Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2676/23.1T8LOU-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: MÚTUO BANCÁRIO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
VENCIMENTO ANTECIPADO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INÍCIO DA CONTAGEM
Nº do Documento: RP202504102676/23.1T8LOU-A.P1
Data do Acordão: 04/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As prestações fixadas no contrato de mútuo para reembolso do capital mutuado, juros remuneratórios e encargos encontram-se sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos consagrado na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, prazo que vale igualmente para os juros de mora.
II - Esse prazo não se altera nas situações de vencimento antecipado das prestações por incumprimento do devedor.
III - Nessa hipótese, o início da contagem do prazo tem lugar quando ocorre o vencimento (antecipado) das prestações.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO DE APELAÇÃO
ECLI:PT:TRP:2025:2676.23.1T8LOU.A.P1
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SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. Relatório:
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa em que é exequente A..., S.A., sociedade comercial com o número de contribuinte e de identificação de pessoa colectiva ... e sede em Lisboa, e é executado AA, contribuinte fiscal n.º ..., residente em ..., Paredes, tendo por objecto a execução coerciva de dívida emergente de um contrato de mútuo bancário, garantido por uma livrança, no montante total de €43.803,02, veio o executado deduzir embargos de executado, pedindo a extinção total da execução.
Para fundamentar os embargos arguiu, entre outras excepções, a prescrição da quantia exequenda pelo decurso do prazo de 5 anos sobre cada uma das prestações vencidas.
O embargado apresentou contestação, defendendo a improcedência dos embargos e sustentando para o efeito que a quantia exequenda não está prescrita.
Após os articulados, foi proferido despacho saneador, no qual se conheceu de imediato do mérito dos embargos, julgando-os totalmente procedentes por efeito da prescrição da quantia exequenda.
Do assim decidido, o embargado interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I. Considerou o Tribunal a quo que “procede a arguida excepção peremptória da prescrição do direito de crédito exigido pela exequente através da execução em apreço e, em consequência, extinguiu-se tal direito com a consequente procedência dos presentes embargos de executado e consequente extinção da execução (vide art. 732º, nº 4, do C. P. Civil), ficando assim prejudicado o conhecimento da demais matéria apontada pelas partes”.
II. Posição esta que com a qual, com o devido respeito, que é muito, discordamos em absoluto por não se encontrar em consonância com o consagrado no ordenamento jurídico português.
III. Com base na decisão ora em querela, encontra-se em causa a matéria adjacente ao incumprimento do contrato de mútuo celebrado entre o credor primitivo e o executado.
IV. Acontece que, no caso dos autos, o executado não cumpriu com os termos daquele negócio, nomeadamente, o pagamento pontual dos valores fracionados no tempo, para efeitos de liquidação do valor mutuado.
V. No entanto, sucede que, o tribunal a quo entende que “tendo em conta que o contrato é de 2008 que deixou de pagar em 2015, na data da instauração da execução em 2024 já havia decorrido o prazo prescricional desde 2020, muita antes das suspensões dos prazos por força da COVID 19. Ora, tendo em conta a data da instauração desta execução é evidente que se verificou a pretendida prescrição e, consequentemente, extinguiu-se o direito exequendo ora reclamado pela exequente.”.
VI. Porquanto, e por descordarmos veemente da interpretação efectuada, entendemos que, num passo lógico, importa ad initio começar pelo cerne da questão.
VII. Nos termos do artigo 1142.º do Código Civil, doravante CC, o contrato de mútuo define-se na essência de uma das partes emprestar à outra dinheiro, ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir à primeira no mesmo género e qualidade.
VIII. No que lhe concerne, o contrato de mútuo bancário implica que a instituição financeira se obrigue a colocar à disposição do seu cliente determinada quantia em dinheiro, ficando este obrigado a restituir-lha em montante idêntico.
IX. Atento o incumprimento imputável ao executado, o banco cedente viu-se obrigado a dar o contrato celebrado como definitivamente incumprido a 1 de Fevereiro de 2015.
X. Assim, e em virtude do contexto inalterável de incumprimento, viu-se a aqui recorrente forçada a promover pelo preenchimento da livrança ora dada à execução.
XI. Todavia, face ao facto de, desde a data de resolução do contrato (2015) e a data de accionamento da livrança (2023), ter ocorrido um hiato superior a cinco anos, entende o tribunal a quo que a dívida se encontra prescrita nos termos do artigo 310.º, alínea e) do CC.
