Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MARIA JOÃO FERREIRA LOPES | ||
| Descritores: | RECURSO PENAL ASSISTENTE INTERESSE EM AGIR IMPUGNAÇÃO AMPLA DA MATÉRIA DE FACTO CRIME DE OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICATIVA MOTIVO FÚTIL CONCEITO OMISSÃO DE AUXÍLIO CRIME INEXISTÊNCIA | ||
| Nº do Documento: | RP20251119223/22.1GACPV.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/19/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
| Decisão: | JULGADO PROCEDENTE, NA PARTE NÃO REJEITADA, O RECURSO INTERPOSTO PELO ASSISTENTE E JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE O INTERPOSTO PELO ARGUIDO | ||
| Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Não sendo invocado pelo assistente qualquer interesse específico ou vantagem na aplicação de penas mais elevadas, interesse ou vantagem que, naturalmente, são distintas das finalidades públicas da aplicação da pena, não se pode entender que a decisão recorrida foi proferida contra o assistente, nem que lhe assiste interesse em agir relevante. II - A impugnação, na globalidade, de 9 pontos da matéria de facto, alguns complexos, com mais que um facto, tendo o arguido desde logo, anunciado ir proceder a análise conjunta sobre a essencialidade dos factos constantes da acusação e que motivaram a sua condenação, não dá satisfação cabal aos ónus contidos no artigo 412.º/3 e 4 do CPP. III - Não integra a qualificativa “motivo fútil” para qualificar o crime de ofensas à integridade física quando, cubjacente à actuação do arguido está a ancestral disputa – ainda omnipresente, mormente no interior do país - sobre a propriedade, numa comunidade rural em que essa propriedade assume, além do estrito valor patrimonial, um outro valor simbólico de posse e poder. IV - Subjacente ao dever geral de auxílio, consagrado no artigo 200.º do CP está a solidariedade humana que deve vincular todo e qualquer membro da sociedade, proteger aquele valor da solidariedade relativamente a uma pluralidade de bens como a vida, a integridade física e a liberdade. V - O agente que dolosamente agride a vítima, que a quer ofender na sua integridade física, no corpo e na sua saúde, o que aliás consegue, não comete, em concurso real, o crime de omissão de auxílio da vítima. Entendimento diverso consubstanciaria um paradoxo jurídico, uma contradição lógica e dogmática, sendo completamente incoerente que, quem querendo lesar a integridade física de terceiro adoptando os actos necessários para aquele efeito, tivesse, depois a obrigação de prestar auxílio ao lesado. (Sumário da responsabilidade da Relatora) | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc n.º 223/22.1GACPV.P1 Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo de Competência Genérica de Castelo de Paiva Acordam, em conferência, na 2 ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório 1. No âmbito do processo comum singular n.º 223/22.1GACPV que corre termos no Juízo de Competência Genérica de Castelo de Paiva, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, em que é arguido AA, melhor identificado nos autos, foi proferida sentença, a 02-05-2025, no qual se decidiu, ao que ora releva: - condená-lo pela prática, em autoria imediata, com dolo directo, na forma consumada, de um 1 crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, por referência à alínea e) do n.º 2 do artigo 132.º, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão; - condená-lo pela prática, em autoria iNão foi encontrada nenhuma entrada de índice remissivo.mediata, com dolo directo, na forma consumada, de um crime de omissão de auxílio qualificado, previsto e punido pelo artigo 200.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; - condená-lo, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de 3 anos, com regime de prova, a ser elaborado pela DGRSP, mediante: - frequência de programa que lhe permita adquirir competências pessoais de resolução consensual de litígios, com controlo emocional, a ministrar em sessões individuais por técnico da DGRSP, durante 18 meses; - o pagamento ao assistente durante o período da suspensão a quantia de 3.000,00€, montante a deduzir no pedido de indemnização civil fixado; - condenar o demandado/arguido a pagar a BB, a título de indemnização civil por danos não patrimoniais, a quantia de 6.500,00€, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data da sentença, até efectivo e integral pagamento; - condenar o arguido a pagar ao Instituto de Segurança Social, I.P. a quantia que este instituto suportou, a título de subsídio de doença pago ao assistente BB, no montante global de 5.119,44€. 2. O assistente BB recorreu, pedindo sejam agravadas as penas (parcelares e única) em que foi condenado o arguido e, bem assim, o aumento da quantia fixada a título de indemnização civil. Apresentou as alegações que se passam a transcrever: “I. O Recorrente considera que as penas aplicadas ficaram num grau mínimo da moldura abstrata, desconsiderando a extrema gravidade dos factos concretos, e os elevadíssimos níveis de ilicitude e culpa. II. Nos presentes autos, tendo em consideração a matéria de facto provada, verifica-se uma situação de elevadíssima culpa do agente, porquanto o Arguido: a. Desferiu com um pau de madeira pelo menos uma vez uma violentíssima pancada na zona da cabeça e da face do Assistente, com força e intenção de causar dano físico grave, atingindo zonas vitais do corpo; b. Agiu sem qualquer justificação, por motivos fúteis e injustificáveis, com intenção de ofender gravemente a integridade física da vítima; c. Após a agressão, abandonou a vítima inconsciente e em risco de vida, numa zona isolada, omitindo propositadamente o dever de auxílio, com total indiferença pela vida humana. III. Fruto da conduta grave perpetrada pela Arguido, tal originou danos e sequelas extensas melhor descritas nos factos provados da sentença do tribunal a quo e que se traduziram no seguinte: a. A vítima sofreu: ▪ traumatismo crânio-encefálico e facial; ▪ fratura do seio frontal alinhada, etmoide e ossos do nariz; ▪ hematomas periorbitrários; ▪ equimose periorbitaria bilateral; ▪ edema exuberante de toda a pirâmide nasal; ▪ crepitação à apalpação de toda a pirâmide nasal; ▪ fratura de OPN com instabilidade da pirâmide nasal; ▪ laceração da mucosa do septo nasal da FN direita e laceração da mucosa da cabeça o corneto inferior; ▪ hemorragia subaracnoideia discreta sílvica mais fronto-basal. b. O risco para a vida foi real e elevado; c. As lesões produzidas provocaram sofrimento intenso e duradouro, fraturas múltiplas, sequelas físicas permanentes, dores crónicas, incapacidade absoluta total e perturbações emocionais profundas; d. As lesões provocadas originaram um período de 6 meses para cura, com a afetação da capacidade de trabalho em geral e profissional por igual período. e. Com a conduta perpetrada pelo Arguido, o Assistente ficou com sequelas, nomeadamente uma cicatriz rosada na porção óssea do nariz, em “Z”, medindo cada um dos ramos cerca de 2 cm de eixo transversal e traço oblíquo inferomedialmente com 0,5 de comprimento e síndrome pós-concussional marcado por cefaleias, mal-estar e esquecimento, para além de limitações físicas no exercício profissional e processamento lentificado das tarefas profissionais. IV. Perante os factos provados na sentença do tribunal a quo, verificam-se elevadas exigências de prevenção geral, nomeadamente por força da banalização da violência, especialmente em meio rural e de proximidade pessoal, pelo que se impõe afirmar com clareza a reprovação e a censura social destas condutas. V. Deste modo, as penas a aplicar têm de funcionar como barreira e dissuasor da prática de novas condutas semelhantes, sendo que da sentença recorrida não existem quaisquer atenuantes relevantes como sejam por parte do Arguido um arrependimento sincero, um pedido de desculpas, colaboração com a justiça, indemnização voluntária à vítima, ou quaisquer outros fatores que justifiquem a atenuação das penas. VI. Pelo contrário, a conduta posterior do Arguido ao abandonar o local da agressão, um local ermo que dista cerca de 300 metros das casas mais próximas, deixando-o à sua sorte, é revelador de total frieza, indiferença e ausência de remorsos e de total desvalor pela vida humana. VII. Assim, a decisão recorrida incorre num erro de julgamento quanto à medida concreta das penas aplicadas deverá ser revogada e substituída por outra que agrave as penas de prisão aplicadas ao Arguido, dentro dos limites legais, em moldura mais adequada à culpa e aos factos, nos termos enunciados, o que desde já se requer para os devidos efeitos legais. VIII. Em relação à quantia arbitrada pelo tribunal, a mesma é manifestamente insuficiente para ser suficientemente punitiva e reparadora, tanto quanto possível, dos danos causados ao Recorrente, pelo que a compensação que lhe foi fixada por danos não patrimoniais é insuficiente, devendo ser aumentada. IX. O montante compensatório deve ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta a extensão e gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. X. Na situação dos autos, ficou demonstrado que, perante coisa nenhuma (ao que ficou provado, nem sequer ocorreu, previamente à agressão, uma simples disputa verbal entre o arguido e o ofendido), e com um cabo de madeira que servia de pilar para sustentar uma vedação elétrica, - que o arguido preparou, o Arguido agrediu o Assistente, com um golpe violento, atingindo-o na zona da cabeça e da face. XI. Ora, o emprego de tal objeto, perante um motivo fútil relacionado com limites de terrenos e apropriação de espaço público, e a frieza com que a conduta foi desencadeada, revelam, assim, uma especial perversidade da conduta do Arguido, ou seja, um especial grau de culpa que excede manifestamente o que está pressuposto na moldura penal da ofensa à integridade física grave, pelo que o crime de ofensa à integridade física grave cometido o é de forma qualificada, tal como vem o Arguido condenado. XII. Tendo em consideração a extrema violência e desumanidade da agressão, visto que o Arguido desferiu pelo menos um golpe na zona da cabeça e face do Assistente com um pau de madeira, deixando-o abandonado e ensanguentado, causando lesões gravíssimas com risco de vida, em zona vital do corpo, com dolo direto e sem qualquer provocação imediata, considerando que o ofendido fruto desse ato ficou inconsciente, ferido, em risco de morte iminente, tal conduta é reveladora de uma total indiferença absoluta pela vida e integridade da vítima – o que agrava os danos morais. XIII. Para além disso, tendo em consideração a gravidade das sequelas de que o Assistente ficou a padecer, perdendo a sua capacidade plena de trabalho durante seis meses, com impacto duradouro na sua qualidade de vida e autoestima, apresentando dificuldades em adormecer, sentindo-se inquieto e perturbado, o que dificultou o seu descanso, o que se refletiu na sua saúde física e psíquica, evidenciando cansaço, mal estar e nervosismo, ficando a padecer de tonturas e cefaleias, além de ter o pensamento lentificado. XIV. Considerando ainda o sofrimento emocional sofrido, fruto das dores sofridas, da hospitalização e tratamentos prolongados, as sequelas não são apenas físicas, mas psicológicas. XV. Deste modo, os elementos que resultam da matéria de facto provada e que devem ser levados em consideração para efeitos de determinação da indemnização por danos não patrimoniais, são, entre outros: a. o tipo de agressão perpetrada; b. a zona corporal visada e atingida (cabeça e face ofendido); c. as lesões sofridas que além das dores que se traduziram em traumatismo crânio-encefálico e facial; fratura do seio frontal alinhada, etmoide e ossos do nariz; hematomas periorbitrários; equimose periorbitaria bilateral; edema exuberante de toda a pirâmide nasal; crepitação à apalpação de toda a pirâmide nasal; fratura de OPN com instabilidade da pirâmide nasal; laceração da mucosa do septo nasal da FN direita e laceração da mucosa da cabeça o corneto inferior; hemorragia subaracnoideia discreta sílvica mais fronto-basal, lesões estas que determinaram 6 meses para cura, com afetação da capacidade de trabalho em geral e profissional por igual período; d. as sequelas que ainda hoje permanecem na vida do Assistente, nomeadamente a cicatriz rosada na porção óssea do nariz, em “Z”, medindo cada um dos ramos cerca de 2 cm de eixo transversal e traço oblíquo inferomedialmente com 0,5 de comprimento, e síndrome pós-concussional marcado por cefaleias, mal-estar e esquecimento, para além de limitações físicas no exercício profissional e processamento lentificado das tarefas profissionais; e. o grau de culpa subjacente à conduta do arguido (dolo direto); f. as dores, a humilhação e abalo psicológico que o ofendido sofreu em consequência da agressão que o vitimou, e as concretas circunstâncias em que tal conduta foi perpetrada. XVI. Os danos são consideráveis, e, como tal, merecedores de tutela jurídico-indemnizatória proporcional, justa e adequada e não meramente simbólica em face da gravidade dos factos dados como provados que foram aptos a causar perigo de morte, ora não fosse a intervenção de terceiros, visto que uma hemorragia continua é apta a provocar um choque hipoglémico que, por sua vez, desencadeia uma paragem cardiorespiratória, a maior parte das vezes, de cariz fatal. XVII. Deste modo, a decisão recorrida incorre num erro de julgamento quanto à indemnização fixada por conta dos danos não patrimoniais e como tal deverá ser substituída por outra que condene o Arguido ao pagamento da quantia de uma indemnização no montante de 30.000,00 (trinta mil euros), a título de danos morais, o que desde já se requer para os devidos efeitos legais. Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, seja: a) concedido provimento ao recurso em matéria penal, e assim, revogar a decisão recorrida quanto à medida concreta das penas aplicadas e da pena única aplicada em cúmulo jurídico, e seja substituída por outra que agrave as penas de prisão aplicadas ao arguido, dentro dos limites legais, em moldura mais adequada à culpa e aos factos, e o Arguido seja condenado: a. Pela prática, em autoria imediata, com dolo direto, na forma consumada, de um (1) crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, por referência à alínea e) do n.º 2 do artigo 132.º, do Código Penal, na pena de prisão de pelo menos 3 anos e 6 meses. b. Pela prática, em autoria imediata, com dolo direto, na forma consumada, de um crime de omissão de auxílio qualificado, previsto e punido pelo artigo 200.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de prisão de pelo menos 1 ano e 6 meses. c. Em cúmulo jurídico, o Arguido deverá ser punido na pena única de 4 anos, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, a ser elaborado pela DGRSP, no qual deverá o arguido cumprir as seguintes regras de conduta: i. Frequentar programa que lhe permita adquirir competências pessoais de resolução consensual de litígios, com controlo emocional, a ministrar em sessões individuais por técnico da DGRSP, durante 30 meses; ii. pagar ao assistente durante o período da suspensão a quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros), montante que deve ser considerado em sede de pedido de indemnização civil deduzido, fazendo prova nos autos. b) concedido provimento ao recurso em matéria civil, e assim, revogar a decisão recorrida quanto à indemnização fixada por conta dos danos não patrimoniais, e seja substituída por outra que condene o Arguido/Demandado a pagar ao Assistente/Demandante a quantia de 30.000,00€ (trinta mil euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil deduzido até efetivo e integral pagamento. (…)” 3. Também o arguido recorreu, pedindo a respectiva absolvição da prática do crime de ofensa à integridade física qualificada e do crime de omissão de auxílio qualificado e, caso assim não se entenda, sejam reduzidas as penas fixadas, por manifestamente excessivas. Rematou o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever: “1. O presente recurso tem por objeto matéria de facto e de Direito; 2. A sentença recorrida contém erro de julgamento ao dar como provados os factos, ou pelo menos alguns segmentos dos mesmos, constantes dos nºs 1,3,4,8,9,10,11,12 e 42 da Fundamentação dos Factos Provados; 3. As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, nos termos do artigo 412º, nº 3, alínea b), do C.P.P. são as seguintes: a) As declarações do assistente na sessão de julgamento de 29-10-2024 (das 10:19 às 11:48) e na sessão de 26-3-2025 (das 16:30 a 17:07), b) As declarações da testemunha CC, arrolada na acusação, sessão de julgamento de 29-10-2024, das 15:18 às 16:07; c) As declarações da testemunha DD, arrolada pela acusação, sessão de julgamento de 20-10-2024, das 16:09 às 16:42; d) As declarações da testemunha EE, indicado pela defesa, sessão de julgamento de 20-12-2024 (das 11:31 às 12:00; das 12:04 às 12:08 e das 12:08 às 12:14); e) As declarações da testemunha FF, indicada pela defesa, sessão de julgamento 20-12-2024 (das 12:15 a 13:03 e das 14:08 às 14:40), e f) As declarações da testemunha GG, indicada pela defesa, sessão de julgamento de 20-12-2024 (das 14:42 às 15:01 e das 15:01 às 15:30). 4. O recorrente, não pode deixar de lamentar os danos/lesões sofridas pelo assistente, todavia, nega terminantemente que tenha sido ele o autor dos factos vertido nos autos. 5. O objeto mencionado nos autos, começa por ser caracterizado como: a) - objeto do tipo “MATERIAL DE CONSTRUÇÃO – CABOS”, descrito como “parte de um cabo em madeira … com cerca de 27 cm de comprimento e 4,5 cm de diâmetro” – cfr. Auto de Apreensão; b) – na douta Acusação surge caracterizado como sendo “… um cabo de madeira, com cerca de 50 cm de comprimento e cerca de 4,5 cm de diâmetro”, cfr. acusação, 1º. Porém, c) – É o próprio M.P. quando em “E. Dos objetos apreendidos “da mesma peça, se refere ao objeto constante do auto de apreensão de fls. 4, nestes termos: “ - parte de um cabo de madeira … com cerca de 27 cm de comprimento e 4,5 cm de diâmetro”, cfr. Acusação. Mais, d) – Na douta sentença dá-se como provado que o arguido arrancou e pegou “… num cabo de madeira … com características de comprimento não concretamente apuradas, com cerca de 4,5 cm de diâmetro … “, cfr. sentença, A) 1 dos Factos Provados. Mais se dizendo, e) – Que, afinal, é convencimento do Tribunal que “não foi com o pau apreendido nos autos que o arguido agrediu o assistente”, cfr. fl. 14, linha 11. Fazendo-se constar, por fim, que, afinal, não se fez a prova que “o arguido arrancou o pau mencionado em 1, partindo-o em duas partes, cfr. B-Factos Não provados, fl. 9 da douta sentença. 6. O tribunal não apurou o comprimento do objeto usado; considerou que não foi com o constante dos autos que terá sido praticada agressão, (pelo que o mesmo não pode ser considerado como referência para qualquer equiparação com o suposto pau utilizado na agressão), mas considerou, e smo, mal, que o seu diâmetro era de 4,5cm. 7. Além de não constar da sentença qual o critério concreto e objetivo adotado para se chegar aquele valor – 4,5 - a análise atenta das fotografias juntas na sessão de 20-12-2024, com os nºs 4,16,19, e 20 permitem concluir que o comprimento do objeto é claramente superior a um metro (o que aqui não releva) e que o seu diâmetro não é uniforme em toda a sua extensão, pelo que não se pode aceitar o referido diâmetro do objeto. 8. Pelo que se terá de concluir que não se logrou apurar se a invocada agressão foi praticada ou não com um pau, ou objeto de outra natureza, e suas respetivas características concretas. 9. O depoimento do assistente foi marcado, em nosso entender, por uma clara instabilidade emocional, que, necessariamente limita e condiciona todo o seu depoimento, o que, aliás, é reconhecido na própria sentença, quando refere que o seu discurso foi marcado “… pela emoção, por um lado, e pela objetividade e lógica, por outro ...”, cfr. fl. 11 da sentença. Mais tais considerações, porém, não tiveram quaisquer efeitos práticos na decisão. Pelo que se impunha que a sentença recorrida fizesse menção expressa àqueles segmentos/partes em que considerou que o assistente se movia pela emoção, das declarações proferidas de modo objetivo. Ao não o ter feito, o arguido viu-se afetado no seu legítimo direito a fazer uma apreciação crítica dos factos que lhe eram imputados, pelo que, e smo, as declarações do assistente não devem ser tinhas em linha de conta, quanto à matéria de facto dada como provada. 10. Na sessão de 29-10-2024, das 10:19 às 11:12 (minuto 12:45) o arguido refere que o arguido “estava a uma distância de 15-18 metros, até que fosse 20”. Porém, nas declarações na sessão de 26-3-2025, entre as 16:30 e as 17:07 (minuto 27:01), surge com uma versão bem diferente, dizendo que o arguido “estava debaixo da ramada de kiwis, a 60-70m e deu a volta até chegar ao local”, ou seja, no dizer do assistente, o arguido tanto aparece a uma distância de 15-18-20 metros do local ele se encontrava, como a 60-70 metros do mesmo local. Mas, afinal, a qual das duas versões se deve dar crédito? À primeira? À segunda? Ou a nenhuma delas? Afinal, no dizer do assistente, a que distância concreta se encontrava o arguido? Das duas, qual a declaração “emotiva” e qual a declaração que deve ser reputada como “objetiva”? 11. Na sessão de 29-10-2024, das 10:19 às 11:12 (minuto 38:20), o Exmo. Procurador questionou o assistente, perguntando se o arguido lhe terá dito alguma coisa, ao que respondeu: “Não. A única coisa que ele falou foi, oh HH, oh HH, ele está ali …”. Porém, na sessão de 13-11-2024, a testemunha II, agente GNR, que depôs de 15:27 a 15:45, refere (minuto 02), que o assistente lhe disse que “… tiveram uma conversa …”, sendo que a expressão “tiveram” se reportava a duas pessoas, assistente e arguido. Afinal, e segundo o assistente: houve ou não alguma conversa entre ele e o arguido? É que “não” e “tiveram uma conversa” não nos parece ser exatamente a mesma coisa… No caso, “Não haver” e “haver” ao mesmo tempo, é algo de impossível concretização. E das duas qual será a declaração “emotiva” e qual a declaração que deve ser reputada como “objetiva”? 12 – Na douta sentença, cfr. fls. 12, penúltimo parágrafo, consignou-se que “a pessoa do arguido surge-lhe ao telefone com o elencado presidente da junta”, entenda-se em frente do assistente, o que não pode ser considerado como provado. Com efeito, a) – Sentenciou-se que a suposta agressão ocorre pelas 15:15, cfr. sentença, A-FACTOS PROVADOS 1; b) – E que o agressor surge ao telefone a falar com o Pr da Junta de Freguesia, HH, (isto por volta das 15:15); c) - Na sessão de 20-12-2024, de 16:43 a 17:04. a instância do douto mandatário do assistente, é perguntado ao citado Pr. da Junta se no dia dos factos tinha ligado ao AA, ao que o mesmo responde “liguei ao Sr AA, mas não sei se foi após a 1ª chamada (feita às 14:54 pelo assistente, esclarecemos nós), ou após a 2ª chamada (esclarecemos que esta foi feita pela JJ, pelas 18:05, cfr. doc, fls. 37 (minuto 9:40). E perguntado pela defesa (a partir de 19:05) se ligou ao Sr AA, diz “ sei que falei com ele, e foi depois do almoço, foi depois do almoço de certeza”. d) - Aqui chegados, importa saber a que horas almoçou o Pr da Junta, e é o próprio que responde (5:45) “estava sentado no restaurante quando falei com o CC”, eram 14h54, o que é reforçado a 7:15 “ foi na hora de almoço estávamos a sentar”, e a que horas costuma almoçar, “por volta das 1-3”, o que levou a Mma Juiz a considerar, então é “um almoço alancharado” (minuto 5: 45). e) - Pelo que, e smo, se algo se pode concluir com precisão é que esse telefonema entre o Pr da Junta e o arguido, a existir, só poderia ter ocorrido depois do dito “almoço alancharado” – e ao domingo, num restaurante, com a esposa, o Pr da Junta jamais poderia almoçar entre as 14:54, hora em que iniciou o telefonema com o BB, o qual teve a duração de 04m05s, e as 15:15, hora da agressão de acordo com a sentença – ou depois da segunda chamada, feita pela JJ ao Pr da Junta, pelas 18:05, cfr. doc. fls 17 e minuto 9:40. Pelo que, e smo, o Tribunal andou mal ao considerar que “ a pessoa do arguido surge-lhe ao telefone com o elencado presidente da junta”, entenda-se em frente do assistente, o que deve ser considerado como não provado, pois, a ter existido tal telefonema, ele jamais teria ocorrido como o referido na sentença, com as inevitáveis consequências. Mais uma vez, e de modo flagrante, o que fica manifestamente em causa é o teor das declarações proferidas pelo assistente, incluindo quando ele refere que o arguido terá proferido a expressão “Oh HH, Oh HH, ele está ali”, cfr. ponto nº 11 supra, expressão que deve igualmente ser considerada como não provada. Não se entendendo, como é que o assistente pode afirmar com total credibilidade que, pós-agressão, pediu ajuda à mulher via telemóvel. Podendo fazer tal prova documentalmente, não o fez, porém 13 – Pelo exposto, o depoimento do assistente não deve ser valorado, com as legais consequências. Sem Conceder, 14 – A testemunha CC, filha do assistente, prestou depoimento na sessão de 29-10-2024, das 15:18 às 16:07, não o fazendo, porém, no entendimento do recorrente, de modo sereno, objetivo e congruente, pelo que o mesmo não pode ser considerado como credível e valorado para efeito de decisão do caso vertente, sendo várias e verdadeiramente decisivas as contradições da depoente, indevidas as interpretações retiradas pelo tribunal do seu depoimento, que importa alterar. Assim, 15 – A sentença consignou que a testemunha CC “…mora a escassos metros do local …” - local da alegada ocorrência -, cfr. fls. 13, mais consagrando que o local da suposta agressão fica a 300 metros das habitações, cfr. 42º dos Factos Provados. Assim, a habitação da CC fica a 300 metros do local da agressão ou a escassos metros do local? Face a estas duas realidades tão distintas e contraditórias, é nosso modesto entender que estamos perante uma manifesta contradição entre o consignado a fls 13 e a matéria dada como provada em 42º dos factos provados da sentença. 