se encontrava”. Desconhece para onde o autor foi transportado ou as suas lesões e não sabe da participação do acidente ou se houve indemnização. Só andou a ajudar e não sabe se as regras de segurança foram cumpridas, mas era possível as varas passarem pelos espaços do gradeamento (28,00). Fez a montagem das grades e esclarece que, a pedido do Senhor DD foi fazer um peditório durante a tarde, mas não foi quem pagou ao proprietário dos touros, nem sabe os custos. Participou num jantar, depois da garraiada, mas não recebeu nenhum lucro. O autor [quando do acidente] “estava um bocadinho mais à esquerda da entrada do recinto, fora da arena, mais ou menos onde tinha a fita, mas fora da fita, fora da zona entre o gradeamento e a fita” (34,00). Não ouviu qualquer aviso ao autor para se afastar. Não conhece o documento n.º 2, salvo que é o que se refere à perícia, visto por si quando vieram fazer a “escrita manual”. Convidaram o depoente para o jantar e foi quem encomendou os leitões, que, na altura, lhe pagaram, 240 euros de leitões (47,00). Não sabe a razão porque o Senhor GG e o Senhor FF acabaram por não ter seguro (52,00). Da assentada relativa a este depoimento consta: “Relativamente ao ponto 4.º e 13.º da Petição Inicial o depoente referiu que os mesmos correspondem à verdade. Relativamente ao ponto 18.º da Petição Inicial, referiu que o Sr. DD numa determinada altura chamou o depoente para terem uma reunião onde também se encontrava o FF e o GG, sendo que nessa reunião o Sr. DD pediu ao depoente e restantes pessoas para ajudarem a montar uma arena a título gratuito, o que todos aceitaram fazer e nessa mesma reunião foi pelo Sr. DD proposto que fosse feito um seguro para todos o que todos também aceitaram. O referido seguro servia para se eles estivessem um acidente ao fazer os trabalhos para cujo auxílio lhes foi pedido eles ficarem seguros. O Seguro era apenas para o dia do evento e montagem e desmontagem da arena. Relativamente aos pontos 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º apenas confirma que a arena era em círculo rodeada por grades metálicas, sendo o seu interior em terra batida. Por sua vez, essas grades tinham barreiras também em metal na horizontal (5 barreiras) e outras mais pequenas intercaladas na vertical, pensa que em número de 5, ficando espaços abertos entre essas barreiras no gradeamento, por forma a que o espectador conseguisse ver para o interior da arena. Ajudou a montar o gradeamento nestes termos, a pedido do Sr. DD, mas não pertencia à organização do evento. Colocaram ainda uma fita a uma distância do gradeamento de cerca de 1 metro, um metro e 20 e em toda a extensão do gradeamento para impedir que os espetadores se pudessem aproximar do gradeamento e permitir que ficasse uma faixa para a circulação dos bombeiros. Relativamente aos pontos 25.º e 26.º da Petição Inicial apenas confirma que não havia nada a marcar as zonas de perigo. Relativamente ao ponto 30.º Petição Inicial apenas sabe que eram utilizadas varas, sendo que as mesmas podiam passar entre os espaços abertos do gradeamento ou por cima do gradeamento. O depoente confirmou o vertido no 31.º da Petição Inicial. Relativamente ao ponto 37.º o depoente apenas aceita que se apercebeu que alguém tinha aleijado, que se deslocou a esse local e viu o CC no chão supostamente desmaiado e os bombeiros a socorrê-lo, bombeiros estes que se encontravam no local. Durante os esclarecimentos solicitados pela Mandatária do Autor pelo depoente foi referido que durante o evento o depoente juntamente com TT fez um peditório a pedido do Sr. DD. Confirma que participou num jantar-convívio ocorrido posteriormente. Quanto ao ponto 63.º apenas confirma que não ouviu nenhum aviso prévio no evento em relação ao Sr. CC. Após foram requeridos esclarecimentos pela Mandatária do Réu AA. Durante estes esclarecimentos o depoente referiu que forneceu cópia do seu bilhete e identidade ao Sr. DD para ele fazer o Seguro. Mais referiu que o dinheiro que recolheu no peditório entregou ao Sr. DD. Referiu ainda que para o jantar-convívio em que participou foi o depoente que encomendou os leitões e os levou e pagou, mas depois do jantar os leitões foram- lhe pagos pelo BB que lhe entregou €240,00 (duzentos e quarenta euros) para o efeito”. O réu BB (Ficheiro n.º 20210525154557] confessou ter feito parte da organização da garraiada, tal como fizera parte da comissão de 2013. Em 2014 fizeram parte, também, o DD, o AA, o GG e o FF. Não foi feito em benefício próprio, mas para a Freguesia e foi decidido em conjunto. A ré EE não participou na organização, e nem a conhecia. Escolheram o local, o evento foi divulgado e requisitados Bombeiros e GNR, além de um contrato de seguro para o evento, tratado pelo senhor DD. Nunca viu o documento n.º 2. Houve também um seguro para si, pois estava designado para abrir a porta dos touros. Não viu no local o autor nem o conhecia. As grades tinham barras horizontais e verticais com espaços, retângulos, abertos, para permitir ver a arena (min. 15,00). Havia uma fita a cerca de dois metros, antes das grades e avisos ao microfone que as pessoas não deviam estar “em zonas que estavam cortadas”. O dono dos touros trouxe pessoal e o depoente já não fez a tarefa que estava prevista e era o dono dos touros e o Senhor DD que decidiam a mudança, entrada e saída dos touros (21,00). Os que toureavam os animais com as varas tinham de assinar um termo de responsabilidade. As varas tinham pontas para picar os animais. Não assistiu ao acidente, estava no bar e teve de ir buscar bebidas a casa do AA. Nem sequer viu o autor deitado no chão e quando regressou ele já não estava lá. Acha que o recinto tinha todas as condições de segurança e, além da faixa, a GNR mandava retirar as pessoas. O FF esteve lá de manhã a ajudar, mas saiu para um batizado e, por volta das cinco, voltou (37,00). O dinheiro angariado, deduzidas as despesas sobrou e o AA utilizou-o para comprar leitões para um jantar convívio e, no fim, dividiram o sobrante: 43 euros a cada um. Em 2014 (já) existiam fitas à volta da arena, mas havia pessoas que as passavam. Em 2015 organizaram no mesmo local e nas mesmas condições “e não aconteceu nada” (52,00). Da assentada relativa a este depoimento consta: “Relativamente à Petição Inicial: Quanto ao 5.º da Petição Inicial o depoente apenas confirma que residiu nessa morada durante 2 meses de 2009. Relativamente aos pontos 6.º e 7.º da Petição Inicial apenas confirma que fez parte da comissão para o referido evento de 2014 juntamente com o Sr. DD, AA, GG e FF e que todos decidiram em conjunto organizar este evento, fazendo todos parte de um grupo que denominaram de Comissão de Festas em Honra .... Todavia, pretende esclarecer que o evento não foi organizado em proveito próprio, mas sim fizeram o referido evento para a freguesia. O depoente confirmou o vertido nos pontos 12.º, 13.º e 14.º da Petição Inicial. Relativamente ao ponto 18.º o depoente diz que corresponde à verdade, apenas não sabendo identificar o número das apólices. No que concerne aos pontos 21.º, 22.º e 23.º apenas confirma que ajudou a montar a arena e que a mesma era circular com piso em terra batida rodeada por grades em metal galvanizado, unidas por braçadeiras em ferro. Essas grades fixavam-se umas às outras e encontravam-se cravadas no chão para não se moverem. As grades tinham ainda barreiras quer na vertical, quer horizontal e entre essas barreiras ficavam retângulos de espaço aberto, permitindo a visibilidade aos espetadores. Relativamente ao ponto 29.º, o depoente diz que corresponde à verdade, sendo que as pessoas assinavam um termo de responsabilidade. Relativamente à contestação do 1.º e 2.º Chamado: Apenas relativamente ao ponto 14.º o depoente confirma que a referida pessoa esteve no local tendo-se ausentado pelas 11h00 para um batizado e terá regressado pelas 17h00. Em sede de esclarecimentos da Ilustre Mandatária do Autor foram prestados os seguintes esclarecimentos, com relevância para a Assentada: Houve divisão de tarefas do grupo organizador do evento já identificado e de acordo com as mesmas o depoente ajudou a montar a arena, juntamente com as restantes 4 pessoas que identificou, arranjou patrocinadores juntamente com o Sr. GG, ajudou no bar montado do local que servia também para angariar dinheiro, onde também ajudou o Sr. GG. O depoente ajudou a distribuir publicidade juntamente com o AA e GG. Já o Réu DD tratou de tudo o que era papelada e seguros e transmitiu a ideia de como se montava a arena, contratou com o acordo de todos a pessoa que transportaria e seria o dono dos touros para a garraiada, o que tudo era feito com o consentimento e acordo de todos. O Réu AA contratou o fornecedor das bebidas a ser vendidas no bar. O AA e GG ainda participaram no peditório. Mais refere em sede de esclarecimentos que do dinheiro angariado deduzidas as despesas sobrou dinheiro que ficou na mão do Réu AA, que mais tarde utilizou parcialmente esse dinheiro para comprar leitões para um jantar convívio que fizeram entre todos e no fim do jantar ainda tinha sobrado dinheiro e dividiram o dinheiro pelas cinco identificadas pessoas que pertenciam ao grupo organizador do evento dando a quantia de € 3 a cada um. O depoente confirma que as pessoas que integravam o grupo organizador do evento decidiram e acordaram contratar uma terceira pessoa para trazer os animais, tendo este trazido gente para o auxiliar a soltar e a recolher os touros, ficando os touros guardados numa jaula de metal, que estava dentro do camião, tudo pertencente ao Sr. PP, a tal terceira pessoa contratada para o efeito”. A ré EE [Ficheiro n.º 20210525164659] referiu que não fez parte da comissão organizadora e já não era dona do terreno, só sabendo da tourada em 2017. Vendeu o terreno em novembro de 2013. O documento n.º 2 conhece-o, viu-o com a citação, e viu que era falso, e a sua assinatura é falsa. Antes de 2014 autorizou e o pai já autorizava, mas “era no curro”, um local diferente e o texto da autorização era feito noutros moldes (min. 6,30). O chamado FF [Ficheiro n.º 20210525165848] referiu que não fez parte da comissão e trabalhou a convite do senhor DD para montar as grades, e mais nada. Foi lá, ajudou o AA, o GG e o BB e andou lá mais gente. Não teve lucro com o evento, não o publicitou nem foi ao jantar. Foi ao batizado do neto, e não assistiu a nada (min. 11,00) O chamado GG [Ficheiro n.