XII. Fundamenta o tribunal a quo que deveriam os embargos deduzidos pelo executado prosseguir com fundamento na aplicação do prazo prescricional de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alíneas, d) e e) do CC.
XIII. Interpretação esta com a qual, reiterando uma vez mais, não poderá a ora recorrente se conformar, atento que, trata-se de uma clara e evidente interpretação errada do normativo que tem por base a douta sentença.
XIV. Como tal, para o efeito, importa desde já trazermos à colação os termos do artigo 310.º do CC, epigrafado de “Prescrição de cinco anos”: Prescrevem no prazo de cinco anos: a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias; b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez; c) Os foros; d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades; e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros; f) As pensões alimentícias vencidas; g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
XV. Após analisado aquele preceito legal, incumbe-nos desde já traduzir o significado da alínea e), que refere a aplicabilidade do prazo prescricional de cinco anos “às quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”.
XVI. Ora, reportando-nos àquela norma em específico, verificamos que nos casos em que falamos em "quotas", propriamente ditas, encontramo-nos perante obrigações pagas em prestações, nas quais o devedor se obriga a liquidar a dívida de forma fracionada, englobando tanto o capital como os juros, até formar uma prestação única.
XVII. Neste sentido, pode-se afirmar com fortes certezas, que o prazo prescricional de cinco anos aplica-se quando se tratem de prestações em mora, que abrangem tanto o capital como os juros, sendo cada uma delas analisada de forma independente para efeitos verificabilidade da prescrição das mesmas.
XVIII. Assim, cada prestação em mora durante a vigência do contrato estará sujeita a um prazo prescricional de “curta duração”, o qual variará conforme a data de vencimento de cada uma delas.
XIX. Resulta do exposto que, até ao aludido incumprimento definitivo, encontravam-se em causa prestações fracionadas que haviam sido estipuladas para efeitos de cumprimento pontual do contrato.
XX. Como tal, as prestações acordadas tinham por objectivo a amortização do capital mutuado e juros.
XXI. Por sua vez, no caso dos autos, atento o incumprimento imputável ao executado, operou uma conversão das prestações fracionadas numa prestação de natureza única, colmatando assim a conjuntura aqui em apreço, nomeadamente, o aludido prazo de cinco anos de prescrição.
XXII. Com efeito, o que está em causa é a resolução do contrato por incumprimento, e, por conseguinte, a consequência prevista no artigo 781.º do CC, mormente, o vencimento antecipado da totalidade dos montantes em dívida.
XXIII. Por conseguinte, com o incumprimento definitivo, não são as prestações vincendas da obrigação resolvida que se vencem, mas sim a obrigação de restituir o valor no seu todo.
XXIV. A perda do benefício do prazo aplicável aos mutuários dado o não pagamento das prestações do valor mutuado confere ao credor o direito de exigir de imediato a totalidade do montante cujo reembolso estava outrora convencionado ser fraccionado em prestações.
XXV. Pelo que, o plano prestacional a que o contrato fazia referência convolou-se numa obrigação de natureza diversa.
XXVI. Assim, verificando-se um incumprimento definitivo, imputável ao devedor, com a resolução do contrato e a exigibilidade antecipada da totalidade da dívida, é clara e evidente a inaplicabilidade do artigo 310.º do CC.
XXVII. De acordo com o disposto no artigo 785.º do CC, existe uma hierarquia no modo como os montantes liquidados, devendo os mesmos ser atribuídos em primeiro lugar a título de despesas, seguidamente às indemnizações, depois aos juros, e só então ao capital em dívida.
XXVIII. Por sua vez, quanto aos juros especificadamente, os mesmos terão uma forma de incidência diferente, deixando de recair sobre o valor de cada prestação em atraso, passando a ser calculados sobre o montante total da dívida, em consequência da exigibilidade antecipada.
XXIX. Resulta então evidente que o valor peticionado em sede de requerimento executivo, trata-se assim de uma prestação instantânea, pelo que lhe será aplicável o prazo ordinário de 20 anos, conforme estipula o artigo 309.º do CC.
XXX. Deste modo, se o cumprimento fraccionado, por meio das quotas, não é aplicável no contexto previsto no artigo 781.º do CC, então, por uma questão de congruência, também não nos parece ser viável aplicar aquele prazo prescricional de cinco anos ao caso vertido nos autos.
