Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ANTÓNIO CARNEIRO DA SILVA | ||
| Descritores: | CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA RECUSA EM CUMPRIR RESOLUÇÃO DO CONTRATO | ||
| Nº do Documento: | RP2025112716214/22.0T8PRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/27/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | A recusa em cumprir, como fundamento de resolução contratual, tem de revelar-se numa atitude séria, pessoal e inequívoca de repúdio do contrato. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo: 16214/22.0T8PRT.P1 Acordam os Juízes que integram a 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto I- Relatório: “A..., SA”, com sede na rua ..., Porto, intentou, perante os juízos centrais cíveis do Porto (J1), a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “B..., Ldª”, com sede na rua ..., ..., Matosinhos. Alegou a autora, em súmula, na petição inicial, que, sendo proprietária de 2 imóveis, que identifica, em Novembro de 2018 celebrou com a ré contrato promessa de compra e venda relativa àqueles, fixando as partes em € 4.000.000,00 o preço global de compra. Afirma que, no âmbito de tal contrato promessa, a ré realizou diversas entregas em dinheiro, a título de sinal e antecipação de pagamento, no valor global de € 400.000,00. Invoca que, não obstante a autora, na data da outorga da promessa, ter projecto de arquitectura relativo aos imóveis pendente de aprovação junto da Câmara Municipal ..., a ré desde logo declarou pretender submeter um outro projecto de arquitectura, no que as partes acordaram, para o efeito subscrevendo aditamento ao contrato promessa que abria à ré tal faculdade, mas sempre exigindo a aprovação da autora quanto ao projecto a aprovar. Defende que a ré, incumprindo o acordado, submeteu à apreciação da Câmara Municipal ... um novo projecto de arquitectura sem previamente sequer consultar a autora, projecto que foi indeferido. Alega que, apesar das insistência da autora, a ré nenhuma diligência tem efectuado com vista à aprovação do projecto de arquitectura relativo aos imóveis, mas, não obstante, declara recusar o cumprimento da promessa até que ocorra tal aprovação. Afirma que interpelou a ré por escrito, na morada para o efeito prevista no contrato promessa, com vista a ser informada das diligências levadas a cabo pela ré com vista ao cumprimento da promessa, mas as comunicações não chegaram ao seu destino por facto imputável à ré. Invoca ter, na sequência, convocado o legal representante da ré para uma reunião, com vista a esclarecer as posições das partes no contrato promessa celebrado, mas a ela a ré não compareceu. Alega ter então promovido a notificação judicial avulsa da ré, por forma a instar esta prestar os devidos esclarecimentos quanto às diligências em curso com vista à outorga da promessa, sob pena de incumprimento definitivo, notificação, da ré e dos seus legais representantes, que se frustrou por causa aos mesmos imputável. Defende que, porque todas as comunicações foram remetidas para a morada constante do contrato promessa, e porque a ré jamais comunicou à autora qualquer alteração da sua morada, a ré deve considerar-se das mesmas notificada. Entende que a conduta da ré é reveladora da sua intenção de não cumprir o contrato-promessa, o que, defende, é fundamento para a declaração de resolução do acordo por facto imputável à promitente compradora. Conclui pedindo: a) a declaração de resolução do contrato promessa; b) a declaração de perda a favor da autora do valor do sinal de € 400.000,00 constituído pela ré. Citada, a ré apresentou contestação, na qual, em súmula, começa por confirmar os termos do contrato promessa celebrado entre autora e ré indicados na petição inicial. Afirma que o pedido de licenciamento do projecto de arquitectura para os imóveis objecto da promessa de compra e venda foi afectado por vicissitudes decorrentes da actividade camarária. Alega ter sempre prestado à autora toda a informação relativa à evolução do procedimento camarário relativo ao projecto de arquitectura, e que, precisamente decido a essa abundante informação e às dificuldades que a ré estava a encontrar, a autora declarou pretender passar a conduzir o procedimento, ao que a ré anuiu, durante cerca de 1 ano aguardando informações da autora quanto ao estado de tal procedimento. Afirma que, no silêncio da autora, decidiu retomar o procedimento administrativo por sua iniciativa, à data da contestação aguardando decisão da Câmara Municipal .... Defende que, nos termos acordado, o preço da compra apenas será fixado na sequência da aprovação do projecto de arquitectura pela Câmara Municipal ..., por apenas nesse momento ser possível determinar a área de construção admissível nos prédios, e sendo certo que o termo inicial do prazo para a celebração do contrato prometido apenas se inicia com a aprovação do projecto pela Câmara Municipal .... Entende não se ter ainda verificado a condição da qual depende a outorga do contrato prometido. Considera não ser possível a interpelação admonitória nos termos do artigo 808º do Código Civil por ainda não haver mora de qualquer das partes, e ainda que a notificação judicial avulsa promovida pela autora não reúne os pressupostos para ser como tal considerada. Alega que a autora em momento algum interpelou a ré para a outorga do contrato prometido. Invoca que a ré não cumpriu o clausulado vertido no contrato promessa relativamente à hipótese de incumprimento. Nega da sua parte existir qualquer intenção em recusar o cumprimento, e afirma que tal também não pode ser retirado de nenhum acto por si praticado. Nega as dificuldades de contacto invocadas pela autora. Conclui pedindo a improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido. Procedeu-se à fixação do objecto do litígio e à indicação dos temas da prova, tendo sido indeferida a reclamação apresentada pela ré. Instruída a causa, realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu integralmente a ré do pedido contra si formulado. É desta decisão que, inconformada, a autora interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões [rectificando-se apenas a numeração, atenta a inexistência de uma conclusão com o número 3]: ……………………………… ……………………………… ……………………………… O recurso foi admitido [despacho de 22 de Setembro de 2025, referência nº 475673293] como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo. No exame preliminar entendeu-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. ** II - Fundamentação* Como é sabido, o teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta, onde sintetiza as razões da sua discordância com o decidido e resume o pedido (nº 4 do artigo 635º e artigos 639º e 640º, todos do Código de Processo Civil), delimita o objecto do recurso e fixa os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente. Assim, atentas as conclusões da recorrente, mostram-se colocadas à apreciação deste tribunal as seguintes questões, enunciadas por ordem de precedência lógico-jurídica: A) A impugnação da decisão da matéria de facto; B) A inequívoca recusa de cumprimento do contrato promessa, por parte da recorrida, enquanto comportamento concludente razoavelmente possível de retirar de diversos factos apurados no processo, justificador do direito de resolução do mesmo contrato a favor da recorrente. * Delimitado o objecto do recurso, importa conhecer a factualidade em que assenta a decisão impugnada.* Factos Provados(transcrição, apenas com rectificação da numeração, face à duplicação do ponto 19- e à inexistência de um ponto 48-, e integrando-se o ponto 39-A na sequência da numeração, como ponto 41º): 1- A Autora é dona e legítima proprietária do prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e águas-furtadas, sito nas ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ..., freguesia ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo .... 2- Tal como é dona e legítima proprietária do prédio urbano, composto de cave, rés-do-chão e três andares, com dependência e quintal, sita nas ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ... freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo .... 3- Em 21 de Novembro de 2018, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial da Notária AA, no Porto, Autora e Ré celebraram contrato promessa de compra e venda com eficácia real, nos termos do qual a Autora prometeu vender e a sociedade “C..., Lda.”, NIPC ... – actualmente e por força de alteração da sua designação, “B..., Lda.” –, prometeu comprar, os bens imóveis supra identificados. 4- O preço convencionado foi de € 4.000.000,00 (quatro milhões de euros), importando apontar que no momento da celebração do contrato promessa a Autora tinha pendente na Câmara Municipal ... um projecto de arquitectura para construção de um edifício nos prédios que são sua propriedade e cujas plantas e memória descritiva foram juntos ao contrato promessa celebrado. 5- Em diferentes fases (e com alguns atrasos), a Promitente Compradora entregou à Autora um total de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), a título de sinal e princípio de pagamento. 