º 20210525171444] referiu que em 2013 foi “juiz da festa” de S. ..., e a esposa é Presidente da Junta. Em 2014, o Senhor DD chamou-os a casa e o depoente aceitou ajudar, mas não como organizador, como voluntário. Nem sequer queria ajudar, mas aceitou... “em boa verdade o Senhor DD era a organização”. Ajudou no sábado a montar as grades e, no domingo, a desmontar”. Assistiu à garraiada, mas não esteve no bar, não recolheu nem recebeu dinheiro, mas participou num jantar, como muitas outras pessoas, não recebendo qualquer quantia em dinheiro (min. 8,20). Onde o autor se magoou havia uma fita de proteção, para as pessoas não passarem. Só reparou no acidente quando já lá estavam os bombeiros e o autor estava consciente (10,30). Havia os Bombeiros, estava a autoridade e uma pessoa com autofalante “a dizer que não se responsabilizavam”. Viu o autor caído entre as grades e a fita, mas não o viu avançar a fita, “mas as testemunhas que vêm aí...”. Não sabe quem colocou a fita. O jantar em que participou, não o pagou. O senhor FF só chegou lá no final do dia. Em 2013 a garraiada foi noutro local, em baixo, no chamado curro, o depoente, o AA, o BB e o FF estavam [só] para ajudar (24,30). Relativamente a este depoimento ficou em assentada: “A pedido do Sr. DD o depoente apenas ajudou a título gratuito a montar e desmontar a grade da arena, mas não pertencia à comissão organizadora, não era organizador e não recebeu qualquer lucro obtido com este evento. Confirma que participou num jantar convívio ocorrido posteriormente, mas não recebeu qualquer dinheiro nesse jantar ou em qualquer momento. O depoente confirma que viu apenas o Sr. CC a ser socorrido pelos bombeiros e apercebeu-se que as pessoas no interior da arena usavam varas, mas não sabe descrever as características dessas varas. O autor CC [Ficheiro n.º 20210525174235] referiu que estava fora da arena e não esteve encostado às grades. Não havia zona de segurança, nem fita antes das grades. Estava a cerca de um metro e meio das grades e havia pessoas à sua frente, encostadas às grades. Qualquer pessoa podia levar com uma vara, mas nunca pensou que isso acontecesse; havia um morro, mais acima, “mas ficou ali” (min. 7,20). A testemunha LL [Ficheiro n.º 20210527095112] é casado e jardineiro de profissão. Conhece o autor por ser namorado da sua filha e conhece os réus. Esteve na garraiada com o Sr. CC [autor] e outro senhor de .... Na altura, o autor já era namorado da sua filha. A garraiada foi a 17 de agosto de 2014 e foi o primeiro ano que foi feita naquele sítio, porque antes era “feita no curro”. Fizeram uma arena em grades e os touros foram picados à vara, à moda antiga. Gosta de ver garraiadas e já lá esteve em várias. Antes era “mesmo ao lado, no curro”, mas em 2014 foi “na parte de cima” (min. 6,00). O curro “era de uma senhora”, conhecia a mãe da senhora EE, e a parte de cima não sabe se já era da capela. O Senhor DD “era o principal” e já fazia [a garraiada] “doutros anos” e os outros, se calhar, juntaram-se a ele, para ajudar. O evento era anunciado com um microfone que passa pelas freguesias. Também via cartazes nos abrigos dos autocarros, mas não se recorda concretamente desse ano. Teve uma surpresa: quando chegou, dali a um bocadinho ele [autor] veio ter consigo, “com dois que já faleceram” e, depois, ficaram juntos. A arena era em grades em retângulo a toda a volta e era, a arena, em redondo e, além das grades, não tinha mais nada, cada pessoa estava conforme queria estar. Havia pessoas à frente e o pessoal ia-se desviando. “Estávamos os dois juntos”. A arena tinha três resguardos para os picadores e “um picava e saltava a grade para cima”, na altura viu um senhor a subir. O vídeo, viu-o depois, e foi o autor quem lho mostrou. Havia pessoas à frente e ao lado, a garraiada começou por volta das 17H00 e já no sábado estava montada, pois passou por lá e viu. Quase no final [da garraiada] o animal andava desesperado e “caçou uma vara projetada” e atingiu o CC na vista. A vara tem um ferrão na ponta, para picar o animal e deve ser um prego (18,30). O autor levou a pancada e foi ao chão. Estavam três bombeiros e foi um bombeiro quem lhe deitou a mão. Quem vai para dentro da arena tem que assinar um termo de responsabilidade, mas o CC não foi lá para dentro nem se pendurou na grade (21,00). “Disseram” que não estavam prontos a assumir tudo e iam participar ao seguro. Depois a sua filha foi com o CC, mas não sabe se recebeu e o que recebeu do seguro. Na data do acidente devia estar (já) a trabalhar, mas não sabe concretizar (30,00). No ano de 2015 já houve uma fita a toda a volta e um ferrinhos e “o Senhor DD andava a avisar as pessoas”. A testemunha visualizou os vídeos e afirmou que em 2014 “não tinham fitas”. Na noite em que foram a sua casa, por causa do acidente, foi o Senhor DD e o Senhor AA, casado com uma sobrinha do Senhor DD, e que também andou a ajudar, mas esse Senhor AA não esteva cá [no tribunal] hoje (54,00). A testemunha NN [Ficheiro n.º 20210527105316] não conhece os réus, mas o autor, “desde garoto”. Esteve na garraiada, no ano de 2014. Já antes lá tinha ido, mas era num sítio diferente, num curro, e em 2014 foi numa praça. Pagou bilhete, mas não sabe quanto. A arena tinha grades em toda a volta e era redonda e em terra. O CC estava a par consigo quando a vara lhe bateu, caiu ao chão, e foi levado pelos bombeiros (min. 12,00). Não conhece a namorada do autor, mas conhece o pai dela, o LL, e viu-o no local, no momento em que ocorreu o acidente. Por acaso foi ele, podia ser a testemunha. Estes espetáculos são perigosos, mas ele, autor, nunca foi para a arena. Só havia o gradeamento, mais nada: nem fita nem arame. Viu-o sair de ambulância (19,00). Não sabe quem organizou a garraiada. Não tinha fita vermelha nenhuma, mas o alto-falante dizia que não se responsabilizavam por qualquer acidente. À sua frente não passou nenhum GNR, mas viu-os à entrada (26,30). A testemunha HH [Ficheiro n.º 202110527112258]. Carpinteiro. Vizinho do autor. Esteve na garraiada, mas não viu o acidente, porque tinha ido ao bar e foi um colega que o chamou, mas quando o chamou, a vítima já estava na ambulância. O Senhor PP foi quem foi contratado para a garraiada e já o conhecia de levar o gado a garraiadas. Esteve com ele no dia da garraiada. Conhece o Senhor DD, mas havia mais organizadores, só que não sabe os nomes. Nos anos anteriores não era no mesmo sítio, em 2014 foi numa arena redonda, vedada com gradeamentos próprios. Ficou na zona dos touros e o público estava “ao redondo da arena”. Avisavam para não se aproximarem das grades. Havia fitas vermelhas, “mas não sabe o que faziam” (min. 14,30). Esteve com o Senhor DD na Seguradora e ele e o autor estiveram presentes. Teve conhecimento da garraiada através do Senhor PP, que o avisou. É tradição os organizadores darem uma volta à arena antes do início. Os avisos dos autofalantes é que não se responsabilizavam por acidentes, dentro ou fora da praça. Não viu pessoas penduradas, mas estava noutro local e a conversar (28,00). A testemunha UU [Ficheiro n.º 20210527120428] é namorada do autor desde 2013. Conhece o senhor DD e “um” senhor AA. Não viu a garraiada, mas o seu pai esteve presente. O pai é costume ir e soube que o CC ia no próprio dia. Foi pelo pai que soube do acidente e que o autor já estava no Hospital (min. 5,30). No dia seguinte foi buscá-lo ao Hospital e, à tarde, em Penafiel, teve alta. Acompanhou-o a consultas e às cirurgias, pois ele não podia conduzir. Em agosto ele já tinha uma promessa de trabalho e, antes, enquanto estudante, já trabalhou para a mesma empresa. O autor concordou com a descrição do acidente [feita para a Seguradora]. Viu um vídeo alguns dias depois da tourada, gravado pelo CC (41,30). A testemunha II [Ficheiro n.º 20210531101113]. Agricultor. Conhece as partes. Esteve presente na garraiada como amigo dos organizadores. Transportou as grades do estaleiro do Senhor DD para o local e ajudou a montar e desmontar. O DD é que é o aficionado, mas não foi só ele a organizar, juntou amigos: os senhores GG, AA, BB e o FF. Também se juntou a eles, mas não era organizador, os outros eram da comissão, que deu a volta à arena, todos, antes de começar a garraiada, como viu e sabia (min. 9,30). A publicidade eram cartazes nas paragens dos autocarros e uma carrinha com autofalantes. Era a festa do emigrante e normalmente é este cartaz [que lhe é mostrado]. Era uma arena cercada com um perímetro de segurança, com uma fita a cerca de um metro e meio das grades. Não viu ninguém a passar a fita. Viu o sinistrado a ser assistido pelos bombeiros, mas “já não viu ninguém no chão”. Os alto-falantes preveniam que não se responsabilizavam por qualquer acidente e quem queria picar tinha de se inscrever. A GNR esteve no recinto (19,30). Ajudou no serviço que lhe foi pedido, pelo DD, mas a custo zero. O AA era o senhor do dinheiro e pagava as coisas. Nesse ano de 2014, foi ao convívio “pago com dinheiro que fizeram no evento” (24,30). Não havia bilhetes, mas houve peditório. Sabe que a função dele, AA, era ser o homem do dinheiro. Ele pagou uns leitões e, no fim, ainda “sobraram uns trocos”, mas isto disse-lhe o senhor DD. A testemunha não recebeu dinheiro, mas também não pagou o convívio. No local, não viu nenhum papel sobre a legalização do recinto. Havia uma fita a toda a volta, mas não viu lá arame nenhum (46,00). Esteve no bar e quem lá servia era o senhor BB. Recorda-se do cartaz e, em 2014, não houve outra garraiada (53,00). As testemunhas LL e II foram acareadas [Ficheiro n.º 20210531112335], a propósito da entrada dos organizadores no recinto, antes do início da garraiada. O primeiro diz que não viu volta dos organizadores. Não pode garantir que não tenha existido, mas acha que, a ter havido, tinha visto. O segundo disse que era a festa do emigrante e nela se integrava a garraiada e que viu a volta dos organizadores. Foi feito o reconhecimento pela testemunha LL [Ficheiro n.º 20210531113127] que esclareceu que “este” [réu AA] não era o sobrinho do Senhor DD que falou no seu depoimento ter ido a sua casa. Acrescentou que “este” [réu AA] também foi a sua casa [noutra ocasião], dizer que era melhor “não andarem para a frente, mas também disse que “não tinha nada a ver com isso. A testemunha KK [Ficheiro n.º ...] é contabilista e conhece as partes. Não assistiu à garraiada nem prestou auxílio a quem a organizou. O AA não fazia parte da organização, mas apenas das festas da Senhora ..., em 2013. Toda a gente dizia que quem organizava era o senhor DD, “e sei que houve pessoas que foram ajudar... ouvi dizer, mas não sei (min. 5,30). A testemunha VV [Ficheiro n.