XXXI. Assim, no que respeita, pelo menos, ao capital vencido antecipadamente devido ao incumprimento e à resolução do contrato, deverá ser sempre aplicável o prazo de prescricional ordinário de vinte anos, conforme dita o artigo 309.º do CC.
Nestes termos e nos demais de direito, com o mui douto suprimento de V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação …, não deverá ser dado provimento a sentença proferida pelo tribunal a quo, devendo o requerimento executivo ser aceite, e ordenando-se o prosseguimento da execução, fazendo-se assim a costumada Justiça.
O recorrido respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.

II. Questão a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida se a quantia exequenda, compreendendo capital em dívida e juros remuneratórios e de mora, se encontra prescrita.

III. Fundamentação de facto:
O tribunal a quo, «com base nos documentos infra referidos, no acordo das partes e na falta de impugnação do teor dos documentos juntos nestes autos pela exequente, por banda da embargante» julgou assentes os seguintes factos:
1. O Banco 1..., S.A. foi constituído por deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal lavradas em actas de reuniões extraordinárias de 3 e 11 de Agosto de 2014, nos termos do n.º 5 do artigo 145º-G do RGICSF, usando número de pessoa colectiva ..., registado na Conservatória de Registo Comercial conforme certidão permanente com o código de acesso ..., e cujo objecto social consiste na “Administração de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos do Banco 2..., S.A. para o Banco 1..., S.A., e desenvolvimento das actividades transferidas enunciadas no artigo 145º - A do RGICSF e com o objectivo de permitir uma posterior alienação dos referidos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito”.
2. Operou-se a favor do Banco 1..., S.A., nos termos da supras referidas actas, a transferência de direitos (e activos) e obrigações do Banco 2..., S.A. a favor deste banco de transição que, para os devidos efeitos legais e contratuais, sucedeu ex lege nos direitos (e activos) e obrigações daquele, mais ficando investido na posição de credor de cada um dos créditos anteriormente detidos pelo Banco 2..., S.A.
3. A B..., S.A.R.L., sociedade de responsabilidade limitada (société à responsabilité limitée), constituída ao abrigo das leis do Luxemburgo, com sede em Rue ..., ... Luxemburgo, registada no Registo Comercial e das Sociedades do Luxemburgo sob o n.º ..., celebrou com o Banco 1..., S.A. um Contrato de Cessão de Créditos, em 22 de Dezembro de 2018, mediante o qual a referida entidade cedeu diversos créditos, bem como, todas as garantias e acessórios a ele inerentes, incluindo os créditos que aquela instituição bancária detinha sobre os ora executados, cf. doc. n.º 1 junto com o requerimento executivo e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
4. Por sua vez, por contrato de cessão de créditos celebrado em 03 de Abril de 2020, alterado a 31 de Março de 2021, a Sociedade B... cedeu à Sociedade A..., S.A., diversos créditos, bem como todas as garantias e acessórios a ele inerentes - cf. doc. 3 junto no requerimento executivo.
5. O exequente é dono e legítimo portador de uma livrança preenchida pelo montante de € 43.803,02 (quarenta e três mil, oitocentos e três euros e dois cêntimos), que se junta como doc. n.º 4 e cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido para todos efeitos legais.
6. A referida livrança foi subscrita por AA, executado, e teve o seu vencimento em 19.06.2023.
7. Tal livrança foi subscrita para garantia da boa execução do Contrato de Crédito ao Consumo Banco 2... com a ref.ª ..., que assumiu na escrita do Banco Cedente o n.º ... e que actualmente assume o n.º ..., celebrado entre o Banco 2..., S.A., actualmente designado por Banco 1..., S.A., e o executado em 22.09.2008.
8. Atendendo ao vencimento do contrato por incumprimento definitivo e respectiva mora, o exequente procedeu ao preenchimento da livrança, no montante total de €43.803,02, e com data de vencimento em 19.06.2023.
9. Desse preenchimento e da data de vencimento foi dado conhecimento ao executado através de carta de interpelação datada de 06.06.2023 (cf. doc. n.º 5, que ora se junta e se tem por integralmente reproduzido).
10. No entanto, o exequente não obteve qualquer resposta do executado, no sentido de ser a dívida liquidada.
11. A livrança objecto dos autos é garantia de um contrato nº ...- IDRBES celebrado crédito ao consumo celebrado com o antigo Banco 2..., S.A. em 23 de Setembro de 2008, cujo montante mutuado foi de €33.854,77, conforme consta na carta que recebeu do antigo Banco 2..., S.A.