16 – A mesma testemunha foi ouvida na sessão de 29-10-2024, de 13:18 a 16:07, e perguntada pelo douto Mandatário do assistente (minuto 21) se seu pai lhe teria digo alguma coisa quando chegou junto dele, respondeu “não me lembro se ele disse alguma coisa”. A partir do minuto 38:40 a Mma Juiz toma a instância e coloca diretamente algumas questões à testemunha, e nomeadamente, se chegada ao local “O que é que se passou”, “ O seu pai disse-lhe alguma coisa ?”, às quais respondeu, “não me lembro do meu pai dizer nada”, mas ao minuto 32:20 diz que o pai “não estava inconsciente quando cheguei, só ficou inconsciente quando entrou no jippe”. E estando o pai consciente, a filha nada lhe perguntou sobre o que se tinha passado? É este procedimento normal? Pode o mesmo ser considerado credível, face as senso comum que temos das coisas e das situações? 17 - Ao minuto 42:20 é perguntada quanto à distância em metros entre “o local onde o seu pai se encontrava e a casa do arguido”, à qual a CC temunha respondeu 15 metros, 15 metros …” Ora, se tivermos em consideração o documento junto pelo arguido na sessão de 29-10-2024, Referência 135547794, e o aditamento feito à sua direita onde se lê “casa do arguido”, facilmente se constatará que a testemunha, mais uma vez, não falou verdade …! Acresce, aliás, o já referido em 15) destas conclusões. Mais, 18 – Na sessão de 29-10-2024 a instância da Mma Juiz é-lhe perguntado se “o arguido ia a correr, a passo apressado ou ia nas suas vagarezas?”, E a testemunha responde “ele ia normal, que ele já ia dentro de casa”, (minuto 42). Contudo, A instância do Digníssimo Procurador (minuto 03:10) à pergunta “O que presenciou”, a testemunha refere a dado passo o seguinte “Vi o AA a fugir para casa, já a entrar nos portões dele”, e ao minuto 04 “ele ia a subir para casa dele”. Afinal: ele ia “normal” ou a “fugir”? Já “ia dentro de casa” ou “ia a entrar nos portões”, a subir para casa”? 19 – Quando a testemunha diz que “ele já ia dentro de casa”, estava a significar que o arguido já se encontrava no interior do logradouro do seu prédio urbano, o qual é murado, em blocos e com altura na casa dos 1,40 metros. E quem se encontre no campo verdejante não pode afirmar com o mínimo de seriedade que consegue ver o que alguém que se encontre no interior do logradouro leve ou tenha na mão, para mais quando esse objeto se encontra na posição de “saco de compras”, ou seja, sensivelmente do joelho para baixo, salvo se se munir de algum sistema elevatório, se coloque em cima de algo bem alto, o que inequivocamente não ocorreu, ou se quem se encontre no interior do logradouro levante bem alto, ao estilo tocha, o objeto que tenha consigo, e como é óbvio, mesmo assim depende do seu peso…, cfr. as fotografias juntas na sessão de 20-12-2024, com os nºs. 28, 29, 30 e 33 as quais ajudam a compreender o ora relatado. E já indo o arguido dentro de casa, como disse a testemunha, podemos asseverar que é fisicamente impossível que do local onde ela diz encontrar-se aviste quem se encontre no logradouro da casa, munido do que quer que seja se levado na posição de “saco de compras”. Para melhor compreensão: (O arguido é proprietário do prédio urbano que nos surge em fundo, e num plano mais alto. Tal propriedade confina diretamente com um outro, igualmente seu, mas prédio rústico, composto de cultura, e que nos surge em primeiro plano nas fotografias, e a um nível claramente inferior ao do prédio urbano. Estas duas propriedades encontram-se devidamente delimitadas entre si, com muro e portão.) Isto esclarecido, somos forçados a concluir que também a factualidade reportada em 18º supra, não mostra qualquer objetividade, clareza ou assertividade no depoimento da testemunha, o qual não igualmente ser valorado. 20 – Nessa sessão, mais diz a testemunha, logo de seguida, que “estaria à distância de 50 metros dele (arguido)”. Ora, se a testemunha tivesse razão, chegaríamos a esta impressionante conclusão, a saber: - do local onde o pai foi encontrado à casa do arguido distam 15 metros; - a sentença consignou que do local onde o assistente foi encontrado às habitações mais próximas distam 300 metros; - então os ditos 50 metros que a separavam do arguido seriam 1.000, isto de acordo com o mesmo critério (300x50:15). A assertividade em termos de calculo de distâncias da testemunha, se não é nulo, não andará longe disso… 21 – Quando no seu depoimento (de 5:30 e 11) a testemunha é questionado pelo Exmo. Procurador e Mma Juiz, nomeadamente para descrever o pau, suas características, onde estava, quem o encontrou, etc., lá foi respondendo, dizendo que “não dava para ver bem o pau”, “não dava para ver se o pau que ele levava ia partido ou não”, “ele partiu o pau para bater no meu pai”, (mas como é possível fazer tal afirmação ?) “O pai disse à GNR onde tinha sido tirado o pau”, todavia “O Sr KK – agente PSP – procurou o pau mas não o encontrou”, não vi o Sr KK a pegar no pau”. Ou seja, 22 - Não tendo a testemunha visto o pau que terá sido encontrado pelo agente KK, como pode ela, de modo minimamente sério e credível, pronunciar-se sobre um objeto que não viu …? Sem conceder, 23 – A vegetação envolvente do suposto local do crime de 18-09-2022 era mais densa, com maior número de árvores, de maior porte e altura, pedras soltas, manilhas, ramos de árvores, e, como tal, a visibilidade desse local para qualquer outro, nomeadamente habitações mais próximas, encontrava-se muito dificultada, senão mesmo impossível, o que contraria claramente o teor da ata da sessão de 20-12-2024, quando se diz que “embora na presente data o terreno tenha silvas, no dia dos factos o terreno esteva limpo”., cfr. fotografias, nºs 1 a 7, juntas aos autos pelo assistente em 02-11-2022, com a referência 13682835 e novamente juntas, agora a cores, na sessão de 29-10-2024 e são as mesmas cotejadas com as que a 20-12-2024 o Tribunal tirou, aquando da reconstituição dos factos. 24 – O Tribunal deu como provado que o arguido no dia 18-09-22, no período da manhã, ameaçou com um sacho o irmão do arguido, DD, o que não se concede, pois, a única coisa que consta dos autos com o mínimo de relevo decorre do depoimento do próprio, sessão de 20-20-2024, de 16:09 a 16:42, que (ao minuto 15:40) diz que o AA “levantou o sacho”. A expressão “ameaçou” traduz um conceito conclusivo e de direito, que sem qualquer outro dado suplementar a acompanhá-lo, nomeadamente características do objeto, e não se vislumbrando na douta sentença o que quer que seja que o corrobore, deve ser considerado como não provado. 25 –EE foi ouvido como testemunha na sessão de 20-12-2024, em três momentos: a) – Primeiro momento - Das 11:31 as 12:00, com a duração de 29:34 m; b) – Segundo momento - Das 12:04 às 12:08, com a duração de 3:24m; c) – Terceiro momento - Das 12:08 às 12:14, com a duração de 5:52m. Deve ser dado como provado que a testemunha esteve aos 18-09-2022 em casa do arguido a partir das “3 e qualquer coisa” (minuto 10:25 do 1º momento), e logo de seguida (minuto 11:20), “seriam 15 e qualquer coisa” e (minuto 25:40) a instância da acusação particular “ a que horas terá siso?” respondeu “ três e qualquer coisa”. 26 – Deve ser dado como não provado o critério seguido pelo Tribunal para considerar que “a testemunha esteve com o arguido muito antes das 15:00 horas”, aceitando-se que a testemunha esteve presente no funeral do seu antigo funcionário LL, realizado pelas 16h, da Igreja ... para o cemitério da freguesia. Com efeito, 27 – O Tribunal desenvolve uma errónea narrativa, em ordem a concluir que a testemunha esteve em casa do arguido muito antes das 15h, considerando: a) que a testemunha precisaria de entre 08 a 10 minutos para fazer a deslocação de casa do arguido à Igreja ...; b) de mais 10 minutos para procura de estacionamento; c) 45 minutos específicos antes da hora do funeral,16h, para dar as condolências à família, Do que resulta que, mesmo considerando este critério, a testemunha teria saído da casa do arguido muito em cima das 15h (8 + 10 + 45) 14h e 57m – logo, não muito antes das 15h, ao contrário do sentenciado. Mais, 28 – Não se pode considerar os citados 45 m como o tempo exato seguido pela testemunha, pois, como refere (minuto 10:15) que “costuma ir sempre antes cerca de meia hora ou mais, para dar os sentimentos à família e não gosto de ir na altura de mais pessoal, por causa da confusão”, pelo que se deve considerar como abusiva a conclusão retirada, pois em momento algum a testemunha se refere a tempo exato, desconhecendo-se qual o critério que o julgador seguiu para tão precisa conclusão, que não indica, o que se impugna. 29 – O que nos parece sensato é que a estimativa normal de tempo gasto, seja a seguinte; a) - A testemunha chegou a casa do arguido, e considerando o seu “três e qualquer coisa”, que em momento algum é rebatido, como por volta das 15h10m; b) - O “muito pouco tempo” que esteve com o arguido, o que é corroborado pelas testemunhas FF e GG, se compute em 4 minutos, logo a hora em que deixou a casa do arguido seria pelas 15h14m, seu depoimento (minuto 10:50). c) - A deslocação de casa do arguido à Casa Mortuária ... faz-se, garantidamente, em 5 minutos, cumprindo os limites de velocidade, isto significa que lá chegou pelas 15h19m; - Quanto ao tempo para estacionar, considerando a justificação acima referida, consideremos 5 minutos, seriam 15h24m, Ou seja, 36 (trinta e seis) minutos antes do funeral, sendo assim, de todo infundado e irrazoável o critério que o tribunal seguiu para concluir que “a identificada testemunha esteve com a pessoa do arguido muito antes das 15:00horas”. E tendo o Tribunal considerado que a agressão ocorre pelas 15:15, e sendo certo que esta testemunha já lá não estaria, (saiu por volta das 15:10m, o certo é que as duas restantes testemunhas ainda lá ficaram. 30 – E não se diga que a testemunha, no segundo momento da sessão (das 12:04 às 12:08) teve “vida fácil”. Com efeito, a Mma Juiz, de modo a certificar-se que estava a depôr com verdade e conhecimento direto das coisas, confrontou-o, com questões de pormenor, como: em que dia é que o morto faleceu; qual a agência funerária responsável pelo velório; se o falecido era casado ou solteiro; nome da mulher; a quem deu as condolências no dia, questões às quais respondeu com toda a serenidade, clareza e rigor, (do início ao minuto 01:40). Mais, A própria Mma Juiz proferiu despacho no sentido da junção aos autos de certidão de óbito do falecido LL (01:45). Mais, A própria Mma Juiz profere “despacho suplementar” no sentido da Junta de Freguesia ... juntar informação “ do dia em que o corpo foi dado à terra” (02. 30). Tal factualidade deve ser dada como provada, de modo a que seja reconhecido o devido crédito ao depoimento da testemunha, face ás dúvidas que sobre si foram levantadas. 31 – A testemunha foi ainda ouvida num terceiro momento dessa sessão, das 12:08 às 12:14, a qual se iniciou com o Exmo. Procurador do M.P. a dar conta que tinha confirmado no site infofunerais.pt o falecimento da pessoa referida pela testemunha., com a Mma Juiz a determinar a sua junção aos autos e confrontado com a foto a testemunha refere a 02:20 que “este é o falecido”. O que justifica de modo acrescido, o solicitado no ponto anterior. 32 – Deve constar da matéria de facto dada como provada a resposta que a testemunha deu a instância da Mma Juiz quando lhe perguntou “como descreve a forma de andar do Sr AA?” e tendo este respondido, a Mma Juiz conclui (3:35-3:40) “em dois minutos o Sr AA andou 30 metros”, concluindo a mesma que a testemunha tinha dado “ uma resposta lapidar”. A sua inclusão ajudará a melhor compreender o tempo necessário para o arguido se movimentar, sendo que dos autos são várias as referências feitas a distâncias (local onde o assistente foi encontrado; distância a sua casa; a casa de sua filha CC; a casa do arguido; distância da CC ao arguido; etc) e tempo para as percorrer. 33 – Deve considerar-se que a testemunha FF, ouvida na sessão de 20-12-2024 (das 12:15 às 13:00) e (14:08 às 14:40) chegou a casa do AA por volta das 14h15m (minuto 08), abandonando o local por volta das 15:30 ou mesmo já depois das 15:30 (minuto 9:40), mas a testemunha GG ainda lá continua por mais algum tempo a falar com o AA. 34 – Mais devendo dar-se como provado que a testemunha GG, ouvido na mesma sessão de 20-12-2024, (das 14:42 às 15:01 e 15:01 às 15:30), chegou a casa do AA já quando lá se encontrava o FF, por volta das 14:45, ali permanecendo cerca de uma hora, ou seja, até por volta das 15h45m (minuto 16:50). 35 – Mais se devendo provar que o Tribunal não se deslocou à parte urbana da propriedade do AA, pelo que, e smo, não há qualquer razão de ciência para se dizer que “do armazém é possível ter uma visão desimpedida para o local dos factos”, bem pelo contrário, a existência do espigueiro, do armazém e do muro que delimita a parte rústica da urbana, não sendo transparentes, não permitem que se veja o que se encontra do lado contrário, cfr. fls. 16 sentença. 36 - Face ao retro sustentado a propósito da matéria de facto, é convencimento do recorrente de que a sua argumentação procederá, com a consequente e inevitável sua absolvição. Mas sempre se dirá que, e sem conceder, 37 – O Tribunal recorrido considerou terem-se preenchido os requisitos legais que o levaram a dar como cometido o crime de ofensa à integridade física qualificada, o que decorre da suposta verificação de “motivo torpe ou fútil”, mas, smo, a factualidade vertida na sentença não se afigura como bastante e suficiente para tal. Tenha-se presente é feita menção a questões que se relacionam com direitos de propriedade, que, por sinal, nem sequer envolviam o assistente. Este não dispunha de qualquer propriedade confinante com o arguido; não representava qualquer organismo público que justificasse a sua ação de recolher elementos para remeter a terceiros, não tendo sido qualquer mero capricho a determinar o ato imputado ao arguido. Não se faz a demonstração de que o arguido tenho estado em condições de avaliar quaisquer sequelas decorrentes da alegada agressão. Pelo que se impõe que as normas invocadas - artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, por referência à alínea e) do n.º 2 do artigo 132.º, do Código Penal, e artigo 200.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal – sejam entendidas em termos da desqualificação de ambos os crimes. 38 - As penas aplicadas, de 2 anos de prisão pelo crime de ofensa à integridade física qualificada e de 1 ano pelo crime de omissão de auxílio qualificado, revelam uma severidade excessiva por parte do julgador, tendo até em conta a idade do arguido, a inexistência de antecedentes criminais, a boa relação no meio em que está inserido inexistência anterior de conflitos com terceiros, incluindo o assistente. O tribunal ao fixar a pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, não valorando devidamente: o facto dos dois 2 crimes decorrerem de um só ato; a inexistência de antecedentes criminais por parte do arguido; a sua boa inserção social, pelo que, smo, não se fez uma correta aplicação dos art. 77º e 78º do C.P. 39. A sua suspensão afigura-se correta, não se entendendo, porém, o seu alargado período de tempo. Tendo o cúmulo jurídico sido e dois anos e meio, afigura-se adequado que a suspensão aplicada fosse de 2 anos. 40. Menos se compreendendo a submissão ao regime de prova, e ao seu longo período de 18 meses, o que se revela desnecessário, ou pelo menos excessivo, face à personalidade do arguido, sua saúde debilitada, sua idade, seu passado sem antecedentes criminais, sua plena inserção social, violando-se o disposto nos art. 50, 51, 52 e 53 do C.P. Em suma: A sentença recorrida violou, interpretou incorretamente ou não aplicou, entre outros, os artigos 143º, nº 1; 145º, nº1, al. a) e nº 2; 132º, nº 2, al.e); 200º, nºs 1 e 2; 50º; 51º; 52º; 53º; 77º e 78º, todos do Código Penal. (…)” 4. O Ministério Público respondeu a ambos os recursos, pugnando pela respectiva improcedência. Apresentou as conclusões que se passam a transcrever: “1. O Tribunal a quo analisou de forma correta a prova produzida em audiência, não se podendo entender o pretendido pelos recorrentes, mas sim o que foi dado como provado e não provado na decisão recorrida; 2. Em relação ao recurso do arguido AA, o mesmo alude às declarações do assistente e ao depoimento de certas testemunhas da acusação, limitando-se a fazer uma referência genérica aos factos que, no seu entendimento, não deviam ter sido dados como provados, sustentando toda a sua argumentação naquela que é a sua interpretação da prova, mas não especificando e em que sentido as provas permitiam uma decisão diversa; 3. Entendemos que a fundamentação de facto é bastante clara e exaustiva sobre a forma conjugada com todas as provas foram examinadas e apreciadas e ainda demostrativa das razões de ciência que conduziram à formação da convicção do Tribunal em ordem à decisão sobre a matéria de facto; 4. Não existiu por parte da Meritíssima Juiz qualquer apreciação arbitrária ou discricionária da prova, mas uma apreciação objetivada, motivada, com observância das regras de experiência comum, utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objetivos e perfeitamente percetíveis à generalidade das pessoas; 5. Compete ao Tribunal no seu juízo e com base na imediação e regras de experiência comum, apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos proferidos, tendo por base uma multiplicidade de fatores, como a espontaneidade, as razões de ciência, a espontaneidade, a comunicação verbal e não verbal, bem como, existindo, eventuais contradições; 6. Assim, a credibilidade que é conferida a determinadas provas e não a outras dependes deste juízo de valoração realizado com base na imediação, que deverá ser condicionado pela aplicação das regras de experiência comum. 7. Na sentença, o tribunal recorrido dá-nos a conhecer o percurso de formação da sua convicção quanto à factualidade dada como provada colocada em causa e, também, as razões da valoração que fez relativamente à credibilidade do depoimento das testemunhas; 8. Atendendo à matéria de facto dado como provada, o arguido ao munir-se de um pau, ao aproximar-se do assistente que se encontrava num local isolado, indefeso, e, de forma inesperada, desferindo uma pancada que o atingiu na face causando-lhe aquelas lesões, apenas movido com o propósito de impedir a denúncia sobre os factos do seu terreno, evidencia uma clara insignificância e desproporcionalidade, que apreciada do ponto de vista da comunidade historicamente situada, se mostra fútil perante os cânones sociais vigentes, especialmente tendo em conta que o desentendimento existente nem se prendia diretamente entre o arguido e o assistente; 9. Pelo que o arguido atuou com especial perversidade e censurabilidade, evidenciando um desprezo acentuado pela integridade física, atuando de forma grave com uma atitude profundamente distanciada dos valores normais da comunidade, praticando assim um crime de ofensa à integridade física qualificada; 10. Acresce que foi devidamente determinada a medida concreta da pena aplicada ao arguido, em sede de concurso de crimes, posto que o Tribunal a quo tomou em conta, desde logo, as diretrizes legais dos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal. 11. Os factos provados suportam completamente a decisão de direito e não se deteta qualquer contradição entre os factos julgados provados e não provados, na fundamentação ou entre esta e a decisão ou do valor do pedido de indemnização civil; 12. Face ao exposto, a sentença encontra-se devidamente fundamentada, quer de facto quer de direito, e não é possuidora de qualquer vício que inquine a sua validade substancial ou formal, devendo a mesma ser mantida nos seus precisos termos, julgando-se assim os recursos como improcedentes. (…)” 5. Subidos os autos a este tribunal a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer que a seguir se transcreve parcialmente: “(…) Analisados os recursos e a sentença recorrida não se nos afigura que a douta sentença padeça de qualquer erro ou nulidade e que bem andou o tribunal ao decidir da forma como decidiu. Na verdade, o arguido limita-se a invocar a sua discordância relativamente à matéria de facto dada como provada não especificando a prova que alegadamente permitirá concluir no sentido do por si pretendido e não se detetando qualquer contradição entre os factos julgados provados e não provados, e verificando-se que a prova assentou em raciocínio lógico e coerente de todo que se não pode concluir no sentido do pretendido, o mesmo se passando quanto à medida da pena, sendo que não podemos esquecer a especial perversidade da conduta tida pelo arguido e a gravidade das lesões e tempo de doença provocado na pessoa do ofendido. Também quanto ao recurso do Assistente entendemos pelo seu indeferimento. A sentença recorrida afigura-se-nos justa em termos de medida e tipo de pena aplicada, sendo positivo o juízo de prognose formulado quanto à suspensão da execução. A sentença deve ser mantida. (…).” 6. No cumprimento do estatuído no artigo 417.º/2, nada veio a ser acrescentado. 7. No exame preliminar a relatora deixou exarado o entendimento de que nada obstava ao conhecimento do recurso, que, por sua vez, havia sido admitido com o regime de subida adequado. 8. Seguiram-se os vistos legais. 9. Foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão. * II. Fundamentação 1. Questões a conhecer no âmbito do recurso. 1.1. O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), quanto a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º/2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro). Assim e tendo presente ainda que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como não visam criar decisões sobre matéria nova, então são as seguintes as questões suscitadas: - recurso do assistente: - dosimetria das penas parcelares e única; - valor do montante indemnizatório; - recurso do arguido: - erros de julgamento; - subsunção jurídica dos factos; - o cúmulo jurídico fixado, a imposição de regime de prova e regras de conduta determinadas; - montantes indemnizatórios fixados; - reembolso ao Instituto de Segurança Social, I.P.; - custas, criminais e cíveis. 1.2. Nesta sede de delimitação do objecto do recurso, importa ponderar o seguinte: - Quanto ao recurso do assistente sobre a medida da pena, mormente sobre a respectiva legitimidade para o efeito. Defende o assistente que a decisão recorrida incorre num erro de julgamento quanto à medida concreta das penas aplicadas, devendo ser revogada e substituída por outra que agrave as penas de prisão aplicadas ao arguido, dentro dos limites legais, em moldura mais adequada à culpa e aos factos. Para o efeito alega o assistente que as penas aplicadas ficaram num grau mínimo da moldura abstrata, desconsiderando a extrema gravidade dos factos concretos, e os elevadíssimos níveis de ilicitude, de culpa e de exigências de prevenção geral, nomeadamente por força da banalização da violência, especialmente em meio rural e de proximidade pessoal, pelo que se impõe afirmar com clareza a reprovação e a censura social destas condutas. Na verdade, a pretensão deduzida pelo assistente no sentido da alteração, do agravamento da medida da pena em função da extrema gravidade dos factos concretos e dos elevadíssimos níveis de ilicitude, de culpa e de exigências de prevenção geral, tem de ser conjugada com a jurisprudência obrigatória constante do Assento 8/99, de 10/08, o qual dispõe que “o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir”. Com efeito, a legitimidade do assistente para interpor recurso em caso de sentença condenatória, desacompanhado do MP, nomeadamente, estando em causa a medida da pena, foi objecto de controvérsia, suscitando três posições distintas: - uma, negando essa possibilidade, considerando que a decisão não o afectava, ou por não ter interesse em agir; - uma, reconhecendo legitimidade ao assistente; - uma outra que veio a ser acolhida em sede de fixação de jurisprudência, no sentido de que a solução para decidir da legitimidade ou ilegitimidade para o recurso deve ser encontrada, apreciando, caso a caso, se a sua posição é afectada pela natureza da condenação ou pela espécie da medida da pena aplicada ao arguido. Como fundamentos desta última posição argumenta-se que: - a decisão final, em processo penal, pode, afectar o interesse do assistente, maxime em sede de atribuição (e eventual repartição) e graduação (e sua intensidade) da culpa, sendo que a medida da culpa é o limite máximo da medida da pena e interessa à determinação da espécie da pena; - se a discordância deriva de causa que afectou o interesse do assistente e em razão de tal se possa considerar vencido (artigos 401.º/1 b) e 2, e 69.º/1 e 2. c) do CPP), tem este interesse em agir, pelo que pode recorrer; - este interesse em agir tem de ser concreto e do próprio, pelo que é insuficiente se o assistente não demonstrar um real e verdadeiro interesse, oriundo duma posição equidistante que visa a salvaguarda de valores jurídicos, mas pretende fazer valer uma ideia de vindicta privada; - o interesse em agir do assistente, como pressuposto de recurso, significa a necessidade que tenha de usar este meio para reagir contra uma decisão que comporte uma desvantagem para os interesses que defende, ou que frustre uma sua expectativa ou interesse legítimos, que significa que só pode recorrer de uma decisão que determine uma desvantagem; não poderá recorrer quem não tem qualquer interesse juridicamente protegido na correcção da decisão; - a definição do concreto interesse em agir supõe, pois, que se identifique qual o interesse que o assistente pretende realizar no processo, e especificamente em cada fase do processo; - o interesse em agir, que consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelar um direito ameaçado que necessite de tutela e só por essa via possa obtê-la; o interesse em agir radica na utilidade e imprescindibilidade do recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo: trata-se de uma posição objectiva perante o processo, que é ajuizada a posteriori. Daqui resulta o entendimento de que, - a medida concreta da pena do arguido de um crime satisfaz um interesse colectivo que compete ao MP prosseguir; - não existe um direito pessoal público do assistente a um certa e concreta punição, como forma de reparação moral, de tal modo que fosse permitido ao assistente exigir determinada medida da pena para a satisfação desse interesse; - a punição do arguido está dominada por um interesse público, não podendo competir ao assistente ser o intérprete do interesse colectivo, designadamente se se afastar da posição assumida a esse respeito pelo MP; - relativamente ao núcleo do jus puniendi do Estado, o assistente não pode, pois, deixar de estar subordinado à posição do MP sobre a discussão da medida concreta da pena. Ora, no caso concreto, o assistente não invoca qualquer interesse próprio, concreto, em agir na alteração, na agravação da medida concreta das penas - por crimes públicos, com as quais o próprio MP concordou - para além da extrema gravidade dos factos concretos e dos elevadíssimos níveis de ilicitude, de culpa e de exigências de prevenção geral, quando a defesa e a firmação destas circunstâncias incumbe ao do MP, que, ao não interpor recurso, entendeu as penas como ajustadas, tendo mesmo manifestado essa opinião na resposta ao recurso do assistente. Não sendo invocado qualquer interesse específico ou vantagem na aplicação de penas mais elevadas, distinto das finalidades públicas da aplicação da pena, não se pode entender que a decisão recorrida foi proferida contra o assistente, nem que lhe assiste interesse em agir relevante que possa integrar o pressuposto de admissibilidade do recurso nesta parte. Consequentemente, é caso de rejeição do recurso, neste segmento, nos termos dos artigos 414.