6- Não obstante ter acordado na celebração do contrato promessa a que nos referimos com conhecimento do projecto de arquitectura promovido pela Autora e de que este se encontrava pendente nos serviços para tanto competentes da Câmara Municipal .... 7- Sucederam-se múltiplos contactos que culminaram com a Autora a outorgar um aditamento ao contrato promessa de compra e venda, que as partes formalizaram em 05 de Fevereiro de 2019, por escritura pública outorgada no mesmo Cartório Notarial. 8- Com o referido aditamento as partes acordaram em alterações relevantes, das quais aqui se destaca a alteração à cláusula primeira, n.º 3 do contrato promessa, que passou a ter a seguinte redacção: “3. A Promitente Vendedora, promete ainda desistir, de imediato, do seu projecto de arquitectura já apresentado às autoridades competentes da Câmara Municipal ..., de acordo com as plantas e memória descritiva do projeto, já junto como anexo II ao contrato inicial e do qual faz parte integrante, e permitir à Promitente Compradora, a apresentação de um novo projeto de arquitetura elaborado pelo arquiteto BB, de acordo com as instruções desta e aprovado pela Promitente vendedora”. 9- Não ficou estabelecido um prazo para que a Promitente Compradora cumprisse a sua indicada obrigação. 10- Na cláusula décima primeira do contrato promessa de compra e venda, as partes convencionaram que “Para todos os efeitos deste contrato de promessa de compra e venda com atribuição recíproca de eficácia real, são considerados os domicílios dos contraentes os que deste contrato constem, salvo, se entretanto, for comunicado por escrito, qualquer alteração dos mesmos”. 11- A Autora dialogou com a Ré e cedeu ao Sr. Arquitecto BB elementos por este solicitados, tais como plantas e levantamentos topográficos e certidões matriciais e prediais a fim de confrontar as áreas declaradas nas respectivas certidões. 12- A Ré apresentou nos serviços da CM..., no dia 29 de Maio de 2020, um projecto de arquitectura da sua exclusiva autoria, que ali ficou registado com o .... 13- O projecto que a Ré apresentou foi objecto de notificação de decisão de indeferimento concretizada em 16/09/2020, não tendo a Ré exercido o direito de audiência prévia que lhe assistia, nem apresentado melhoramento. 14- Atendendo ao facto do edifício contíguo ao imóvel prometido vender ser bastante mais alto do que o projecto apresentado e submetido à Câmara Municipal ..., não era previsível que este viesse a ser indeferido por esse motivo. 15- A D...”, entidade gestora das operações de reabilitação urbana, entre outras, da área do centro histórico do Porto, está empenhada na conclusão da unidade de intervenção da zona ..., cujo perímetro abrange os prédios supra identificados; bem como na execução de um plano de intervenção que visa conservar o edificado municipal destinado a habitação, o que importa, também, alterações profundas nos edifícios circundantes. 16- Por força disso, a verdade é que o que poderia vir a ser aprovado para os prédios urbanos em 2018, quando a Autora tinha um projecto em apreciação, não equivale necessariamente ao que agora poderá ser viável. 17- A Câmara Municipal ... a D..., S.A. (D...) e a Direcção-Geral do Património Cultural tinham iniciado, em data posterior à entrada do pedido de licenciamento apresentado pela Ré, um Estudo da Unidade de Intervenção ..., união de freguesias ..., ..., ..., são ..., ... e ..., o que acabou por condicionar a apreciação do projecto apresentado. 18- Tal gerou e gera inquietação na Autora, que não pode excluir a possibilidade de poder ter-se tornado inviável a edificação nos prédios urbanos que ao caso interessam de um edifício com volumetria e características similares ou aproximadas do que se encontrava projectado em 2018. 19- Com o intuito de solucionar, de vez, este problema, a Autora entendeu que se impunha passar a exigir à Ré, por escrito, a prestação de informações, servindo a comunicação, também, para a alertar para aquelas que são as suas obrigações. 20- Para tanto, a Autora começou por dirigir à Promitente Compradora “C..., Lda.”, uma missiva que veio devolvida com a indicação “mudou-se”; seguindo-se uma outra dirigida à “B..., Lda.”, que veio devolvida com a informação “desconhecido”, ambas remetidas para o domicílio convencionado. 21- No essencial, a Autora exigiu que a Ré lhe prestasse, no prazo máximo de 10 dias, todas as informações a propósito do “estado de cumprimento” da obrigação assumida no aditamento ao contrato promessa de compra e venda, advertindo-a de que interpretaria eventual ausência de resposta no prazo concedido como manifestação de desinteresse da sua parte no cumprimento do contrato promessa. 22- Face à devolução da correspondência escrita que dirigiu à Promitente Compradora, a Autora ainda tratou de agendar para o dia 21 de Junho de 2022, pelas 10:00 horas, uma reunião que, pelo que lhe foi transmitido pelo Sr. CC, iria contar com a presença dos dois legais representantes da Ré. 23- A Ré não se fez representar na reunião e apenas deu a conhecer a sua ausência no próprio dia já após a hora que havia ficado marcada. 24- E fê-lo por intermédio do envio de uma mensagem de correio eletrónico, a que seguiram, dias mais tarde, duas missivas remetidas pelo correio de idêntico teor. 25- A Ré não solicitou reagendamento da reunião. 26- Face ao sucedido, atentas as condutas da Ré e a devolução das comunicações escritas que lhe foram dirigidas nos dias 11/05/2022 e, em especial, em 25/05/2022, a Autora decidiu socorrer-se de Notificação Judicial Avulsa, por intermédio do qual não só rejeitou as alegações e acusações que a Ré falsamente lhe imputou nas comunicações. 27- Como exigiu à Ré que, no prazo de 5 dias, lhe fossem prestadas “todas as informações e justificações relativas às diligências por si assumidas no sentido de cumprir com a sua obrigação, desde a data da celebração do aditamento ao contrato, até ao momento presente, e, bem assim, apresentar, nos precisos termos contratualizados, o projecto de arquitectura que é da sua responsabilidade”. 28- Advertindo-a solenemente de que, “em caso de não cumprimento das diligências apontadas no prazo concedido, a Requerente considerará definitivamente incumprido o contrato promessa de compra e venda aqui em questão, com as legais consequências (perda do montante entregue a título de sinal)”. 29- A requerida Notificação Avulsa, a efetivar por Agente de Execução, foi devidamente distribuída para o Juízo Local Cível de Matosinhos – Juiz 2, com o n.º de processo ..., e foi deferida. 30- Começou por o fazer no dia 05/07/2022, na morada que resulta do contrato promessa de compra e venda e que corresponde à sede da Ré: Rua ..., n.º ..., ..., Matosinhos. 31- A notificação frustrou-se, pois no local o Sr. Agente de Execução foi informado que a Ré ali já não se encontrava. 32- Face ao sucedido e porque estava convicta que a Ré não deixaria de lhe dar respostas, a Autora até requereu ao Sr. Agente de Execução a notificação da ora Ré na pessoa de um dos seus legais representantes, Srs. CC e DD. 33- Nessa sequência, no dia 15/07/2022, o Sr. Agente de Execução deslocou-se à morada do gerente CC, mas não conseguiu concretizar a notificação, informando que “tendo em conta a colaboração do porteiro, foi possível o contacto telefónico com a esposa do Sr. CC, a qual informou o agente de execução que o marido não é sócio nem tem qualquer responsabilidade, aliás até desconhecia a empresa B... Lda.” 34- Idêntico resultado foi obtido em 26/07/2022, data na qual o Sr. Agente de Execução procurou concretizar a notificação avulsa na morada do gerente DD, apurando que “no local funciona uma Sociedade de Advogados a qual me informou que o Dr. DD não se encontrava no local”, e registou que “ninguém esteve disponível para receber a notificação”. 35- Em derradeira tentativa de notificar a aqui Ré, o Agente de Execução voltou novamente à morada fixada no contrato e que corresponde à sede desta sociedade (rua ..., ..., Matosinhos), mas o resultado obtido foi o mesmo. 36- E confirmou que quem ocupa as instalações é uma outra sociedade, o que sucede desde Maio de 2022. 37- Na comunicação que a Ré endereçou à Autora em Junho de 2022, a morada que indicou como sua foi, precisamente, a que também indicou no contrato, rua ..., ..., Matosinhos, correspondente à da sua sede. 38- A Ré jamais comunicou à Autora qualquer alteração da sua morada. 39- O seu conteúdo até foi dado a conhecer às pessoas dos legais representantes da Ré, a quem, no dia 16/08/2022, foi remetido um e-mail ao qual foi anexa a Notificação Avulsa há muito requerida pela Autora. 40- Dito e-mail foi lido por ambos os legais representantes da Ré (num dos casos em 16/08/2022, noutro em 29/08/2022). 41- Após o envio dessa carta Autora e Ré agendaram uma reunião e trocaram e-mails. 42- A Autora, através da Senhora D. EE, na reunião da Assembleia Municipal do dia 31.05.2021, questionou o Senhor Vereador FF a propósito da viabilidade do projecto, demonstrando pleno conhecimento de todos os tramites daquele processo de licenciamento. 