º 20210531114727] é empregador do réu AA. Referiu que o AA lhe disse que ia ajudar a fazer uma festa. Pediu-lhe dispensa do trabalho para “ajudar o autor da tourada”, e “todos sabemos” que o autor das garraiadas é o DD (min. 4,00). Acha que o AA, anos antes, fez parte de uma comissão de festas, mas não sabe o ano e o que fez. Pediu-lhe na quinta à tarde para ser dispensado no sábado (9,00). A testemunha WW [Ficheiro 20210531140706] conhece o réu DD e os outros, de vista, e é amigo do filho do FF. Não assistiu nem teve intervenção na garraiada. O dia coincidiu com o batizado do neto do Senhor FF. Teve missa e almoço e o avô veio consigo às 17H30 e foi para a garraiada (min. 8,00) A testemunha XX [Ficheiro n.º 20210531141607] conhece o FF. O batizado foi no dia 17 de agosto. A garraiada era no Lugar ... e deixaram o Senhor FF e a Dona YY no local, “ainda lá estava muita gente” (min. 8,00). A testemunha JJ [Ficheiro n.º 20210531142616] é condutor de ambulâncias, e bombeiro desde 2012. Estava na garraiada como bombeiro. Estavam lá dois bombeiros, ele “e a OO”, e estiveram desde o início. Viu o senhor [autor] passar a fita de segurança (min. 3,00). A garraiada começou entre as 15H00 e as 16H00. Ultrapassou [o autor] a fita de segurança e deu uma chapada no touro, depois de subir à grade, e o touro, ao passar, levantou uma vara. Pendurou-se na grade [o autor] e a vara saltou. Fizeram os primeiros socorros e ele esteve sempre consciente. “Levantámo-lo” e foi para a ambulância (6,30). A hora, não sabe dizer. Havia autofalantes sempre a chamar a atenção. Ficámos mais ou menos a 10 metros do acidente. Por acaso viu o senhor a ultrapassar [a fita]: havia uma fita vermelha a toda a volta. Quando o viu passar a fita de segurança disse à colega: “vamos ter atenção” (10,30). Não sei se estava eufórico, mas agarrou-se às grades. Os touros não eram grandes e estavam elementos lá dentro [da arena], talvez três. Cai no chão... “praticamente vi tudo”. Tinha sangue e só o mexeram quando acabou o curativo. Ele disse que estava a ver perfeitamente. Estiveram com o doente, mais ou menos, 5 a 7 minutos (16,20). Estava [o autor] entre as fitas e as grades. “Pus o joelho nas costas para não o deixar cair” (17,00). “veio daqui... nós estávamos dali” Passou por baixo da fita. A fita era 1 metro, dois metros, atrás das grades. Foi de pé para o carro dos bombeiros (22,00). A testemunha visualizou os dois vídeos. Quanto ao primeiro referiu: “Não estava essa gente, mas estou a reconhecer o local” (30,00). Referindo-se ao segundo que “é mais o que está no segundo, por causa da fita” (34,00). A testemunha ZZ [Ficheiro n.º 20210531150845], funcionário do Centro de Saúde, conhece o chamado GG. Assistiu à garraiada e tem ido a todas. “Tinha uma fita vermelha”. Ouviu dizer que ele atravessou a fita (min. 6,00). Não viu a vara bater no Senhor CC. Tinha uma fita aí a dois metros para as pessoas estarem mais seguras. As pessoas que ajudaram o acidentado a ir para a ambulância eram pessoas da assistência que estavam a ver (10,00) Não passou ninguém a fita. Era uma arena redonda, com tábuas, mas já não recorda se fechavam completamente a arena. Não viu ninguém a passar a fita. Não viu o momento em que entrou na ambulância. A garraiada foi num largo com árvores, de lado de .... Quando aconteceu o acidente a testemunha estava em baixo, ao mesmo nível da arena (17,30). Visualizou os vídeos e referiu, quanto ao primeiro, que “não viu pessoas encostadas às grades, embora pareça o mesmo espaço”. A testemunha MM [Ficheiro n.º 20210531155302]. Esposa do chamado GG. Assistente Social. Presidente da Junta. Participou no jantar que ocorreu depois da garraiada, em casa do senhor FF e convidada pelo Senhor DD. Os restantes foram membros que participaram, mas não como organizadores da garraiada, mas porque era preciso ajudar (min. 4,30). O GG ajudou na montagem, sem ganhar nada. Não tem conhecimento de ter sobrado ou de ter sido dividido dinheiro. Passou uma declaração como Presidente da Junta, mas não sabe se foi neste ano. O dia da festa da Senhora ... é num fim de semana de julho (18,00). A testemunha AAA [Ficheiro n.º 20210531161516] conhece os réus, mas não o autor. Reformado. Assistiu à garraiada, mas não desde o início. Não viu o acidente. Quando lá estava, ouviu dizer que tinha havido um acidente. Havia uma fita sinalizadora a toda a volta e não viu ninguém da parte de dentro da fita. A fita circundava as grades a toda a volta (min. 14,00). Foi à garraiada em 2014 e em 2015 e foi no mesmo local e nos mesmos moldes, e com a mesma segurança. Visualizou os vídeos, tendo referido que a garraiada de 2014 tinha fita e a de 2015 também e não se recorda de ver tanta gente assim, empoleirada nas grades (19,30). O segundo vídeo é de 2014 e não de 2015, porque, em 2015, havia menos viaturas e gente, por ter havido antes o acidente (24,00). Além de todos os depoimentos a que fizemos anteriormente referência, visualizámos os vídeos que o autor juntos como documento 7 (primeiro vídeo) e como documento 34 (segundo vídeo), expressamente juntos pelo autor no sentido de comprovarem, o primeiro a garraiada de 2014 e o segundo a de 2015, alegando o autor que, como se vê no segundo, a organização da garraiada de 2015 teve outros cuidados de segurança, concretamente com a criação de uma zona de segurança. Ambos os vídeos mostram o decurso de uma garraiada, o movimento dos touros e dos picadores. As grades que circundam a arena são semelhantes em ambos. A filmagem não é realizada a partir do mesmo ponto, mas revela-se evidente que o local é o mesmo. No segundo vídeo vê-se, antecedendo exteriormente as grades, uma fita circundando a arena, em quase (junto à entrada dos touros, quer à esquerda, quer à direita não parece existir) toda a dimensão, fita essa com as cores vermelha e branca. No primeiro vídeo não é visível essa fita ou outra semelhante em nenhum dos ângulos filmados e, diferentemente do que se vê no segundo, há várias pessoas encostadas às grades da arena ou mesmo empoleiradas nas mesmas. Além dos depoimentos e da visualização dos vídeos, tomámos em consideração os diversos documentos que se encontram nos autos, concreta e especialmente a participação ao seguro [documento n.º 28 a fls. 40/41], o documento objeto de exame de à escrita e assinatura [documento n.º 2 a fls. 22 e n.º 9, a fls. 103], o documento relativo ao seguro de acidentes pessoais individual, abrangendo os três primeiros réus [fls. 327, 328 e 329], o documento relativo ao episódio de urgência [fls. 535/536], o relatório dos BV de Amarante com identificação dos bombeiros intervenientes (BBB, JJ e CCC) [fls. 9147915] e a informação do SNS/INEM [fls. 903/905]. Ponderámos também o exame de escrita [fls. 585/623 e 658/670] e o exame de vídeo [fls. 685/690] e os esclarecimentos relativos ao mesmo [fls. 734/736 e fls. 945]. Importa, agora, fazer um exame crítico da prova. Como já resulta do que vem de ser dito e, bem assim, da leitura das conclusões apresentadas pelos apelantes, o primeiro recorrente (AA – Apelação 1) entende que ficou por demonstrar a sua participação no evento como organizador do mesmo, uma vez que os depoimentos prestados em audiência não permitem essa conclusão, o exame à escrita não é determinante e os factos instrumentais de que se serviu o tribunal não permitem inferir que participou na garraiada como organizador (coorganizador) da mesma. Por seu turno, o segundo apelante (BB), ainda que admitindo ter coorganizado o evento – como resulta da confissão articular e do seu depoimento de parte -, considera que o mesmo foi organizado com salvaguarda de toda a segurança exigível, pois existia uma fita de proteção/aviso a toda a volta da arena e o vídeo junto como documento n.º 7 não é verdadeiro, uma vez que nele não se revela essa fita de proteção, ao contrário do que resulta do outro vídeo junto. Entende que, da prova produzida, o autor, ultrapassou a aludida fita, colocando-se voluntariamente numa situação de perigo, como resulta expressamente do depoimento do bombeiro JJ, depoimento esse que não devia ter sido desconsiderado pelo tribunal. Relativamente à impugnação apresentada pelo réu AA, cumpre dizer que, essencialmente, acompanhamos as considerações feitas pelo tribunal recorrido na fundamentação da decisão relativa à matéria de facto. Com efeito, o próprio apelante reconhece que participou, não apenas no auxílio à montagem das grades delimitadoras da arena, mas também na recolha de contribuições/donativos, no dia da garraiada. E, ainda que se não considere como facto confessável (embora livremente apreciável pelo tribunal) a afirmação dos réus DD e BB de que o apelante (como outros) fazia parte da comissão organizadora, o certo é que o mesmo é colocado na organização por testemunhas cujo depoimento não nos merece censura crítica, concretamente as testemunhas LL e II. Por outro lado, o apelante beneficiava de um seguro de acidentes pessoais, celebrado pelo réu DD e abrangendo apenas o apelante, o réu DD e o réu BB, para a realização do qual o apelante entregou o seu cartão de cidadão. Acresce que o exame à escrita é também revelador: afastada a possibilidade de o documento ter sido assinado pela 4.ª ré, foi feito o exame à escrita dos três primeiros réus e, enquanto relativamente aos réus DD e BB a probabilidade de autoria é de 30% a 50%, no que se refere ao apelante é de 50% a 70%. Evidentemente que, perante a não confissão do réu e atenta a natureza do facto probando (coorganização) que pode confundir-se com outra situação (mero auxílio/ ajuda) a factualidade provada há de resultar de um conjunto de factos instrumentais, os quais, contrariamente ao sustentado pelo apelante, se mostram revelados na fundamentação da decisão e, para nós, se mostram bastantes à conclusão de o apelante ter sido coorganizador. Quanto à impugnação da decisão relativa à matéria de facto apresentada pelo recorrente BB (Apelação 2), importa começar por referir a questão dos vídeos juntos pelo autor e do exame pericial realizado. Ambos os vídeos (documento n.º 7 e documento n.