º/2 e 3 e 420.º/1 do CPP. * 1.3. Por outro lado, diz o arguido a terminar o corpo da motivação que,- a suspensão afigura-se correta, não se entendendo, porém, o seu alargado período de tempo quando o cúmulo foi fixado em 2,5 anos, seria adequado que a suspensão aplicada fosse de 2 anos; - menos se compreendendo a submissão ao fixado regime de prova, e ao seu longo período de meses, o que se revela excessivo face a um só ato imputado ao arguido, e bem assim o quantum indemnizatório fixado. E, no capítulo denominado de conclusões afirma, depois, no ponto 40, º que, menos se compreendendo a submissão ao regime de prova, e ao seu longo período de 18 meses, o que se revela desnecessário, ou pelo menos excessivo, face à personalidade do arguido, sua saúde debilitada, sua idade, seu passado sem antecedentes criminais, sua plena inserção social, violando-se o disposto nos artigos 50.º, 51.º, 52.º e 53.º do CP. Como é sabido as conclusões do recurso são comummente aceites como sendo o resumo das razões do pedido. E, assim, o que consta das conclusões e não consta do corpo da motivação constituirá o resumo de coisa nenhuma. Como, da mesma forma, o que apenas consta do corpo da motivação e não é depois levado às conclusões deve ser entendido como “tendo sido deixado cair pelo recorrente”. Daqui se conclui, à saciedade, que o recorrente não pretendeu nunca, pela forma telegráfica como se exprimiu, sequer, submeter à apreciação deste Tribunal a questão atinente ao pedido de indemnização civil. Assim, tal matéria não fará parte do âmbito de cognição deste Tribunal. * Conheçamos, então, as questões suscitadas nos recursos pela sua precedência lógico-processual, tratando-se das questões comuns a ambos os recursos de forma conjunta, por razões de economia processual.2. Recurso sobre a matéria de facto – recurso do arguido. 2.1. Comecemos por transcrever a sentença recorrida na parte que ora releva: “II. FUNDAMENTAÇÃO A – FACTOS PROVADOS Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos: 1. No dia 18 de Setembro de 2022, pelas 15.15 horas, na Rua ..., na Freguesia ..., Concelho de Castelo de Paiva, por motivos relacionados com limites de terrenos e apropriação do espaço público, o arguido arrancou e pegou num cabo de madeira, que servia de pilar para sustentar a vedação eléctrica, com características de comprimento não concretamente apuradas, com cerca de 4,5 cm de diâmetro e, empunhando-o, com ele atingiu, num número não concretamente apurado de vezes, mas pelo menos uma vez, BB, na zona da cabeça e da face. 2. Com a conduta descrita em 1), o arguido provocou a BB, além de dores: –traumatismo crânio-encefálico e facial; – fratura do seio frontal alinhada, etmoide e ossos do nariz; – hematomas periorbitrários; – equimose periorbitaria bilateral; – edema exuberante de toda a pirâmide nasal; – crepitação à apalpação de toda a pirâmide nasal; - fratura de OPN com instabilidade da pirâmide nasal; – laceração da mucosa do septo nasal da FN direita e laceração da mucosa da cabeça o corneto inferior; – hemorragia subaracnoideia discreta sílvica mais fronto-basal. 3. Após tê-lo atingido, o arguido apercebeu-se que BB se encontrava em local isolado, ferido, a esvair-se em sangue e a precisar de cuidados médicos. 4. Não obstante isso, desinteressando-se por BB e do estado em que o mesmo se encontrava, o arguido abandonou o local, sem lhe prestar qualquer assistência, accionar quaisquer meios de socorro ou pedir assistência médica e sem alertar quem quer que fosse. 5. Em consequência da conduta do arguido descrita em 1) e das lesões sofridas, BB teve necessidade de receber tratamento médico, sendo transportado para o Centro Hospitalar ..., E.P.E. e, daí para o Centro Hospitalar 1..., onde deu entrada pelas 21.51 horas, sendo sujeito a vários exames de diagnóstico e tratamentos. 6. As lesões descritas determinaram 6 meses para cura, com afectação da capacidade de trabalho, em geral e profissional, por igual período. 7. Decorrente das lesões descritas, resultaram, para BB, como sequelas, cicatriz rosada na porção óssea do nariz, em “Z”, medindo cada um dos ramos cerca de 2 cm de eixo transversal e traço oblíquo inferomedialmente com 0,5 de comprimento e síndrome pós-concussional marcado por cefaleias, mal-estar e esquecimento, para além de limitações físicas no exercício profissional e processamento lentificado das tarefas profissionais. 8. O arguido actuou nos termos descritos, o que representou, quis e conseguiu com intenção de atingir BB na sua saúde e integridade física, como de facto atingiu, usando força física e munindo-se, ainda, do referido pau para esse efeito. 9. Sabia ainda que o pau que utilizou, com as características descritas em 1), e principalmente porque dirigido à cabeça e face de BB, é susceptível de tornar a sua defesa particularmente difícil e de causar danos graves e desproporcionados na sua saúde e integridade física, o que representou, quis e conseguiu. 10. Estava ainda o arguido ciente do descrito em 3) e, não obstante isso, actuou nos termos referidos em 4), o que representou, quis e conseguiu, ciente que não prestava auxílio, nem o socorro, necessários ao afastamento da situação de perigo para a integridade física em que se encontrava BB. 11. Actuou o arguido livre, voluntária e conscientemente, ciente do carácter ilícito e reprovável das suas condutas. * MAIS SE PROVOU:12. No dia 18.09.2022, no período da manhã, o arguido ameaçou, com um sacho, o irmão do arguido, DD, após este ver que alterara os esteios de delimitação do seu terreno com a via pública. 13. No dia 18.09.2022, pelas 15 horas e 45 minutos, foi accionada, pela Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, para o ..., em ..., Castelo de Paiva, equipa de emergência composta pelas viaturas VOCT-.. e ABSC-..., respectivamente tripuladas por 3 elementos cada uma. 14. A assistência referenciada em 13 foi accionada “por agressão” e deu origem à ocorrência número .... 15. Aquando da chegada ao local da equipa mencionada em 13 o assistente apresentava-se “deitado no chão, postrado, com ferimentos visíveis na face com hemorragias activas, alegando ter sido agredida por um vizinho. Vítima sempre CCO, fizemos imobilização da mesma e depois de passagem de dados ao CODU foi feito transporte para Penafiel. Ferido ligeiro. Autoridade no local”. 16. A intervenção de socorro aludida em 13, no ..., com inicio às 15:46, chegada junto do assistente pelas 15:55 e chegada à Unidade de Saúde às 17:38 horas, deu origem ao episódio CODU n.º ... e ao processo n.º ..., no qual foi mencionado que o assistente foi “agredido com um objecto de madeira”, apresentando uma “ferida corto-contuso na região da pirâmide nasal com desvio da mesma. Vários episódios de vómito com perda de sangue vivo, vítima cco, alegadamente terá sido agredida com um objecto de madeira na face, à nossa chegada hemorragia activa, sendo controlada com compressão manual directa. Cenário em local de difícil e distante acesso para a ambulância, sendo necessário recorrer a veículo todo-o-terreno para retirar a vítima”. 17. Aquando da assistência de socorro no local foi controlada a temperatura, controlada a hemorragia, realizado penso bem como imobilizado o assistente em plano duro. 18. No dia 18.09.2022, pelas 21:51, o assistente proveniente do Hospital 1..., com ferida nasal já suturada, edema e hematoma no nariz e hematomas periorbitários, deu entrada no Serviço de Urgência Polivalente do Hospital ... para ser observado por um otorrinolaringologista. 19. Nas circunstâncias elencadas em 18, o assistente não apresentava afundamento aparente da região malar/arcada zigomática, tinha excursão condilar preservada, boa abertura da boca, sem dor ou desvios, sem mobilidade do andar médio, sem alterações agudas da oclusão e sem mobilidade anormal da mandibula. 20. Aquando da admissão no Hospital 1..., o assistente apresentava equimose periorbitária bilateralmente, edema exuberante de toda a pirâmide nasal, crepitação à palpação de toda a pirâmide nasal, fractura de OPN com instabilidade da pirâmide nasal, laceração da mucosa do septo nasal da FN direita e laceração da mucosa da cabeça do corneto inferior, o que motivou a administração de anestesia local para redução da fractura, tamponamento bilateral com merocele e colocação de tala no dorso nasal. 21. Em observação no Hospital ... aferiu-se que o assistente apresentava um discreto alargamento dos espaços de liquor na convexidade frontotemporoparietal bilateral, reabsorção parcial/redistribuição da hemorragia subracnoideia sulcal, acentuação do edema perilesional em relação com focos hemorrágicos cortico-subcorticais temporais postero-inferiores à esquerda sem significativa modificação do seu efeito de massa local, ausência de hidrocefalia, cisternas da base patentes, o que desaconselhou acompanhamento pela especialidade de neurocirurgia. 22. Em 23 de Setembro de 2022, o assistente teve alta hospitalar do Centro Hospitalar ..., EPE. 23. Em 19.10.2022, o assistente foi observado na especializada de cirurgia maxilo facial, no Hospital ..., apresentando uma ferida nasal suturada, edema e hematoma no nariz, hematomas periorbitários, sem ressaltos palpáveis e sem alterações visuais de novo e sem diplopia, sem afundamento aparente da região malar/arcada zigomática, excursão condilar preservada, boa abertura de boca, sem dor ou desvios, sem mobilidade do andar médio, sem alterações agudas da oclusão, sem mobilidade anormal da mandibula, o que motivou a conclusão clínica de não haver necessidade de mais cuidados urgentes na indicada especialidade. 24. Em 19.10.2022, o assistente apresentava queixas de obstrução nasal, com episódios, por vezes, de vertigem, cicatrizes no dorso nasal, sem deformidade ósseas faciais, sem diploplia ou outras alterações visuais, boa abertura de boca, sem alterações oclusais de novo, o que motivou conselho de acompanhamento pelo médico de família. 25. Em 24.10.2022, o assistente realizou uma consulta de medicina dentária na clínica que gira sob a firma de “A..., Lda.”, sita na Avenida ..., em ..., que comportou um custo de 40,00€. 26. Em 28.10.2022, o assistente foi observado na especialidade de neurocirurgia no Hospital ..., na qual foi verificado, em comparação com o estudo realizado em 18.09.2022, um discreto alargamento dos espaços de liquor na convexidade frontotemporoparietal bilateral, reabsorção parcial/redistribuição da hemorragia subaracnoídea sulcal, acentuação do edema perilesional em relação com focos hemorrágicos cortico-subcorticais temporais postero-inferiores a esquerda, sem significativa modificação do seu efeito de massa local, ausência de hidrocefalia, cisternas da base patentes, com os restantes achados imagiológicos intracranianos sensivelmente similares. 27. Em 20.01.2023, o assistente foi observado na especialidade de neurocirurgia no Hospital ..., na qual foram reportadas, por aquele, queixas de episódios de cefaleia ligeira e de tonturas na transição da posição de sentado para o ortostatismo e foi perceptível um discreto alargamento dos espaços de liquor na convexidade frontotemporoparietal bilateral. 28. Na consulta realizada em 20.01.2023, foi verificada uma reabsorção do conteúdo hemático subaracnoideu, reabsorção das colecções epicranianas previamente descritas, sem alterações densitométricas de relevo no parênquima encefálico supra e infratentorial nomeadamente áreas de edema ou áreas de hipodensidade sequelar na região temporal postero-inferior, moderado alargamento difuso das vias circulação de liquor em relação com perda de volume encefálico, sem predomínio lobar, ausência de hidrocefalia e cisternas das bases patentes, não havendo necessidade de intervenção cirúrgica por neurocirurgia. 29. Em 03.02.2023, o assistente foi observado na especialidade de neurocirurgia no Hospital ..., reportando queixas de cefaleias exuberantes. 30. Em 03.03.2023, o assistente foi observado na especialidade de neurocirurgia no Hospital ..., reportando manutenção de queixas de cefaleias, com episódios de duração de cerca de uma hora, repetidos várias vezes ao dia, aliadas a tonturas, mau estar e mau dormir. 31. Em consequência do descrito em 1 a 6, o assistente andou, por 10 a 15 dias, com uma chapa metálica no nariz e duas canas em cada orifício nasal, bem como ficou a padecer de tonturas e cefaleias, além de ter o pensamento lentificado. 32. À data dos factos elencados em 1 a 5, HH era o presidente da Junta de Freguesia .... 33. O contacto telefónico profissional de HH é o .... 34. O arguido, à data dos factos, possuía o contacto telefónico .... 35. No dia 18.09.2022, o assistente contactou HH, pelas 14:54 horas e 16:05 horas, através do contacto aludido no parágrafo antecedente. 36. O assistente é beneficiário do Instituto de Segurança Social de Aveiro, com o n.º .... 37. Em consequência dos factos descritos em1 a 6, o assistente esteve de baixa médica desde 18.09.2022 até 18.03.2023, com um subsidio diário de 27,92€, no período de 18.09.2022 a 27.02.2023, e de 29,92€, no período de 28.02.2023 a 18.03.2023. 38. Num período temporal subsequente aos factos descritos em 1 a 6, não concretamente apurado, o assistente teve dificuldades em adormecer, sentindo-se inquieto e perturbado, o que dificultou o seu descanso, o que se reflectiu na sua saúde física e psíquica, evidenciando cansaço, mal estar e nervosismo. 39. LL faleceu em 17.09.2022. 40. Uma hemorragia continua é apta a provocar um choque hipoglémico que, por sua vez, desencadeia uma paragem cardiorespiratória, a maior parte das vezes, de cariz fatal. 41. O corpo humano detém cinco litros de sangue. 42. O local identificado em 1 localiza-se numa zona pouco movimentada, cercada de campos aptos ao cultivo, erma à data dos factos, e que dista das habitações cerca de 300 metros. 43. O arguido reside com a sua esposa em casa própria, despendendo mensalmente com despesas de água e luz cerca de 150,00 euros. 44. O arguido estudou até ao 4.º ano de escolaridade. 45. O arguido está reformado por invalidez auferindo mensalmente, a título de reforma, a quantia de 465,00€. 46. O arguido é proprietário de quatro terrenos rústicos, com um valor comercial actual, cada um, de 1.000,00€. 47. O arguido é proprietário de uma viatura ligeira de passageiros da marca “Mercedez”, modelo ..., do ano de 1980. 48. O arguido vendeu, nas últimas três semanas, a máquina retroescavadora que detinha amealhando 4.000,00€. 49. O arguido tem problemas no olho direito, diabetes, condições médicas que comportam um gasto mensal em medicação de 60,00€ a 70,00€, após dedução da comparticipação. 50. O arguido não tem averbamentos no seu certificado de registo criminal. * B – FACTOS NÃO PROVADOS: I. O comportamento do arguido mencionado em 1 esteve conexo com o desvio de águas. II. O arguido arrancou o pau mencionado em 1, partindo-o em duas partes. III. Em consequência do descrito em 1, o arguido provocou ao assistente fratura dos bordos incisais de dentes 12, 11 e 21, com mobilidade dentária de dentes 13, 12, 11, 21 e 22, com dor à percussão e fratura de dente 35,44 e 45. IV. BB, devido ao traumatismo sofrido pelos dentes 13 a 22 e para evitar a necrose pulpar dos mesmos, terá de proceder ao tratamento endodôntico e colocação de coroa em cerâmica sobre os respectivos dentes. V. O assistente no presente encontra-se a ser seguido nas especialidades de Neurocirurgia e Cirurgia Maxilo-Facial, no Centro Hospitalar 1..., EPE. VI. O assistente, após os factos descritos em 1 a 5, sentiu medo do arguido. VII. O assistente, em consequência dos factos descritos em 1 a 5, tornou-se uma pessoa nervosa, com episódios de esquecimento e de desorientação * C – MOTIVAÇÃO DE FACTO A convicção do Tribunal relativamente aos factos supra dados como provados, e não provados, resultou da apreciação livre e crítica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, de acordo com o preceituado no artigo 127º do Código de Processo Penal. Concretamente. Com base na prova pericial junta aos autos a fls. 7 a 10, concluída a fls. 166 a 167 verso, complementada pelos esclarecimentos escritos a fls. 192 a 193, e verbais, prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, deu o Tribunal como provados os factos elencados em 2, 5 a 7, e não provados em III e IV. Porquanto, directamente inquirido pelo Tribunal quanto à eventual causalidade entre as alegadas necessidades dentárias actuais do assistente e o episódio doloroso sofrido pelo arguido em 18.09.2022, objecto de perícia, foi o sr. perito, objectivo e lapidar, em referir que não há qualquer nexo de causalidade entre tais necessidades e o episódio ocorrido. Tanto assim é que referiu que se houvesse qualquer lesão do foro dentário, a mesma teria sido referenciada em sede de perícia, como especificou, bem como constaria da informação clínica do paciente. Ora, compulsada a informação clínica junta aos autos, a fls. 147 a 150 e 156 a 162, e a fls. 18 a 35 (documentos 23 a 25) [renovada em sede de audiência de julgamento em 29.10.2024), verifica-se que da mesma nenhuma necessidade daquele âmbito é elencada, nem nenhuma lesão dentária, nem intervenção cirúrgica, motivo pelo qual não foi atendida a informação junta aos autos como documento 27, a fls 18 a 35 dos autos, além de que não demonstrou o assistente, como era seu ónus (atento o pedido de indemnização civil que aduziu, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, que acompanhamento médico mantém), incumprimento adjectivo que redundou na conclusão espelhada em V. Ainda com base na referenciada informação médica deu o Tribunal como provados os factos elencados em 18 a 24 e em 26 a 31 [este reforçado com as fotos juntas em 31.10.2022 e em 29.10.2024, sob a nomenclatura de documentos 13 a 15, e com as declarações do assistente em sede de audiência de discussão e julgamento], até porque tal documentação não foi objecto de impugnação por nenhum interveniente processual. Depois, com base na certidão junta pelo Instituto da Segurança Social, IP, em 24.06.2024, deu o Tribunal como provados os factos elencados em 36 e em 37, por sua vez, com base na certidão do assento de óbito junto aos autos em 20.12.2024, valorou-se a factualidade elencada em 39. Já com base no registo de chamadas junto pelo assistente em 31.10.2022, renovado em 29.10.2024, sob a nomenclatura de documento 28 (cujo número de telefone foi confirmado em audiência de discussão e julgamento pela testemunha HH), e no teor da informação remetida pela B... a fls. 131, consideraram-se como provados os pontos factuais 33 a 35. Por fim, analisada a factura junta aos autos em 31.10.2022, renovada em 29.10.2024, com o título “documento 26”, e os registos de ocorrências juntas pelos Bombeiros Voluntários ..., em 05.12.2024 e em 17.12.2024, deu o Tribunal respectivamente como provados os factos elencados em 25 e em 13 a 17. Refira-se que, não extraímos conclusões probatórias dos documentos juntos pelo assistente em 7 de Janeiro de 2025, porquanto, o que releva para a apreciação dos presentes autos é a realidade percepcionada aquando da ida ao local em detrimento daqueloutra que porventura existira, até porque a inspecção judicial realizada visou aquilatar da concreta dinâmica espácio geográfica do local dos factos. Com base no nosso conhecimento funcional, adquirido durante o exercício da judicatura neste concreto Juízo de Competência Genérica, por se tratar de facto notório de âmbito local, demos como provado o facto elencado em 32, pois já ouvimos em várias instâncias deste Tribunal o sr. presidente da Junta de Freguesia .... Para prova da factualidade elencada em 1, em 3, em 4, em 12 e em 38, considerou o Tribunal de forma conjugada e crítica as declarações prestadas em audiência de julgamento pelo assistente, quer iniciais, quer após a comunicação da alteração da qualificação jurídica, bem como pelas testemunhas JJ, CC, DD, II, MM, NN, OO que, permitiram, ante a opção processual do arguido de não prestar declarações, reconstituir a dinâmica factual elencada no dia dos factos. Vejamos. Em sede de audiência de discussão e julgamento, o assistente, num discurso marcado pela emoção, por um lado, devido ao reviver dos factos, e pela objectividade e lógica, por outro, orientado no tempo e no espaço, permitiu ao Tribunal perceber que no dia dos factos, no período pós almoço, encetou conversa com o seu irmão DD, seu vizinho e também confinante de terreno rústico com o aqui arguido, na zona dos factos, durante a qual fora informado que este, no período da manhã, deparou-se com o arguido a colocar esteios a delimitar o seu terreno rústico, alterando as limitações do seu terreno por forma a incorporar parte do terreno que fora, outrora, cedido para abertura de caminho público de acesso aos campos existentes em ..., tendo-o inclusive ameaçado com o sacho com que andava, dizendo que aquilo não era para se contar. Factos que foram confirmados pela testemunha DD em sede de audiência de discussão e julgamento e foram valorados pelo Tribunal em 12. É perante tais factos, e porque no passado havia sido confrontado pelo presidente da Junta de Freguesia ..., sr. HH, para ceder espaço para o domínio público para construção do tal caminho, a que também acede para passagem ao seu terreno rústico que fica mais abaixo daquele que é do seu irmão, e, por sua vez, do arguido, que, após ter realizado contacto telefónico com aquele (cfr. o próprio admitiu em sede de audiência de discussão e julgamento) pegou no seu motociclo (que denominou de lambreta e é percecionável nas fotos documentos 1 a 9 juntos em 31.10.2022, renovados em 29.10.2024) e deslocou-se até ao concreto caminho na zona que confronta com os terrenos do arguido e do seu identificado irmão para tirar fotografias para confrontar o mencionado presidente da Junta com tais factos, fotografias que logrou captar, tanto quanto referira. Sucede que, contudo, que, no momento em que já estava montado no seu motociclo para rumar a casa, em cima do pontão de cimento, ali existente e visível nas mencionadas fotografias, a pessoa do arguido surge-lhe ao telefone com o elencado presidente da junta, a confirmar a presença do assistente no local, sendo que, em acto contínuo, pega num pau que ali estava aposto para demarcação do seu terreno e, na posse do mesmo, dirige-se à sua pessoa e lhe inflige, pelo menos, uma pancada com o aludido pau, tendo, após saído do local rumo a casa. Note-se que, apesar de não existir qualquer terceiro que tenha assistido à concreta agressão, vários factores depõem em favor das declarações do assistente pois, não só o presidente da Junta de Freguesia confirma a realização dos contactos, sobretudo com a pessoa do arguido, como com a do assistente, como em sede de pedido de auxilio à sua esposa, por telemóvel (que referiu não se recordar, mas a testemunha JJ mencionou ter existido, doutro modo o assistente não teria sido medicamente assistido) referiu expressamente que tinha sido agredido pela pessoa do arguido [mencionando em concreto que “o AA já me fodeu” (sic)], o que, depois, confirmou à autoridade policial que o verteu em auto de notícia e que consta a fls. 100 a 101. Mais: aquando da prestação do socorro, o assistente tornara a identificar a pessoa do arguido como sendo a pessoa responsável pelas lesões a que estava a ser assistido. Pese embora o assistente tenha telefonado à sua esposa, a testemunha JJ, para lhe ir prestar socorro – chamada que fora presenciada, e confirmada, pela testemunha DD – esta por se encontrar em casa mais longe do concreto local, enquanto se dirigia para onde o assistente se encontrava, telefonou à filha de ambos, CC que mora a escassos metros do local, para acorrer ao assistente, sendo que, durante o trajecto de deslocação, referira CC ter avistado, ao longe, o arguido a entrar em casa (referindo que era uma pessoa vestida de escuro de cabelo branco), munido de um pau. Refira-se que, no que contende a quem foi a primeira pessoa a chegar ao local, dúvidas não tem o Tribunal de que fora efectivamente CC, ante a concreta dinâmica espácio geográfica percepcionada em 20.12.2024, vertida em acta de audiência de discussão e julgamento, e que revela uma concreta proximidade da casa da identificada testemunha do local onde ocorreram os factos. Chegada ao local, CC, e, depois, JJ, depararam-se com o assistente tal qual se encontra documentado nas fotografias juntas em 31.10.2022, renovadas em 29.10.2024, como documentos 8 a 12, isto é, bastante ensanguentado e com hemorragia continua na zona da face, do lado direito. Lesões que, inclusive, provocavam certa percepção de afogamento ao assistente, tanto quanto referiu II, militar da GNR que acorreu ao local no dia dos factos e que, em sede de audiência de discussão e julgamento, referira recordar-se de ter ouvido o assistente referir que quem o tinha agredido com um pau fora o aqui arguido que, mencionou morar a cerca de 200 metros do local. Perante tal declaração, a testemunha referenciara que verificou que na vedação do terreno do arguido faltava um pau, sendo que fora encontrado nas imediações, cerca de 15 a 20 metros, um pau, partido, que os militares da GNR associaram aos factos e apreenderam, cfr. decorre do auto de apreensão de