43- Nessa ocasião, não se conformando com a redução da capacidade construtiva que a Câmara pretendia aprovar, a Autora apresentou ela própria em meados de 2021, um pedido de informação prévia (PIP) junto da Câmara Municipal ... para os imóveis prometidos vender. 44- A Autora nunca informou a Ré sobre o estado desse pedido. 45- A Ré e o arquitecto BB, encarregado do projecto, reuniram-se por diversas vezes, entre si e com entidades terceiras, tendo em vista adequar o projecto aos pareceres entretanto emitidos pelo Igespar e D.... 46- Em novembro de 2022, o arquitecto BB finalizou a reelaboração do projecto, tendo submetido em 02.12.2022 o respectivo pedido de licenciamento para as obras de edificação. 47- Esse pedido foi indeferido. 48- No decurso do ano de 2024 a ré apresentou novo pedido de licenciamento. 49- Autora e Ré contactavam frequentemente por e-mail, telefone. 50- A autora sempre teve um contacto directo com a Ré e com os seus sócios e gerentes. * Factos Não Provados (transcrição):a) a Promitente Compradora logo afirmou à Promitente Vendedora que tal projecto não a satisfazia e que pretendia que fosse elaborado um novo projecto da autoria de um outro arquitecto da sua confiança, com diferentes características e considerável maior volumetria de construção; b) após várias semanas (aliás, meses) sem informações e atenta a reiterada indisponibilidade da Ré para dialogar com a Autora, esta decidiu deslocar-se aos serviços da Câmara Municipal ... (abreviadamente CM...), onde acabou por descobrir que, sem disso ter sido informada pela Ré; sem que algum dia lhe tenha sido facultado acesso a qualquer projecto; e sem ter sido solicitada a sua aprovação, que havia sido finalizado o projecto para os prédios urbanos supra identificados e que o submetera a apreciação pela entidade competente; c) após esta descoberta, quando conseguiu, finalmente, reunir-se com o Sr. CC, que é um dos legais representantes da Ré e seu habitual interlocutor a propósito deste negócio, a Autora confrontou-o com o que considera ter sido um incumprimento do contratado, tendo-se aquele procurado desculpar com a actuação do Sr. Arquitecto; d) não se conhecem à Ré quaisquer acções que possam conduzir à obtenção do projecto e/ou à celebração do contrato; e) nenhum contacto veio a ser estabelecido pela ré com a Autora. ** A)* A discordância da recorrente quanto à decisão sobre a matéria de facto reconduz-se à inclusão dos pontos [atenta a renumeração acima decidida] 41-, 42-, 43-, 45-, 49- e 50- na matéria de facto provada [41- Após o envio dessa carta Autora e Ré agendaram uma reunião e trocaram e-mails; 42- A Autora, através da Senhora D. EE, na reunião da Assembleia Municipal do dia 31.05.2021, questionou o Senhor Vereador FF a propósito da viabilidade do projecto, demonstrando pleno conhecimento de todos os tramites daquele processo de licenciamento; 43- Nessa ocasião, não se conformando com a redução da capacidade construtiva que a Câmara pretendia aprovar, a Autora apresentou ela própria em meados de 2021, um pedido de informação prévia (PIP) junto da Câmara Municipal ... para os imóveis prometidos vender; 45- Ré e o arquitecto BB, encarregado do projecto, reuniram-se por diversas vezes, entre si e com entidades terceiras, tendo em vista adequar o projecto aos pareceres entretanto emitidos pelo Igespar e D...; 49- Autora e Ré contactavam frequentemente por e-mail, telefone; 50- A autora sempre teve um contacto directo com a Ré e com os seus sócios e gerentes], à inclusão dos pontos a), b), c), d) e e) na matéria de facto não provada [a) a Promitente Compradora logo afirmou à Promitente Vendedora que tal projecto não a satisfazia e que pretendia que fosse elaborado um novo projecto da autoria de um outro arquitecto da sua confiança, com diferentes características e considerável maior volumetria de construção; b) após várias semanas (aliás, meses) sem informações e atenta a reiterada indisponibilidade da Ré para dialogar com a Autora, esta decidiu deslocar-se aos serviços da Câmara Municipal ... (abreviadamente CM...), onde acabou por descobrir que, sem disso ter sido informada pela Ré; sem que algum dia lhe tenha sido facultado acesso a qualquer projecto; e sem ter sido solicitada a sua aprovação, que havia sido finalizado o projecto para os prédios urbanos supra identificados e que o submetera a apreciação pela entidade competente; c) após esta descoberta, quando conseguiu, finalmente, reunir-se com o Sr. CC, que é um dos legais representantes da Ré e seu habitual interlocutor a propósito deste negócio, a Autora confrontou-o com o que considera ter sido um incumprimento do contratado, tendo-se aquele procurado desculpar com a actuação do Sr. Arquitecto; d) não se conhecem à Ré quaisquer acções que possam conduzir à obtenção do projecto e/ou à celebração do contrato; e) nenhum contacto veio a ser estabelecido pela ré com a Autora], e à omissão de qualquer referência a determinadas matérias, seja no elenco dos factos provados [i. que as partes, quando dialogaram a propósito do aditamento ao contrato promessa de compra e venda, igualmente combinaram, ou, pelo menos, previram prazos para que o projecto da autoria da ré fosse elaborado, apresentado e aprovado, de modo a que a escritura de compra e venda fosse realizada até 30 de Junho de 2019, ou no prazo de 180 dias; ii. que o estudo do UI ..., que inexistia à data em que foi celebrado o contrato promessa e o aditamento de 05 de Dezembro de 2019, por intermédio do qual passou a ser da ré a responsabilidade pela apresentação e aprovação do projecto de arquitectura, foi concluído e dele resultou a impossibilidade de construção acima da cota da Avª. ...], seja no elenco dos factos não provados [artigos 16º a 22º, 54º e 88º da contestação da ré]. Mostra-se razoavelmente cumprido o ónus fixado no artigo 640º do Código de Processo Civil. O ponto 41- do elenco dos factos provados [anterior ponto 39º-A] O recorrente entende que a inclusão deste ponto na sequência da matéria de facto decorre de equívoco, na medida em que, alega, a partir do email em que à ré foi dado a conhecer o conteúdo da notificação judicial avulsa não se estabeleceram mais contactos entre as partes – é o que considera resultar do depoimento do administrador da autora GG, e do depoimento da testemunha EE, accionista da autora. E, após ensaiar diversas possibilidades quanto à intenção do tribunal a quo a este propósito, defende que, a entender-se que se deve manter a inclusão deste ponto na matéria de facto provada, deverá acrescentar-se que «as partes agendaram uma reunião a que a ré faltou e enviou um e-mail no dia para o qual estava agendada a reunião e que, após o envio desse e-mail e frustrada a notificação judicial avulsa requerida pela autora, esta, por intermédio do seu mandatário, enviou e-mail aos legais representantes da ré tendo em vista dar-lhes a conhecer o conteúdo dessa notificação judicial avulsa». O tribunal a quo, no que excede a matéria vertida nos pontos 1º a 13º do elenco dos factos provados, não especificou relativamente a cada facto os meios de prova que considerou relevantes no juízo de demonstração, antes adiantou uma justificação global. Mas, pela manifesta similitude da redacção, podemos com razoável segurança afirmar que este ponto [recorde-se: «Após o envio dessa carta Autora e Ré agendaram uma reunião e trocaram e-mails»] tem origem no alegado no artigo 79º da contestação [«Após o envio dessa carta Autora e Ré agendaram uma reunião e trocaram e-mails, nomeadamente o e-mail junto pela própria Autora como doc. 9 com a petição inicial»], matéria que o Tribunal a quo considerou abrangida pela confissão do depoimento do administrador da autora vertida em assentada na acta da sessão da audiência de julgamento que teve lugar a 24 de Janeiro de 2025 [referência nº 468060619]. Ora, assim sendo, a carta referida neste ponto 41º da matéria de facto provada não pode deixar de ser a mencionada no artigo 78º da contestação, enviada pela autora em Maio de 2022, e que seguramente é a que foi dirigida aa 2 destinatários, como mencionado nos pontos 20- e 21- da matéria de facto provada. E, na sequência, afigura-se totalmente claro que, após essa carta, as partes agendaram uma reunião [a referida no ponto 22- da matéria de facto provada], e trocaram comunicações, pelo menos a comunicação electrónica e a carta apresentadas pela própria autora como documentos 8 e 9 juntos com a petição inicial, e referidas no ponto 24- da matéria de facto provada, bem como a comunicação electrónica referida no ponto 39- da matéria de facto provada. Assim, para cabal esclarecimento do sentido e alcance do ponto 41º da matéria de facto provada, determina-se a alteração da sua redacção, passando o mesmo a constar da seguinte forma: Após o envio da carta referida nos pontos 20- e 21- da matéria de facto provada, as partes agendaram uma reunião e trocaram as comunicações referidas nos pontos 24- e 39- da matéria de facto provada. O ponto 42- do elenco dos factos provados [anterior ponto 40º] Este ponto mostra-se plenamente demonstrado, por