12. No contrato ficou contratualizado que o montante mutuado seria liquidado em 109 (cento e nove) prestações mensais e sucessivas, cada uma no valor que rondava mais ou menos os 400,00€ (convertido na moeda Euro) e a última a ser liquidada em Setembro de 2017, cuja duração do contrato seria de 9 (nove) anos, cf. Contrato junto pela Exequente na contestação aos embargos e cujo teor se dá aqui com integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
13. O incumprimento do contrato ocorreu em Novembro de 2014, e das 109 prestações do contrato, o embargante conseguiu pagar 72 prestações, conforme consta no extracto bancário datado de 15.02.2017, que ora se junta como doc. 2 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
14. A 17 de Fevereiro de 2015 o antigo Banco 2... endereçou uma carta ao embargante com o seguinte teor:
«Vimos, por este meio, comunicar que o contrato de CI - Crédito Individual de que é Titular, se encontra já em fase de Contencioso.
Não obstante os vários contactos anteriormente efectuados pelos nossos serviços, verificamos que a situação de incumprimento não foi ainda regularizada.
Deste modo, e a menos que seja efectuado o pagamento do valor em incumprimento de 1.582,22 €, calculado à data de 27/02/2015, o contrato em epígrafe considera-se de imediato denunciado ou declarado o seu vencimento antecipado. Assim, a partir dessa data, será exigido o pagamento da totalidade do seu valor em dívida acrescido de juros vencidos, vincendos e das despesas incorridas.
Informamos ainda que, caso não seja pago o montante em dívida no prazo acima indicado, se procederá ao preenchimento da Livrança e/ou proceder-se-á à execução da hipoteca/garantia (consoante a garantia associada ao contrato), não nos restando outra alternativa que não seja a do recurso à via judicial, para cobrança coerciva do crédito em questão, o que faremos decorrido o prazo acima mencionado»
15. A última prestação paga ocorreu a 02.10.2014 – cf. extracto bancário junto aos autos pelo executado nos embargos de executado.

IV. Matéria de Direito:
A exequente instaurou a presente execução dizendo-se titular de um direito de crédito sobre o executado em resultado de cessões de créditos realizadas até si a partir do credor originário. A exequente coloca-se, pois, na posição do credor originário, tal como atribui ao executado a posição correlativa de devedor originário.
Este dado é relevante porque dele resulta que nos encontramos no domínio das relações imediatas, isto é, das relações entre credor e devedor que são em simultâneo as partes da relação fundamental ou subjacente ao título de crédito que constitui o título executivo: a livrança.
Por conseguinte, independentemente da prescrição ou não do direito cambiário, ou seja, do direito emergente do regime do direito cartular, o executado pode invocar e fazer-se valer contra a exequente da prescrição do direito de crédito à luz do regime jurídico da relação fundamental ou subjacente.
Desse modo, mesmo que o direito cambiário (resultante da relação cartular) não se encontre prescrito, se estiver prescrito o direito de crédito (emergente da relação fundamental ou subjacente), os embargantes procedem e a execução deve ser extinta.
Vale isso para dizer que a questão que cabe decidir não é a da prescrição do direito emergente do título de crédito dado à execução, mas sim a da prescrição do direito de crédito, e que esta prejudica aquela.
A questão suscitada sobre a prescrição tem neste momento uma resposta clara e uniforme da jurisprudência, o que torna simples a decisão, sendo certo que o recorrente não oferece novos argumentos jurídicos para tentar rebater a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça e se limita a citar Acórdãos cuja doutrina se encontra prejudicada pelo entendimento uniformizado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
A questão enuncia-se assim: qual é o prazo de prescrição do direito de crédito proveniente de um contrato de mútuo bancário, no qual o banco mutuou ao cliente um determinado montante, obrigando-se este a restituir o montante recebido, os respectivos juros remuneratórios e os encargos legais, em prestações distribuídas ao longo de um período de tempo, cujo montante inclui capital, juros e encargos, vencendo-se cada uma delas na data acordada nesse plano de reembolso?
É o prazo ordinário de prescrição de 20 anos [artigo 309.º do Código Civil] ou o prazo curto de prescrição de 5 anos [alíneas d) e e) do artigo 310.º do Código Civil]?