fls. 102. Contudo, diante a prova produzida, concedemos maior credibilidade ao depoimento da testemunha CC, na parte em que referenciou ter visto o arguido com um pau, porquanto, além de do local dos factos ser possível ter uma visão ampla e sem obstáculos para os acessos à casa do arguido, dizem-nos as regras de experiência comum que, quem pratica um facto igual ao dos autos, não deixa a arma do crime no local, porquanto, seria facilmente ligado à prática factual, pelo contrário, quem comete factos com recurso a armas, projectando os danos visíveis nas mencionadas fotografias, que, consequentemente, projectam partículas de sangue, em elevada intensidade, tende a sonegar tal coisa, daí que estamos convictos que não foi com o pau apreendido nos autos que o arguido agrediu o assistente (e, assim, valorámos em II). No entanto, aquando a nossa deslocação ao local, como decorre da acta de 20.12.2024, foi possível verificar, no amontoado de paus outrora usados para vedação do local, existentes no terreno do arguido, que estes tinham o mesmo diâmetro daquele que está apreendido, assim como eram da mesma natureza, isto é, de pinho tratado, qualidades que redundam na percepção captada pelo Tribunal, e pelos demais intervenientes processuais, em 29.10.2024 (cfr. acta de audiência de discussão e julgamento), isto é, que é uma coisa de natureza dura apta a provocar lesões nos locais para os quais for projectada, verificando-se, assim, um nexo de causalidade entre o manejo de tal pau e as lesões provocadas na pessoa do assistente. No que concerne ao tipo de lesões sofridas pelo assistente, em consequência da agressão sofrida, ouvidas as testemunhas MM, PP, NN e OO, bombeiros nos Bombeiros Voluntários ... respectivamente há 20, 16, 25 e 9 anos, e QQ, bombeiro profissional na identificada corporação há 3 anos, confirmaram ter estado no local, tendo visto que o assistente apresentava uma ferida na zona do nariz, tendo, inclusive, o septo nasal desviado, o que lhe provocava hemorragia, além de lhe provocar vómitos compostos por sangue coagulado. Lesões que não eram passíveis de serem autoinfligidas pelo arguido, nem de queda perante a ausência de lesões nas mãos, conforme referiram as testemunhas MM e PP, e que, de acordo com os identificados bombeiros, se não tivessem sido estancadas eram aptas a provocar o dano morte ao assistente, cfr. facto provado em 40. Aqui chegados, compilando a factualidade elencada em 1 a 7, com as regras de experiência comum, que nos revelam que quem na posse de um pau, de natureza dura, e apto a provocar dor e lesões graves, o usa para o arremessar sob terceira pessoa, atingindo-a, visa, sem dúvidas, atingir a integridade física desta, e, consequentemente, a sua saúde, bem jurídico que é manifestamente colocado em causa quando, estando apenas no contexto conflitual o agente agressor e a vítima, aquele abandona esta sem lhe prestar a ajuda necessária ou requisitá-la junto de terceiros, motivo pelo qual demos como provados os factos constantes dos pontos 8 a 11. Ouvidas as testemunhas arroladas pela defesa do arguido, concretamente as testemunhas EE, FF e GG, podemos referir que o Tribunal, após análise conjunta e crítica de toda a prova, concluiu que as mesmas estiveram no local, mas sobejamente em horário anterior à prática dos factos. Porquanto, se é certo que EE precisou ter estado na casa do arguido no dia dos factos por reporte ao velório de LL (cfr. facto provado em 39), precisando que lá fora antes do velório, não podemos deixar de considerar que o mesmo referira lapidarmente ter por hábito ir cerca de 45 minutos antes, para dar as condolências à família, sendo que no dia em questão o funeral se realizara às 16:00 horas. Ora, tendo em consideração o elencado lapso de tempo que a testemunha guarda da hora do funeral, 45 minutos, a que acresce o tempo necessário para se deslocar até ao local, que tanto quanto é do nosso conhecimento funcional são cerca de oito a dez minutos, a que acrescem pelo menos mais dez minutos para procura de estacionamento, estacionamento e deslocação, a identificada testemunha esteve com a pessoa do arguido muito antes das 15:00 horas. Testemunha cuja presença junto do arguido fora presenciada por FF e por GG, sendo que FF, referira ter chegado por volta das 14:15, o que foi confirmado por GG que mencionou ter chegado depois deste e que corroborou que aquele foi o primeiro a sair, mas, ao contrário de FF, precisara a hora de saída deste pelas 14:50 horas, quando aquele tentou dar a ideia de ter saído do local já passavam das 15:30 horas, ou seja, depois da hora da prática dos factos. Depois, pese embora a testemunha GG tenha referido que saiu da casa do arguido depois das 15, o certo é que saiu antes das 15:15 horas, sendo aqui que o tribunal concluiu pela presença das elencadas testemunhas, pois os três foram unânimes e convergentes em referir que tinham estado com o arguido junto ao armazém onde guardava a máquina retroescavadora, armazém esse que fica na lateral do espigueiro ali existente, percepcionado pelo Tribunal aquando da sua deslocação ao local, e donde é possível ter uma visão desimpedida para o local dos factos, o que nos fez concluir que, estando o arguido naquele concreto local – junto ao armazém – é que pode verificar a chegada do assistente, o que despoletara a sua própria deslocação para o local onde o assistente se encontrava. Conclusão a que chegámos, conjugando a interacção de manhã que o arguido tivera com o irmão do assistente (facto provado 12), com a intenção elencada em 1, concretamente de apropriação de terreno do domínio público (que seria colocada em causa se fosse denunciada às autoridades), com a utilização de um pau em falta na vedação do terreno do arguido [que, saliente-se a própria testemunha GG confirmara ser vedada com aquele material (paus de pinho)] que, note-se, apenas, é possível aceder através do interior, e não do exterior, como o próprio Tribunal no dia dos factos tentara, sem êxito. Acresce ainda que, o Tribunal não foi alheio ao desabafo da testemunha GG, que na audiência se revelara inquieto com as suas mãos, quando referenciara “nessa parte não estou a mentir” (sic), o que revela que no hiato temporal houve uma clara alteração da realidade com vista a favorecer a defesa do arguido, percepção que só pode ser aquilatada pelo Tribunal mediante a procura da verdade mediante a colocação de todas as questões necessárias a aferir da razão de ciência das testemunhas da defesa que, precise-se, em momento algum souberam dizer porque motivo inquiridos quanto ao dia dos factos, eram espontâneos e peremptórios em referir imediatamente o dia 18.9.2022. O certo é que mediante a insistência do Tribunal souberam precisar que sabiam que era aquele dia porque o arguido lhes pedira para atestarem que o procuraram, o que efectivamente acreditamos ter acontecido, mas precise-se, antes dos factos na origem dos presentes autos, doutro modo, encontrariam uma pessoa emotivamente alterada e com a roupa marcada de vestígios de sangue, já que é do nosso conhecimento funcional que uma hemorragia nasal é apta a provocar salpicos de alta e média densidade provocando os denominados esguichos nas roupas do agressor. Ademais, relembre-se o próprio presidente da Junta de Freguesia confirmara ter falado com o arguido no período da tarde que precisou por volta das 15 horas, mas curiosamente nenhuma das testemunhas da defesa elencara esse facto e não o elencara porque à hora da mencionada chamada já o arguido não estava na presença deles, o que corrobora a convicção alcançada pelo Tribunal. Apesar de termos ouvido a testemunha RR, o certo é que o teor do seu depoimento, ante os demais elementos de prova supra elencados, teve cariz irrelevante, pois o que referenciou, além de ser distante do momento dos factos, ao ter dito que em casa, após o almoço, ainda com o assistente em casa viu o arguido no terreno, o que, convenhamos, ante a distância física no local percepcionada, é impossível de concretizar com assertividade, sem ser com recurso a binóculos, o demais declarado já se encontra documentado na informação clinica supra elencada. Inquirido KK, militar da GNR, que acorrera ao local no dia dos factos e que elaborara o auto de notícia supra mencionado, na sequência do acidente de viação sofrido que motivou a informação clínica junta aos autos em 10.12.2024, perdeu a memória, motivo pelo qual do seu depoimento não foi extraída qualquer consequência adjectiva. Não valorou o Tribunal também os depoimentos das testemunhas SS e TT, respectivamente condutor manobrador e operário da construção civil, por os teores dos seus depoimentos, além de revestirem natureza acessória, não redundaram em qualquer esclarecimento relevante para a dinâmica dos autos. No que concerne às consequências de que o assistente ficou a padecer dadas como provadas em 38, para sua prova, considerou o Tribunal, além das declarações do assistente, o depoimento das testemunhas JJ e CC, sendo que, atento o conteúdo das declarações do assistente que foi lapidar em referir que não sente medo, e pela forma como foram prestadas, orientadas no tempo e no espaço, permitiram ao Tribunal dar como não provados os factos elencados em VI e em VII, até porque não foi feita prova isenta de qualquer desorientação por parte do assistente, alem das declarações de pessoas que lhe são próximas e, obviamente, interessadas no desfecho da instância. Atendendo a que, de todos os depoimentos prestados não resultou que na origem do comportamento delitual vertido em 1 a 8 estivessem questões conexas com águas, deu o Tribunal como não provada tal factualidade elencada em I. Por fim, com base no conhecimento público geral de quantos litros de sangue detém o corpo humano – cfr. artigo 412.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 4.º do CPP – e com base na percepção captada pelo Tribunal aquando da sua deslocação ao local em 20.12.2024, deu o Tribunal como provados os factos 41 e 42. Analisado o teor do relatório social junto aos autos em 06.02.2025, que convergiu com as declarações prestadas pelo arguido, no que contende com a sua realidade sócio-económica, e o teor do CRC junto aos autos em 20.02.2025, deu o Tribunal como provados os factos elencados em 43 a 49 e em 50”. 2.2. As razões do arguido. O arguido considera que os factos contidos nos pontos 1, 3, 4, 8, 9, 10, 11, 12 e 42 do elenco dos provados foram incorretamente julgados, pelo impugna tais pontos da matéria de facto dada como provada ou, pelo menos, alguns segmentos dos mesmos - para a final concluir ser inevitável a sua absolvição. Diz o arguido que as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, nos termos do artigo 412º, nº 3, alínea b), do C.P.P. são as seguintes: a) As declarações do assistente na sessão de julgamento de 29-10-2024 (das 10:19 às 11:48) e na sessão de 26-3-2025 (das 16:30 a 17:07), b) As declarações da testemunha CC, arrolada na acusação, sessão de julgamento de 29-10-2024, das 15:18 às 16:07; c) As declarações da testemunha DD, arrolada pela acusação, sessão de julgamento de 20-10-2024, das 16:09 às 16:42; d) As declarações da testemunha EE, indicado pela defesa, sessão de julgamento de 20-12-2024 (das 11:31 às 12:00; das 12:04 às 12:08 e das 12:08 às 12:14); e) As declarações da testemunha FF, indicada pela defesa, sessão de julgamento 20-12-2024 (das 12:15 a 13:03 e das 14:08 às 14:40), e f) As declarações da testemunha GG, indicada pela defesa, sessão de julgamento de 20-12-2024 (das 14:42 às 15:01 e das 15:01 às 15:30). 2.3. Considerações gerais. Esta formulação remete-nos para a questão de saber se será caso de modificação do julgamento firmado sobre a matéria de facto e, por essa via, conhecer da questão que afinal se reconduz a uma diversa valoração do sentido da prova pessoal produzida, sobre os factos de cujo julgamento o arguido afirma discordar. No entanto, a propósito desta temática atinente com os poderes conferidos às Relações em termos de modificação da matéria de facto apurada em Primeira Instância, importa referir o seguinte: Certo é que hoje, nos termos do artigo 428.º CPP, as Relações conhecerem de facto e de direito, não basta para que se conheça da matéria de facto que a prova haja sido documentada, o que aliás acontece sempre obrigatoriamente. A matéria de facto pode ser questionada por duas vias, a saber: - no âmbito restrito, no que se vem denominando revista alargada) mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º/2, do Código Processo Penal, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento; - mediante a impugnação ampla a que se reporta o artigo 412.º/3, 4 e 6, do Código Processo Penal, caso em que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência. Quanto a esta última modalidade de impugnação (a ampla) o legislador impõe ao recorrente o dever de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa; ónus que tem que ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo ser indicadas em relação a cada facto as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referido qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão. Mas mesmo essa reapreciação ampla, como assinala o STJ, no acórdão de 12/06/2008, (no proc. 07P4375) sofre as limitações que decorrem e resultam dos seguintes fatores: - da necessidade de observância pelo recorrente do ónus de especificação, restringindo aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; - da falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações, postergando-se assim a “sensibilidade” que decorre de tais princípios; - de a análise e ponderação a efetuar pelo Tribunal da Relação não constituir um novo julgamento, porque restrita à averiguação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros indicados pelo recorrente; - e de o tribunal só poder alterar a matéria de facto impugnada se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do nº 3 do citado art. 412º), e não apenas a permitirem. Como se observa no acórdão deste TRP de 13/12/2023 (proc. n.º 12/19.0FAPRT.P1), «Questionada a decisão matéria de facto através da impugnação ampla a que se reporta o art.º 412.º, n.º 3, do CPP, recai sobre o recorrente o ónus de especificar e individualizar os concretos factos que, em seu entender, se encontram incorretamente julgados, cabendo-lhe, também, indicar as concretas provas de onde resultem os alegados erros de julgamento e que impõem decisão diversa. Feita tal indicação, deverá ainda explicar a razão pela qual as provas ou os meios de prova que especifica impõem decisão diversa da recorrida. Por exemplo, não basta transcrever excertos de declarações ou de depoimentos e dizer que dali resulta o contrário do decidido. Acresce que o ónus deve ser observado relativamente a cada um dos factos impugnados, e não por atacado, impondo-se ao recorrente relacionar e fazer a necessária correspondência do conteúdo específico do meio de prova que segundo ele impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado. Porque não se trata de um novo julgamento, e constitui apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância, faltando-lhe a imediação e a oralidade da prova, não pode o Tribunal da Relação fazer tábua rasa da livre apreciação da prova em que assentou o juízo do tribunal recorrido. Face a essa limitação, o tribunal de recurso, em sede de impugnação ampla da matéria de facto, só pode alterar o decidido pela primeira instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem. Isto é, quando a convicção do julgador da primeira instância tiver na sua base erros de tal modo evidentes e óbvios que tornem a decisão inaceitável». O ónus de especificação deve, assim, ser observado relativamente a cada um dos factos impugnados, e não «por atacado», impondo-se ao recorrente relacionar e fazer a necessária correspondência do conteúdo específico do meio de prova que segundo ele impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado. Havendo gravação das provas, tais especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (artigo 412.º/ n.º 4 e 6 do CPP). Tais imposições legais fundam-se na necessidade da delimitação objetiva do recurso da matéria de facto, na medida em que o recurso deste tipo não se destina a um novo julgamento com reapreciação de toda a prova, como se o julgamento efetuado na primeira instância não tivesse existido, sendo antes o recurso da matéria de facto concebido pela lei como remédio jurídico. Como se afirma no acórdão do STJ de 27-04-2006 (proc. nº 06P120), com as especificações consagradas nos nºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal “visou-se, manifestamente, evitar que o recorrente se limitasse a indicar vagamente a sua discordância no plano factual e a estribar-se probatoriamente em referências não situadas, porquanto, de outro modo, os recursos sobre a matéria de facto constituiriam um encargo tremendo sobre o tribunal de recurso, que teria praticamente em todos os casos de proceder a novo julgamento na sua totalidade. Impõe-se, por isso uma exigência rigorosa na aplicação destes preceitos”. Tem sido este, de facto, o entendimento predominante da jurisprudência dos tribunais superiores. Como é sublinhado no acórdão da RC de 8/2/2012 (proc. n.º 223/07.1GCVIS.C1), “os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. E já não aqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se afigurou como coerente e plausível), sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1º instância tem suporte na regra estabelecida no citado art.º 127º e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se”. Veja-se também o acórdão deste TRP, de 02/06/2019, citado no ac. 19-04-2023, também deste Tribunal (proc. n.º 2/18.0PFGDM.P1) “Constatando-se que não são detetáveis desconformidades entre a prova produzida, que inexistem provas proibidas ou produzidas fora dos procedimentos legais, tendo o tribunal justificado suficientemente na decisão as opções que fez na valoração dos contributos probatórios, atribuindo valor positivo ou negativo às provas de modo racionalmente justificado, de acordo com regras de lógica e de experiência comum e com respeito pelo princípio do in dubio pro reo, resta à Relação confirmar a decisão sobre a matéria de facto e nomeadamente a que diz respeito à questionada pelo recorrente.” Ou na síntese do acórdão do TRP de 06/03/2002 (proc. n.º 0111381) “Mesmo quando houver documentação da prova, a sua livre apreciação, devidamente fundamentada segundo as regras da experiência, no sentido de uma das soluções plausíveis torna a decisão inatacável. Doutro modo seriam defraudados os fins visados com a oralidade e a imediação da prova.”. A decisão, da 1.ª instância, relativa à matéria de facto, pode ser modificada nos termos do artigo 431.º/ b) do CPP, isto é, quando a prova tiver sido impugnada de acordo com o disposto no artigo 412.º/3 e 4 do mesmo diploma. Como é sabido, o artigo 412.º do CPP é relativamente exigente em relação aos requisitos formais a observar no recurso quando este verse sobre matéria de facto. Se o recorrente pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, tem de dar satisfação cabal aos ónus contidos nos nºs. 3 e 4 do artigo 412.º do CPP, que dispõe que: “(…) 3. quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) as provas que devem ser renovadas. 4. Quando as provas tenha sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do nº anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do artigo 364º/2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”. A razão de ser da exigência deste procedimento, está relacionada com o facto de que o recurso sobre matéria de facto não configura um novo julgamento destinado a reapreciar toda a prova produzida perante a primeira instância e documentada no processo, antes se destina a remediar erros de julgamento, que devem ser indicados ponto por ponto e com a menção das provas que demonstram esses erros. A Lei n.º 48/2007 de 02/08, que conferiu a redacção acabada de descrever ao preceito em causa, mudou profundamente o regime da impugnação da matéria de facto, visando, por um lado, tornar mais exigente a especificação dos pontos de facto impugnados e das provas que impõem, decisão diversa da recorrida e, por outro, colocar fim à transcrição dos registos gravados. A exigência de na motivação do recurso sobre a matéria de facto, se dever especificar os concretos pontos de facto que se considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, deve ser, nesta conformidade, entendida, como, apenas se satisfazendo, com: - a indicação do facto individualizado que consta da decisão recorrida e que se considera incorrectamente julgado e, - a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. Será insuficiente, no que se refere àquele primeiro requisito, a mera enunciação da totalidade da materialidade descrita na acusação e transposta para a sentença - sem qualquer, diferenciação, distinção ou particular especificação – e, quanto a este último requisito, a mera indicação genérica de um determinado depoimento. O recorrente deve explicitar por que razão essa prova impõe decisão diversa da recorrida. Esta exigência de concretização visa impor a quem recorre a obrigação de relacionar o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida, com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado. No caso de depoimentos prestados em audiência, a referência ao suporte magnético apenas se cumpre com a indicação do nº. da “volta” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento ou agora que a gravação deita no próprio sistema citius, com a indicação do tempo em que consta o trecho de depoimento, que se pretende salientar. 2.4. Baixando ao caso concreto. A este propósito refira-se que o MP na sua resposta alega que, - o arguido não deu cumprimento ao ónus de especificação previsto nos números 3 e 4 do artigo 412.º do Código do Processo Penal, uma vez que não explicitou em relação a cada um dos factos a razão pela qual as concretas passagens em que se funda a impugnação impõem uma decisão diversa da recorrida. Limita-se a impugnar cada um dos factos e a fazer a transcrição do segmento das declarações do assistente e da testemunhas da acusação pública HH, II, CC, das quais entende existirem imprecisões, concluindo que os depoimentos não merecem credibilidade nesses pontos, contrariamente ao depoimento das testemunhas de defesa, que transcreve parcialmente e que entende que o Tribunal a quo não valorou devidamente; - o arguido discorda da matéria de facto, mas, apesar de enunciar factos que considera incorretamente julgados, não alude e especifica as provas concretas que impõem decisão diversa, apenas tecendo considerações relativas a uma apreciação diversa da prova, que, no seu entendimento, impõe uma decisão diversa, mas sem conseguir fundamentar em que sentido as provas por si alegadas impõe decisão diversa. Entende o recorrente que a decisão recorrida julgou erradamente os factos contidos nos pontos 1, 3, 4, 8, 9, 19,11, 12 e 42 do elenco dos factos provados, que são do seguinte teor: 1. No dia 18 de Setembro de 2022, pelas 15.15 horas, na Rua ..., na Freguesia ..., Concelho de Castelo de Paiva, por motivos relacionados com limites de terrenos e apropriação do espaço público, o arguido arrancou e pegou num cabo de madeira, que servia de pilar para sustentar a vedação eléctrica, com características de comprimento não concretamente apuradas, com cerca de 4,5 cm de diâmetro e, empunhando-o, com ele atingiu, num número não concretamente apurado de vezes, mas pelo menos uma vez, BB, na zona da cabeça e da face. 3. Após tê-lo atingido, o arguido apercebeu-se que BB se encontrava em local isolado, ferido, a esvair-se em sangue e a precisar de cuidados médicos. 4. Não obstante isso, desinteressando-se por BB e do estado em que o mesmo se encontrava, o arguido abandonou o local, sem lhe prestar qualquer assistência, accionar quaisquer meios de socorro ou pedir assistência médica e sem alertar quem quer que fosse. 8. O arguido actuou nos termos descritos, o que representou, quis e conseguiu com intenção de atingir BB na sua saúde e integridade física, como de facto atingiu, usando força física e munindo-se, ainda, do referido pau para esse efeito. 9. Sabia ainda que o pau que utilizou, com as características descritas em 1), e principalmente porque dirigido à cabeça e face de BB, é susceptível de tornar a sua defesa particularmente difícil e de causar danos graves e desproporcionados na sua saúde e integridade física, o que representou, quis e conseguiu. 10. Estava ainda o arguido ciente do descrito em 3) e, não obstante isso, actuou nos termos referidos em 4), o que representou, quis e conseguiu, ciente que não prestava auxílio, nem o socorro, necessários ao afastamento da situação de perigo para a integridade física em que se encontrava BB. 11. Actuou o arguido livre, voluntária e conscientemente, ciente do carácter ilícito e reprovável das suas condutas. 12. No dia 18.09.2022, no período da manhã, o arguido ameaçou, com um sacho, o irmão do arguido, (será assistente), DD, após este ver que alterara os esteios de delimitação do seu terreno com a via pública. 