confissão, face ao teor da assentada vertida na acta da sessão da audiência de julgamento que teve lugar a 24 de Janeiro de 2025 [referência nº 468060619] - O depoente admite que a Srª HH, acionista da Autora, na reunião da Assembleia Municipal do dia 31/05/2021 questionou o Sr. Vereador FF a propósito da viabilidade do projeto, tendo já conhecimento do processo de licenciamento. E, verdadeiramente [a circunstância de a Srª HH ter conhecimento de todos os trâmites do procedimento, ou só dos seus aspectos essenciais afigura-se, ao que nos ocupa, absolutamente irrelevante], o que a recorrente pretende será apenas o aditamento de um segmento final, com a seguinte redacção: porque lhe foi previamente apresentado cópia do mesmo pelo Sr. arquitecto II, em reunião da DRCN. Ora, a matéria agora em análise tem origem no alegado no artigo 14º da contestação, que, dir-se-ia obviamente, é totalmente omisso quanto ao modo como chegou ao conhecimento da acionista da autora EE a existência e termos do procedimento administrativo. O que é expressamente abordado pela autora no articulado que foi convidada a apresentar com vista a pronunciar-se sobre a matéria de excepção alegada na contestação, deixando totalmente claro, nos artigos 13º e 14º desse requerimento, que, tendo a ré, «(…) em finais de 2020, submetido nos competentes serviços da Câmara Municipal ... um projeto da sua autoria para apreciação, mas sem ter solicitado a prévia aprovação da aqui exponente», a autora, «(…) não só não soube da apresentação desse projeto, como não foi informada da sua movimentação e da decisão de indeferimento, ou das razões pelas quais a Ré se terá conformado com tal decisão», nada referindo quanto a ter tido conhecimento desse projecto por intermédio de terceiro. Ou seja, o aditamento a autora agora pretende, não só refere-se a facto jamais alegado no processo, mas a facto contrariado por anterior expressa alegação da própria autora. O que, atento o disposto no artigo 5º do Código de Processo Civil, obviamente afasta a possibilidade da sua consideração. O ponto 43- do elenco dos factos provados [anterior ponto 41º] Defende a recorrida que, quanto a este ponto, a recorrente não deu cumprimento aos requisitos fixados no artigo 640º do Código de Processo Civil, designadamente não indica o sentido da decisão que pretende ver tomada. Com o devido respeito, sem razão. Razoavelmente interpretada a alegação, afigura-se claro que a recorrente pretende que passe a constar do elenco dos factos provados que a motivação da autora na apresentação de novo pedido de informação prévia, em meados de 2021, residiu no alarme que sentiu com a possibilidade, que lhe terá sido transmitida no decurso de reunião que manteve com elementos da Câmara Municipal ..., de nenhuma construção vir a ser admitida no terreno. Mas, se foi essa a motivação, pergunta-se, qual a diferença para o que está vertido na matéria de facto provada? É que, recorde-se, neste ponto diz-se que a autora não se conformou «com a redução da capacidade construtiva que a Câmara pretendia aprovar», e por isso tomou a iniciativa de apresentar novo PIP para os imóveis prometidos vender. Não admitir qualquer construção, evidentemente, será apenas o grau mais extremo da redução da capacidade construtiva de um terreno. Portanto, fosse essa possível redução muita ou pouca, obviamente a motivação da autora reconduziu-se às limitações na possibilidade de intervenção no imóvel que a autoridade camarária estava a ponderar – que é, precisamente, o que consta deste ponto da matéria de facto provada. Não se vislumbra qualquer motivo que justifique a alteração pretendida. O ponto 45- do elenco dos factos provados [anterior ponto 43º] A recorrente defende a inclusão desta matéria no elenco dos factos não provados. Isto porque, na sua perspectiva, do depoimento da testemunha BB [arquitecto que, por encomenda da ré, elaborou projecto de construção destinado aos imóveis objecto do contrato promessa em causa nos autos] não resulta quando e com que finalidade tais reuniões teriam tido lugar, e ainda porque de um documento junto pela ré [concretamente, o documento nº 8 junto com o terceiro requerimento a 08 de Janeiro de 2024, referência nº 37722463] resulta ter sido apresentada, em Novembro de 2019, uma proposta de emparcelamento dos terrenos objecto do contrato promessa em causa nos autos com um prédio pertença da Câmara Municipal .... E conclui, por isso, que após a outorga do contrato promessa que nos ocupa a ré dedicou-se apenas a um «projecto de emparcelamento», o que a leva a discordar do juízo de inclusão deste ponto 43- na matéria de facto provada; subsidiariamente, entende que deverá aditar-se um segmento final a este ponto, que esclareça que quaisquer reuniões em que terão intervindo os representantes da ré e/ou o arquitecto BB destinaram-se apenas à elaboração de um «projecto de emparcelamento». Com todo o devido respeito, a confusão da autora surge manifesta, e decorre, em primeira linha, da notoriamente errada leitura que faz do texto da informação da sociedade “D..., SA”. Desde logo, a expressão «emparcelamento» legalmente designa as operações de aglutinação de diversos prédios menores num único de maiores dimensões, tendo regulamentação expressa apenas para os prédios rústicos [artigo 1382º do Código Civil; Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto]. E os «projectos de emparcelamento de prédios rústicos» nada têm que ver com o licenciamento de construções em prédios notoriamente urbanos, em pleno coração da cidade [artigo 9º da Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto]. Mas o que verdadeiramente surpreende é a leitura que a recorrente faz do parecer elaborado pela sociedade “D..., SA”, no âmbito do procedimento camarário de licenciamento nº ..., apresentado, recorde-se pela aqui ré – e que, de facto, integra o conjunto de documentos juntos pela aqui ré no seu terceiro requerimento de 04 de Janeiro de 2024 [referência nº 37722463]. Tratando-se de parecer subordinado ao assunto «informação sobre a conformidade da proposta com a UI ...», datado de Agosto de 2020, a “D..., SA”, declara considerar: que o projecto «(…) contraria aspectos regulamentares e não vai ao encontro dos princípios que orientam os estudos em curso. O primeiro ponto prende-se com a legalidade da proposta, visto que esta propõe a abertura de vãos sobre uma parcela municipal, que tem capacidade construtiva, contrariando as disposições do Código Civil e não garantindo os necessários afastamentos regulamentares ao prédio municipal situado a norte. O segundo ponto está relacionado com o desenvolvimento da Unidade de Intervenção .... A Unidade de Intervenção ... está a ser desenvolvida com base no Plano Integrado de Acção Local realizado entre 2016 e 2018. Desde então que, apesar de todas as parcelas terem capacidade construtiva autónoma, se propõe o emparcelamento das parcelas sitas nas ..., ... com a parcela municipal sita nas ..., ..., usufruindo assim de uma economia de escala, questão que foi discutida com os proprietários das mesmas(…)». «Esta visão foi discutida com os actuais investidores em Novembro de 2019, momento em que apresentaram à D... um projecto de emparcelamento para o local em que consideravam um programa funcional com estacionamento, comércio, serviços, um museu, habitação e uma residêncial». Ou seja, o concreto projecto sobre que a D..., pronuncia, em Agosto de 2020, literalmente, nada tem que ver com uma eventual junção das parcelas privadas e pública numa única intervenção imobiliária [o tal suposto emparcelamento], na medida em que a D... se insurge contra o desrespeito das regras de afastamento da construção face ao prédio camarário vizinho, o que obviamente não teria razão de ser caso o projecto em apreciação globalmente incidisse também sobre a parcela pertença do Município. Pelo que da singela referência «Esta visão foi discutida com os actuais investidores em Novembro de 2019, momento em que apresentaram à D... um projecto de emparcelamento para o local» retirar, como pretende a recorrente, que «única razão pela qual não foram cumpridos os prazos ou, pelo menos, previsões de prazos para a elaboração e apresentação do projeto que, na sequência do aditamento ao contrato promessa formalizado em 05/02/2019, passou a competir à Ré, prendeu-se com o facto de esta ter decidido dedicar o seu tempo a elaborar um projeto de emparcelamento dos terrenos que pertencem à Autora, com a parcela municipal», afigura-se notoriamente abusivo. Em 2019, acolhendo mesmo a possibilidade que desde 2016 a D... veria com bons olhos, terá havido uma proposta de junção dos terrenos privado e público num único empreendimento, mas o projecto subsequentemente desenvolvido e apresentado por iniciativa da ré junto da Câmara Municipal ..., e que correu termos sob o nº ..., claramente não encarou essa possibilidade. Por outro lado, a testemunha BB [como se referiu, arquitecto que, por encomenda da ré, elaborou projecto de construção destinado aos imóveis objecto do contrato promessa em causa nos autos] foi absolutamente