Pedindo a devida licença para repetir o que por várias vezes já escrevemos a este respeito, dir-se-á:
O instituto da prescrição visa dar resposta à preocupação da estabilização das situações jurídicas, de modo a dar às pessoas a segurança e a paz de saberem com antecedência o conteúdo da respectiva esfera jurídica, dando-lhes a oportunidade de fazerem a suas opções de vida, sabendo de antemão quais os direitos que possuem e quais as vinculações jurídicas a que estão sujeitas.
Refere Ana Filipa Morais Antunes, in Estudos de Homenagem ao Prof. Sérvulo Correia, vol. III, pág. 39 que a «prescrição justifica-se em homenagem ao valor da segurança jurídica e da certeza do direito, mas, também, em nome do interesse particular do devedor, funcionando como reacção à inércia do titular do direito, fundada num imperativo de justiça (.). Na verdade, a prescrição é um instituto que se funda em interesses multifacetados. Não existe, pois, uma só razão justificativa do instituto, nem tão-pouco consensos ao nível doutrinário (.). Os seus principais fundamentos são: i) a probabilidade de ter sido feito o pagamento; ii) a presunção de renúncia do credor; iii) a sanção da negligência do credor; iv) a consolidação de situações de facto; v) a protecção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento; vi) a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos; vii) o imperativo de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos; viii) a exigência de promover o exercício oportuno dos direitos
Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 5.ª Edição, Almedina, pág. 380, escreve que «a prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita. Se o credor, ou o titular do direito, deixar de o exercer durante certo tempo, fixado na lei, o devedor, ou a pessoa vinculada, pode recusar o cumprimento, invocando a prescrição
O artigo 304.º do Código Civil estabelece que uma vez “completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”. A prescrição é, portanto, uma excepção que permite ao devedor impedir o exercício do direito de crédito pelo credor (cf. Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Volume II, 9.ª Edição). A prescrição não extingue o direito de crédito, apenas permite ao devedor recusar o seu cumprimento.
Existem dois tipos de prescrição, cada um com as suas especificidades: a prescrição comum ou extintiva e a prescrição presuntiva.
Pais de Vasconcelos, in loc. cit., pág. 381 e seg., distingue-as deste modo: «Na prescrição comum, o beneficiário só precisa de invocar e demonstrar a inércia do titular do direito no seu exercício durante o tempo fixado na lei. O regime comum da prescrição é neutro em relação ao cumprimento ou incumprimento. A prescrição ocorre, quer o devedor tenha já cumprido, quer não. Se já tiver cumprido, o devedor deixa de ter de invocar e demonstrar o cumprimento, basta-lhe invocar a prescrição: se não tiver cumprido, também a invocação da prescrição lhe permite bloquear a pretensão do credor. A prescrição não extingue o direito nem a vinculação. Apenas confere ao obrigado o poder de recusar o cumprimento. No entanto, se após o decurso do prazo da prescrição houver cumprimento, este é válido e eficaz. O obrigado que, após o decurso do prazo da prescrição, tiver procedido ao cumprimento sem a invocar, não pode repetir a prestação, ainda que não tivesse consciência de que podia beneficiar da prescrição. (…) A natureza e o regime jurídico da prescrição presuntiva são diferentes. Como expressa o artigo 312.º do Código Civil, a prescrição presuntiva funda-se na presunção do cumprimento. Passados os prazos da lei, o devedor pode opor a prescrição à pretensão do credor. Mas esta presunção é ilidível e o credor pode ainda alegar e demonstrar que o devedor não cumpriu. A ratio legis é clara: passado certo tempo sem o credor exigir o cumprimento, presume-se que o devedor já cumpriu. É assim que sucede na normalidade da vida e é da natureza das coisas que assim seja. O credor, por outro lado, fica sujeito que lhe seja oposta a prescrição se tolerar a mora durante mais do que aquele tempo e convém-lhe, por isso, não manter a inércia para além desse limite de tempo