42. O local identificado em 1 localiza-se numa zona pouco movimentada, cercada de campos aptos ao cultivo, erma à data dos factos, e que dista das habitações cerca de 300 metros. E, depois diz que por facilidade de exposição, os pontos de facto impugnados serão analisados conjuntamente e que foram muitas as testemunhas ouvidas – que identifica - além do assistente, com o arguido a usar o direito a manter-se em silêncio. Diz o arguido que apesar do elevado número de testemunhas ouvido, apenas o assistente e sua filha CC, terão supostamente tido conhecimento direto do objeto com que a agressão terá sido praticada, mas de modo totalmente não credível e que todas as demais fazem meras referências por “ouvir dizer”, mas sem conhecimento direito do dito objeto. Assim, o arguido, sem especificar e concretizar quais os concretos, precisos e individualizados factos erradamente julgados, afirmando, ele próprio, que impugna tais pontos da matéria de facto dada como provada ou, pelo menos, alguns segmentos dos mesmos, conclui ser inevitável a sua absolvição. Ora deste enunciação, resulta, manifestamente evidente que o arguido nem sequer individualiza de entre os vários pontos da matéria de facto de cujo julgamento discorda, quais, em concreto, precisamente, pretende estarem erradamente julgados. Atente-se, desde logo, na formulação utilizada pelo arguido ao afirmar impugnar a matéria de facto dada como provada, nos pontos que identifica, ou pelo menos alguns dos seus segmentos, sem especificar ou concretizar quais. E, muito menos em que sentido e quais pretende ver alterado o seu julgamento. Isto, quando, como vimos, no caso de impugnação da decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos e enuncie a decisão alternativa que propõe. E, depois, como parece evidente, a impugnação por atacado, na globalidade, de 9 pontos da matéria de facto, alguns, complexos, com mais que um facto, a protestada e assumida análise conjunta, desde logo, sobre a essencialidade dos factos constantes da acusação e que motivaram a sua condenação, também não é de molde a cumprir com os enunciados requisitos. O objectivo da facilidade da exposição das razões concretas da discordância em relação a cada facto concreto, por reporte à prova que evidencie o alegado erro de julgamento, não pode comprometer o cumprimento dos ditos ónus. Isto é, os ónus terão de ser cumpridos com facilidade ou com dificuldade de exposição. E esta será directamente proporcional à extensão da matéria de facto impugnada, à quantidade e extensão dos elementos de prova invocados e à profundidade da sua análise concreta. Em vista do objectivo de convencer o Tribuna de recurso do erro de julgamento e de que se impõe, se exige decisão noutro, diverso sentido. Cremos, assim, ser manifesto que os apontados requisitos se não mostram, de todo, cumpridos. E os termos em que o recurso vem estruturado parece deixar transparecer que tal nunca esteve na mente do arguido. Da sua alegação não fica, de todo, claro, quais os concretos factos, pedaços da vida real, de cuja afirmação o arguido discorda e muto menos o sentido em que pretende sejam os mesmos alterados. Além, da falta de apreciação de facto a facto, e não na globalidade, dada a sua natural extensão e complexidade, afinal a coluna vertebral da acusação. Falta, também, decisivamente, o enunciado requisito da análise, específica e concreta, e, relação a cada facto, dos elementos de prova a exigirem, a imporem, uma concreta decisão em sentido diverso. O que compromete, irremediavelmente, qualquer remota possibilidade de se apreciar, tal questão. Isto não obstante o STJ, através do Acórdão 3/2012, de 18/04, ter fixado jurisprudência assumidamente dando prevalência ao substancial em detrimento do formal - sobre questão aqui não colocada em causa - estabelecendo-se que mesmo para os casos em que na acta constem o início e o termo da gravação de cada declaração, “visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta para os efeitos do disposto no artigo 412º/3 alínea b) C P Penal, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”. Com efeito, o recurso da matéria de facto não serve para o recorrente sobrepor a sua opinião sobre o sentido da prova produzida à convicção formada pelo julgador. É sempre necessário que os termos do recurso revelem aptidão para exigir, para impor a propugnada alteração/modificação. E não para introduzir uma qualquer alteração, mormente a entendida mais conveniente pelo Tribunal de recurso, sem que o recorrente, ele próprio, haja defendido uma hipótese concreta de alteração/modificação. Não o tendo o arguido feito, está manifestamente inviabilizada qualquer possibilidade de o tribunal de recurso conhecer e apreciar este segmento do seu recurso. Estamos no caso, então, perante uma forma genérica e inconsequente impugnação. E, desde logo, se o recorrente não apresentar o sentido da decisão diversa que a prova qui invoca impõe ou exige, está o recurso votado manifestamente ao fracasso. Isto sob pena de se estar a transferir para o tribunal de recurso a incumbência de encontrar a solução para a decisão diversa, segundo o seu próprio critério, interpretando o que melhor se adequasse aos interesses do recorrente, fazendo conjecturas sobre a leitura da prova que invoca, em substituição do imposto dever do recorrente de o fazer ele próprio. Estaria o Tribunal de recurso a tentar perscrutar interpretar a vontade do recorrente, interferindo, assim, com a própria inteligibilidade e concludência da motivação do recurso. É, pois caso de rejeitar o recurso do arguido neste segmento. 3. Recurso da matéria de Direito 3. 1. A subsunção dos factos ao Direito – recurso do arguido. 3.1.1. A fundamentação da decisão recorrida. “Vinha o arguido AA acusado da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, por referência à alínea h) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, qualificação que, por comunicação realizada em 11.03.2025, foi alterada para a prática de um crime de crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, por referência à alínea e) do Código Penal. Prescreve o artigo 143.º do Código Penal que, “(…) Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. (…)”. Ao tipificar o comportamento transcrito pretende o legislador tutelar a integridade física e psíquica e a saúde, bem jurídico com tutela jurídico-constitucional, atenta a redacção conferida à norma constante do artigo 25.º, n.º 1, da Lei Fundamental que prevê que a “(…) integridade moral e física das pessoas é inviolável. (…)”. Trata-se, assim, de um crime de dano quanto ao bem jurídico e de resultado quanto ao objecto da acção. O tipo objectivo do ilícito consiste no ataque ao corpo ou à saúde de outra pessoa viva, aqui entendido de modo amplo, abarcando a saúde psíquica quando a sua lesão se reflicta de modo objectivo e relevante no corpo do ofendido. Aliás, como refere Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, página 385, “(…) O dano à saúde também pode consistir num agravamento de um estado de doença pré-existente ou num protelamento da cura (…)”. Contudo, é necessário que o acto perpetrado pelo agente do crime – na acepção do artigo 26.º do Código Penal –, assuma um grau mínimo de gravidade, de acordo com uma interpretação do tipo à luz do critério da adequação social. Depois, o crime sob análise tanto é passível de ser praticado por acção, como por omissão, se sob o omitente impender um dever de garante sobre a pessoa do ofendido. Já ao nível do tipo subjectivo ele é passível de subsunção em qualquer forma de dolo, conforme prevê o artigo 14.º do Código Penal. Tal norma, a do artigo 143.º do Código Penal, prevê o crime base, ou seja, na acepção simples, sendo que o legislador, nos artigos 145.º e 146.º, do mesmo diploma legal, previu as circunstâncias modificativas, agravantes e atenuantes, respectivamente. No que importa para os presentes autos, dispõe o artigo 145.º do Código Penal que “(…) Ofensa à integridade física qualificada 1 - Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido: a) Com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143.º; b) Com pena de prisão de 1 a 5 anos no caso do n.º 2 do artigo 144.º-A; c) Com pena de prisão de 3 a 12 anos no caso do artigo 144.º e do n.º 1 do artigo 144.º-A. 2 - São susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º (…)”. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in ob cit, 6.ª edição actualizada, página 656, “(…) O legislador pretendeu consagrar no âmbito das ofensas corporais uma estrutura típica paralela à estabelecida no homicídio, integrando as situações de criação de perigo para a vida no tipo das ofensas corporais graves e criando um tipo qualificado de ofensas corporais com base nas circunstâncias qualificativas do artigo 132.º. (…)”. Isto é, tem o aplicador do direito de se socorrer do elenco exemplificativo de exemplos-padrão previstos no artigo 132.º, n.º 2, do Código Penal, ainda que numa óptica de dolo de ofender terceiro, quando refere que “(…) 2 - É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: a) Ser descendente ou ascendente, adoptado ou adoptante, da vítima; b) Praticar o facto contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum em 1.º grau; c) Praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez; d) Empregar tortura ou acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima; e) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil; f) Ser determinado por ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica ou nacional, pelo sexo, pela orientação sexual ou pela identidade de género da vítima; g) Ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime; h) Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum; i) Utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso; j) Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas; l) Praticar o facto contra membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Representante da República, magistrado, membro de órgão do governo próprio das regiões autónomas, Provedor de Justiça, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, solicitador, agente de execução, administrador judicial, todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente, examinador ou membro de comunidade escolar, ministro de culto religioso, jornalista, ou juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas; m) Ser funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade. (…)”. Ao operar tal remissão pretendeu o legislador que, em caso de verificação de um dos elencados exemplos padrão, ou outra circunstância fáctica reveladora de especial censurabilidade ou de especial perversidade pelo agente do crime, este detém um culpa agravada na produção do efeito desvalioso operado na esfera jurídica da vítima. Aqui chegados, importa elencar que, adoptando o agente do facto uma postura intencional, volitiva e intelectualmente, afastada fica a subsunção do seu comportamento na norma substantiva elencada no artigo 147.º do Código Penal, com a epígrafe “Agravação pelo resultado”, já que esta norma só é aplicável quando o “(…) resultado agravante deve ser imputável ao agente a título de negligência (…)” – cfr. autor supra citado in ob cit, página 658. Vem, também, o identificado arguido acusado da prática de um crime de omissão de auxilio, p. e p. pelo artigo 200.º, n.º 1, e n.º 2, do Código Penal, crime que, também, em 13.03.2025, foi alterado para a sua modalidade agravada, pese embora tal conclusão já decorresse das normas invocadas em sede de acusação. Prescreve o artigo 200.º do Código Penal que “(…) 1 - Quem, em caso de grave necessidade, nomeadamente provocada por desastre, acidente, calamidade pública ou situação de perigo comum, que ponha em perigo a vida, a integridade física ou a liberdade de outra pessoa, deixar de lhe prestar o auxílio necessário ao afastamento do perigo, seja por acção pessoal, seja promovendo o socorro, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Se a situação referida no número anterior tiver sido criada por aquele que omite o auxílio devido, o omitente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias. 3 - A omissão de auxílio não é punível quando se verificar grave risco para a vida ou integridade física do omitente ou quando, por outro motivo relevante, o auxílio lhe não for exigível. (…)”. Com tal norma incriminadora quis o legislador conferir tutela jurídico-penal aos bens jurídicos da vida, da integridade física e da liberdade do agente passivo do crime, aqui se incluindo desde a liberdade pessoal à liberdade e autodeterminação sexual. Na base de tal construção dogmático-punitiva está a imposição de um dever geral de auxílio dos cidadãos aos seus concidadãos, enquanto elementos do denominado contrato social de Rousseau. A forma simples da prática delitual está prevista no n.º 1, enquanto a forma qualificada está estipulada no n.º 2, crime este que, além de ser um crime de perigo concreto (ante o grau de lesão do bem jurídico protegido), é, também, de resultado (dada a forma de consumação). De acordo com Paulo Pinto de Albuquerque, in ob cit, página 901, “(…) o tipo objectivo da omissão de auxilio simples consiste na omissão de auxilio a uma pessoa cuja vida, integridade física ou liberdade se encontra em perigo em virtude de grave necessidade decorrente de uma situação de desastre natural ou humano. A situação de «grave necessidade» ocorre quando o portador do bem jurídico se encontra em perigo iminente de lesão dos bens jurídicos protegidos: a vida, a integridade física e a liberdade (…) de outra pessoa (…)”. A expressão integrada no tipo de auxílio devido deve ser interpretada como o socorro necessário e adequado para afastar o perigo que assola a esfera jurídica da vítima mediante acção adoptada pelo próprio omitente, agente do crime, quer por terceiro, a pedido daquele. A formulação do juízo de nexo de causalidade entre as condutas é realizado posteriormente, mas de acordo com um critério objectivo retrógrado. Neste sentido se sumariou no douto acórdão do venerando tribunal da Relação de Évora proferido, em 18.04.2023, no processo n.º 676/21.5T9STR.E1, disponível in www.dgsi.pt, ao seu concluir que “(…) I - O crime de omissão de auxílio previsto no artigo 200.º do CP é cometido sempre que alguém desrespeita dever de solidariedade social de prestação de auxílio que se revele necessário ao afastamento de um perigo de ofensa da vida, da saúde, da integridade física, ou da liberdade de outrem, numa situação de grave necessidade dessa prestação resultante, nomeadamente, de desastre, acidente, calamidade pública, ou situação de perigo comum. II - Para que se verifique a situação de “grave necessidade” pressuposta pela previsão do tipo penal de omissão de auxílio, bastará que que se configure um quadro factual do qual resulte a perceção, para qualquer pessoa – face aos sinais exteriores evidenciados – de que o ofendido necessita de ser de imediato socorrido, por ser previsível que venham a ocorrer consequências graves para a sua integridade física. III - Recaindo sobre o omitente do auxílio um dever de garante resultante da sua conduta ilícita causadora da situação de perigo, estar-se-á perante e um concurso aparente entre os tipos penais de comissão por omissão e de omissão de auxílio, punidos, respetivamente, nos termos dos artigos 10º, nº 2 e 200º do CP, respondendo o omitente pelo crime de comissão por omissão. IV - Porém, existindo entre os crimes de comissão por omissão e de omissão de auxílio uma relação de subsidiariedade, caso o crime de lesão que poderia resultar da conduta omissiva se não encontre preenchido – designadamente por se não ter apurado o nexo de causalidade entre a omissão e a lesão – muito mais exigível será que a pessoa que deu causa à situação de grave necessidade, à qual assiste um dever acrescido de ajudar, preste auxílio. Se o não fizer incorrerá, subsidiariamente, na prática do crime menos grave, ao qual a sua conduta se subsume inteiramente, ou seja, ao crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo artigo 200º, nº 2 do CP. (…)”. Aliás, neste acórdão, agora, citado, em sede de fundamentação, concluiu-se que, “(…) a circunstância de não ter resultado provado que o ofendido correu perigo de vida e de as lesões que sofreu não constituírem ofensa à integridade física grave – não se integrando, pois, na previsão do artigo 144º do Código Penal – não obsta a que se tenha por verificada a “grave necessidade”, sendo certo que, relembramos, estamos perante um crime de perigo concreto, que abrange o perigo de grave lesão da integridade física e que não se exige para o seu preenchimento que esse resultado venha efetivamente a ocorrer. Bastará, de outra sorte, que que se configure um quadro factual do qual resulte a perceção, para qualquer pessoa – face aos sinais exteriores evidenciados – de que o ofendido necessita de ser de imediato socorrido, por ser previsível que venham a ocorrer consequências graves para a sua integridade física, o que, indubitavelmente, se verifica no caso vertente. É que, como se explanou a este propósito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.1996, cujo entendimento sufragamos, “a expressão “grave necessidade” não respeita à gravidade das consequências do acidente, calamidade, etc., mas às condições anormais em que surge a violação dos bens eminentemente pessoais do ofendido, e o conceito de “afastamento do perigo” que se encontra na base do mencionado dever de solidariedade social engloba também, e necessariamente, as situações em que a violação de qualquer daqueles bens eminentemente pessoais de outrem já foi efectivada, mesmo que de forma irremediável, mas cuja extensão ou possíveis futuras consequências se não tornem perceptíveis a quem se depare com a situação em causa”. Improcede, pois, também nesta parte a argumentação do recorrente. (…)”. Ademais, saliente-se que, mesmo que o carente de auxílio seja socorrido por uma pessoa, os demais no contexto envolvente não ficam desonerados de prestar o devido e necessário auxílio, porquanto, tal dever persiste e é juridicamente vinculante até que o carecido de auxílio dele deixe de precisar. Por sua vez, o tipo objectivo da omissão de auxílio qualificada, prevista no n.º 2 do artigo 200.º do Código Penal, destrinça-se da omissão prevista no n.º 1, porquanto, o perigo existente na esfera jurídica do carente de socorro foi criado pelo omitente do auxilio, ou seja, há uma confluência de dois actos desvaliosos no mesmo agente delitual que, ao ter criado ilicitamente, com dolo ou com negligência, a situação de perigo tem o dever de garante resultante de tal ingerência, em prestar o devido socorro. O tipo subjectivo do tipo admite o dolo em qualquer uma das suas modalidades, contudo, este elemento do tipo pressupõe que o agente do crime tenha conhecimento/percepção de que o carecido de auxilio ou socorro se encontra numa situação de grave necessidade de assistência para minorar o perigo existente para a sua vida, integridade física ou liberdade. No fundo, não é preciso que o agente do crime tenha um dolo de resultado lesivo, mas tem de ter um dolo do resultado de perigo concreto para o bem jurídico. Depois, o crime de omissão de auxílio qualificado consuma-se independentemente do resultado danoso ser evitado pela conduta de um terceiro alheio ao omitente agente do crime. Contudo, se a qualquer momento o omitente de auxílio desistir de adoptar a conduta omissiva e iniciar diligências sérias com vista a evitar o perigo para a vida do carecido de socorro a sua conduta não é punível. Por sua vez, o crime de omissão de auxilio simples fica consumado no momento em que o omitente não presta o socorro adequado enquanto é necessário e não é prestado por terceiros, acontecendo a mesma exclusão de punibilidade caso o omitente abandone a sua postura omissiva e inicie diligências para evitar os perigos existentes para os bens jurídicos protegidos, ou sendo os perigos evitados pela intervenção de um terceiro, a seu pedido. Dai que o crime de omissão de auxílio simples seja considerado quanto ao agente do crime um crime comum, enquanto o crime de omissão de auxílio qualificado seja considerado um crime específico próprio, ante a conexão dogmático normativa existente entre este crime e o que lhe esteve precedente a nível cronológico, existindo entre ambos uma relação de concurso efectivo. Descendo ao caso concreto na origem dos presentes autos. Diante a factualidade supra dada como provada em 1, apurou-se que, nas circunstâncias de tempo e de espaço elencadas, o arguido, por motivos conexos com a (de)limitação do seu terreno e inerente apropriação de terrenos outrora cedidos para o domínio público para constituição de um caminho de acesso aos campos circundantes, caminho esse alvo de apropriação parcial por parte do arguido no dia dos factos, ante a colocação de esteios de pedra, apercebendo-se da presença do assistente naquele local a captar fotografias muniu-se de um pau que colheu na sua propriedade aquando do trajecto de aproximação àquele, com as características vertidas em 1, e, desferiu, pelo menos, uma pancada na zona frontal da face do assistente, incluindo testa e zona do nariz, provocando uma abundante hemorragia naquele. Tal acto ocorrera na Rua ..., em zona não movimentada, erma, à data dos factos, e com habitações a cerca de 300 metros. Em consequência imediata da aludida pancada, sofreu o assistente hemorragia abundante do septo nasal que ficou obstruído – cfr. facto provado 2 – e demandou cuidados imediatos – cfr. factos provados em 13 a 21. Sucede que, após o aludido desferimento da pancada o arguido abandonou o local deixando prostrado, e sem qualquer auxilio, o assistente, sendo notório, ante o sangue expelido pela ferida exposta que provocara a imediata e pronta necessidade de auxilio por parte do assistente que, considerando o número de litros de sangue que detinha e que é do conhecimento geral – cinco litros – se não tivesse pronta intervenção poderia, no limite, após decurso de espaço de tempo de 30 a 45 minutos entrar em colapso, isto é, em choque hipoglémico, seguido de ataque cardíaco que se poderia vir a revelar fatal (cfr facto provado 40), pelo que dúvidas não há de que o comportamento do arguido preenche a subsunção dos tipos legais de crime de que vinha acusado após a alteração da qualificação jurídica. Até porque, sendo o pau utilizado como meio de agressão um pau banal – desprovido de características que o tornassem mais perigoso, isto é, sem a aposição de arame farpado, pregos ou outro adereço metálico que potenciasse o grau de dano –, o seu uso, por si só, não é suficiente para operar a subsunção do comportamento na qualificativa indicada no libelo acusatório. Neste sentido, também, veja-se o que ficou consignado no douto acórdão do venerando Tribunal da Relação de Guimarães de 09.01.2017, no processo n.º 783/12.5GAFAF.G1, disponível in www.dgsi.pt, no qual se sumariou, entre o mais, que “(…) I) Meios particularmente perigosos são todos aqueles que, quando usados, tendo em atenção a experiência comum, ponham em perigo a vida humana ou tenham potencialidade para causar uma lesão grave, segundo as regras da causalidade. II) No entanto, tais características não podem ver-se em abstracto, mas sim em concreto, não devendo atender-se unicamente à espécie ou características do instrumento, mas a um conjunto de elementos, factos ou circunstâncias de que resulta o modo como o mesmo foi usado, para daí se inferir se tal uso era susceptível e adequado a causar graves danos para a saúde ou fazer perigar a vida. (…)”. Diferentemente, ante a desproporção verificada entre o motivo, notoriamente, insignificante, e a reacção do arguido, verifica-se, sim, a qualificativa prevista na parte final da alínea e) do n.º 2 do artigo 132.º para onde remete o artigo 145.º, n.ºs 1, alínea a), 2, do Código Penal. Porquanto, como se consignou no douto acórdão do colendo Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 2022, exarado no processo autuado sob o número 74/21.0GBRMZ.S1, disponível in www.dgsi.pt, “(…) II. O crime de homicídio qualificado, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º do Código Penal, constitui um tipo qualificado por um critério generalizador de especial censurabilidade ou perversidade, determinante de um especial tipo de culpa agravada, mediante uma cláusula geral concretizada na enumeração dos exemplos-padrão enunciados no n.º 2 deste preceito, indiciadores daquele tipo de culpa, projetada no facto, cuja confirmação se deve obter, no caso concreto, pela ponderação, na sua globalidade, das circunstâncias do facto e da atitude do agente. III. Quanto ao “motivo torpe ou fútil”, indicado na al. e) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, a doutrina e a jurisprudência vêm salientando unanimemente que se trata de um exemplo-padrão “estruturado com apelo a elementos estritamente subjetivos, relacionados com a especial motivação do agente”; atuar determinado por “qualquer motivo torpe ou fútil” significa que “o motivo da atuação, avaliado segundo as conceções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito, de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana”. IV. Motivo fútil é o motivo de importância mínima, o motivo sem valor, insignificante para explicar ou tornar aceitável, dentro do razoável, a atuação do agente do crime, desproporcionado e sem sentido perante o senso comum, por ser totalmente irrelevante na adequação ao facto, sem explicação racional plausível, radicando num egoísmo mesquinho e insignificante do agente. O motivo é fútil quando, pela sua insignificância ou frivolidade, é notavelmente desproporcionado, do ponto de vista do homo medius e em relação ao crime. A desproporcionalidade de que se fala é a que se evidencia face ao motivo de “importância mínima”, “sem valor”, dotado de “insignificância” ou “frivolidade”; refere-se à relação entre o motivo e o facto, não caracteriza o motivo que determina o facto. (…)”. Ora, o arguido ao munir-se de um pau e, em acto contínuo, abeirando-se do assistente, à data dos factos, indefeso, e de forma inesperada o projecta para a zona da face daquele, com incidência na testa – local com proximidade ao principal órgão do corpo humano – com vista a impedir a denúncia da delimitação do seu terreno em detrimento do domínio público, revela inequivocamente uma desproporcionalidade desmotivada, à luz dos cânones sociais e jurídicos, pelo que é especificamente censurável, por ser desajustada e inaceitável socialmente. Actuações que o arguido adoptou de modo live e consciente sabendo da sua previsão e punição penal. Por tudo quanto se expôs, incorreu o arguido AA na prática, autoria imediata, com dolo directo, na forma consumada e em concurso efectivo, de um (1) crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência à alínea e) do n.º 2 do artigo 132.º, todos do Código Penal, e de um crime de omissão de auxílio agravado, previsto e punido pelo artigo 200.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal. Não se mostram verificadas quaisquer causas de exclusão da ilicitude e/ou da culpa, previstas na lei penal (cfr. artigos 31.º a 39.º do Código Penal)”. 3.1.2. Argumentação do arguido. Defende o arguido a desqualificação de ambos os crimes, alegando que, quanto à qualificação do crime de ofensa à integridade física – que decorre do facto de ter sido considerado que ocorreu “motivo torpe ou fútil” – que os factos provados não bastam, não são suficientes para o permitir, porque, - é feita menção a questões que se relacionam com direitos de propriedade, que, por sinal, nem sequer envolviam o assistente; - o assistente não dispunha de qualquer propriedade confinante com o arguido; não representava qualquer organismo público que justificasse a sua ação de recolher elementos para remeter a terceiros, não sendo qualquer mero capricho a determinar o acto imputado ao arguido; - não se faz a demonstração de que o arguido tenho estado em condições de avaliar quaisquer sequelas decorrentes da alegada agressão. 