º 34) foram juntos pelo autor, que os juntou para prova das condições de segurança existentes na garraiada de 2014 e na de 2015, alegando o autor que as mesmas eram diferentes nesta segunda data, pois existia, diferentemente de em 2014, um perímetro de segurança. Na sua contestação, os réus DD e BB dizem que existia (ainda que também em 2014) esse perímetro, delimitado por uma faixa vermelha. Ao longo de vários artigos referem essa faixa vermelha. E, nesse contexto, impugnam a veracidade do primeiro vídeo, na convicção de o mesmo ter sido manipulado, uma vez que nele “foram retiradas as barreiras de proteção”. Tenha-se presente que os réus não põem em causa o segundo vídeo, embora – como já se disse – o mesmo tenho sido junto, expressamente, para, justamente, dar nota de, em 2015, já existir a zona de segurança, ou seja, e no dizer dos réus, a fita vermelha. Sucede que a perícia é inequívoca quando conclui que o primeiro vídeo não foi adulterado, nem foram eliminados quaisquer dos seus elementos. Acresce que, como é manifestamente visível, ambos os vídeos se referem ao mesmo local, e como resulta da generalidade dos depoimentos (sem contestação de qualquer um), 2014 foi a primeiro ano, a primeira vez que a garraiada se realizou naquele local. O apelante, no entanto, vinca o que consta da parte final do exame ao vídeo (cfr. fls. 686, in fine). Perante a pergunta “O não aparecimento das mesmas [fitas vermelhas], não reporta a realização deste evento, há vários anos, inclusive o evento de 17/08/2014?” o Senhor Perito responde: “Após análise pormenorizada dos dois vídeos e sua comparação, pode-se concluir que são duas realidades distintas. O evento de 2014 tem as barras de segurança (fitas vermelhas)”. Sucede que o Senhor Perito parte do pressuposto que o vídeo que tem as barras de segurança se refere à garraiada de 2014, mas não o apresentou o autor como tal, não foi impugnado e nunca esse vídeo foi analisado, relativamente à data da sua criação ou eventual adulteração: só o vídeo junto como documento n.º 7 foi analisado, só esse foi impugnado quanto à sua veracidade. Logo, a afirmação pericial que sustenta a impugnação do apelante parte de um pressuposto por demonstrar (que o segundo vídeo é de 2014) e, por isso, não tem relevo. O que releva, isso sim, é que o primeiro vídeo (único impugnado) não foi adulterado e refere-se a uma garraiada ocorrida no mesmo local, sendo que a 2014 foi a primeira ali realizada. Em conclusão, temos por certo (naturalmente na medida da certeza possível do julgamento de factos pretéritos) que o vídeo junto como documento n.º 7 se refere à garraiada na qual o autor sofreu o acidente, enquanto o vídeo junto como documento n.º 34 se refere à garraiada realizada em 2015, no mesmo local e, por isso, na garraiada de 2014, não existia a zona de segurança ou as ditas “fitas vermelhas”. É certo que os réus e algumas testemunhas afirmam a sua existência, mas damos prevalência ao que o vídeo permite concluir. A este propósito, sempre se diga que a unanimidade de quem sustenta a existência da fita nos parece excessiva: por um lado, os testemunhos que a alegam surgem nos depoimentos de forma imediata (a testemunha JJ, nomeadamente) ou, por outro lado, vinca-se a cor vermelha da fita, pois nenhum depoimento refere que a fita é às listas vermelhas e brancas, pelo menos a que é visível no vídeo que constitui o documento n.º 34. Partindo do princípio da existência da fita (zona de segurança), o recorrente sustenta que a factualidade deve ser alterada, dando nota do comportamento do autor, que ultrapassou essa fita de segurança e se expôs ao perigo. Ora, para lá de não termos por certa a existência da fita/zona de segurança em 2014 (o que afasta a imputação ao autor do comportamento arriscado de a ter ultrapassado), o depoimento da testemunha JJ, que o recorrente tem por fundamental para prova do aludido comportamento temerário, merece-nos as maiores reticências. Não apenas, como se aponta na fundamentação da decisão relativa à matéria de facto, por esta testemunha, bombeiro, ter esquecido/trocado o nome da sua colega bombeira, mas pelas incongruências de todo o depoimento: a testemunha começa o depoimento a afirmar que o autor ultrapassou a fita, e ele viu logo que ia acontecer algo. Depois, além de trocar o nome da colega, parece esquecer que os bombeiros presentes eram três e a hora que indica como sendo a do sinistro é muito diversa da que resulta da chamada para o INEM. Por fim, e relevantemente, a testemunha afirma que o autor caiu e, mais adiante que – como que adivinhando o que ia suceder – correu e, com o joelho, impediu que ele caísse. Em suma, da validade/veracidade do vídeo junto como documento n.º 7 e do incongruente depoimento da testemunha JJ não podemos concluir que existisse, em 2014, uma fita delimitadora de uma zona de segurança e de um comportamento temerário (ultrapassar a fita, apoiar-se/pendurar-se nas grades delimitadoras da arena) por parte do autor. Da conjugação dos depoimentos e da análise dos documentos apenas podemos concluir, tendo em conta, em especial, o episódio de urgência, não se ter provado que o autor desmaiou/perdeu a consciência, quando foi atingido, facto (n.º 33) também impugnado pelo apelante BB. Em suma, e concluindo, nada vemos a alterar à matéria de facto provada e não provada, ressalvando o ponto n.º 33 dos factos dados como provados e, assim, improcede totalmente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto apresentada pelo réu AA e improcedendo parcialmente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto apresentada pelo réu BB. III.I.III – Factos provados e não provados 1 - Em documento escrito correspondente ao documento n.º 2 junto com a petição inicial, no qual foi aposta uma assinatura correspondente ao nome de EE, consta a seguinte declaração: “Eu, EE, NIF ..., autorizo a realizar a garraiada no dia 17 de Agosto de 2014, no curro tradicional antiga, na Sra. ..., ... (...) com o n.º do artigo 77, registado na AT (Autoridade Tributária).” (alínea C) dos factos assentes). 2 - A assinatura correspondente ao nome de EE constante do documento referido no ponto anterior não foi ali aposta pelo próprio punho da EE. 3 - A assinatura correspondente ao nome de EE constante do documento referido foi ali aposta pelo punho do réu AA. 4 - O 1.º vídeo constante do doc. n.º 7 junto com a petição inicial não foi objeto de manipulação, designadamente não houve retirada ou corte de imagens, não foi sujeito a tratamento de imagem, não foram eliminados elementos de imagem do espaço físico que foi filmado, nomeadamente não foram retiradas das imagens captadas umas barreiras/ fitas de proteção que alegadamente circundavam a arena formada por barreiras de metal, sendo que estas barreiras de metal constam captadas no vídeo, e não foram dele retiradas barreiras de proteção a impedir ou avisar os espetadores de se colocarem junto às grades metálicas. 5 - O referido vídeo reporta-se à captação de imagens da garraiada ocorrida em 17.08.2014. 6 - O autor é natural da freguesia ..., concelho ..., nascido em .../.../1989 e filho de FF e de DDD 7 - Por Escritura Pública, datada de 28 de novembro de 2013, celebrada no Cartório notarial, sito na Avenida ..., Edifício ..., Loja ..., Rés-do-chão, na cidade de Amarante, perante a Exma. Notária EEE, a ré EE e seu marido venderam o prédio rústico melhor descrito no documento de fls. 140 a 143 dos autos à Fábrica de Igreja Paroquial da Freguesia ..., do Concelho de Amarante, aí representada pelo Sr. Padre FFF. 8 - Os 1.º a 3.º réus, em proveito próprio, decidiram e quiseram organizar uma garraiada de touros à vara larga, no Lugar ..., da freguesia ..., ..., concelho de Amarante, a realizar no dia 17 de agosto de 2014. 9 - Os 1.º a 3.º réus formaram um grupo ad hoc, que denominaram de Comissão de Festas em Honra .... 10 - O referido evento foi organizado pelos 1.º a 3.º réus. 11 - O evento foi objeto de publicidade, a qual foi realizada a mando dos 1.º a 3.º réus, com a divulgação do dia, hora, local e conteúdo do programa, apelando à presença de populares. 12 - Foi requisitada a presença dos Bombeiros Voluntários de Amarante e da Guarda Nacional Republicana de Amarante. 13 - E feito um contrato de seguro de Responsabilidade Civil de exploração, organização de eventos tauromáquicos, com a F... - Companhia de Seguros, S.A. 14 - O referido seguro, ao qual foi atribuída a apólice n.º ..., era de duração temporária, para o dia 17.08.2014, teve como tomador do seguro e segurado o 1.º réu, local do risco, o Lugar ..., ..., ..., Amarante. 15 - E limitada à indemnização de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros). 16 - A par do seguro sujeito à referida apólice, foram feitos para a mesma circunstância de tempo e modo, três seguros de acidentes pessoais, para aquela garraiada, junto da mesma companhia seguradora, subordinadas às apólices n.ºs ..., ..., ..., cujos segurados eram os 1.º a 3.º réus, tendo tais seguros sido contratados pelo 1.º réu com o conhecimento e aceitação dos 2.º e 3.º réus. 17 - Em inícios de agosto de 2014, mediante publicidade a circular no concelho ..., o autor tomou conhecimento que no dia 17 de agosto de 2014, pelas 17H00, iria realizar-se uma garraiada de touros à vara larga, na freguesia ..., ..., concelho de Amarante. 18 - Na mencionada data – 17 de agosto de 2014 -, pouco antes das 17 horas, o autor dirigiu-se ao Lugar ..., freguesia ..., ..., concelho de Amarante, acompanhado de amigos, a fim de assistir à referida garraiada. 19 - Ali chegado, o autor deparou-se com uma arena de terra batida, em formato circular. 20 - Formada a toda à volta por diversas barreiras em metal, com cerca de dois metros de altura cada uma, divididas por cerca de cinco traves horizontais, com espaços abertos entre elas, que permitiam a visibilidade aos espetadores. 21 - O espaço afeto aos espetadores era todo o exterior circundante às barreias que formavam a arena. 22 - Sem que existissem espaços vedados ao público ou zonas de segurança até à arena. 23 - No local, não se encontravam afixados, nem eram conhecidos, quaisquer certificados de inspeção, termos de responsabilidade ou licenças de funcionamento com referência àquele evento. 24 - Nem qualquer aviso prévio ou sinalização para zonas de segurança ou para a perigosidade da atividade e dos meios utilizados. 25 - Iniciada a garraiada cerca das 17 horas, o autor colocou-se do lado exterior à arena, formada pelas ditas barreiras metálicas. 26 - Em intervalos de aproximadamente 5 minutos, os touros, animais de grande porte, com hastes, que estavam sob vigilância e poder do seu proprietário, a quem o réu DD, com o acordo prévio dos réus AA e BB, tinha contratado os serviços e os animais para o evento, eram individualmente soltos por toda a arena por aquele proprietário a mando e em conformidade com o previamente acordado com aqueles réus, que, desta forma e nos moldes dados como provados, utilizaram aqueles animais no evento em questão. 