esclarecedor no seu depoimento, informando que, em Maio de 2020, momento em que apresentou o projecto de arquitectura junto da Câmara Municipal ..., ainda não se encontrava estabilizado/aprovado o documento final [o plano ...] que iria definir as regras construtivas e de utilização para o local, nessa altura existindo ainda a perspectiva de ser possível a construção acima da cota da Avª. ... [o que se mostra vertido no ponto 17- da matéria de facto provada], o que posteriormente acabou por não ser admitido. E, precisamente devido a essa indefinição declarou terem sido realizadas consultas a diversas entidades [à “D..., SA”; à “Câmara Municipal ...; à Direcção Regional de Cultura do Norte], e ter participado em várias reuniões [reuniões, aliás, que foram confirmadas, por exemplo, pelas testemunhas JJ, nesse período a prestar serviço para a funcionária da “D..., SA” (10m35s a 11m00s), e KK, arquitecta, funcionária também da “D..., SA” (20m15s a 20m25s)], com vista a aperfeiçoar o projecto de construção que havia apresentado em Maio de 2020. Ou seja, os meios de prova produzidos impõem a inclusão do ponto 45- na matéria de facto provada, embora pareça evidente não decorrer de qualquer elemento probatório que uma dessas entidades tenha sido o Igespar [Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico], pelo que, por uma questão de rigor, este ponto 45- deve passar a constar do seguinte modo – A Ré e o arquitecto BB, autor do projecto de arquitectura em 2020 por iniciativa da aqui ré submetido à apreciação da Câmara Municipal ..., reuniram-se por diversas vezes, entre si e com entidades terceiras, tendo em vista adequar o projecto às posições sobre o projecto recolhidas junto dessas entidades, designadamente a “D..., SA”. Os pontos 49- e 50- do elenco dos factos provados [anteriores pontos 47- e 49-] Da assentada lavrada na sequência do depoimento de parte prestado pelo administrador da autora [cfr acta da sessão da audiência de julgamento que teve lugar a 24 de Janeiro de 2025, referência nº 468060619], confirmada por este, na parte que agora releva literalmente consta o seguinte - «Reconhece igualmente que tinha todos os contactos (e-mail pessoal e telefone) dos sócios gerentes da Ré. Mais aceita que Autora e Ré mantiveram contacto por e-mail e telefone». Logo, o reconhecimento da disponibilidade dos contactos da ré e dos seus sócios e gerentes, constituindo este um facto desfavorável à autora e favorável à ré [artigo 352º do Código Civil], razoavelmente não pode deixar de ser tido como provado. Pelo que, ao contrário do que defende a recorrente, antes se impõe a manutenção do ponto 50- no elenco dos factos provados Quanto ao ponto 49-, a própria recorrente admite que o administrador da autora em audiência de julgamento reconheceu terem existido contactos entre si e os representantes da ré, por e-mail e telefone. Apenas põe em causa que se tenham tratado de contactos frequentes. Não dispomos de qualquer elemento que razoavelmente permita ajuizar da frequência dos contactos – independentemente da relevância de um determinado número de contactos para a resolução do aspecto jurídico da causa, ou mesmo da natureza conclusiva do advérbio de modo empregue. De qualquer forma, também aqui por uma questão de rigor, impõe-se a redução da extensão deste ponto da matéria de facto, passando apenas a constar: «Autora e Ré contactavam por e-mail e por telefone». O ponto a) do elenco dos factos não provados Entende a recorrente que a matéria vertida neste ponto deve merecer um juízo de prova positivo, para o que invoca o conteúdo do depoimento de parte prestado pelo administrador da autora, e do depoimento prestado pela sua accionista, EE, conjugando-os com o que entende constitur a normalidade e as regras da experiência no caso relevantes. Com todo o devido respeito, sem razão. Independentemente da [pensa-se que nenhuma] relevância desta matéria para o desfecho final da lide, basta começarmos por atentar na sequência temporal de certos factos entre as partes indiscutíveis [vertidos nos pontos 3- a 8- do elenco dos factos provados] para constatarmos da total irrazoabilidade desta alegação – em 21 de Novembro de 2018 foi celebrado o contrato promessa que nos ocupa, que incluía a expressa referência a um projecto de arquitectura da iniciativa da autora, relativo aos imóveis prometidos comprar e vender, pendente de aprovação junto da Câmara Municipal ...; após múltiplos contactos, a 05 de Fevereiro de 2019 as partes acordam na alteração dos termos do contrato promessa, acedendo a aqui autora a desistir de tal projecto, e concordando que a aqui ré apresentasse um novo. A isto acrescentemos que a accionista da autora EE em audiência de julgamento declarou considerar normal [como o consideraria qualquer pessoa minimamente razoável] que, perspectivando-se a ré como adquirente, pretendesse ela própria potenciar as possibilidades do imóvel. Logo, pergunta-se, se autora e ré chegaram a acordo para a compra e venda da coisa, se à pendência do projecto de arquitectura foi dada tal importância que mereceu mesmo menção expressa no contrato promessa, e se é para todos razoável que a própria ré pretendesse configurar à sua medida as possibilidades de utilização do imóvel, o que impediria que isso imediatamente constasse na versão originária do contrato promessa se a ré logo aí manifestasse essa intenção ? Absolutamente nada. E, se logo a 21 de Novembro de 2018 constituía vontade da ré apresentar um projecto de arquitectura da sua autoria para os imóveis, considerando a autora isso razoável e normal, porque inicialmente se vinculou a ré a aceitar um projecto de arquitectura que não queria, sujeitando-se a ter de encetar «múltiplos contactos» junto da autora e a obter novo consentimento desta ? Simplesmente não se compreende. Ou seja, a absoluta normalidade ditaria que, se desde o início a ré pretendia alterar o projecto de arquitectura, e a autora considerando-o normal e aceitável, a versão originária do contrato promessa o contemplaria. Assim, se é verdade que o administrador da autora e a testemunha EE [recorde-se, accionista da autora] referiram este facto [isto é, que logo a partir data da outorga da promessa a ré pretendeu alterar o projecto], o gerente da ré negou-o frontalmente [04m00s a 6m40s], pelo que, não se vislumbrando motivo para conferir especial credibilidade à versão dos primeiros [aliás, existem fortes motivos para não lhes reconhecer credibilidade], pelo menos a dúvida insanável na matéria impõe a manutenção deste ponto no elenco dos factos não provados. Os pontos b) e c) do elenco dos factos não provados Esta matéria tem origem nos artigos 14º e 19º da petição inicial, expressamente impugnados no artigo 101º da contestação. Aliás, na sua contestação, a ré, a propósito da informação prestada à autora quanto ao projecto de arquitectura e consequente procedimento camarário iniciado em Maio de 2020, no artigo 13º declara: «De todas estas vicissitudes a Ré foi dando nota à Autora, sendo absolutamente falso que a Autora não tivesse qualquer informação sobre o andamento do processo de licenciamento apresentado pela Ré junto da Câmara Municipal ...». Como decorre das certidões camarárias juntas ao processo, o projecto em causa foi submetido à Câmara Municipal ... a 29 de Maio de 2020 [ponto 12- do elenco dos factos provados]. No seu depoimento de parte, o administrador da autora indiscutivelmente reconheceu que, pelo menos em final de Maio de 2021, o projecto para o local da autoria do arquitecto BB e o consequente procedimento camarário era já do seu conhecimento. Portanto, estes pontos da matéria de facto referir-se-ão apenas, por um lado, ao modo como tal projecto e procedimento chegaram ao conhecimento da autora; por outro, à obtenção ou não de prévia condordância da autora a tal projecto. Ora, a este propósito o legal representante da ré, CC, nas declarações de parte prestadas expressamente afirmou que o projecto pela ré submetido à apreciação da Câmara Municipal ... obteve concordância da autora, que acompanhou todo o subsequente procedimento [08m10s a 09m05s; 10m05 a 10m40s; 20m40s a 20m45s; 49m00s a 49m30s] - ou seja, frontalmente contrariando o a este propósito afirmado pelo administrador da autora e pela sua accionista. Repete-se, não há qualquer motivo que permita conferir especial credibilidade a qualquer das versões contraditórias apresentadas. Estamos perante factos [a aprovação de um projecto de arquitectura no âmbito de licenciamento de construção; o acompanhamento das vicissitudes de um processo de licenciamento] relativamente aos quais não é expectável a existência de documentação que os comprove – o que é razoável e credível será, no âmbito de uma relação negocial em que ambas as partes têm interesse na obtenção do mesmo resultado [designadamente, uma posição favorável da parte das instituições públicas à maximização da possibilidade utilização de dois imóveis], sem haver mínimo indício de nesse momento existir litígio entre elas, que as informações e esclarecimentos mútuos sejam transmitidos de modo informal. A obtenção