3.1.3. O crime de ofensa à integridade física. Na decisão recorrida entendeu-se – com o aplauso do MP - estar verificada a circunstância qualificativa do motivo fútil dada a desproporção verificada entre o motivo, notoriamente, insignificante, e a reacção do arguido, isto porque o arguido praticou os factos com vista a impedir a denúncia da delimitação do seu terreno em detrimento do domínio público. Diz, com efeito, o MP que o arguido actuou movido com o propósito de impedir a denúncia sobre os factos do seu terreno, ocorrendo um ligeiro desentendimento que nem envolvia diretamente o assistente, o que evidencia uma insignificância e desproporcionalidade, que apreciada do ponto de vista da comunidade historicamente situada, se mostra fútil perante os cânones sociais vigentes. O crime de homicídio qualificado, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º CP, constitui um tipo qualificado por um critério generalizador de especial censurabilidade ou perversidade, determinante de um especial tipo de culpa agravada, mediante uma cláusula geral concretizada na enumeração dos exemplos-padrão enunciados no n.º 2 deste preceito, indiciadores daquele tipo de culpa, projetada no facto, cuja confirmação se deve obter, no caso concreto, pela ponderação, na sua globalidade, das circunstâncias do facto e da atitude do agente. As circunstâncias mencionadas no artigo 132.º CP, exemplificativas, não são elementos do tipo mas da culpa e, por isso, não são de funcionamento automático, podendo verificar-se qualquer delas sem que daí se possa extrair necessariamente a existência da "especial censurabilidade ou perversidade do agente" a que alude o n.º 1 do preceito. Ao lado do critério, consagrado no n.º 1, aferidor da qualificação assente na culpa e que recorta efectivamente o tipo incriminador, o legislador produz, no n.º 2 uma enumeração abertamente exemplificativa pois, de indicadores ou sintomas de especial censurabilidade ou perversidade, de funcionamento não automático, como o inculca a expressão usada na lei “é suscetível”. Indicadores que não esgotam a inventariação e relevância de outros índices de especial censurabilidade ou perversidade que a vida real apreste com resulta da expressão usada pelo legislador “entre outras” no segmento da parte final do corpo no n.º 2. Nem sempre que está presente algum dos indicadores das diversas alíneas do n.º 2 se verifica o crime qualificado, bastando para tanto que, no caso concreto, esse indicador não consubstancie a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o n.º1. Mas, na presença deste último elemento está-se perante um crime qualificado mesmo que se não verifique qualquer daqueles indicadores. VER AFJ “O tipo legal base dos crimes contra a vida encontra-se descrito no artigo 131.º CPenal, sendo desse preceito que a lei parte para, nos normativos seguintes, prever as formas agravada e privilegiada, fazendo-lhe acrescer as circunstâncias que qualificam o crime por revelarem especial censurabilidade ou perversidade ou que o privilegiam por constituírem manifestação de uma diminuição da exigibilidade. A especial censurabilidade ou perversidade são representadas por circunstâncias que denunciam uma culpa agravada, sendo descritos como exemplos-padrão, mas a sua ocorrência não determina, por si só e automaticamente, a qualificação do crime, assim como a sua não verificação não impede que outros elementos possam ser julgados como qualificadores da culpa, desde que substancialmente análogos aos legalmente descritos” - cfr. ac. do STJ de 18-09-2013, proc. n.º 110/11.9JAGRD.C1.S1. “O crime qualificado constitui uma forma agravada do crime simples, que constitui o tipo de ilícito, agravamento que se produz não através da previsão de circunstâncias típicas fundadas em maior ilicitude do facto, cuja verificação determina a realização tipo, mas antes em função de uma culpa agravada, de uma especial censurabilidade e perversidade da conduta - cláusula geral enunciada no n.º 1, reveladas pelas circunstâncias indicadas no n.º 2. Estas circunstâncias constituem exemplos-padrão ou seja indícios da culpa agravada, referida no n.º 1, que constitui o elemento típico do crime qualificado. Ainda que essas circunstâncias envolvam eventualmente uma maior ilicitude do facto, não é o simples acréscimo de ilicitude que determinará a qualificação do crime. Só se as ditas circunstâncias revelarem uma maior censurabilidade ou perversidade da conduta se verificará a qualificação. Assim, como meros indícios, as circunstâncias do n.º 2 têm sempre que ser submetidas à cláusula geral do n.º 1. Da interação entre os n.ºs 1 e 2 pode pois, resultar a exclusão do efeito de indício do exemplo-padrão e, consequentemente, a integração dos factos no crime simples. Mas pode também, precisamente, pelo seu carácter meramente indiciário, admitir-se a qualificação do crime quando se constatar a substancial analogia entre os factos e qualquer dos exemplos-padrão. Esta interacção entre os n.ºs 1 e 2 permitido uma maior flexibilidade no tratamento dos casos concretos e, reflexamente na administração da justiça do caso, assegura a delimitação do tipo de crime qualificado em termos suficientemente rigorosos, para que não seja violado o princípio da legalidade” - cfr. ac. do STJ de 18-09-2013, proc. n.º 110/11.9JAGRD.C1.S1. “Os exemplos padrão do n.º 2 do artigo 132.º CPenal, enquanto elementos da culpa (e não do tipo), funcionam como meros factores indiciadores da existência da especial censurabilidade ou perversidade, são meramente exemplificativos e não são de funcionamento automático, carecendo, por isso, de ser confirmados casuisticamente, através de uma ponderação global das circunstâncias de facto e da atitude do agente nele expressas. O motivo fútil tem sido caracterizado pela jurisprudência como o motivo de importância mínima. Será também o motivo frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção homicida. A prática do crime de homicídio teria, assim, que surgir como resultado de um processo pautado pela ilógica, ou de plena irracionalidade, em que uma culpa do arguido, acentuada por um alto grau de censurabilidade, levaria a tirar a vida por razões fúteis” - cfr. ac. STJ de 30-11-2016, proc. n.º 78/15.2JALRA.C1.S1. Quanto ao “motivo torpe ou fútil” a doutrina e a jurisprudência vêm salientando unanimemente que se trata de um exemplo-padrão “estruturado com apelo a elementos estritamente subjetivos, relacionados com a especial motivação do agente”; atuar determinado por “qualquer motivo torpe ou fútil” significa que “o motivo da atuação, avaliado segundo as conceções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito, de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana”. “A circunstância da qualificativa prevista a parte final da alínea e(d n.º 2 do artigo 132.º CP, motivo fútil destina-se a tutelar situações em que o agente se determine por mesquinhez, frivolidade ou insignificância, ou seja por motivo gratuito” - cfr. ac. STJ de 13-03-2002, proc n.º 02P377. “Por qualquer motivo torpe ou fútil" significa que o motivo da actuação, avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito” - cfr. Comentário Conimbricense, I, 1999, 32. Assim, o motivo fútil, para efeitos de caracterização de homicídio qualificado, é aquele que não tem relevo e não pode razoavelmente justificar (e nem ao menos explicar) a conduta do agressor. “Motivo fútil é o motivo de importância mínima, o motivo sem valor, insignificante para explicar ou tornar aceitável, dentro do razoável, a atuação do agente do crime, desproporcionado e sem sentido perante o senso comum, por ser totalmente irrelevante na adequação ao facto, sem explicação racional plausível, radicando num egoísmo mesquinho e insignificante do agente. O motivo é fútil quando, pela sua insignificância ou frivolidade, é notavelmente desproporcionado, do ponto de vista do homo medius e em relação ao crime. A desproporcionalidade de que se fala é a que se evidencia face ao motivo de “importância mínima”, “sem valor”, dotado de “insignificância” ou “frivolidade”; refere-se à relação entre o motivo e o facto, não caracteriza o motivo que determina o facto” - cfr. ac. STJ de 02-02-2022, proc n.º 74/21.0GBRMZ.S1. Desde logo, importa realçar que se vem entendendo, de forma reiterada e uniforme que não se tendo apurado qual o motivo que determinou o agente não se pode concluir pela existência de motivo fútil. Com efeito, uma coisa é o motivo fútil e outra a ausência de motivo – ou motivo que não se alcança descortinar. Desconhecendo-se o motivo que determinou o arguido, fica afastada a possibilidade de classificar a sua actuação como fútil. “A falta de prova sobre o motivo do crime, não é a mesma coisa do que um "crime sem motivo" (ou com um motivo que não tem qualquer relevo, que não chega a ser motivo, que não pode sequer razoavelmente explicar). Não se verifica, assim, "motivo fútil", devendo antes retirar-se a ilação de que aquela falta de prova não pode prejudicar o arguido (in dubio pro reo)” – cfr. ac. STJ 10-03-2005, proc. n.º 05P224. “Para se avaliar se um motivo é fútil tem que se relacionar a gravidade do comportamento com o móbil do crime. Se nenhum motivo explicar a causa da morte de outrem (daí ser crime e crime grave), a grande desproporção entre o que se elege como motivo da acção e aquilo em que esta se analisa, transforma a conduta, não só em algo intolerável, como também em algo absurdo, sem explicação, à luz das concepções éticas correntes, da sociedade. A razão do cometimento do crime tem um valor irrisório para o normal dos cidadãos, comparado com o mal que se provoca com este. Motivo fútil é o motivo de importância mínima, o motivo sem valor, insignificante para explicar ou tornar aceitável, dentro do razoável, a actuação do agente, desproporcionado e sem sentido perante o senso comum, por ser totalmente irrelevante na adequação ao facto, sem explicação racional plausível, radicando num egoísmo mesquinho e insignificante do agente. O motivo é fútil quando, pela sua insignificância ou frivolidade, é notavelmente desproporcionado, do ponto de vista do homem médio e em relação ao crime. A desproporcionalidade é a que se evidencia face ao motivo de importância mínima, sem valor, dotado de insignificância ou frivolidade, refere-se à relação entre o motivo e o facto, não caracteriza o motivo que determina o facto. Motivo fútil tem sido entendido como como o que não é nem chega a ser motivo, carecendo esta afirmação de contextualização, com referência à sua insignificância e incompreensibilidade ou desproporcionalidade, face ao resultado” - cfr. ac. STJ 12-11-2015, proc. n.º 320/13.4 GCBNV.E1.S1. Fútil é o motivo que se apresenta notoriamente inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime praticado, o que traduz uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e impeliu o agente a essa comissão, que acentua o desvalor da conduta por via do desvalor daquilo que impulsionou a sua prática. O vector fulcral que identifica o motivo fútil não é, pois, tanto o que imprime a ideia de tão pouco ou imperceptível relevo, quase que nem pode chegar a ser motivo, mas aquele que realce a inadequação e faça avultar a desproporcionalidade entre o que impulsionou a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal com que ela se objectivou. Fútil será, pois, o motivo que se mostra manifestamente desproporcionado, insignificante, mesquinho, revelador de profundo desprezo pela vida humana. “Motivo fútil é aquele que não pode razoavelmente explicar e, muito menos, justificar a conduta do agente”. É “o motivo sem valor, irrelevante, insignificante”. É “aquele que não tem qualquer relevo, que não chega a ser motivo, que não pode sequer razoavelmente explicar (e, muito menos, portanto, de algum modo justificar) a conduta”. É “aquele que não tem importância, é insignificante, irrelevante” - cfr. ac. STJ de 17-10-2007, proc n.º 07P2586. “Motivo fútil é o motivo de importância mínima, o motivo sem valor, insignificante para explicar ou tornar aceitável, dentro do razoável, a actuação do agente do crime. Será aquele motivo subjectivo que, pela sua insignificância ou frivolidade, é desproporcionado com a reacção homicida” (cf., neste sentido, Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 1996, vol. II, pág. 44). Como diz Nelson Hungria, «o motivo é fútil quando notavelmente desproporcionado ou inadequado, do ponto de vista do homo medius, e em relação ao crime de que se trata. Se o motivo torpe revela um grau particular de perversidade, o motivo fútil traduz o egoísmo intolerante, prepotente, mesquinho, que vai até à insensibilidade moral». Fútil será, portanto, aquele motivo que se apresenta com razão subjectiva desproporcionada relativamente à gravidade da infracção penal ou “o motivo frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática do crime, na inteira desproporção entre o motivo e a reacção homicida” - cf. ac. do STJ de 15-12-2005, proc. n.º 05P2978. “Motivo fútil é o contrário de motivo com alguma, ainda que enviesada, motivação (não fútil), eventualmente atendível no plano de uma certa ética, normalmente ultrapassada. Por exemplo, nos casos de homicídios privilegiados, a que se refere o art. 133.º, do CP, em que, por razões éticas particularmente atendíveis, há menor culpa do agente, sendo como que o simétrico do homicídio qualificado (cf., v.g., Amadeu Ferreira, Homicídio Privilegiado, 4.ª reimp., Coimbra, Almedina, 2004). Não se identifica “motivo fútil” com pura leviandade antes significando que o motivo da actuação avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana. (cf. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, T. I, dir. de Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra, Coimbra Editora, 1999. “Não é a um motivo fraco ou pouco relevante que se refere a norma, mas um motivo fútil. Motivo fútil será antes aquele cuja frivolidade ou gratuitidade reflecte qualidades de personalidade de tal modo rejeitáveis, à de luz dos valores comummente aceites pela comunidade, que justificam a punição do facto dentro de uma moldura penal agravada” - cfr. ac. STJ de 29-06-2017, proc. n.º 661/15.6PBLRS.L1.S1 Se há sempre desproporcionalidade entre o cometimento do crime e a razão que o motiva, seja ela qual for, “para se considerar a existência de motivo fútil haverá que ponderar uma desproporcionalidade superlativa, perante um motivo acerca do qual se conclua ser insignificante, um motivo que estando na base da reacção de quem pratica o crime, não pode, sequer, com algum grau de razoabilidade explicar a conduta levada a cabo, que não tem relevo algum” - cfr. ac. STJ de 14-09-2017, proc n.º 370/15.6JALRA.C1. S1. “Na doutrina, ao motivo fútil tem sido atribuído o alcance de uma razão incompreensível para a generalidade das pessoas, que não pode razoavelmente explicar (e muito menos justificar) o crime, revelando o facto, inteiramente desproporcionado, repudiado pelo homem médio, profunda insensibilidade e inconsideração pela vida humana” – cf. Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 32-33, Nelson Hungria, Comentário, V, pág. 164 e Maia Gonçalves, CP Anotado. A nossa extensa jurisprudência a tal respeito não se dissocia desse entendimento, identificando o motivo fútil não tanto com o seu pouco relevo ou importância, mas antes com a «desproporcionalidade entre o que impulsionou a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal em que ela se objectivou: motivo fútil é o notoriamente desproporcionado ou inadequado aos olhos do homem médio, denotando o agente, com isso, egoísmo, intolerância, prepotência, ou mesquinhez; motivo fútil será o motivo frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática do crime, na inteira desproporção entre o motivo e a reacção homicida. “Motivo fútil, para o efeito previsto no art. 132.º, n.º 2, al. e), não pode ser o que, com referência à moldura penal correspondente ao homicídio normal, é irrelevante ou pouco relevante em termos de atenuar o grau de culpa do agente. Essa é matéria cuja sede de valoração é a determinação da pena concreta dentro dessa moldura, sendo ainda a esse nível ou eventualmente no plano das causas de justificação do facto ou da atenuação especial da pena que se pode colocar a questão da desproporção entre a conduta da vítima e a reacção do agente, de que fala a decisão recorrida. A pouca relevância de um motivo não pode ter consequências mais gravosas que a ausência de motivo” - cfr. ac. STJ de 23-04-2015, proc n.º 693/13.9JDLSB.L1.S1. A título de exemplos do que se tem considerado “motivo fútil”, citando Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal), “o motivo é fútil se o agente da PSP encosta uma arma à cabeça da vítima por mero exibicionismo e prime o gatilho, matando-a (ac. STJ de 26/10/1983, in BMJ, 330, 396); se o agente mata a vítima porque ela lhe disse” vou-me embora, não estou para aturar malucos que não conheço de lado nenhum” (Ac. STJ de 18/1/2012, in C.J., Acs. do STJ, XX,1,202); se o taxista dispara contra 3 jovens que não pagaram o serviço de transporte no valor de 7 € e se puseram em fuga (Ac TRE DE 7/4/2015, PROC 372/13.JAFAR.E1); se o arguido mata a mulher para a silenciar desagradado pelo tom de voz por ela utilizado para o chamar que entendia ser suscetível de ser alvo de comentário depreciativo dos vizinhos (Ac do STJ de 15/2/2023, in C.J., Ac. do STJ, XXXI,1,201)”. Tendo presente este entendimento sobre o significado, neste contexto, do crime de homicídio, do que seja o motivo fútil, procedendo à sua adaptação, em termos do critério da proporcionalidade, para o crime de ofensa à integridade física, cremos poder afirmar que se o arguido agrediu o assistente com vista a impedir a denúncia da delimitação do seu terreno em detrimento do domínio público, então não estamos, ainda assim, perante um motivo fútil. Na verdade, se o motivo fútil é caracterizado como o motivo frívolo, leviano, ou mesmo o motivo que não tem qualquer relevo, o que não chega sequer a ser motivo, estando aqui situados num contexto de conflito relativo à posse ou ao direito de propriedade, ou aos seus limites e estremas, a que arguido se arroga, não se pode concluir estarmos perante o exigido e pressuposto requisito do valor fortemente desproporcionado comparativamente ao valor integridade física. Não estamos perante o que o legislador entende como motivo irrisório, insignificante ou de importância mínima. É certo que também já se entendeu ser motivo fútil o que está presente no disparo da arma de fogo com o propósito de fazer cessar os pedidos de pagamento da quantia (400,00€) que o arguido tinha em dívida para com a vítima. Como invariavelmente se vem entendendo existir motivo fútil quando o agente actua por se não conformar com o rompimento da relação com a vítima. E, como se entendeu já que a conduta do arguido/toxicodependente – reagir ao desapossamento das doses de cocaína, situação que gerou a discussão no âmbito da qual ocorreu o homicídio – não é enquadrável na definição de “motivo fútil” que vem sendo construído pela doutrina e pela jurisprudência. É certo que a actuação do arguido revelou baixeza de carácter. Porém, se o homicídio por motivo fútil pressupõe sempre baixeza de carácter, esta pode muito bem revelar-se noutro grau, e devido a outro tipo de razões, que não o da acção por motivo fútil, pelo que não se verifica a qualificativa da alínea e) do n.º 2 do artigo 132.º CP - nem qualquer outra circunstância do n.º 2 do referido preceito. A motivação do crime prende-se com um litígio sobre os limites da propriedade do arguido, que está latente e que se prometia desenvolver e agravar, sendo irrelevante, para essa motivação se o assistente tinha ou não propriedade contígua com a do arguido, ou se esta era do domínio público, bem como as razões e contornos que o litígio assumiu no momento. O motivo fútil significa que o motivo de actuação avaliado segundo as regras éticas e morais ancoradas na comunidade, à luz da sensibilidade normal, enraizada no homem médio, deve ser considerado pesadamente baixo, repugnante, de tal modo que o facto surge como profundo desprezo, pela vida humana, no caso do crime de homicídio. Não estamos aqui, no que toca ao crime de ofensa à integridade física, recorde-se, perante a ninharia e o carácter gratuito que o texto legal pressupõe. Ou perante a falta de compreensão racional da acção do arguido. Subjacente à actuação do arguido está a ancestral disputa – ainda omnipresente, mormente no interior do país - sobre a propriedade numa comunidade rural em que essa propriedade assuma além do estrito valor patrimonial um outro valor simbólico de posse e poder. Assim enquadrado cremos, pois, não ser fútil o motivo pelo qual o arguido agiu. Para que se verifique a existência do motivo fútil, a prática do crime tem que surgir como resultado de um processo pautado pela ilógica ou plena irracionalidade ou completo absurdo, em que uma culpa do agente acentuada por um alto grau de censurabilidade leva, no caso a ofender a integridade de outrem, por razões fúteis. E, como vimos já, não é a circunstância de o motivo não justificar o facto que o torna fútil. Se o n.º 1 do artigo 132.º CP contém uma cláusula geral segundo a qual o crime é qualificado ou agravado, sempre que for cometido em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, no caso concreto, essa matriz não se verifica, pelo que não ocorre a agravação. Cremos que a imagem global dos factos – reportados, recorde-se ao crime de ofensa à integridade física - não traduzem, não permitem enquadrar o caso concreto como de agravação atípica do crime de ofensa à integridade física. Sendo assim, ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida, os factos provados integram, tão só, o crime simples, de ofensa à integridade física, p. e p pelo artigo 143.º CP. O arguido agiu no âmbito de uma situação de conflito. Foi nesse clima de hostilidade que o agrediu o assistente. Há aqui elevada censurabilidade, mas não mais que a censurabilidade pressuposta no tipo de ofensa à integridade física simples - censurabilidade que por isso encontra resposta suficiente dentro dos limites da respectiva moldura penal. Assim, não tendo o arguido sido determinado por motivo fútil e não ocorrendo outra circunstância qualificadora, o crime de ofensas à integridade física só pode ser o da previsão do artigo 143.º CPenal. Procede, assim, este segmento do recurso. 3.1.4. O crime de omissão de auxílio. Cremos bem que estamos perante uma questão do conhecimento oficioso por parte do Tribunal que o arguido não pode ser punido, em concurso real pelo crime de ofensa à integridade física e pelo crime de omissão de auxílio. Nos termos do artigo 200.º/1 e 2 do CP, “1 - Quem, em caso de grave necessidade, nomeadamente provocada por desastre, acidente, calamidade pública ou situação de perigo comum, que ponha em perigo a vida, a integridade física ou a liberdade de outra pessoa, deixar de lhe prestar o auxílio necessário ao afastamento do perigo, seja por acção pessoal, seja promovendo o socorro, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Se a situação referida no número anterior tiver sido criada por aquele que omite o auxílio devido, o omitente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias. (…)” Como, por todos, se refere no ac. RL de 02-12-2020 (proc n.º 97/18.7GTCSC.L1-5), “O fundamento legitimador do dever geral de auxílio, consagrado neste artigo, é a solidariedade humana que deve vincular todo e qualquer membro da sociedade. Enquanto crime de perigo concreto, o referido tipo de ilícito pretende proteger o valor da solidariedade social relativamente a uma pluralidade de bens como a vida, a integridade física e a liberdade. Como refere Américo Taipa de Carvalho, em anotação do artigo 200.º do Código Penal (Comentário Conimbricense ao Código Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2012, pág. 1236), o crime de omissão de auxílio «pressupõe uma situação objectiva de perigo para um dos bens jurídicos mencionados no tipo legal: “em caso de grave necessidade” que ponha em perigo a vida, a integridade física ou a liberdade de outra pessoa. O conceito “grave necessidade” significa e exige que se trate de um risco de perigo eminente de lesão substancial (grave) dos referidos bens jurídicos». A ilicitude da conduta está na não prestação do auxílio necessário, sendo este o que, na situação concreta, é, simultaneamente, considerado indispensável e adequado ao afastamento do perigo. Por outro lado, requer que o omitente tenha uma efectiva possibilidade de prestar o auxílio exigido sem riscos de lesão corporal grave para si, ou seja, a possibilidade fáctica de o omitente poder realizar a acção salvadora é um pressuposto do dever de a realizar (A. Taipa de Carvalho, ob.cit., pág. 1238). Por fim, a prestação de auxílio pode realizar-se por acção pessoal ou promovendo o socorro, sendo que o recurso a uma e/ou outra destas formas dependerá de factores como as capacidades do prestador de auxílio, as probabilidades de rápida chegada do socorro, a espécie do bem jurídico em perigo, a eminência da lesão deste, etc. Subjectivamente, impõe o dolo em qualquer das suas modalidades, bastando que o agente represente que o necessitado de auxílio corre riscos para qualquer um dos bens jurídicos mencionados; não se exige, assim, um dolo de resultado. Sendo a omissão de auxílio um crime de perigo concreto, a afirmação do dolo pressupõe e basta-se com a representação de que o necessitado de auxílio corre riscos de vida ou de lesão grave da sua saúde ou liberdade e com a conformação ou indiferença perante essa situação de perigo. Dito de outro modo: Trata-se, na sua forma simples, de um crime comum – pois pode ter por agente qualquer pessoa – e de um crime específico impróprio, na sua forma qualificada – pois só pode ter por agente o causador do perigo, de um crime de perigo concreto – pois a verificação do perigo é elemento constitutivo do tipo –, um crime de omissão pura – pois traduz-se na omissão de uma conduta exigida pela lei, esgotando-se na própria inobservância da norma – e de um crime de mera actividade – pois é irrelevante para o preenchimento do tipo a verificação de um resultado lesivo – que, tendo como fundamento da incriminação a solidariedade social, tutela os bens jurídicos vida, integridade física e liberdade. Deste modo, o cometimento do crime pressupõe: - A incapacidade da vítima, por si só, afastar o perigo iminente de lesão importante dos bens jurídicos, revelada pela existência de sinais apreensíveis por qualquer pessoa, da necessidade urgente de actuação na prestação do auxílio [os casos de grave necessidade]; - A percepção pelo agente a actualidade e idoneidade de um determinado acontecimento de facto para ameaçar a integridade dos bens jurídicos tutelados [o perigo concreto]; - A não realização dos actos que se revelavam como adequados e necessários ao afastamento do perigo de lesão dos bens jurídicos tutelados [omissão da conduta devida], através de um juízo de prognose ex ante, radicado nas circunstâncias concretas do caso e na conduta do bonus pater familiae, com os conhecimentos do agente; - O conhecimento pelo agente da situação de grave necessidade, do perigo que recai sobre a vítima e da possibilidade de actuar no sentido exigido pela norma, e a vontade de omitir o auxílio imposto pela norma [o dolo]. A verificação do dano não releva para o preenchimento do tipo, sendo o agente punido porque omitiu o auxílio devido e não, porque não impediu o resultado danoso que, entretanto, sobreveio.” No entanto, como o n.