27 - Enquanto que as pessoas inscritas para participar na garraiada, dentro da arena, toureavam o animal com varas. 28 - As varas utilizadas eram de eucalipto, com cerca de três metros de comprimento e entre 3 a 5 cm de diâmetro, cada uma. 29 - Uma das extremidades das varas, tinham umas pontas afiadas de aço, que permitiam aos participantes no interior da arena, picar o animal durante a garraiada. 30 - O autor manteve-se sempre na assistência, do lado exterior da arena. 31 - Aí colocado a assistir à garraiada e já a mais de metro e meio de distância da arena, por volta das 18H5, o autor foi surpreendido pelo arremesso de uma vara de madeira, após esta ter sido projetada/empurrada pelo touro que naquele instante estava a ser “garraiado”. 32 - Ao ser projetada, a vara de madeira atingiu o autor, na face e no olho (órbita) direito. 33 - Ao ser atingido, o Autor caiu inanimado no solo, tendo ficado momentaneamente em estado inconsciente (eliminado). 34 - O 1.º réu, enquanto organizador e pessoa que fez parte da comissão, todos os anos, desde 1993, dirigiu à Camara Municipal ..., concretamente ao Senhor Presidente da Câmara, um requerimento para pedir o licenciamento do recinto itinerante onde este evento se ia realizar. 35 - Seguiu-se a apreciação pelo município e a Câmara Municipal emitiu a licença do recinto itinerante onde este evento se ia realizar e foi paga a quantia exigida por este organismo. 36 - O referido requerimento dirigido ao Município foi acompanhado da declaração referida em 1 dos factos provados. 37 - No evento realizado no dia 17 de agosto de 2014, foi observado o seguinte: a presença dos bombeiros voluntários, força policial, a cargo da GNR, Médico veterinário da DGAV (Direção Geral de Alimentação e Veterinária) e o evento foi realizado em terreno do domínio privado. 38 - Em nenhum momento, a chamada Fábrica de Igreja Paroquial da Freguesia ..., agora designado Conselho Paroquial para os Assuntos Económicos, apôs a sua assinatura ou declarou autorizar junto de qualquer elemento da organização a realização do evento ocorrido em 17 de agosto de 2014. 39 - Os réus DD, AA e BB sabiam que a garraiada é uma atividade que comporta riscos. 40 - E representaram como possível que, no local, hora e circunstâncias descritas, podiam não estar reunidas todas as condições de segurança para o desenvolvimento da descrita garraiada, em virtude também da ausência de delimitação de um perímetro de segurança à volta da arena e até às barreiras metálicas que a delimitava, representando que, em virtude disso, os espetadores poderiam não estar protegidos e podiam vir a sofrer danos, mas não se conformaram com esse resultando, acreditando que tudo iria decorrer sem incidentes. 41 - No local, o autor foi de imediato assistido pelos Bombeiros Voluntários de Amarante, que ali se encontravam presentes. 42 - E, por eles, inicialmente transportado para o Serviço de Urgências da Unidade de Amarante, do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E. 43 - Em consequência direta e necessária do descrito acidente e daquele local, por volta das 19 horas, foi transportado pelos Bombeiros Voluntários de Amarante para o Serviço de Urgência, da Unidade de Amarante, do Centro Hospitalar do Tâmega, E.P.E. 44 - O qual, dada a natureza das lesões e necessidade de realização de exames complementares de diagnóstico e terapêutica, nesse mesmo dia, foi transferido para o Serviço de Urgência, da Unidade de ..., daquele mesmo Centro Hospitalar. 45 - Aí, foi suturado, submetido a uma Tomografia Computorizada (TC) do crânio e uma maxilo-facial, foi medicamentado com analgésico e antibiótico e diagnosticado com um traumatismo periorbitário direito e craniofacial. 46 - No dia 18.08.2014, o autor foi transferido para o Centro Hospitalar de São João, no Porto, onde deu entrada no Serviço de Urgência, por volta das 2H00. 47 - Nessa unidade hospitalar, foi assistido por neurocirurgia, cirurgia plástica e oftalmologia, tendo-lhe sido diagnosticado um traumatismo crânio-encefálico, assim como, um traumatismo da cabeça, face e pescoço. 48. Foi medicado com antibiótico e corticoides, via intravenosa, assim como, sujeito a Tomografia Computorizada (TC). 49 - Pela TAC cerebral foram descritas contusões hemorrágicas agudas infracentimétricas fronto-basais e fraturas afundadas do pavimento da órbita. 50 - Ao final da manhã desse mesmo dia teve alta dessa Unidade Hospital. 51 - Tendo ingressado, por transferência, por volta das 15H00, no Serviço de Urgência, da Unidade de ..., por ser esse o hospital correspondente à área de residência. 52 - Por volta das 17H00, o autor teve alta clínica desse serviço de urgência, medicado e com marcação de avaliação médica em consulta externa, para a especialidade de cirurgia plástica. 53 - Em 22 de agosto de 2014, foi observado em consulta externa de cirurgia plástica, daquela Unidade hospitalar, apresentando fratura em “blow-out” do pavimento da órbita direita. 54 - Foi-lhe detetada diplopia e enoftalmia. 55 - Em 16 de setembro de 2014, foi internado naquela Unidade, onde foi submetido pelo Serviço de Cirurgia Plástica, sob anestesia geral, a uma cirurgia de redução do conteúdo herniado do pavimento da órbita e reconstrução com rede de titânio. 56 - Dia 17 de setembro de 2014 o autor teve alta daquele serviço cirúrgico, com indicação de mediação analgésica e antibiótica e necessidade de reavaliação. 57 - No pós-operatório imediato, o autor manteve a diplopia. 58 - Após reavaliação posterior na especialidade de Cirurgia Plástica, em 7 de janeiro de 2015, o autor ainda mantinha diplopia, mais acentuada no plano horizontal. 59 - Por não apresentar melhorias significativas e por ser evidente a distopia inferior do pavimento da órbita, pelo mesmo Serviço de Cirurgia Plástica, em 26.05.2015 foi internado e submetido a nova Cirurgia Plástica, sob anestesia geral, com introdução de nova rede de titânio no pavimento, para tentar obter melhor posicionamento. 60 - Em 23 de setembro de 2015, o autor manteve diplopia, associada a enoftalmia acentuada. 61 - Fez fisioterapia, após consulta de Medicina Física e de Reabilitação no Hospital .... 62 - Em 12 de janeiro de 2016, o autor foi clinicamente avaliado no Centro Cirúrgico ..., pelo médico especialista Dr. GGG, que lhe diagnosticou uma diplopia vertical post traumatismo da órbita direita, indicando como tratamento, a necessidade de realização de cirúrgica, contudo sem garantia de êxito. 63 - Após avaliação médica, pelo especialista em oftalmologia, Dr. HHH, no I..., SA, o autor foi internado no I..., no Porto, onde, em 24.02.2016, por aquele médico especialista, foi submetido a uma intervenção cirúrgica, sob anestesia geral, de estrabismo, com enfraquecimento/reforço de dois músculos, no olho direito, em consequência da hipertrofia no olho direito e fratura da órbita, decorrente do acidente. 64 - Em 7 de abril de 2016, o autor foi reavaliado pelo mesmo médico oftalmologista, apresentando o seguinte resultado oftalmológico: VOD=10/10cc, VOE=10/10cc. 65 - Apresentava enoftalmia à direita, tendo-lhe sido prescritos óculos de correção. 66 - Em 2 de setembro de 2016, na C... Hospital, ainda pelo mesmo médico especialista de oftalmologista, foi sujeito a novo exame oftalmológico, que determinou o mesmo resultado já referido. 67 - E que registou uma diplopia que se agrava nas posições de leitura, com limitação da elevação do olho direito. 68 - Registou ainda uma enoftalmia à direita e fotofobia permanente. 69 - Mantendo a prescrição dos óculos de correção. 70 - Em 10 de fevereiro de 2017, o mesmo médico oftalmologista, Dr. HHH, determinou a seguinte incapacidade ao autor, definida segundo a Tabela Nacional de Incapacidades: • Enoftalmia capítulo V 1.8 – incapacidade atribuída 0,05; • Diplopia até 15o capítulo V 5.2.3 – incapacidade atribuída 0,3; • Perda da fixação bifoveolar capítulo V 4 – incapacidade atribuída 0,1; • Fotofobia permanente capítulo VI – incapacidade atribuída 0,05. 71 - Nessa época, o autor ainda carecia de ser clinicamente reavaliado. 72 - E ficou com consulta de oftalmologia com o Dr. HHH, agendada no I..., no Porto, para o dia 15.12.2017. 73 - Na Unidade de ..., do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E, ficou com consulta na especialidade de Cirurgia Plástica agendada para o dia 23.02.2018. 74 - As lesões sofridas pelo autor ficaram médico-legalmente consolidadas em 24.02.2017. 75 - Em consequência do sinistro e lesões sofridas, o autor ficou com as seguintes sequelas: fotofobia; enoftalmia; paralisias oculomotoras; e perda da fixação bifoveolar. 76 - A referidas sequelas afetam a sua vida familiar, pessoal, profissional, social e de lazer, acarretando-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 43 pontos. 77 - O autor tem a licenciatura de Engenharia Agronómica do Instituto..., obtida no curso de 2011-2014. 78 - Antes disso, nos anos de 2010-2011, obteve o CET de Vitivinicultura do Instituto .... 79 - Depois de frequentar, com êxito, nos anos de 2007-2010, o Curso Profissional .... 80 - À data do acidente, o autor tinha assegurado com a sociedade “S..., SA”, com sede em Vila Nova de Gaia, um contrato de trabalho, com início em 20.08.2014 e até 31.10.2014. 81 - Pelo referido contrato de trabalho, o autor iria exercer as funções de trabalhador agrícola, com trabalhos de vindima de adega e armazém, na Quinta ..., bem como, trabalhos de controlo de maturação, auferindo salário diário de 47,13€, perfazendo um ganho salarial de 2.450,76€ naquele período temporal, valor que deixou de auferir. 82 - Devido ao acidente e às lesões provocadas, o autor não pode iniciar esse contrato de trabalho, tendo tido um período de seis dias de incapacidade temporária total para a atividade profissional e um período de 552 dias de incapacidade temporária parcial para a atividade profissional. 83 - Desde a data do acidente e até pelo menos 23.02.2016, o autor não conseguiu exercer qualquer atividade profissional pelas dores que sentia e pela limitação visual e física que apresentava em consequência do sinistro. 84 - Em 14.09.2016, o autor iniciou estágio profissional remunerado ao serviço da Q..., Lda. 85 - Em consequência do sinistro e lesões sofridas, o autor não conseguiu ter autonomia financeira durante os referidos períodos de incapacidade temporária total e parcial. 