de informação quanto ao estado de um pedido formulado perante a Câmara Municipal relativamente aos prédios ainda pertença da autora seria facilmente obtido por esta mediante indagação junto da própria edilidade. Mas atentemos nos factos objectivos que o processo disponibiliza relativamente à atitude da autora face ao alegado silêncio da ré no fornecimento de informações quanto ao cumprimento pela ré da obrigação apresentar «um novo projecto de arquitectura elaborado pelo arquitecto BB» - como se disse, toma conhecimento desse projecto [apresentado em Maio de 2020] e do seu indeferimento [em Setembro de 2020] pelo menos em final de Maio de 2021 [ponto 42- da matéria de facto provada], e, na sequência, toma a iniciativa [ponto 43- da matéria de facto provada] de por si própria submeter à apreciação da Câmara Municipal ... um pedido de informação prévia relativo aos prédios objecto do contrato promessa [artigo 14º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro - procedimento facultativo que permite verificar antecipadamente com a câmara municipal se um projeto urbanístico é viável, sem ter de apresentar um projeto completo, por forma a obter informações quanto às regras municipais aplicáveis, aos condicionamentos legais e às características permitidas para o projeto]. Ou seja, formalmente não confronta de imediato a ré com a sua inércia e incumprimento, antes aguarda quase 1 ano [até meados de 2022 – pontos 20- a 29- da matéria de facto provada] para transmitir à ré a sua posição na matéria, pelo meio praticando um acto susceptível de directamente interferir com a análise camarária relativamente a um concreto projecto de arquitectura referente aos mesmos imóveis que viesse a ser submetido pela ré [artigo 17º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro]. O que, com todo o devido respeito, manifestamente evidencia não ser crível que a autora já antes de Maio de 2021 não estivesse a par das acções que a ré se encontrava a desenvolver. Logo, a dúvida insanável na matéria, pelo menos, impõe a manutenção dos pontos b) e c) no elenco dos factos provados, tal como decidido pelo tribunal a quo. O ponto d) do elenco dos factos não provados Esta matéria constitui o reverso da vertida no ponto 45- do elenco dos factos provados [anterior ponto 43º], pelo que aqui obviamente valem os mesmos os argumentos e razões ali indicados, e para onde agora se remete. Não forma produzidos meios de prova que imponham decisão diversa da proferida. O ponto e) do elenco dos factos não provados Razoavelmente, esta matéria, como refere a recorrente, terá origem na alegação constante do artigo 58º da petição inicial [a posição pela recorrida a este propósito manifestada na conclusão LXIX- do seu recurso, defendendo inexistir qualquer limitação temporal à afirmação «nenhum contacto veio a ser estabelecido entre autora e ré», simplesmente carece de razoabilidade – seja porque nem a autora alegou que jamais existiu qualquer contacto entre as partes (o que, além do mais, seria absurdo), seja porque, atenta a manifesta similitude do texto, não pode deixar de se entender que esta ponto se liga ao alegado no artigo 58º da petição inicial, que notoriamente se liga à alegação vertida no artigo 57º da mesma peça processual, isto é, ao momento em que o conteúdo da notificação judicial avulsa foi levado ao conhecimento dos legais representantes da ré]. Ou seja, refere-se à ausência de qualquer contacto, entre a ré e a autora, após a transmissão aos legais representantes da ré do conteúdo da notificação judicial avulsa, a 16 e 29 de Agosto de 2022, e até à data da propositura da acção [recorde-se, o processo deu entrada a 23 de Setembro de 2022, sensivelmente um mês após aquelas datas, portanto]. Do processo, de facto, nenhum documento consta que permita afirmar ter existido qualquer contacto entre as partes no [ainda assim curto] período de tempo em questão. Também, nenhuma das pessoas inquiridas a isso se referiu. E razoável será considerar que, a ter existido tal contacto, num momento em que aparentemente se crispavam as posições entre as partes quanto evolução do projecto de licenciamento relativo aos imóveis prometidos vender, ele seria feito por forma que permitisse a posterior prova da sua existência – por carta ou comunicação electrónica, designadamente. Logo, não havendo mínimo indício de ter ocorrido, afigura-se de todo em todo conforme à normalidade do acontecer concluir que não ocorreu. Pelo que, independentemente da relevância de tal matéria para a decisão de Direito a proferir, entende-se ser de eliminar este ponto do elenco dos factos não provados, e na sequência aditando-se ao elenco dos factos provados um ponto 51-, com o seguinte teor: «Após o referido em 40-, e até à propositura da presente acção, nenhum contacto veio a ser estabelecido pela ré com a autora». Do aditamento à matéria de facto provada Como acima se referiu, a recorrente pretende ver aditados 2 pontos ao elenco dos factos provados: i. um primeiro referente à existência de conversações e acordo, entre as partes, quanto à outorga do contrato prometido, até 30 de Junho de 2019 ou no prazo de 180 dias contados do aditamento à promessa subscrito a 05 de Fevereiro de 2019; ii. um outro referente à impossibilidade de construção nos prédios prometidos vender, acima da cota da Avª. ..., em resultado de estudo camarário tornado público apenas após o mesmo aditamento. Não há dúvida – no contrato promessa e no subsequente aditamento as partes não fixaram qualquer data ou prazo fixo para o recíproco cumprimento da promessa [considerando-se manifesto que a estipulação “a escritura de compra e venda será realizada no prazo de 90 dias contados do despacho de aprovação do projecto pela entidade competente” não representa o estabelecimento de um prazo fixo]. Escusado seria recordá-lo, as partes submeteram a forma especial, tanto o acordo de vontade originário que nos ocupa, como a sua alteração – escritura pública [pontos 3- e 7- da matéria de facto provada], documento autêntico portanto. A estipulação de um prazo para o cumprimento de uma obrigação constitui, obviamente, convenção adicional ao clausulado nesse documento autêntico. É inadmissível a prova por testemunha de convenção meramente adicional ao conteúdo de documento autêntico, ainda que se trate de convenção posterior – nº 1 do artigo 394º do Código Civil. Inadmissibilidade que se estende, por lei expressa, à prova por presunção judicial [artigo 351º do Código Civil]. A figura das declarações de parte foi formalmente introduzida no processo civil pela reforma de 2013 [Lei nº 41/2013, de 26 de Junho], em homenagem ao princípio da livre produção de meios de prova, sendo no regime anterior controverso se à parte assistia a faculdade de em juízo produzir declarações sobre factos a si favoráveis [tendo em conta, essencialmente, a ausência de qualquer regulação sobre a questão no direito probatório material que resulta dos artigos 341º e ss do Código Civil; designadamente, a expressa referência legal, apenas, à relevância do reconhecimento de factos desfavoráveis não confessórios (artigo 361º do Código Civil), e não à relevância da afirmação de factos favoráveis]. Mas não haverá dúvida que a declaração de parte em tudo se assemelha a um relato testemunhal, com a pequena particularidade de se tratar de um testemunho prestado em causa própria. E por isso, hoje, até pela força probatória reconhecida às declarações de parte [nº 3 do artigo 466º do Código de Processo Civil], devem interpretar-se de forma actualista os nº 1 e 2 do artigo 394º do Código Civil por forma a neles incluir a declaração de parte quanto às proibições que consagram [cfr, sobre a matéria, por todos, o decidido por este Tribunal da Relação do Porto no seu acórdão de 10 de Fevereiro de 2025, proferido no âmbito do processo nº 1424/12.0T8AVR.P1, disponível em www.dgsi.jtrp.pt/]. Ora, no caso que nos ocupa, a recorrente pretende que se considere demonstrada convenção adicional ao clausulado nesse documento autêntico com base no depoimento de parte do administrador da autora [cujo depoimento não foi indicado a tal matéria – veja-se o requerimento probatório da ré apresentado a 13 de Julho de 2023, referência nº 36225696], nas declarações de parte do legal representante da ré [cujo testemunho, também, não foi admitido a tal matéria – cfr, igualmente, o requerimento probatório da ré apresentado a 13 de Julho de 2023, referência nº 36225696], e no depoimento de uma testemunha [a accionista da autora, EE]. Mais. Analisados os articulados, facilmente se constata que as partes jamais colocaram em dúvida não ter sido contratualmente fixado qualquer prazo para o cumprimento da promessa, jamais sequer se referindo a negociações com vista ao estabelecimento desse prazo [o artigo 11º da petição inicial e os artigos 29º a 31º da contestação afiguram-se a este propósito totalmente esclarecedores]. Logo, a recorrente pretende que se julgue demonstrado um facto não alegado, que constitui estipulação adicional a documental autêntico, com base em prova testemunhal ou equiparada – o