º 1 da norma que vimos de tratar, a grave necessidade que ponha em perigo a vida, a integridade física ou a liberdade de outra pessoa e obrigue à prestação de auxílio, é aquela, nomeadamente, provocada por desastre, acidente, calamidade pública ou situação de perigo comum, sendo que nenhuma destas situações, como é manifesto, ocorreu no caso concreto. Parece-nos evidente que o agente que, dolosamente, agride a vítima, que a quer ofender na sua integridade física, no corpo e na sua saúde, o que aliás consegue, não comete, em concurso real, o crime de omissão de auxílio da vítima. Não faria qualquer sentido que quem querendo lesar a integridade física de terceiro adoptando os actos necessários para aquele efeito, tivesse, depois a obrigação de prestar auxílio ao lesado. Estamos prante um paradoxo jurídico. Perante uma contradição, lógica e dogmática, entre a realidade e o Direito, nos seus precisos termos (e só compreensível se salientarmos a circunstância de se trazer à colação, erradamente, o estatuído no n.º 2 do artigo 200.º, sendo que aí a grave necessidade – causada pelas situações previstas no n.º 1 - for provocado pelo omitente de auxílio) Se a conduta do arguido preenche o tipo de ofensa à integridade física, tal exclui o preenchimento dos elementos do tipo de omissão de auxílio. A não ser que o primeiro crime seja cometido com negligência, o que ocorre amiúde, p.e., em situações de acidentes estradais. Neste sentido, ac. da RL de 03-06-2015 (proc. n.º 25/14.9SULSB.L1-3) consultado no site da dgsi, de onde se retira a seguinte fundamentação: “O tipo da omissão de auxílio tem por fonte directa o artigo 323.º CPenal, da então República Federal da Alemanha. Conforme resulta das actas das sessões da Comissão Revisora, o preceito consagra um dever jurídico de solidariedade social, que se reveste de relevo criminal numa civilização cristã, que elege o amor ao próximo como um dever moral altamente valorado. Contempla um dever de solidariedade social que consiste na prestação de auxílio ao próximo em situações em que se encontram em perigo bens fundamentais com consagração constitucional e reporta-se à tutela da vida, integridade física e liberdade, ou seja, bens jurídicos de ordem pessoal. Trata-se de um tipo de crime de mera omissão, sem resultado tipicamente relevante e que, por isso mesmo, não coloca o problema da adequação da conduta à produção do resultado. O dever de agir, consagrado no tipo, não radica numa injunção mas «no dever geral de diligência como regra que preside à relação dos sujeitos no comércio jurídico» - cf. Beleza dos Santos, em «Lições de Direito Penal», Coimbra, pág 225; «na compreensão do homem - do homem socializado - como um ser “com-os-outros” e um “ser-para-os-outros», cfr. Figueiredo Dias, na R.L.J., nº 3706, 18 e ss. Esta solidariedade social não se perfila como um dever sem limites, sob pena de violação do princípio penal «nullun crimen sine lege»; ela move-se num campo limitado pelo puro dever moral (de configuração ou intensidade não suficientemente fortes para merecerem a tutela jurídico-penal) e pela situação de garante (derivada de uma especial relação com a situação, de monopólio ou de domínio ou senhorio, de tal modo que o agente exerça uma função de protecção do bem jurídico em perigo, ou por qualquer modo tenha uma função de controlo da fonte do perigo) determinante da verificação da comissão por omissão, nos termos do artº 10º/CP. Nos dizeres de Figueiredo Dias «a omissão de auxílio só entra em questão onde não exista um dever de garante do agente pela não verificação de um resultado típico - cfr. o mesmo autor, op e loc. citados”. Ora, se é limite do tipo a comissão de crime por omissão, por maioria de razão o será a comissão por acção, quando o resultado visado ou o meio utilizado implique maior um grau de violação dos bens jurídicos tutelados relativamente àquele que a norma tutela. Significa isto que resultando o perigo (que se pretende evitar com o tipo da omissão de auxílio) da realização, pelo agente, de um tipo não omissivo, que vise (como resultado) ou utilize (como meio da acção) uma lesão dolosa do bem jurídico vida não ocorre concurso de crimes porque, pura e simplesmente, os crimes se encontram numa situação de exclusão. Entende-se que não pode verdadeiramente falar-se em omissão do dever de auxílio, com autonomia penal, quando o resultado decorrente dessa mesma omissão não é senão o mesmo daquele que foi dolosamente determinado pelo agente. Sempre que o agente procura e cria, por actuação própria e dolosa, o perigo para o bem tutelado - no caso a integridade física do ofendido - não concorre com ele, como bem jurídico-penalmente tutelado com autonomia (mas apenas como resquício da intenção criminosa da acção) a omissão do dever de afastar tal perigo. Trata-se, no fundo, da velha questão da distinção entre acção e omissão: a ilicitude típica do acto do agente foi a de provocar a morte da vítima, o que abrange necessariamente a omissão dos cuidados necessários a evitar que ela não ocorra. A mais ampla intenção lesiva, determinante da actuação, consome necessariamente a omissão que, a não se verificar, seria normalmente decorrente de uma conduta do agente apta a configurar desistência (artsº 24º e 25º, do CP). De outro modo, digamos que no caso de actuação mediante a prática de actos que possam configurar uma qualquer forma de crime contra a integridade física doloso (como resultado da acção ou como meio de acção) a violação do dever legal preclude a violação do mero dever de solidariedade social. No entendimento do Prof. Figueiredo Dias, o critério da distinção resulta da determinação, numa perspectiva normativo-social, do ponto de gravidade da valoração da ilicitude relativamente à conduta pessoal relevante, o que no caso dos autos se situa na admissão da possibilidade de ocorrência da morte da vítima. E, desta forma, procede, igualmente este segmento do recurso, ainda que com fundamentos absolutamente distintos e diversos dos invocados pelo arguido. 4. O quantum das penas. Em termos de precedência lógico-processual seguir-se-ia a apreciação desta questão e das razões pelas quais o arguido mostra discordar da pena fixada. Contudo, dada a alteração dos pressupostos em que vem estruturada, fica, naturalmente, prejudicada, a apreciação desta questão nos termos pretendidos pelo arguido. Com efeito o arguido viu ser desagravado o crime de ofensa à integridade física e viu cair o crime de omissão de auxílio. Esta questão será, pois, substituída pela apreciação da consequência derivada da nova qualificação jurídica dos factos e com a necessária fixação da espécie e medida da pena do crime de ofensa à integridade física simples. 4.1. Atentemos, no entanto e, desde já, nos fundamentos da decisão recorrida tecidos a tal propósito. “A respeito da escolha da pena dispõe o artigo 70.º do Código Penal que “(…) Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. (…)”. Quanto às exigências de prevenção especial entende o Tribunal que elas são moderadas, porquanto, pese embora o arguido detenha 66 anos de idade, não contenha qualquer averbamento no seu certificado de registo criminal (cfr. facto provado 50) e esteja integrado pessoal, social e familiarmente, a indiferença manifestada perante o quadro factual supra dado como provado, por si criado, omitindo auxilio ao assistente que ficou prostrado com hemorragia abundante e evidente, evidencia uma postura do arguido totalmente desconforme com os padrões axiológico-normativos esperados pela sociedade de cada cidadão que a compõe. Momento que apesar de ser excepcional na vida do arguido evidenciou uma magnitude impar e que evidencia uma incapacidade daquele para, ante uma conduta desconforme, independentemente da sua adequação ou não, omitir os deveres ético jurídicos devidos para com um concidadão seu, o que demonstra que o arguido dominado por sentimentos de crispação e de tensão relacional, é inapto a adoptar uma postura de ajuda ao próximo, o que evidencia necessidade de interiorização do dever-ser esperado pela Comunidade. A par de tais exigências temos de considerar as elevadíssimas necessidades de prevenção geral associada ao crime de omissão de auxilio qualificado pelo qual vem o arguido condenado, porquanto, é cada vez mais comum, infelizmente, após o recurso à acção directa pelos concidadãos, estes deixarem prostradas as vitimas dos seus intentos evidenciando desprezo pela vida e pela integridade física do terceiro, o que a cada situação ocorrida reforça a necessidade de tutela dos bens jurídicos ínsitos à norma incriminadora, violado com os comportamentos imputados ao aqui arguido, e exige que a ordem jurídica evidencie a sua inadequação à vivência em comunidade. Em face de tudo quanto se expôs, entendemos que só a aplicação de uma pena de prisão demonstra à sociedade a reafirmação do valor contrafáctico da norma colocada em causa com as condutas perpetradas, dado que é necessário advertir o arguido para o elevado desvalor das suas acções que, não fosse a intervenção de terceiros, poderia ter redundado em sequelas significativas e comprometedoras para a vida do assistente, além de no limite, aliada ao decurso do tempo, poder redundar no dano morte do assistente. Pena que, ante as sequelas provocadas ao assistente, se revela proporcional e completamente ajustada, pois o comportamento dado como provado imputado ao arguido é um dos que mais censura e desvalor geram na comunidade, atendendo a que põe em causa a tutela e a garantia de bens jurídicos considerados essenciais à vida em sociedade. Por tudo quanto se expôs, entende o Tribunal dever ser aplicada ao arguido AA, pela prática de um crime de omissão de auxílio qualificado, uma pena de prisão. Nos termos do disposto no artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal a determinação da medida da pena concreta, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa e das exigências de prevenção geral e especial do agente, determinando o n.º 2 do mesmo preceito legal que, para o efeito, se atenda a todas as circunstâncias que deponham contra ou a favor do arguido, desde que não façam parte do tipo legal de crime (para que não se viole o princípio "ne bis in idem", uma vez que tais circunstâncias já foram tomadas em consideração pela própria lei para a determinação da moldura penal abstracta). Para o efeito, atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração positiva das normas e valores) a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite máximo é dado pela medida óptima da tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (exigências de prevenção geral) e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente. Depois, nos termos do disposto no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, as finalidades da punição são, por um lado, de prevenção especial de ressocialização, visando a reintegração do agente na sociedade e prevenindo-se a prática de futuros crimes, atendendo-se a diversas variáveis como, por exemplo, a conduta, a idade, a vida familiar e profissional e os antecedentes do agente, e, por outro lado, de prevenção geral ou de integração, que, dirigida à satisfação da consciência colectiva com o objectivo de repor a conformidade para com o direito, procura restabelecer a confiança da comunidade na validade da norma infringida. Isto é, atende-se, sobretudo, ao sentimento que o crime causa na comunidade, tendo em conta diversos índices, como a frequência e o espaço em que o mesmo ocorre e o alarme que está a provocar na comunidade. Ora, no presente caso, atender-se-á: a) ao grau da ilicitude das condutas do arguido que, quanto ao desvalor das suas acções, é moderado, já que as suas condutas, tanto quanto foi perceptível ao Tribunal, não revelaram, nem uma premeditação prévia, nem um grau de preparação especifico ao nível do conhecimento, planeamento, execução e esforço empregues, porquanto foi reacção despoletada pela tensão ocorrida no momento de verificação da pessoa do assistente a captar fotografias da nova conformação delimitativa do seu terreno, com recurso a objecto previamente existente no local e não carreado para este; b) ao dolo directo com que o arguido agiu, sendo conhecedor dos seus desvalores, proibição e punição pela lei penal, atendendo a que todos os cidadãos sabem que, além da agressão de um concidadão constituir crime, a denegação do socorro que o mesmo requer, constitui crime; c) as práticas delituais abrangerem um único hiato temporal, mas com valências desvaliosas ao nível jurídico penal dispares; d) a existência de danos para a saúde física, psíquica e estética do assistente, com afectação da sua capacidade de trabalho entre 18.09.2022 e 18.03.2023; e) às condições pessoais do arguido que evidenciam, com excepção dos comportamentos na origem dos presentes autos, ter tido uma vida conforme com o direito, e estar integrado pessoal e socialmente; f) à inexistência de averbamentos no seu certificado de registo criminal. Importa, no entanto, ter em conta que as necessidades de reprovação e prevenção geral são elevadíssimas, face ao alarme social que está associado ao cada vez mais frequente recurso pelos concidadãos ao mecanismo excepcional da acção directa em detrimento do uso dos mecanismos legais adequados, com claro perigar da paz e da segurança social, acrescido do desprezo evidenciado, e marcado no presente societário, pelo próximo, que diante agressões graves e infligidas pelo agressor é por este abandonado em situações agudas com nítido perigo para a sua vida, o bem jurídico mais importante no ordenamento jurídico português. Assim, tudo ponderado, afigura-se adequado aplicar ao arguido AA a pena de 2 anos de prisão pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada e de 1 ano de prisão pela prática de um crime de omissão de auxílio qualificado. (…) Atenta a pena de prisão concreta aplicada ao arguido AA esta é passível de ser substituída pela pena de suspensão da execução da pena de prisão prevista no artigo 50.º do Código Penal. É entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência que a aplicação de uma pena de substituição deve considerar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição previstas no artigo 40.º do Código Penal, ou seja, aquando da sua aplicação, deve o aplicador do Direito aferir da sua viabilidade para prevenir o cometimento de futuros crimes e, em simultâneo, fazer o arguido interiorizar o desvalor da sua acção. Ademais, como se consignou no douto acórdão do venerando Tribunal da Relação de Coimbra, exarado, em 23.11.2010, no processo autuado sob o número 205/09.9GAOPH.C1, disponível in www.dgsi.pt “(…) O tribunal não goza de discricionariedade na aplicação de qualquer pena de substituição. Verificados os respectivos pressupostos, o tribunal deve (está obrigado) a aplicar a pena de substituição adequada ao caso. (…)”. Refere Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, no § 518, a propósito da aplicação deste instituto que para ser aplicado tem o Tribunal de concluir, em face da personalidade do agente e das circunstâncias do facto, por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente, concretamente que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – “bastarão para afastar o delinquente da criminalidade”. Acrescentando: para a formulação de um tal juízo - ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto -, o Tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. Contudo, tal instituto nunca deverá ser aplicado se a ele se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime», isto porque, “(…) estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa (…)”. Esse prognóstico a efectuar consiste na esperança de que o agente ficará devidamente avisado com a sentença e não cometerá nenhum outro delito, e reporta-se ao momento da decisão e não ao momento da prática do facto, razão pela qual devem ser tidos em consideração, influenciando-o negativa ou positivamente, designadamente, crimes cometidos posteriormente ao crime objeto do processo e circunstâncias posteriores ao facto, ainda mesmo quando elas tenham já sido tomadas em consideração em sede de medida da pena. Daí que havendo “(…) razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada (…)”. Verificadas as condições de aplicação desta pena de substituição, o Tribunal pode, nos termos do disposto nos artigos 51.º, 52.º e 53.º do Código Penal, determinar que a suspensão seja sujeita ao cumprimento de deveres, de regras de conduta e/ou regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade. Deveres, regras de conduta e/ou regime de prova que terão em consideração as fragilidades verificadas no percurso pessoal do arguido em sede de julgamento. Suspensão que, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 50.º do Código Penal, é passível de ser fixada entre 1 a 5 anos. Vertendo, então, sobre o caso em análise nos presentes autos. Verifica o Tribunal que o arguido AA no lapso temporal subsequente ao cometimento dos factos que aqui lhe são imputados, reorganizou a sua vida, encontrando-se actualmente inserido pessoal, social e familiarmente, não detendo qualquer averbamento constante do seu certificado de registo criminal. Assim, apesar do passado marcado por comportamentos tipicamente desvaliosos, objecto de condenação nos presentes autos, verifica-se que o arguido tem encetado esforços para manter uma vida conforme ao Direito. Depois, equaciona também o Tribunal o elevado desvalor global da imagem ilícita conotada aos crimes praticados pelo arguido enquanto concidadão do aqui assistente, que, apesar de se ter concretizado num único episodio temporal, provocou fortes consequências ao nível da saúde do assistente. Aqui chegados, compilando os items expostos, entendemos que, embora, as exigências de prevenção geral associadas aos tipos de ilícito imputados ao arguido sejam elevadas, face ao grau de frequência com que ocorrem no ordenamento jurídico, sobretudo conotado com sujeitos de proximidade relacional que privilegiam a auto resolução conflitual em detrimento das instâncias formais adequadas, exigindo-se, assim, o restabelecimento do sentido de vigência das normas violadas, as exigências de prevenção especial supra expostas depõem a favor da aplicação da referida pena de substituição ao arguido, pois crê o Tribunal que o agente delitual ficará devidamente avisado com a sentença e não cometerá nenhum outro delito. Ademais, a factualidade dada como assente demonstra que as finalidades prosseguidas com a referida pena de substituição permitirão alcançar as finalidades da punição e das penas no caso dos autos, pois as necessidades de prevenção geral não impõem, uma resposta punitiva firme restritiva da liberdade do arguido pelos motivos supra expostos. A favor das conclusões tecidas pelo Tribunal depõem, assim, a integração global positiva do arguido AA na Comunidade, bem como a ausência de averbamentos no certificado de registo criminal, sendo, por isso, expectável que a aplicação da pena de substituição, alcançará os seus intentos afastando o arguido da prática de novos crimes. Perante o exposto, entende o Tribunal ser possível extrair um juízo de prognose favorável do percurso de vida do arguido, aplicando-se a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, pelo período de três anos, porquanto, ante o desvalor global da conduta desenvolvida pelo arguido entendemos que é o lapso temporal necessário para o mesmo interiorizar o desvalor das suas condutas e serem prosseguidas as finalidades ínsitas à pena de substituição aplicada, nomeadamente a consciencialização paulatina e progressiva do agente do crime para o desvalor dos seus comportamentos e a sua conformação normativa comportamental. Contudo, a aplicação da referida pena de substituição será submetida ao regime de prova, cujo plano deverá ser elaborado pela DGRSP, no qual deverá o arguido cumprir as seguintes regras de conduta: 1. Frequentar programa que lhe permita adquirir competências pessoais de resolução consensual de litígios, com controlo emocional, a ministrar em sessões individuais por técnico da DGRSP, durante 18 meses; 2. pagar ao assistente durante o período da suspensão a quantia de 3.000,00€ (três mil euros), montante que deve ser considerado em sede de pedido de indemnização civil deduzido, fazendo prova nos autos”. 4.2. Vejamos. Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, nos termos do artigo 143.º/1 do CP. Esta pena de multa, nos termos do artigo 47.º/1 CP tem, em regra o limite mínimo de 10 e o limite máximo de 360 dias. Cremos que pelas razões aduzidas na decisão recorrida e cuja bondade o arguido nem sequer, aqui colocava em causa, nos termos do artigo 70.º CPenal, será caso de aplicação de pena privativa da liberdade. Essencialmente, por forma a assegurar as muito elevadas exigências de prevenção geral, dada a frequência assaz inusitada e assustadora com que a sociedade é confrontada com delitos desta natureza em contexto de conflito e divergências entre estremas e limites de prédios rústicos. Quanto à medida concreta da pena, cremos, que, da mesma forma, atentos os fundamentos invocados na decisão recorrida e, que o arguido, enquanto tal, também, aqui, não coloca em causa, entendemos justa e adequada a pena de 1 ano de prisão. Igualmente pelas razões aduzidas na decisão recorrida entende-se ser caso de suspensão da execução da pena de prisão. Na decisão recorrida – a pena, única, então de 2 anos e 6 meses de prisão – foi suspensa na sua execução pelo período de três anos, lapso temporal necessário para o arguido interiorizar o desvalor das suas condutas e serem prosseguidas as finalidades ínsitas à pena de substituição aplicada, nomeadamente a consciencialização paulatina e progressiva do agente do crime para o desvalor dos seus comportamentos e a sua conformação normativa comportamental, com regime de prova, cujo plano seria elaborado pela DGRSP, no qual deveria o arguido cumprir as seguintes regras de conduta: 1. frequentar programa que lhe permita adquirir competências pessoais de resolução consensual de litígios, com controlo emocional, a ministrar em sessões individuais por técnico da DGRSP, durante 18 meses; 2. pagar ao assistente durante o período da suspensão a quantia de 3.000,00€ (três mil euros), montante que deve ser considerado em sede de pedido de indemnização civil deduzido, fazendo prova nos autos. A isto contrapôs o arguido que se a suspensão era correcta, não entendia, porém, o seu alargado período de tempo, defendendo que se apena única era de 2 anos e meio de prisão, seria adequado que a suspensão aplicada fosse de 2 anos. Como, também, não compreendia a submissão ao regime de prova, e ao seu longo período de 18 meses, o que se revela desnecessário, ou pelo menos excessivo, face à personalidade do arguido, sua saúde debilitada, sua idade, seu passado sem antecedentes criminais, sua plena inserção social. Cremos que ao contrário do que defende o arguido (ter existido violação do disposto nos artigos 50.º, 51.º, 52.º e 53.º do CP), bem decidiu o Tribunal a quo, em termos dogmáticos. Em concreto, contudo, tendo presente a nova medida concreta da pena, cremos ajustado o prazo de 1 ano e 6 meses, em relação à suspensão e ao regime de prova. No entanto, tendo em consideração a factualidade dada como provada nos pontos 43. a 49, sendo evidente que a situação económica do arguido (no confronto dos respectivos rendimentos e encargos) se encontra pouco acima do liminar mínimo de sobrevivência, entende-se que não se lhe deve impor a obrigação de pagar ao assistente, durante o período da suspensão, a quantia de 3.000,00€, tal como se estipulou na decisão recorrida. 5. O pedido cível – recurso do assistente. 5. 1. Atentemos na fundamentação da decisão recorrida. “Deduziu o assistente pedido de indemnização civil contra o arguido, enquanto demandado, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 30.000,00€ (trinta mil euros), a título de danos não patrimoniais. Prescreve o artigo 71.º do Código de Processo Penal, em conformidade com o princípio de adesão aí consagrado, que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime deve ser deduzido no âmbito do processo penal em que se aprecia a responsabilidade criminal emergente da infracção cometida, determinando o artigo 129.º do Código Penal que a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil. A este respeito, prescreve o artigo 483.º do Código Civil que “(…) aquele que, como dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação (…)”. Da leitura de tal preceito normativo verifica-se que são pressupostos cumulativos da responsabilidade civil baseada na culpa: a. a verificação de um facto voluntário do agente (positivo ou negativo, cfr. artigos 483.º, n.º 1, e 486.