Também Calvão da Silva, in A prescrição presuntiva e a armadilha do ónus da prova, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 138.º, n.º 3956, pág. 267 e seg., acentua que «a prescrição presuntiva funda-se na presunção de cumprimento (art. 312.º do Código Civil). Trata-se de uma particular categoria de prescrição breve, a determinar a presunção de pagamento ou cumprimento e não a extinção da prestação debitória. Por isso mesmo, a presunção de cumprimento ou pagamento pelo decurso do prazo pode ser ilidida pelo credor mediante prova em contrário (leia-se, provando o não cumprimento ou não pagamento), embora nos termos restritos e limitados dos arts. 313.º e 314.º do Código Civil – confissão pelo devedor originário ou herdeiro, seja a confissão judicial, seja a confissão extrajudicial por escrito. O que mostra a natureza híbrida ou mista da prescrição presuntiva: não sendo apenas presunção relativa ou presunção iuris tantum, ilidível por todo e qualquer meio de prova em geral admitido em direito (art. 350.º, n.º 2, do Código Civil), não chega todavia a ser presunção absoluta ou presunção iuris et de iure já que ilidível por confissão judicial ou extrajudicial escrita do devedor, o único meio susceptível de provar o contrário, vale dizer, o único meio admitido ao credor para contrariar a presunção de cumprimento, demonstrando o não cumprimento. (…) pode dizer-se que a prescrição propriamente dita é só uma – a prescrição extintiva ou liberatória, a constituir a regra por razões de interesse e ordem pública com a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico. Já a chamada prescrição presuntiva não passa de excepção, sujeita ao regime especial dos arts. 312.º e segs. do Código Civil – prescrição presuntiva que, portanto, não terá aplicação fora dos casos expressamente indicados por normas específicas que a prevejam, a impor, em caso ele dúvida acerca da natureza da prescrição, a regra da prescrição liberatória ou extintiva
No âmbito da prescrição extintiva, a lei consagra essencialmente dois prazos de prescrição: o prazo ordinário, de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil), e o prazo curto, de 5 anos (artigo 310.º do Código Civil). O prazo ordinário aplica-se em todas as situações às quais a lei não associe de modo expresso um prazo mais curto, pelo que o prazo ordinário é a regra e o prazo curto a excepção.
O artigo 310.º do Código Civil manda aplicar o prazo de prescrição de cinco anos a créditos de diversa natureza entre os quais se contam, no que interessa à economia dos autos, os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, [alínea d)] as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros [alínea e)] e quaisquer outras prestações periodicamente renováveis [alínea g)].
Júlio Gomes, in Comentário ao Código Civil: parte geral / [coord. de Luís Carvalho Fernandes, José Brandão Proença] – Lisboa: Universidade Católica Editora, 2014, página 755, escreve que «A ratio normalmente apontada para a existência destes prazos mais curtos de prescrição consiste em evitar que a inércia do credor conduza a um acumular de prestações, normalmente pecuniárias, cuja exigência poderia revelar-se extremamente onerosa para o devedor. Nas palavras sugestivas de Ana Filipa Morais Antunes (2008: 79), trata-se de “evitar a ruína do devedor pela acumulação das pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas” (p. 79). Alguma doutrina italiana encontra outro fundamento para o regime das pensões alimentícias vencidas, a saber, uma “presunção do fim da situação de necessidade do alimentando negligente” (Costantini, 2009: 290)
O Acórdão desta Relação de 21-03-2022, proc. n.º 22083/20.7T8PRT-A.P1, in www.dgsi.pt, informa-nos que «O Sr. Professor Vaz Serra, em sede de trabalhos preparatórios do Código Civil vigente [..], referia que a teleologia do nº 1, do artigo 543º do Código de Seabra se destinava “a evitar a ruína do devedor, pela acumulação das pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas”. Mais adiante, na obra que se acaba se citar [..], referia que com “os juros parece deverem prescrever as quotas de amortização, se deverem ser pagas como adjunção aos juros (Código alemão, § 197º), pois, se assim não fosse, poderia dar-se uma acumulação de quotas ruinosa para o devedor, apesar de, com a estipulação de quotas de amortização se ter pretendido suavizar o reembolso do capital e tratá-lo como juros” [..].»
Em função da influência do tempo sobre o seu objecto, é costume distinguir, usando a terminologia de Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, pág. 85 e seguintes, entre as prestações instantâneas, as prestações duradouras e as prestações fraccionadas ou repartidas.
As prestações instantâneas são aquelas cujo objecto é realizado num único momento, ou seja, o comportamento exigível do devedor esgota-se num só momento (quae único actu perficiuntur). Ao invés, nas prestações duradouras a prestação protela-se no tempo, tendo a duração temporal da relação creditória uma influência decisiva na conformação global da prestação, ou seja, não só o devedor é chamado a efectuar diversos actos para satisfação do direito de crédito do credor, como a extensão desses actos depende decisivamente do factor tempo.