que o artigo 394º do Código Civil veda. Quanto ao depoimento de parte, dando de barato estarmos sempre a tratar de facto não alegado por qualquer das partes, aquilo a que o administrador da autora se limitou a referir foi apenas a expectativas quanto à duração da tramitação do procedimento administrativo [basta apenas ler as transcrições que a própria recorrente invoca a seu favor para facilmente se concluir jamais ter sido sequer aventado um prazo negocial entre as partes, mas apenas uma expectativa, não mais que isso. O que facilmente se compreende pela simples consideração do facto de que dependia a outorga do contrato – a decisão camarária de licenciamento], e não a qualquer acordo ou preliminares de um acordo relativamente a uma data fixa para o cumprimento da promessa. Também aqui improcede o recurso. A impossibilidade de construir acima da cota da Avª. ..., nos prédios objecto da promessa, decorrente de opção camarária tomada em data posterior ao aditamento ao contrato promessa, constitui, também ele, facto ostensivamente não invocado por qualquer das partes. E, com todo o devido respeito, tal facto, independentemente de ter ou não resultado da instrução do processo, é absolutamente inócuo ao que nos ocupa. É que, recorde-se, autora e ré celebraram contrato promessa de compra e venda de 2 prédios, sendo o preço a pagar fixado por referência à eventual aprovação de um projecto de construção a desenvolver no local, prevendo-se a possibilidade de redução do valor a pagar [nº 2 da cláusula 2ª da promessa] em função do concreto licenciamento camarário que viesse a ser obtido, acima ou abaixo da cota da Avª. .... Ou seja, literalmente, caso não fosse administrativamente autorizada absolutamente nenhuma volumetria acima da cota da Avª. ..., a obrigação de contratar mantinha-se, reduzindo-se o preço em conformidade. E o facto que a aqui recorrente invocou como fundamento do pedido de resolução do contrato promessa pela recorrida reconduz-se ao repúdio ostensivo e flagrante por esta da sua obrigação de contratar – e não à alteração das possibilidades construtivas dos imóveis em questão. Também improcede a pretendida alteração. Do aditamento à matéria de facto não provada Nos artigos 16º a 22º, 54º e 88º da sua contestação a recorrida alonga-se na descrição das circunstâncias que, na perspetiva da ré, rodearam a decisão da autora de, em meados de 2022, apresentar um pedido de informação prévia junto da Câmara Municipal ... referente aos prédios objecto da promessa de contratar. Na sentença proferida o tribunal a quo, sobre esta temática, considerou relevante, para a apreciação do objecto do litígio, apenas o que verteu nos pontos 42- a 44- da matéria de facto provada. Ora, como é de há muitos anos a esta parte constitui jurisprudência absolutamente pacífica dos nossos tribunais superiores, a alegação de um facto não equivale à alegação do seu contrário, e, consequentemente, a não demonstração de um facto não representa a prova do seu contrário – isto porque, lógica, jurídica e naturalmente, A e não-A são obviamente realidades diversas [«Um facto não provado não se confunde com um facto negativo; não se pode extrair da factualidade não provada que esteja assente o facto negativo que lhe seja simétrico. Não se pode extrair do facto não provado o seu oposto, ou seja, o facto provado» - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Abril de 2023, processo nº 979/21.9T8VFR.P1.S1, disponível em www.dgsi.jstj.pt/]. Daí que a eventual procedência da pretensão da recorrente, quanto aos factos em apreço, apenas representará a substituição de um juízo de irrelevância por um juízo de não demonstração, o que sempre será completamente indiferente à definição do direito no caso. Por outras palavras, dizer-se que um facto é irrelevante ou afirmar-se que não está provado é em absoluto idêntico no que respeita à solução jurídica do litígio, por necessariamente conduzir ao mesmo resultado – a impossibilidade de o considerar no enquadramento jurídico da situação. Ora, dir-se-ia obviamente, a reapreciação do decidido no plano dos factos apenas se justificará se em qualquer caso possuir algum reflexo na reapreciação da questão jurídica suscitada [recordando-se que a autora, com a presente acção, pretendem obter o reconhecimento judicial da recusa da ré no cumprimento da promessa como fundamento bastante para a resolução contratual]. Isto porque, como parecerá óbvio, o «(…) princípio de que o juiz deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes, analisando todos os pedidos formulados, está sujeito a uma restrição, e a restrição reporta-se às matérias e aos pedidos que forem juridicamente irrelevantes. Estando em causa factos irrelevantes, não faz qualquer sentido ponderar sequer a sua inserção na matéria de facto provada» [acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de fevereiro de 2020, proc. n.º 4821/16.4T8LSB.L1.S2, disponível em www.dgsi.jstjpt/], sendo esta a orientação jurisprudencial absolutamente pacífica dos nossos tribunais superiores, fundada na proibição da prática de actos inúteis [artigo 130º do Código de Processo Civil – cfr, por todos, o decidido pelo STJ nos seus acórdãos de 14 de Março de 2019, processo nº 8765/16.1T8LSB.L1.S2, de 28 de janeiro de 2020, processo nº 287/11.3TYVNG-G.P1.S1, de 14 de Janeiro de 2020, processo nº 154/17.7T8VRL.G1.S2, de 13 de Julho de 2017, processo nº 442/15.7T8PVZ.P1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.jstjpt/]. Logo, por inútil, nesta parte não há que apreciar o recurso. * Em resumo, deve determinar-se a alteração da decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:O ponto 41- da matéria de facto provada passa a constar da seguinte forma: Após o envio da carta referida nos pontos 20- e 21- da matéria de facto provada, as partes agendaram uma reunião e trocaram as comunicações referidas nos pontos 24- e 39- da matéria de facto provada. O ponto 45- da matéria de facto provada passa a constar da seguinte forma: A Ré e o arquitecto BB, autor do projecto de arquitectura em 2020 por iniciativa da aqui ré submetido à apreciação da Câmara Municipal ..., reuniram-se por diversas vezes, entre si e com entidades terceiras, tendo em vista adequar o projecto às posições sobre o projecto recolhidas junto dessas entidades, designadamente a “D..., SA”. O ponto 49- da matéria de facto provada passa a constar da seguinte forma: Autora e Ré contactavam por e-mail e por telefone. Determina-se a eliminação do ponto e) do elenco dos factos não provados. Determina-se o aditamento de um ponto 51- à matéria de facto provada, com o seguinte teor: Após o referido em 40-, e até à propositura da presente acção, nenhum contacto veio a ser estabelecido pela ré com a autora. B) Obviamente não oferece dúvida que autora e ré reciprocamente assumiram a obrigação de no futuro celebrar um contrato de compra e venda de dois imóveis. Promessa bilateral que a recorrente pretende ver destruída com fundamento em incumprimento definitivo que imputa à ré. Ao contrato promessa aplica-se o regime geral de cumprimento e incumprimento. Caso não exista prazo fixo essencial para cumprimento da obrigação principal, o incumprimento definitivo pode surgir: (1) na sequência de declaração inequívoca de um dos promitentes que exprima a intenção de não cumprir a promessa; (2) como resultado da perda do interesse do credor na manutenção do vínculo, ocorrido na sequência de mora da contraparte; ou, (3) ocorrendo situação de mora, a prestação não for realizada no prazo razoável para o efeito fixado pelo credor. A perda do interesse é apreciada objectivamente, aferindo-se o valor da prestação pelas utilidades que teria para o credor, segundo um «critério de razoabilidade própria do comum das pessoas, e a sua correspondência à realidade das coisas» [Prof. Pessoa Jorge, “Ensaios Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, página 20, nota 3]. Dito de outra forma, a «(…) perda de interesse susceptível de legitimar a resolução do contrato afere-se em função da utilidade que a prestação teria para o credor, embora atendendo a elementos capazes de serem valorados pelo comum das pessoas. Há-de, assim, ser justificada segundo o critério da razoabilidade própria do comum das pessoas» [acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de Julho de 2007, processo nº 07A932, disponível em www.dgsi.jstj.pt/. No mesmo sentido, veja-se o ensinamento dos Profs. Baptista Machado (in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 118º, página 55) e Almeida Costa (in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 124º, página 95)]. Se essa perda não ocorrer, deve entender-se que o contrato continua a ter interesse para qualquer das partes, e o incumprimento definitivo apenas advirá caso a prestação não se mostre realizada decorrida que seja o prazo da interpelação admonitória. Por último, de entre as formas de incumprimento definitivo, a doutrina de há muito separa um tipo que não chegou a merecer abrigo legal expresso, mas que tem sido pacificamente aceite pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores – a da recusa antecipada de cumprimento [cfr, sobre a questão, e a título meramente exemplificativo, o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos de 10 de Novembro de 2005, processo nº 05B1903, disponível em www.dgsi.jstj.pt/]. Entende-se que uma declaração do devedor (ainda que tácita), séria, pessoal e inequívoca, de repúdio do contrato, encerra em si violação positiva da confiança que constitui a base de qualquer acordo negocial, e, nessa medida, abre ao adimplente todas as faculdades que a lei estabelece para o incumprimento definitivo da prestação pela contraparte, desde logo tornando desnecessárias a interpelação para constituição em mora e a interpelação admonitória [cfr, por todos, sobre o fundamento deste tipo de incumprimento, o estudo do Prof. Brandão Proença «Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral – A Dualidade Execução Específica-Resolução», Coimbra Editora, 1996, páginas 87 e ss]. Todas estas soluções, obviamente, representam o ponto legal de equilíbrio entre, de um lado, o respeito pela palavra dada como modelo ético-jurídico de conduta; de outro, a exigibilidade enquanto critério operacional de adaptação do modelo às vicissitudes da vida real. No caso em apreço é manifesto não ter sido fixado prazo fixo essencial para o cumprimento da promessa; e, verdadeiramente [desde logo porque nem sequer se mostra ter sido fixado um prazo para o cumprimento], não podemos afirmar que a ré deixou de praticar, no momento devido, a prestação principal a que se vinculou [nº 2 do artigo 804º do Código Civil]. Toda a alegação da recorrente, aliás, jamais se centra na violação da obrigação de contratar propriamente dita, mas antes no incumprimento de deveres laterais de conduta de forma comprometedora da possibilidade de satisfação dos legítimos interesses que nortearam a contraparte, a autora, a contratar [veja-se, por exemplo, o teor da 150ª conclusão do recurso]. E, é verdade, será hoje pacífico que a «(…) complexidade intra-obrigacional traduz a ideia de que o vínculo obrigacional abriga, no seu seio, não um simples dever de prestar, simétrico a uma prestação creditícia, mas antes vários elementos jurídicos dotados de autonomia bastante para, de um conteúdo unitário, fazerem uma realidade composta» [Prof. Menezes Cordeiro, in “Da Boa Fé no Direito Civil”, colecção teses, Livraria Almedina, reimpressão, 1997, página 586]. Ou seja, referidos à ideia de Justiça, um conjunto de deveres são pacificamente reconhecidos como devendo ser respeitados no âmbito do cumprimento da prestação principal assumida, iluminada pelo interesse do credor na contratação - «Foi exactamente a inclusão dos deveres acessórios de conduta na relação contratual, feita em grande parte por aplicação da regra da boa fé, que contribuiu em grande medida para a autonomização da figura do cumprimento defeituoso ou da prestação defeituosa» [Prof. João de Matos Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, volume II, Livraria Almedina, 1992, página 128]. «Os deveres acessórios têm sido objecto de tipificações várias (…), podendo conseguir-se uma panorâmica satisfatória com recurso à tripartição entre deveres de protecção, de esclarecimento e de lealdade (…)»; pelos deveres acessórios de protecção «(…) considera-se que as partes, enquanto perdure um fenómeno contratual, estão obrigadas a evitar que, no âmbito desse fenómeno, sejam infligidos danos mútuos, nas suas pessoas ou nos seus patrimónios» (…); «os deveres acessórios de esclarecimento obrigam as partes a, na vigência do contrato que as une, informarem-se mutuamente de todos os aspectos atinentes ao vínculo, de ocorrências que, com ele, tenham certa relação e, ainda, de todos os efeitos que da execução contratual possam advir» (…); «os deveres acessórios de lealdade obrigam as partes a, na pendência contratual, absterem-se de comportamentos que possam falsear o objectivo do negócio ou desequilibrar o jogo das prestações por elas consignado. Com esse mesmo sentido, podem ainda surgir deveres de actuação positiva» [Prof. Menezes Cordeiro, in “Da Boa Fé no Direito Civil”, ob. cit., páginas 603 a 608]. Ora, recordemos, qual(is) os concreto(s) motivo(s) que invocou a autora para concluir pelo incumprimento definitivo da ré? i. ter a ré dedicado o seu tempo à elaboração de um projecto alheio às partes, o tal que contemplava um emparcelamento [conclusões 151ª e 152ª]; ii. ter a ré submetido à apreciação da Câmara Municipal ..., sem a aprovação da autora, um projecto destinado aos prédios objecto da promessa [conclusão 154ª]; iii. o atraso na apresentação do projecto por parte da ré ter inviabilizado a possibilidade de construção nos prédios acima de determinada cota [conclusões 156ª e 157ª]; iv. o não fornecimento pela ré de informações quanto ao pedido de licenciamento que apresentou e ao indeferimento de que o mesmo foi alvo, mesmo após notificação judicial avulsa para o efeito promovida pela recorrente [conclusões 158ª, 162ª e 163ª]; v. a devolução de correspondência e a ausência injustificada a reuniões agendadas [conclusão 159ª]. Com todo o devido respeito, a alegação da recorrente não resiste a brevíssima análise. Desde logo a alegação de a ré se ter dedicado à elaboração de um projecto de emparcelamento surge notoriamente fantasiosa [como houve já oportunidade de frisar quando da análise da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, e para onde agora se remete]. Em segundo lugar, não está demonstrado que a autora não tenha sido previamente informada quanto ao projecto de licenciamento pela ré submetido à apreciação camarária em Maio de 2020 [ponto b) do elenco dos factos não provados]. Terceiro, não há qualquer motivo para imputar à ré a alegada inviabilização da construção nos imóveis acima da cota da Avª. ... após a outorga do contrato promessa – como obviamente decorre da simples leitura dos pontos 14- a 17- da matéria de facto provada. Aliás, a possibilidade de não ser viável construção acima dessa cota foi claramente prevista no contrato-promessa, em concreto na cláusula que prevê o reajustamento do preço, sempre na perspectiva da redução deste, em função da concreta volumetria de construção que viesse a ser aprovada para o local. E o não recebimento de cartas e notificações destinadas a obter informações relativas ao estado do processo camarário de licenciamento, ou do não comparecimento a uma reunião agendada pela autora, ou ainda o silêncio da ré apesar de realizada uma notificação judicial avulsa com vista à obtenção de informações pela autora, o que se prolongou por menos de 6 meses antes da propositura da acção, esboroam-se por completo enquanto causa(s) de incumprimento definitivo da obrigação principal de contratar fundado em recusa em cumprir, se atentarmos em que a ré continua a ter pendente pedido de licenciamento de projecto de construção para os imóveis [cfr pontos 46- e 48- da matéria de facto provada], e que o cumprimento da promessa, nos termos contratados, apenas se torna exigível após aprovação camarária do projecto de construção para os imóveis. Ou seja, simplesmente não se vê como retirar da conduta da ré, independentemente da maior ou menor disponibilidade que tenha revelado para o contacto com a autora, uma séria, pessoal e inequívoca declaração de repúdio do contrato. E, na falta de fundamento legalmente legitimador da resolução, o recurso não pode senão improceder. * Sumário – nº 7 do artigo 663º do Código de Processo Civil:……………………………… ……………………………… ……………………………… ** III- Dispositivo:* Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto em: I- Determinar a alteração da decisão sobre a matéria de facto, nos seguintes termos: i. o ponto 41- da matéria de facto provada passa a constar da seguinte forma: Após o envio da carta referida nos pontos 20- e 21- da matéria de facto provada, as partes agendaram uma reunião e trocaram as comunicações referidas nos pontos 24- e 39- da matéria de facto provada; ii. o ponto 45- da matéria de facto provada passa a constar da seguinte forma: A Ré e o arquitecto BB, autor do projecto de arquitectura em 2020 por iniciativa da aqui ré submetido à apreciação da Câmara Municipal ..., reuniram-se por diversas vezes, entre si e com entidades terceiras, tendo em vista adequar o projecto às posições sobre o projecto recolhidas junto dessas entidades, designadamente a “D..., SA”; iii. o ponto 49- da matéria de facto provada passa a constar da seguinte forma: Autora e Ré contactavam por e-mail e por telefone; iv. etermina-se a eliminação do ponto e) do elenco dos factos não provados; v. determina-se o aditamento de um ponto 51- à matéria de facto provada, com o seguinte teor: Após o referido em 40-, e até à propositura da presente acção, nenhum contacto veio a ser estabelecido pela ré com a autora; II- no mais negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença proferida em 1ª instância. Mais se condena a recorrente nas custas do recurso – artigo 527º do Código de Processo Civil. Notifique. Porto, 27/1172025 António Carneiro da Silva Isabel Peixoto Pereira Paulo Duarte Teixeira |