86 - Nesse período, o autor sobreviveu com a ajuda dos seus pais, com quem reside. 87 - Tendo em consideração a atividade profissional do autor à data do acidente (engenheiro agrónomo e enólogo), o valor mínimo a receber, caso o autor não estivesse, parcial e temporariamente, incapacitado para o trabalho e caso o mesmo, naqueles referidos períodos de incapacidade, tivesse conseguido firmar contratos de trabalho, seria, pelo menos, correspondente ao valor diário de 47,13€, pagos pelas empresas do sector vinícola, como a citada sociedade, o que poderia perfazer um salário base mensal correspondente a 1.036,86€, podendo-lhe acrescer subsídio de férias e de natal. 88 - Em consequência do sinistro, lesões e sequelas sofridas, o autor precisa e precisará de se esforçar mais e despenderá mais energias para produzir aquilo que produziria se não fossem as lesões e sequelas sofridas. 89 - Com despesas médicas, medicamentosas, de tratamentos e transporte, até à data da propositura da ação, os custos ascenderam à quantia de 10.733,20€. 90 - Era uma pessoa alegre, sempre bem-disposto, trabalhador, convivia com a família, com os amigos e com os vizinhos era saudável, não necessitava de óculos e tinha vontade de viver. 91 - Devido às lesões e sequelas sofridas, o autor passou a viver com limitações, desconforto e aflição em todas as tarefas do seu dia-a-dia e do exercício da sua atividade profissional, o que tudo foi e é proporcional às incapacidades temporárias e permanente sofridas. 92 - Devido ao desconforto pela visão dupla que lhe confere a diplopia, pois tem, em determinados momentos, a perceção de duas imagens a partir do mesmo objeto. 93 - E da sensação de aversão à luz provocada pela fotofobia de que padece. 94 - É frequente o autor ficar a lacrimejar do olho direito, o que lhe acarreta muito desconforto e aflição. 95 - Passou a ter que usar próteses oculares, o que lhe acresce mais desconforto. 96 - Sofre de perda da fixação bifoveolar, que lhe acarreta esforços acrescidos. 97 - Até à segunda cirurgia realizada no Hospital ..., o autor esteve, inicialmente totalmente e de seguida parcialmente, dependente de terceiras pessoas, que lhe estavam próximas. 98 - Inicialmente não conseguia movimentar-se sozinho, tinha que ser apoiado e não se conseguia vestir, calçar, tomar banho sozinho, o que foi progressivamente melhorando. 99 - Inicialmente precisava de ajuda ao deitar, o que foi progressivamente melhorando. 100 - Não conseguia olhar as pessoas ou objetos de frente, pois para poder visualizar tinha que olhar de lado. 101 - Atualmente, em consequência das lesões e sequelas sofridas, o autor está limitado, de forma proporcional ao défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 43 pontos, na sua profissão habitual e nas suas tarefas quotidianas, nomeadamente: conduzir veículos; andar de noite, pois a luz encandeia a visão; ler, ver televisão, ir ao cinema sem lhe exigir esforço acrescido, pois, em determinados momentos, vê as letras e imagens em visão dupla; praticar desporto; ir à praia ou estar numa esplanada, com exposição solar, dada a aversão à luz. 102 - Tem dificuldade em caminhar na rua e, em especial a subir e descer escadas e a exercer trabalhos que lhe requerem minúcia e precisão. 103 - Durante o período da sua recuperação funcional, que mediou entre o dia do sinistro e a data da consolidação médico-legal das lesões sofridas, o autor foi acometido de dores por causa daquelas lesões e no momento imediatamente a seguir ao sinistro, por causa dos tratamentos efetuados, pelas limitações funcionais que aquelas acarretavam naquele período temporal e do ponto de vista da visão dupla e pelas três cirurgias a que foi sujeito. 104 - O autor teve que ser sujeito a três intervenções cirúrgicas, que determinaram a necessidade de sujeição a três anestesias gerais, diversos exames radiológicos e internamentos. 105 - Factos penosos para o autor. 106 - Em virtude da lesão e das cirurgias realizadas, o autor teve que ser suturado, facto que determinou a existência de: cicatriz em L invertido na região frontal, supraciliar direita com um ramo de 1 cm e outro de 3 cm, nacarada com halo avermelhado, interrompendo a sobrancelha. 107 - Devido ao afundamento do globo ocular dentro da órbita, diagnosticada como Enoftalmia, também é percetível no Autor uma deformidade naquela zona do olho direito e, bem assim, uma assimetria em relação à zona do olho esquerdo. 108 - Factos que diminuem o autor, afetam a sua autoestima e lhe causam vergonha, não só em relação a terceiros, quando tem de se apresentar perante outras pessoas, como consigo próprio, sentimentos que com o tempo se vão atenuando. 109 - Por causa das lesões, para tratamentos, consultas, assistência médica, o autor teve necessidade de se deslocar a várias unidades hospitalares, longe da sua área de residência: Amarante, Penafiel, Porto, Coimbra. 110 - O que lhe causou ansiedade, stress e cansaço. 111 - Após o acidente, o autor passou a ser uma pessoa mais triste. 112 - O que inicialmente lhe causava uma expressão corporal mais deprimida e vexada, lhe retirava vontade de conviver com os amigos e vontade de frequentar locais públicos, sentimentos que com o tempo se vêm atenuando. 113 - Por causa das lesões e durante o seu período de recuperação funcional, o autor viveu angustiado, apreensivo, tenso e nervoso, o que, após a consolidação médico-legal, se foi diluindo, mas ficando o autor sempre com um perfil mais ansioso e nervoso, que não tinha antes do sinistro. 114 - Durante o seu período de recuperação funcional, o autor deixou de dormir normalmente, acordando muitas vezes sobressaltado ao recordar o acidente, o que lhe causou insónias, o que foi melhorando ao longo do tempo. 115 - Por causa das lesões e durante o seu período de recuperação funcional, o autor passou a mostrar irritabilidade e dificuldade de relacionamento com familiares e amigos, mostrando-se revoltado com o que lhe sucedeu, o que, após a consolidação médico-legal, se foi diluindo, mas ficando o autor sempre com um perfil de maior irritabilidade, que não tinha antes do sinistro. 116 - O autor sentiu-se desgostoso e sentiu-se complexado com as lesões e sequelas de que padeceu e padece, sendo que essas sequelas vão permanecer até ao fim dos seus dias, sendo que aqueles sentimentos foram diminuindo de intensidade ao longo do tempo. 117 - O autor tem receio que as suas sequelas se agravem. 118 - Aquando do acidente, logo em 17.08.2014, pelo 1.º réu foi participado e descrito o sinistro, junto da F... - Companhia de Seguros, S.A. 119 - Acionando a apólice n.º ..., do seguro de responsabilidade civil, contratado para o evento realizado no dia 17.08.2014, com o intuito de ser o autor indemnizado pelos danos sofridos em consequência do acidente. 120 - O montante máximo seguro era de 25.000,00€, tendo a F... liquidado o valor máximo. 121 - A quantia de 10.733,20€ foi paga pela Companhia de Seguros F... a título de despesas suportadas até à data da propositura da ação, às entidades médicas, clínicas e de transporte, que intervieram junto do Autor. 122 - O remanescente foi pago ao autor, por conta da indemnização. 123 - Com os referidos pagamentos, o autor deu quitação integral ao Segurador – F... - Companhia de Seguros, S.A.. 124 - Em consequência das lesões e sequelas sofridas, o autor teve e continuará a ter necessidade de ter consultas de oftalmologia de vigilância, com que teve e terá despesas com a própria consulta e com o transporte para a mesma. * Com interesse para a decisão da causa, não se provaram os seguintes factos:1 - A assinatura correspondente ao nome de EE constante do documento referido no ponto 1 dos factos provados tivesse sido ali aposta pelo próprio punho da EE. 2 - A assinatura correspondente ao nome de EE constante do documento referido no ponto 1 dos factos provados tivesse sido ali aposta pelo próprio punho do réu DD ou do réu BB. 3 - A ré EE tivesse declarado não se opor à utilização do prédio referido na declaração constante do ponto 1 dos factos provados para instalação do recinto da garraiada a realizar-se no dia 17.08.2014, e bem assim que, nessa altura e para esse efeito, se tivesse arrogado da qualidade de proprietária. 4 - O 1.º vídeo constante do doc. n.º 7 junto com a petição inicial tivesse sido objeto de manipulação, designadamente tivesse dele sido retiradas as barreiras de proteção a impedir ou avisar os espetadores de se colocarem junto às grades metálicas. 5 - O referido 1.º vídeo não se reportasse à captação de imagens da garraiada ocorrida em 17.08.2014, designadamente que o não aparecimento daquelas barreiras de proteção não reportasse a realidade que envolveu a organização da garraiada ocorrida em 17.08.2014. 6 - O 2.º vídeo constante do documento n.º 7[8] junto com a petição inicial se reportasse à captação de imagens da garraiada ocorrida em 17.08.2014. 7 - O documento de fls. 255 dos autos correspondesse ao cartaz que fez a publicidade da garraiada em causa nos autos. 8 - O documento de fls. 255 dos autos não correspondesse ao cartaz que fez a publicidade da garraiada em causa nos autos, tendo sido fabricado apenas para instruir a ação. 9 - Os intervenientes FF e GG, em proveito próprio, tivessem decidido e querido organizar uma garraiada de touros à vara larga, no Lugar ..., da freguesia ..., ..., concelho de Amarante, a realizar no dia 17 de agosto de 2014. 10 - Os intervenientes FF e GG tivessem formado um grupo ad hoc, que denominaram de Comissão de Festas em Honra .... 11 - A organização da garraiada levada a cabo pelos 1.º a 3.º réus o tivesse sido com a anuência e colaboração da 4.ª ré ou da interveniente Fábrica de Igreja Paroquial da Freguesia ..., e bem assim que aquela ou esta tivessem permitido que a garraiada tivesse decorrido nos moldes dados como provados. 12 - Em 17.08.2014, a 4.ª ré fosse a possuidora/administradora do prédio rústico, sito no Lugar ..., na freguesia ..., ..., concelho de Amarante, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo .... 13 - Esse prédio tivesse sido cedido pela 4.ª ré ou pela Fábrica de Igreja Paroquial da Freguesia ... aos 1.º a 3.º réus e Intervenientes FF e GG, para a realização da garraiada. 14 - Os intervenientes FF e GG tivessem efetuado ou mandado efetuar a publicidade do evento. 15 - A publicidade referida no ponto 11 dos factos provados tivesse sido efetuada nos jornais e rádios. 16 - Os intervenientes FF e GG tivessem contratado ou beneficiado dos seguros referidos nos factos provados. 