Dentro das obrigações duradouras distinguem-se ainda as prestações de execução continuada, que são aquelas cujo cumprimento é feito continuamente ao longo do tempo, e as prestações reiteradas, periódicas ou com tracto sucessivo que são aquelas que se renovam no fim de períodos temporais consecutivos, sendo então aí cumpridas através de uma prestação instantânea correspondente a um desses períodos.
Existem ainda prestações fraccionadas ou repartidas que são aquelas cujo cumprimento se protela no tempo, mas em que o facto tempo não tem influência sobre o objecto da prestação mas apenas sobre o modo da sua execução, isto é, o objecto da prestação foi fixado previamente e permanece inalterado ainda que, por acordo das partes, o seu cumprimento deva ser feito ao longo de tempo, em momentos separados dividido em fracções ou parcelas.
A obrigação do mutuário de reembolso do capital mutuado, respectivos juros remuneratórios e encargos, devidos pela celebração de um contrato de mútuo no qual o cumprimento daquela obrigação foi fixado em prestações mensais distribuídas ao longo do prazo contratado para o mútuo, é uma prestação duradoura, fraccionada ou repartida.
Num contrato de mútuo bancário o valor de cada uma das prestações mensais do respectivo reembolso compreende parte do capital, juros e encargos, de modo a que a totalidade das prestações perfaça a totalidade do capital mutuado, dos respectivos juros remuneratórios e demais encargos. Por isso, parece não poder deixar de se entender que o crédito do banco mutuante correspondente a cada uma dessas prestações se encontra compreendido na previsão da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil por se tratar de uma quota de amortização do capital pagável com os juros.
Conforme escreveu Ana Filipa Morais Antunes, in Algumas questões sobre prescrição e caducidade, Separata de Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, 2010, página 47:
«[…] o preenchimento da situação contemplada na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil obriga a que se atenda às circunstâncias do caso concreto. Em particular, será relevante, para aquele efeito, o facto de o reembolso da dívida ter sido objecto de um plano de amortizações, composto por diversas quotas, que compreendam uma parcela de capital e uma parcela de juros remuneratórios.
[…] na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida.
[…] Constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra.»
Esta posição constitui, aliás, jurisprudência reiterada e predominante do Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais da Relação, conforme dão conta com grande pormenor os Acórdãos da Relação de Lisboa de 09-09-2021, proc. n.º 139552/18.5YIPRT.L1-2, e desta Relação do Porto de 21-03-2022, já citado, ambos in www.dgsi.pt. Actualizando as citações daqueles, podem citar-se, mais recentemente, em linha e reafirmando aquela jurisprudência, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 22-03-2022, proc. n.º 15273/18.4T8SNT-B.L2-7, da Relação do Porto de 04-05-2022, proc. n.º 776/21.1T8LOU-A.P1, e do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2022, proc. n.º 1708/20.0T8GMR.G1.S1, todos in www.dgsi.pt.
Conforme se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-09-2016, proc. n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, www.dgsi.pt, «… no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações. Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que – por explicita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição. Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º
Por isso, as prestações fixadas no contrato de mútuo para reembolso do capital mutuado, juros remuneratórios e encargos encontram-se sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos consagrado na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.
Em caso de vencimento antecipado de prestações cujo vencimento ocorreria apenas em data futura, pretendendo o credor receber de imediato o valor da totalidade das prestações ainda não pagas, o seu crédito continua sujeito àquele prazo de prescrição ou ao invés passa a estar subordinado ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos?
A resposta da jurisprudência a essa questão é igualmente uniforme no sentido de que o prazo de prescrição a que o crédito se encontrava subordinado não se altera com a perda do benefício do prazo pelo devedor.
Na verdade, não se vê por que razão o prazo de prescrição se haveria de modificar quando a origem e natureza do crédito permanecem a mesma e o único aspecto que se alterou foi o do vencimento antecipado das prestações que se venceriam no futuro, o que apenas contende com o vencimento, não com a natureza ou a composição do direito de crédito.
Aliás, mesmo aplicando, como se deve, a posição fixada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2009, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 25 de Março de 2009, Diário da República, 1.ª série, de 5 de Maio de 2009, nos termos da qual «no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados», as prestações que se vencem antecipadamente não deixam de incorporar juros remuneratórios, estes é que se modificam na proporção directa da medida do prazo pelo qual o contrato de mútuo esteve em vigor.
Ocorrendo a perda de benefício do prazo e o vencimento antecipado das prestações vincendas, como se conta o prazo de prescrição: a partir da data de vencimento programada ou da data de vencimento antecipada?
A resposta da jurisprudência é igualmente firme e particularmente coincidente: o prazo de prescrição (que, como vimos, continua a ser de cinco anos) conta-se a partir do vencimento da prestação respectiva, independentemente de esse vencimento ocorrer no momento programado ou de forma antecipada.
Nesse sentido, acompanhamos o argumento do Acórdão desta Relação de 21-03-2022, já citado, de que resultaria «incompreensível que em caso de vencimento antecipado das prestações acordadas, tal releve para efeitos de exigibilidade do crédito, mas não releve para efeitos de contagem do prazo prescricional, continuando o plano prestacional a produzir efeitos, sendo certo que para efeitos de início do curso do prazo prescricional, como decorre claramente do nº 1, do artigo 306º do Código Civil, releva o momento em que o direito puder ser exercido. Em termos claramente maioritários a jurisprudência publicada do nosso mais alto tribunal tem seguido a orientação pela qual o Professor Vaz Serra manifestava a sua preferência[..]. De facto, se a teleologia da prescrição quinquenal no caso de prestações fraccionadas de reembolso de capital e juros é a de evitar a acumulação da dívida e a ruína do devedor, essa razão de ser ainda é mais pertinente quando ocorre um vencimento antecipado da totalidade das prestações, ficando sem efeito o plano de amortização convencionado, pois que, nesse momento, o devedor e os seus garantes pessoais vêem-se confrontados com a obrigação de pagar a totalidade das prestações cuja liquidação estava prevista para ocorrer num prazo mais ou menos dilatado, sendo em tal contexto justificada a exigência de uma maior diligência do credor na cobrança do seu crédito».
A regra geral sobre o início do curso (leia-se, da contagem do prazo) da prescrição está fixada no artigo 306.º do Código Civil. Segundo esta norma, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (actioni nondum natae non datur prescriptio). Uma vez que o que justifica a prescrição é a inércia do credor, para o respectivo prazo começar a correr é necessário que o direito de crédito já seja exigível pois só nesse caso se pode censurar a atitude do credor que não exige a satisfação do crédito, apesar de o poder fazer (cf. Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 1983, pág. 448). Logo, havendo vencimento da obrigação, não se vislumbra como defender que não se inicie nesse momento o prazo de prescrição do direito correspondente.
O Supremo Tribunal de Justiça tornou estas posições jurisprudência uniforme através do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 30-06-2022, publicado no Diário da República de 22-09-2022, fixando o seguinte entendimento:
«I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas
O prazo de prescrição de cinco anos é igualmente aplicável aos juros de mora.
Desde logo, porque a obrigação de juros está expressamente subordinada a esse prazo de prescrição na alínea d) do artigo 310.º do Código Civil, razão pela qual, no caso, quer a obrigação principal de pagamento de capital, juros remuneratórios e encargos, quer a obrigação acessória, sucedânea da mora no cumprimento, do pagamento de juros moratórios, se encontram subordinadas ao mesmo prazo de prescrição.
Idêntica conclusão se alcança partindo da ideia de que uma vez prescrita a obrigação principal a obrigação acessória deixa de poder operar: se o devedor pode recusar o pagamento do capital em dívida com fundamento na prescrição, não devem, naturalmente, poder ser-lhe exigidos juros de mora sobre esse mesmo capital.
Em suma, levando em conta que em Fevereiro de 2015, após o incumprimento das prestações do contrato de mútuo, o banco credor comunicou ao devedor que se o pagamento em falta não fosse feito, como não foi, consideraria o contrato denunciado ou declarado o seu vencimento antecipado, passando a poder exigir o pagamento da totalidade do seu valor em dívida acrescido de juros vencidos, vincendos e das despesas incorridas, e que entre essa data e a instauração da execução decorreram bem mais de cinco anos, o direito de crédito sobre a quantia exequenda encontra-se claramente prescrito, como bem decidiu a sentença recorrida, a qual deve por isso ser confirmada.

V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes da Relação julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente.
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Porto, 20 de Março de 2025.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 882)
Isabel Silva
António Paulo Vasconcelos

[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]