17 - Os touros referidos nos factos provados tivessem sob vigilância e poder dos intervenientes FF e GG. 18 - Em consequência das sequelas sofridas pelo autor, o mesmo tivesse ficado, após a data da consolidação médico legal das lesões, totalmente incapacitado para a atividade profissional. 19 - Em virtude do sinistro, lesões e sequelas sofridas, o autor não tivesse conseguido exercer qualquer atividade profissional entre 23.02.2016 e 14.09.2016. 20 - À data do sinistro, o autor fosse praticante de desporto. 21 - Fosse frequente o autor ficar ofuscado da visão e ficar com vermelhidão. 22 - Atualmente ainda fosse frequente o autor sentir uma ligeira dor, na parte da face imediatamente inferior ao olho direito, com sinais de picadas esporádicas. 23 - O espetáculo da garraiada tivesse sido sempre, ao longo dos anos, realizado em recinto improvisado, em terra batida, com formato circular, cercado por barreiras de metal, de três metros de comprimento e 2 metros de altura, formando uma grade em quadrados de cerca de quinze centímetros, e, ainda, após as barreiras de metal, o recinto é vedado por uma fita vermelha, que fica a cerca de 2 metros de distância da barreira metálica. 24 - Na garraiada em causa nos autos, realizada nas circunstâncias de tempo, lugar e modo descritas nos factos provados, os réus tivessem colocado ou mandado colocar, após as barreiras de metal, o recinto vedado por uma fita vermelha, a cerca de 2 metros de distância da barreira metálica existente. 25 - Só após essa fita vermelha é que os espetadores podiam assistir ao espetáculo em segurança. 26 - A zona de segurança estivesse bem delimitada e definida, à vista de todos os espetadores. 27 - Se encontrasse na mesa de apoio ao evento, a licença de funcionamento com referência ao evento, estando afixada e bem visível, bem como, a fiscalização do Ministério da Agricultura. 28 - O autor não estivesse estado sempre na zona de segurança, demarcada para o público. 29 - O autor tivesse atravessado a fita vermelha até colocar-se pendurado na barreira metálica, bem como tocar com a mão na cabeça dos animais. 30 - Tivesse sido o autor por diversas vezes, avisado, pela organização, através de alto-falante, pela GNR que iam passando junto da arena, e por outros espetadores, que estavam naquela zona do espetáculo, dos perigos e dos riscos que estava a correr. 31 - Todos os avisos tivessem sido infrutíferos. 32 - O autor se apresentasse muito eufórico, para o espetáculo e já bastante “alegre”. 33 - O autor não tivesse acatado e não tivesse respeitado os avisos e conselhos dos espetadores ali presentes, nem tão pouco os avisos da organização, bem como, os da GNR. 34 - O autor, perante a insistência dos espetadores que lhe iam dizendo dos perigos que corria, por não estar instalado na zona de segurança, mesmo assim achava que tinha razão, ainda insultando e maltratando os presentes. 35 - Tivesse sido, nesse momento, e nessa zona, dentro da área de segurança, ou seja, entre a barreira metálica e a fita vermelha, que o autor foi atingido pela vara de madeira. 36 - Os chamados e a ré EE soubessem que, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos factos assentes, não estavam asseguradas as condições mínimas de segurança para o desenvolvimento da garraiada; que soubessem que estavam a desenvolver uma atividade que comportava riscos; e que soubessem que podiam causar danos aos espetadores. 37 - Os réus DD, AA e BB se tivessem conformado com a representação descrita em 40 dos factos provados. 38 - Para além do referido em 124 dos factos provados, o autor continuasse a ter necessidade de tratamentos e continuasse a ter despesas medicamentosas. III.II – Fundamentação de Direito A sentença recorrida condenou solidariamente os réus recorrentes (além do réu DD) com a fundamentação que ora se transcreve, sucintamente, e se sublinha: “(...) a questão nuclear tem que ver com a responsabilidade civil extracontratual. Nos termos do art. 483, n.º 1, do Código Civil, os pressupostos da responsabilidade extracontratual por facto ilícito são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (...) Dispõe o art. 493, n.º 2, do CC, que “quem causar danos a outrem, no exercício de uma atividade perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”. Tal normativo prevê uma presunção de culpa por parte do causador dos danos, fazendo impender sobre ele o ónus de provar que, tendo tomando todos os cuidados que as circunstâncias impunham, não agiu com culpa (...) Em nosso entender, a garraiada, enquanto evento tauromáquico, é uma atividade perigosa, por natureza e pelos meios utilizados. Isto porque, nessa atividade, são utilizados touros, considerados animais perigosos, de força desmesurada, de grande porte, imprevistos e suscetíveis de investidas e ataques. Ainda mais, quando atiçados e fisicamente infligidos com picadas de varas com pontas afiadas de aço, também elas um meio perigoso, lançadas pelos participantes, tal qual acontecia na garraiada em causa (...) importa verificar se, de acordo com os factos apurados, se pode concluir que aquela comissão de festas ad hoc e os seus membros mantiveram o domínio e possibilidade de intervir na garraiada enquanto evento tauromáquico, designadamente se tinham o domínio e possibilidade de tomar e assegurar as medidas necessárias a proteger os espetadores dos perigos que a atividade que organizaram acarretava, designadamente a possibilidade de arremesso das varas utilizadas para “picar” os touros (...) Concretamente, eram os organizadores que tinham o poder de decisão e o domínio do facto de implementar no local todas aquelas medidas e, concretamente, a elementar medida de existência de um perímetro de segurança à volta da arena, vedado ao público/espetadores, suficientemente largo, destinado a impedir o público de se aproximar em demasia do gradeamento da arena, que era permeável, porque aberto, ao arremesso perfeitamente previsível das varas utilizada com dimensões consideráveis (como resulta do ponto 28 dos factos provados). Assim, quem organiza um evento destes, não se pode alhear daquelas cautelas, refugiando-se no facto de os touros poderem não estar sob a sua guarda e vigilância. Até porque os riscos da atividade organizada – garraiada - são muito maiores do que aqueles que resultam apenas da existência daqueles animais (os quais encerram em si mesmo apenas um dos riscos envolvidos), podendo a atividade causar danos que nada têm que ver com os deveres de guarda e vigilância, como não têm, em nosso entender, no que se refere ao sinistro em causa nos autos. Assim, os organizadores de um evento deste género, em concreto, os 1.º a 3.º réus, tinham de manter sempre o seu ascendente sobre as cautelas a ter (...) para além dos factos apurados permitirem afirmar a existência de facto ilícito, de um dano e de um nexo entre o facto e o dano - ao facto voluntário dos agentes/autores, ou seja, os réus DD, BB e AA (enquanto organizadores do evento), acresce a violação do direito de outrem, os prejuízos que o autor sofreu, e o nexo entre o facto e estes prejuízos -, permitem também afirmar a autoria dos réus DD, BB e AA, e bem assim permitem sustentar a existência contra eles da presunção de culpa estatuída no artigo 493, n.º 2, do CC. Os réus não lograram elidir a referida presunção de culpa, pois que não lograram provar os factos por eles alegados destinados a cumprir tal tarefa, assim como não lograram provar os factos que se destinavam a demonstrar a alegada culpa do autor, sendo certo que o ónus de prova dos mesmos incidia sobre eles, nos termos do art. 342, n.º 2, do CC (cfr. ainda art. 570, n.º 2, do CC). Acresce que, para além da culpa presumida, os factos apurados permitem afirmar a culpa efetiva daqueles réus, a título de negligência (cfr. pontos 19 a 32, 39 e 40 dos factos provados). Na verdade, sem prejuízo do autor não ter logrado provar a existência de dolo por parte daqueles réus, os factos apurados revelam que, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar em que o acidente ocorreu, aqueles réus podiam e deviam ter agido de outro modo, pelo que os mesmos, na organização do evento em questão, não atuaram com a diligência que um bom pai de família - o homem normal - teria em face do condicionalismo do caso concreto, designadamente não delimitaram à volta da arena um perímetro de segurança vedado ao público e utilizaram varas cujas características violam o disposto no art. 43.º do Decreto Regulamentar n.º 62/91, de 29/11. E foi desta ausência de diligência que os riscos próprios da atividade desenvolvida ficaram exponenciados e determinaram o sinistro sofrido pelo autor. E, desta feita, é possível dirigir àqueles réus um juízo de censura, o qual assenta precisamente no facto de não terem observado as regras de segurança que se lhes impunham no caso concreto e cuja observância teria permitido evitar o sinistro, que representaram como possível, mas não se conformaram com a representação, acreditando indevidamente que tudo decorreria sem incidentes, tratando-se, portanto, de uma negligência consciente. Assim sendo, verificando-se preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos em relação àquelas identificadas pessoas, respondem as mesmas pelos danos causados ao autor (...)”. O recorrente AA (Apelação 1) invoca, no que ainda importa à apreciação do recurso, e acautelando a possibilidade de improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, a violação do disposto nos artigos 483 e ss., 490 e 570 do CC, dizendo nas suas conclusões que “a organização do evento, pelo réu recorrente, nunca existiu”; no entanto, ainda que tivesse existido, o “recorrente não era o proprietário dos touros, os animais nunca estiveram na sua posse ou domínio, mas sim na do seu proprietário, as grades da arena eram do proprietário dos animais, o recorrente não picou qualquer touro, o recorrente não usou nenhuma vara e designadamente não tinha na sua posse a vara que, alegadamente, atingiu o autor” e, por outro lado, o “autor, maior de idade, apreciador destes eventos, licenciado, de acordo com o padrão médio e os critérios de normalidade, aliás invocado na sentença, devia ter previsto que de acordo com o que viu no local era possível uma vara saltar pelas aberturas das grades” e “aceitou de livre vontade assistiu a uma atividade perigosa, optando por não manter uma distância de segurança, conformando-se com o que pudesse vir a acontecer” e, por isso, e também por estes motivos a ação tinha de improceder. O recorrente BB (Apelação 2), por sua vez, invoca também a violação dos artigos 493 e 570 do CC e sustenta que o comportamento do autor, “incauto, negligente e inequivocamente perigoso teve como resultado e causa, as lesões que o autor veio a sofrer” e que o autor, ao “ao decidir ultrapassar o perímetro de segurança e colocar-se junto às grades, dando palmadas aos animais que por ele passassem, não cumpriu a diligência que lhe era exigível, tendo contribuído, de forma exclusiva, para as lesões que sofreu”, o que determina a exclusão da indemnização, nos termos do disposto no artigo 570 do CC. No entanto, acrescenta, “ainda que o recorrido estivesse fora da zona de segurança – exercício que apenas pode mero dever de patrocínio se faz – sempre teria uma contribuição na lesões que veio a sofrer, considerando o perigo e risco notórios e de senso comum, associados à assistência àquele tipo de eventos”, pois ao “deslocar-se ao local da garraiada e ao estar presente, enquanto espetador, nesse mesmo evento, ainda que a 1,5 metros das grades metálicas, ao autor colocou-se, consciente e voluntariamente, numa situação em que sabia estar a correr um risco e que aceitou” e a “a exposição voluntária ao perigo não pode deixar de revelar para efeitos de contabilização da indemnização a arbitrar ao autor e a exposição ao perigo, por parte do autor, não pode ser considerado como tendo contribuído para a ocorrência das lesões em proporção inferior a 50%”. Apreciemos o mérito dos recursos, na parte relativa à aplicação do direito, o que pode fazer-se conjuntamente, sem daí sair prejudicado conhecimento do objeto de cada uma das apelações. Por outro lado, temos por assente (atendendo à manutenção dos factos dados como provados, sendo certo que a eliminação do ponto de facto (provado) n.º 33 é de todo irrelevante para a apreciação que se segue) que o primeiro recorrente foi coorganizador da garraiada de 17.08.2014 e, nesta garraiada, não existia o chamado perímetro de segurança, o que afasta a alegada violação, pelo autor, do aludido perímetro e, finalmente, não existem factos relevadores de um comportamento incauto e temerário (subida às grades da arena, interação com o touro) por parte do demandante. A sentença recorrida fez aplicação do disposto no artigo 493, n.º 2 do CC, preceito que dispõe que “Quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir” e, se bem vemos, os recorrentes não põem em causa a aplicabilidade do preceito à situação aqui em causa, concretamente, uma garraiada /tourada com picadores munidos de varas destinadas a picar os touros. Como refere Antunes Varela, “quanto aos danos causados no exercício de atividades perigosas (fabrico de explosivos, tratamento com rádio, transporte de combustíveis, navegação marítima ou aérea, etc.) o lesante só pode exonerar-se de responsabilidade, provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar (...). O caráter perigoso da atividade (causadora dos danos) pode resultar (...) ou da própria natureza da atividade (fabrico de explosivos, confeção de peças pirotécnicas, navegação aérea, etc.) ou da natureza dos meios utilizados (tratamento médico com ondas curtas ou com raios X, corte de papel em guilhotina mecânica, tratamento dentário com broca, etc.)”.[9] Mário Júlio de Almeida Costa, referindo-se à consagração legal de uma “presunção de culpa em relação à responsabilidade”, esclarece que “A estatuição alarga-se aos danos decorrentes do exercício de uma atividade perigosa, “por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados” (ex.: fabrico de explosivos, navegação aérea, transporte de materiais inflamáveis, aplicação médica de raios X, ondas curtas). Deve tratar-se, pois, de atividade que mercê de qualquer dessas duas razões, tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes atividades em geral.”[10] A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar atividades perigosas, nomeadamente, a prática de patinagem [STJ, 11.09.2012][11]; as corridas de cavalo e as de Karting [STJ, 18.09.2012[12] e 6.06.2002[13]]; a condução de aeronave [STJ, 3.11.2020[14]] e o comércio e armazenamento de inflamáveis [STJ, 28.02.2002[15]] e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão[16] dá conta de vários casos considerados, “na nossa jurisprudência” como correspondendo a uma atividade perigosa por “sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados”. Citamos alguns exemplos: atividades de monda química por meios aéreos, construção de barragens, fabrico de produtos pirotécnicos, abate de árvores, utilização de explosivos, realização de escavações no sopé de encosta com máquinas escavadoras, utilização de gruas na construção civil, demolição de placas com retroescavadora, corridas de todo o terreno, lançamento de fogo de artifício e captação, condução e transporte de água potável.[17] No caso presente, como se adiantou, estamos perante uma garraiada à vara larga. Nela são utilizadas varas com cerca de 3 metros, tendo, em uma das pontas, um bico de metal (precisamente para picar o touro). A garraiada foi realizada numa arena redonda com cerca metálica, instalada para o evento, com espaços destinados à visão dos espetadores através das grades e por onde, espaços, podiam passar (como é óbvio, mas também foi reconhecido) as varas de picar, transpondo as grades. Temos como acertado o enquadramento do evento na citada previsão do artigo 493, n.º 2 do CPC, preceito que estabelece uma presunção de culpa, ainda que não de causalidade. No entanto, quanto a esta, os factos são evidentes: as grades da arena permitiam a passagem das varas de picar e o autor, que estava fora da arena, foi atingido por uma vara de picar, projetada de dentro da arena. E, por fim, a culpa está, pelo menos, presumida, pois os organizadores da garraiada não empregaram todas as providências exigidas para que... as varas de picar não ultrapassassem as grades da arena e atingissem os espetadores. Efetivamente, para lá de não se ter demonstrado haver um perímetro de segurança, o certo é que era permitido ao público posicionar-se ao nível da arena e a cerca da arena deixava passar as varas de picar. Houve, assim, responsabilidade dos coorganizadores. Resta saber se essa responsabilidade deve ser afastada (excluída) atento o comportamento do autor ou, pelo menos, a correspondente indemnização deve ser diminuída (artigo 570 do CC). Entendemos que não, pois os factos não permitem imputar ao autor qualquer comportamento negligente e causal ao dano por si sofrido. Não tendo ficado demonstrado que o autor se encontrava em local onde não podia/devia estar, que tenha tido um comportamento temerário de subir às grades ou de interagir com os touros, não se provando, sequer, que existiu uma faixa de segurança, é manifesto que não pode imputar-se ao demandante qualquer comportamento censurável. Entendemos, por tudo, que a decisão recorrida apreendeu corretamente os factos resultantes da prova produzida e aplicou corretamente o Direito, nada havendo a censurar-lhe. As apelações, revelam-se, por consequência, improcedentes, sendo os apelantes responsáveis pelo pagamento das custas dos recursos, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário. IV - Dispositivo Pelo exposto, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente ambas as apelações e, em conformidade, confirma-se a sentença recorrida. Custas pelos apelantes. Porto, 12.09.2022 José Eusébio Almeida Carlos Gil Mendes Coelho _____________________________________ [1] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, 2022, págs. 622/623. [2] Processo Civil Declarativo, 3.ª Edição, Almedina, 2020, pág. 388. [3] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, cit., págs. 623/624. [4] Referimos o ponto n.º 5 dos factos dados como provados, não obstante o apelante BB, nas conclusões do seu recurso se referir ao ponto n.º 6. Trata-se, no entanto, não de qualquer alteração ou restrição do objeto do recurso, mas de um lapso manifesto, uma vez que o ponto n.º 6 dos factos dados como provados não é, evidentemente impugnado (trata-se da data de nascimento e filiação do autor, factualidade já considerada provada, em sede processual anterior) e, por outro lado, nas alegações, propriamente ditas, o apelante refere expressamente o ponto de facto n.º 5, que efetivamente corresponde substantivamente à sua pretensão impugnatória, a qual se prende com o primeiro dos vídeos juntos pelo autor, tal como o conteúdo deste facto (dado como provado) n.º 5. [5] Cfr. nota anterior: trata-se do ponto n.º 5, sendo manifesto lapso a referência ao ponto n.º 6 dos factos dados como provados. [6] Sem prejuízo do ponto n.º 33 [Ao ser atingido, o autor caiu inanimado no solo, tendo ficado momentaneamente em estado inconsciente] dos factos dados como provados. [7] Resumimos os depoimentos de parte à factualidade que não seja mera e exata repetição das assentadas que transcrevemos. Por outro lado, não damos apontamento dos depoimentos testemunhais das testemunhas HHH e III [Ficheiros n.ºs 20210527141927 e 20210527143920], médicos, oftalmologista e cirurgiã plástica, respetivamente, atento o objeto das impugnações da decisão relativa à matéria de facto. Mais se deixa consignado que nas audiências de 1.06.2021, 2.09.2021 e 19.10.2021 não foi produzida prova e, erradamente, a segunda das referidas aparece datada (novamente) de 1.06.2021 – fls. 940 do processo físico e 1153 do processo eletrónico. [8] Trata-se do vídeo apresentado inicialmente pelo autor como documento n.º 34. [9] Das Obrigações em geral, Vol. I, 8.ª edição, Almedina, 1994, págs. 605/606. [10] Direito das Obrigações, 12.ª Edição Revista e Atualizada, 7.ª Reimpressão, Almedina, 2019, págs. 587/589. [11] Tratou-se da prática de hóquei em patins. Relator, Conselheiro Fernandes do Vale, dgsi. [12] Apreciou um caso de corridas de cavalo a galope. Relator, Conselheiro Gregório de Jesus, dgsi. [13] Karting na via pública. Relator, Conselheiro Abel Freire, dgsi. [14] Relatora, Conselheira Maria João Vaz Tomé, dgsi. [15] Tratou-se de um caso em que ocorreu um incêndio em pez louro, quando as embalagens que continham o produto estavam a ser paletizadas com um instrumento que produzia chamas. Relator, Conselheiro Óscar Catrola, dgsi. [16] Direito das Obrigações, Volume I, 13.ª Edição, Almedina, 2016, pág. 293, nota 721. [17] O presente parágrafo transcreve o que ficou dito por este mesmo coletivo no acórdão proferido em 8.02.2021 no processo n.º 9754/17.4T8PRT.P1 (dgsi). |