º do Código Civil); b. a ilicitude, que se traduz na violação de um direito de outrem (cfr. artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil); c. a imputação subjectiva do facto ao agente, ou culpa, como censura jurídica do facto ao agente, a título de dolo ou negligência, cuja prova cabe ao lesado; d. a existência de um dano (que pode ser patrimonial e/ou não patrimonial), e e. a verificação de nexo de causalidade entre o evento desvalioso e os danos verificados, segundo a teoria da causalidade adequada (cfr. artigo 563.º do Código Civil). Verificados cumulativamente os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, incorre o lesante (o aqui arguido demandado) na obrigação de indemnizar o lesado (o aqui ofendido demandante), quer dos danos patrimoniais que, em concreto, se tenham verificado como consequência necessária e adequada do evento danoso, restituindo o lesado à situação em que se encontraria se não fosse o evento danoso, quer dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito. Isto porque, de acordo com o disposto nos artigos 562.º e 563.º do Código Civil, a obrigação de indemnizar abrange todos os danos que o lesado não teria sofrido se não se tivesse verificado o evento lesivo, devendo reconstituir-se a situação que existiria, motivo pelo qual são ressarcíveis todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido caso não se tivesse verificado o facto lesivo. A obrigação de indemnização, tendo presente o prescrito no artigo 562.º do Código Civil, deve traduzir-se, como se mencionou, na obrigação de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento lesivo, no que aqui interessa, ser lesado em consequência da prática de um, ou de vários, crime(s). Na eventualidade de tal reconstituição não ser possível, por não reparar integralmente os danos ou por ser excessivamente onerosa para o lesante, deverá, então, a indemnização ser fixada em dinheiro, cfr. dispõe o n.º 1 do artigo 566.º do Código Civil, tendo o legislador adoptado no n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, a teoria da diferença. Isto é, na indemnização a arbitrar deve considerar-se a diferença existente entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que poder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existissem os danos apurados. Refere o artigo 564.º do Código Civil que “(…)1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. 2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (…)”. No que diz respeito aos danos não patrimoniais sofridos [conceito que a lei não define], há que ter em conta o disposto no artigo 496.º do Código Civil, não se tratando o seu ressarcimento de uma indemnização, mas de uma compensação pelas dores, incómodos e desgostos sofridos, deve o seu montante ser fixado equitativamente pelo Tribunal. De acordo com o douto acórdão do venerando Tribunal da Relação de Coimbra de 10.12.2023, exarado no processo n.º 53/10.3TBPNH.C1, disponível in www.dgsi.pt., no qual se elenca, extensa e completa, doutrina e jurisprudência acerca da natureza e qualificação do dano e sua ressarcibilidade, conclui-se que, doutrinalmente, o conceito de dano não patrimonial é recortado pela negativa. Isto é, o dano diz-se não patrimonial quando a situação vantajosa lesada tenha natureza espiritual; o dano não patrimonial é o dano insusceptível de avaliação pecuniária, reportado a valores de ordem espiritual, ideal ou moral; é o prejuízo que não atinge em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. Há uma ofensa a bens de carácter imaterial – desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro; é o prejuízo que, sendo insusceptível de avaliação pecuniária, porque atinge bens que não integram o património do lesado que apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária. A distinção entre o dano patrimonial e não patrimonial assenta, portanto, na natureza do bem ou do interesse afectado. É, assim, possível que da violação de direitos patrimoniais resultem danos não patrimoniais, da mesma maneira que da violação de direitos ou bens de personalidade podem derivar danos patrimoniais. Diferentemente do que acontece com a indemnização pelo dano patrimonial, a do dano não patrimonial não é uma verdadeira indemnização, pois não coloca o lesado na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse tido lugar, mediante a concessão de bens com valor equivalente ao dos ofendidos em consequência do facto. Por isso, é jurisprudencialmente referenciado que se compensam os danos não patrimoniais e se indemnizam os danos patrimoniais. Trata-se, apenas, de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo não patrimonial, não é susceptível de equivalente, e, por isso, possível é apenas uma espécie de reparação, na forma de uma indemnização pecuniária, a determinar, por indicação expressa da lei, segundo juízos de equidade. Assim, no tocante à determinação do quantum da indemnização pelo dano não patrimonial, a lei aponta nitidamente para uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade, cfr. artigos 494.º ex vi 493.º, 1ª parte, do Código Civil. O critério de determinação da indemnização do dano não patrimonial não obedece, portanto, à teoria da diferença, não obstante se mantenha o princípio orientador do cômputo do dano patrimonial: o princípio da reparação integral do dano. Ora, nos presentes autos, as considerações acima expendidas a propósito da culpa criminal conduzem, sem necessidade de adicionais observações, à imputação objectiva e subjectiva dos resultados produzidos na esfera jurídica do assistente às condutas empreendidas pelo arguido. Uma vez aqui chegados, importará, finalmente, determinar as consequências do comportamento ilícito e culposo desenvolvido, isto é, a ocorrência de danos não patrimoniais, que mereçam a tutela do direito, já que o pedido do demandante apenas é feito a título de danos morais. Como ficou demonstrado, à saciedade que, na sequência da agressão adoptada pelo arguido contra o assistente, este, além de ter sofrido as mazelas elencadas em 2 que demandaram um longo período de convalescença decorrido entre 18.09.2022 e 18.03.2023, sofreu durante um significativo lapso temporal dores, assim como as consequências biológicas dele decorrentes, concretamente cefaleias. Dizendo-nos as regras de experiência comum que uma agressão perpetrada com um objecto de natureza consistente de madeira, como o dos autos, é apto a provocar lesão intensa, dolorosa e dantesca que, por sua vez, comporta, depois, um longo período de reajuste dos tecidos e da própria fisionomia da zona atingida, porquanto, quanto mais duro for o objecto da agressão maior é a aptidão para criar dano, o que em si demanda um período doloroso e muito sensível para cura. Acresce ainda que, o período de recuperação do assistente decorreu, como decorre da factualidade supra exposta, sobretudo, nas estações do ano do outono e do inverno, épocas que, em si, são pautadas por temperaturas menos amenas e que expõem, de forma premente, objectiva e notória, a zona da face – local atingido pela agressão – às diferenças climatéricas, alterações que em si comportam, e comportaram, sensações de desconforto e de dor ao assistente, como nos revelam as regras de experiência comum. Por fim, mas não de somenos importância, não pode o Tribunal deixar de considerar os incómodos causados e sofridos pelo assistente com o acompanhamento médico que a sua recuperação demandou, bem como a mágoa e o transtorno que sente sempre que evoca o sucedido, como, aliás, foi percepcionável em sede de audiência de discussão e julgamento, assim como a angústia que sofrera em consequência de se ver privado de trabalhar, durante o período de baixa, como sempre fez. Tais factos associados às próprias circunstâncias da prática delitual e às circunstâncias em que ocorrera –, permitem concluir que, efectivamente, o assistente sofreu prejuízos de natureza não patrimonial, pelo que se encontram preenchidos os pressupostos supra referidos, dos quais decorre para o arguido a obrigação de indemnizar, nos termos do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil. Importa, então, apurar o montante da indemnização a arbitrar a favor do assistente. Tendo presente o disposto nos artigos 496.º, n.ºs 1 e 2, 494.º e 562.º e seguintes do Código Civil, e ponderando os factores já referidos aquando da determinação da medida concreta da pena, mais concretamente os comportamentos agressivos adoptados pelo arguido, ao contexto e ao lapso temporal nos quais os factos ocorreram e a relevante repercussão dos mesmos ao nível dos danos sofridos pelo assistente e a situação económica do arguido, afigura-se adequado, razoável, justo e equitativo atribuir ao assistente demandante a quantia de 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos com os factos supra dados como provados, montante que fixamos tendo em consideração que o assistente não ficou com nenhuma mazela ao nível funcional do seu aparelho respiratório, em detrimento das cefaleias advenientes do síndroma pósconcussional. Como se consignou no douto acórdão do venerando Tribunal da Relação de Coimbra de 16.12.2015, proferido no processo n.º 18/23.3GAFIG.C1, disponível in www.dgsi.pt, “(…) I – A equidade, enquanto fonte legal de realização da justiça moral a lesado em bens de natureza não patrimonial – cfr. arts. 4.º, al. a), e 496.º, ns. 1 e 4, 1.ª parte, do C. Civil –, a partir, portanto, de voláteis e subjectivas ponderações de metafísicos valores de bom senso, razoabilidade, justiça natural, justa medida das coisas, igualdade, oportunidade e conveniência…, haverá natural/necessariamente de ser incorporada de afectos e pessoal sensibilidade do julgador, para além, ou com independência, pois, dos limites do sistema jurídico-positivo. II – Por conseguinte, a decisão judicial definitória do correspectivo valor indemnizatório, que nela se suporte, porque inevitavelmente afectada por subjectiva discricionariedade, apenas poderá merecer juízo de censura por tribunal superior – em sede de recurso –, e consequente alterabilidade, se se empiricamente evidenciar que significativamente destoe da contemporânea linha jurisprudencial respeitante a similares condições contextuais, e, assim, potencialmente comprometa a ideal segurança da aplicação do direito e o princípio constitucional da igualdade relativa, (cfr. arts. 8.º, n.º 3, do C. Civil, e 13.º, n.º 1, da Constituição). III – Ainda assim, a respeitante resolução recursória, porque também intrinsecamente associada a abstractos critérios de equidade, sempre, no fundo, se haverá outrossim de nortear por idêntica matriz extra-sistémica, inevitavelmente matizada pela cultura e humanidade pessoal dos respectivos Juízes. (…)”. Entendimento que deve ser complementado com a deliberação do colendo Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2019, exarada no processo n.º 669/16.4TBBGC.S1, disponível in www.dgsi.pt, que refere que “(…) II – Além da equidade, igualmente proporcionalidade, igualdade e razoabilidade levam a que o montante da indemnização por danos não patrimoniais possa ser considerado não como uma espécie de simples bónus ou suplemento, mas, pelo contrário, como um “proporcionar um certo desafogo económico ao lesado que de algum modo contrabalance e mitigue as dores, desilusões, desgostos e outros sofrimentos suportados e a suportar por ele, proporcionando-lhe uma melhor qualidade de vida, fazendo eclodir nele um certo optimismo que lhe permita encarar a vida de uma forma mais positiva”, como já declarado por este Supremo Tribunal, em Acórdão de 11 de janeiro de 2011. III – Na atribuição de indemnização por danos não patrimoniais a um trabalhador rural, sinistrado sem qualquer culpa própria, afetado bastante fisicamente e nos seus magros rendimentos, tem de ter-se em conta o sofrimento acrescido pela sua condição e angústia da incerteza quanto ao futuro e à possibilidade de poder fazer-lhe face, pela diminuição das possibilidades de trabalho braçal, que exerce. Procurando propiciar-lhe um mínimo de segurança financeira que lhe permita de algum modo uma aproximação à reposição do statu quo ante. (…)”. O montante arbitrado teve, ainda, em consideração, além da jurisprudência supra exposta, a consignada nos doutos acórdãos do venerando Tribunal da Relação de Lisboa de 07.09.2022 (processo n.º 901/19.2PBOER.L1-3) e de 08.04.2021 (processo n.º 99/16.8SRLSB.L1-9), disponíveis in www.dgsi.pt. A tal quantia acrescem juros de mora à taxa legal de 4% (cfr. Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril), desde a data da presente decisão (cfr. douto acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, de 09/05/2002), até efectivo e integral pagamento.” 5.2. As razões do assistente. Diz o assistente que a quantia arbitrada pelo tribunal é manifestamente insuficiente para ser suficientemente punitiva e reparadora, tanto quanto possível, dos danos causados, pelo que a compensação que lhe foi fixada por danos não patrimoniais é insuficiente, devendo ser aumentada. Para o que alinha o seguinte raciocínio: - os tribunais de recurso podem alterar o valor do dano fixado com recurso a critérios de equidade quando o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida; - na situação dos autos, ficou demonstrado que, perante coisa nenhuma (ao que ficou provado, nem sequer ocorreu, previamente à agressão, uma simples disputa verbal entre o arguido e o ofendido), e com um cabo de madeira que servia de pilar para sustentar uma vedação elétrica, - que o arguido preparou, o Arguido agrediu o Assistente, com um golpe violento, atingindo-o na zona da cabeça e da face; - o emprego de tal objeto, perante um motivo fútil relacionado com limites de terrenos e apropriação de espaço público, e a frieza com que a conduta foi desencadeada, revelam, assim, uma especial perversidade da conduta do Arguido, ou seja, um especial grau de culpa que excede manifestamente o que está pressuposto na moldura penal da ofensa à integridade física grave, pelo que o crime de ofensa à integridade física grave cometido o é de forma qualificada, tal como vem o Arguido condenado; - tendo em consideração a extrema violência e desumanidade da agressão, visto que o Arguido desferiu pelo menos um golpe na zona da cabeça e face do Assistente com um pau de madeira, deixando-o abandonado e ensanguentado, causando lesões gravíssimas com risco de vida, em zona vital do corpo, com dolo direto e sem qualquer provocação imediata, considerando que o ofendido, fruto desse ato, ficou inconsciente, ferido, em risco de morte iminente, tal conduta é reveladora de uma total indiferença absoluta pela vida e integridade da vítima – o que agrava os danos morais; - tendo em consideração a gravidade das sequelas de que o Assistente ficou a padecer, perdendo a sua capacidade plena de trabalho durante seis meses, com impacto duradouro na sua qualidade de vida e autoestima, apresentando dificuldades em adormecer, sentindo-se inquieto e perturbado, o que dificultou o seu descanso, o que se refletiu na sua saúde física e psíquica, evidenciando cansaço, mal estar e nervosismo, ficando a padecer de tonturas e cefaleias, além de ter o pensamento lentificado; - considerando ainda o sofrimento emocional sofrido, fruto das dores sofridas, da hospitalização e tratamentos prolongados, as sequelas não são apenas físicas, mas psicológicas; - os elementos que resultam da matéria de facto provada e que devem ser levados em consideração para efeitos de determinação da indemnização por danos não patrimoniais, são, entre outros: a) o tipo de agressão perpetrada; b) a zona corporal visada e atingida (cabeça e face ofendido); c) as lesões sofridas que além das dores que se traduziram em traumatismo crânio-encefálico e facial; fratura do seio frontal alinhada, etmoide e ossos do nariz; hematomas periorbitrários; equimose periorbitaria bilateral; edema exuberante de toda a pirâmide nasal; crepitação à apalpação de toda a pirâmide nasal; fratura de OPN com instabilidade da pirâmide nasal; laceração da mucosa do septo nasal da FN direita e laceração da mucosa da cabeça o corneto inferior; hemorragia subaracnoideia discreta sílvica mais fronto-basal, lesões estas que determinaram 6 meses para cura, com afetação da capacidade de trabalho em geral e profissional por igual período; d) as sequelas que ainda hoje permanecem na vida do Assistente, nomeadamente a cicatriz rosada na porção óssea do nariz, em “Z”, medindo cada um dos ramos cerca de 2 cm de eixo transversal e traço oblíquo inferomedialmente com 0,5 de comprimento, e síndrome pós-concussional marcado por cefaleias, mal-estar e esquecimento, para além de limitações físicas no exercício profissional e processamento lentificado das tarefas profissionais; e) o grau de culpa subjacente à conduta do arguido (dolo direto); f) as dores, a humilhação e abalo psicológico que o ofendido sofreu em consequência da agressão que o vitimou, e as concretas circunstâncias em que tal conduta foi perpetrada; - analisados os danos, conclui-se que os mesmos são consideráveis, e, como tal, merecedores de tutela jurídico-indemnizatória proporcional, justa e adequada e não meramente simbólica em face da gravidade dos factos dados como provados que foram aptos a causar perigo de morte, ora não fosse a intervenção de terceiros, visto que uma hemorragia continua é apta a provocar um choque hipoglémico que, por sua vez, desencadeia uma paragem cardiorespiratória, a maior parte das vezes, de cariz fatal; - não esquecendo que a indemnização por danos não patrimoniais não visa, propriamente, o ressarcimento do lesado, mas antes oferecer-lhe uma compensação que seja justo contrabalanço para o mal sofrido, devendo, para cobrar efeito dignificante, ser significativa e não meramente simbólica, tendo em consideração a globalidade do quadro que se nos apresenta, designadamente a extensão e natureza dos danos, julgamos adequada, num juízo de equidade, à luz do critério da ponderação das realidades da vida e com o melindre que sempre acarreta a quantificação de tais danos, uma indemnização no montante de 30.000,00 (trinta mil euros), por tal montante se nos afigurar perfeitamente equilibrado e ajustado às particularidades da situação em análise, o que desde já se requer para os devidos efeitos legais. 5.3. Apreciando. O artigo 129.º do CP determina que “a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil”, sendo que o princípio geral que rege nesta matéria é o consignado no artigo 483º, n.º 1 Código Civil, segundo o qual "Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.” Em articulação com este princípio, dispõe o artigo 487.º/1 do CC que "É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa". A causa de pedir nas ações destinadas a exigir a responsabilidade civil é frequentemente classificada como causa de pedir complexa, integrada pelos diversos pressupostos de facto que condicionam a aplicabilidade do tipo de responsabilidade civil invocado pelo lesado. Na linha de uma longa tradição doutrinária, vislumbra-se na norma supracitada a existência dos seguintes pressupostos para a existência de um dever de reparação resultante da responsabilidade civil por atos ilícitos: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante (culpa), o dano e um nexo de causalidade entre o facto e o dano - nesse sentido, cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. 1, 4.ª ed., 1987, pp. 471. O critério para fixação do montante que compense danos dessa natureza encontra-se previsto no n.º 4 do artigo 496.º do CC, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, de acordo com o qual "o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º.” Assim, o montante compensatório deve ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta a extensão e gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, ou, nas palavras de Antunes Varela, "todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida" - Das Obrigações em Geral, 1.º vol., Almedina, 9.ª Ed.ª, pp. 627 e 628. O ressarcimento destes danos baseia-se "(... ) na generosa formulação do artigo 496.º do CC, que confia ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, no que fundamenta/mente releva, não o rigor algébrico de quem faz a adição de custos, despesas, ou de ganhos (como acontece no cálculo da maior parte dos danos de natureza patrimonial), mas, antes, o desiderato de, prudentemente, dar alguma correspondência compensatória ou satisfatória entre uma maior ou menor quantia de dinheiro a arbitrar à vítima e a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ela se viu afectada". Não sendo os danos não patrimoniais materialmente mensuráveis e visando a quantia a atribuir a esse título ao lesado, não propriamente indemnizá-lo mas, antes, compensá-lo com uma quantia em dinheiro, cuja aplicação em bens materiais ou morais possa de algum modo contribuir para minorar o seu sofrimento, a quantificação de dano dessa natureza tem de ser feita pelo recurso aos critérios de equidade, em que se terão em devida conta o grau de culpa do lesante, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias atendíveis como, por exemplo, a gravidade da lesão, a desvalorização da moeda e os padrões normalmente utilizados nos casos análogos. Esta indemnização destina-se, portanto, a minorar o mal consumado e não a restituir o lesado à situação em que se encontraria se não se tivesse verificado a lesão. O que se pretende é encontrar um expediente compensatório pela lesão do direito, de molde a proporcionar ao ofendido alegrias que compensem a dor, tristeza ou sofrimento ocasionado pelo facto danoso; o que se pretende á a atribuição ao lesado de uma soma em dinheiro que lhe permita um acréscimo de bem-estar que sirva de contraponto ao sofrimento moral provocado pela lesão. E, assim, decisivamente, tendo presente, ainda assim, todas as acertadas e pertinentes considerações dogmática feitas na decisão recorrida e, essencialmente, a dupla vertente deste tipo de indemnização, compensatória/sancionatória, bem como o juízo de equidade, a que deve presidir a sua fixação, baixando ao caso concreto, como não pode deixar de ser, atendendo, aos factos provados: - o arguido com um cabo de madeira, que servia de pilar para sustentar a vedação eléctrica, com características de comprimento não concretamente apuradas, com cerca de 4,5 cm de diâmetro, atingiu, num número não concretamente apurado de vezes, mas pelo menos uma vez, o assistente, na zona da cabeça e da face; - provocando, além de dores; - traumatismo crânio-encefálico e facial; - fratura do seio frontal alinhada, etmoide e ossos do nariz; - hematomas periorbitrários; - equimose periorbitaria bilateral; - edema exuberante de toda a pirâmide nasal; - crepitação à apalpação de toda a pirâmide nasal; - fratura de OPN com instabilidade da pirâmide nasal; laceração da mucosa do septo nasal da FN direita e laceração da mucosa da cabeça o corneto inferior; - hemorragia subaracnoideia discreta sílvica mais fronto-basal; - tendo o assistente assim ficado em local isolado, a esvair-se em sangue e a precisar de cuidados médicos; - o assistente teve necessidade de receber tratamento médico, sendo transportado para o Centro Hospitalar ..., E.P.E. e, daí para o Centro Hospitalar 1..., sendo aí sujeito a vários exames de diagnóstico e tratamentos; - as lesões descritas determinaram 6 meses para cura, com afectação da capacidade de trabalho, em geral e profissional, por igual período; - como sequelas resultaram para o assistente, cicatriz rosada na porção óssea do nariz, em “Z”, medindo cada um dos ramos cerca de 2 cm de eixo transversal e traço oblíquo inferomedialmente com 0,5 de comprimento e síndrome pós-concussional marcado por cefaleias, mal-estar e esquecimento, para além de limitações físicas no exercício profissional e processamento lentificado das tarefas profissionais; - o assistente foi observado na especializada de cirurgia maxilo facial, no Hospital ..., apresentando uma ferida nasal suturada, edema e hematoma no nariz, hematomas periorbitários, sem ressaltos palpáveis e sem alterações visuais de novo e sem diplopia, sem afundamento aparente da região malar/arcada zigomática, excursão condilar preservada, boa abertura de boca, sem dor ou desvios, sem mobilidade do andar médio, sem alterações agudas da oclusão, sem mobilidade anormal da mandibula, o que motivou a conclusão clínica de não haver necessidade de mais cuidados urgentes na indicada especialidade; - o assistente apresentava queixas de obstrução nasal, com episódios, por vezes, de vertigem, cicatrizes no dorso nasal, sem deformidade ósseas faciais, sem diploplia ou outras alterações visuais, boa abertura de boca, sem alterações oclusais de novo, o que motivou conselho de acompanhamento pelo médico de família; - o assistente realizou uma consulta de medicina dentária; - o assistente foi observado na especialidade de neurocirurgia no Hospital ..., na qual foi verificado um discreto alargamento dos espaços de liquor na convexidade frontotemporoparietal bilateral, reabsorção parcial/redistribuição da hemorragia subaracnoídea sulcal, acentuação do edema perilesional em relação com focos hemorrágicos cortico-subcorticais temporais postero-inferiores a esquerda, sem significativa modificação do seu efeito de massa local, ausência de hidrocefalia, cisternas da base patentes, com os restantes achados imagiológicos intracranianos sensivelmente similares; - o assistente foi observado na especialidade de neurocirurgia no Hospital ..., na qual foram reportadas, por aquele, queixas de episódios de cefaleia ligeira e de tonturas na transição da posição de sentado para o ortostatismo e foi perceptível um discreto alargamento dos espaços de liquor na convexidade frontotemporoparietal bilateral; - em consulta médica foi verificada uma reabsorção do conteúdo hemático subaracnoideu, reabsorção das colecções epicranianas previamente descritas, sem alterações densitométricas de relevo no parênquima encefálico supra e infratentorial nomeadamente áreas de edema ou áreas de hipodensidade sequelar na região temporal postero-inferior, moderado alargamento difuso das vias circulação de liquor em relação com perda de volume encefálico, sem predomínio lobar, ausência de hidrocefalia e cisternas das bases patentes, não havendo necessidade de intervenção cirúrgica por neurocirurgia; - o assistente foi observado na especialidade de neurocirurgia no Hospital ..., reportando queixas de cefaleias exuberantes; - o assistente foi observado na especialidade de neurocirurgia no Hospital ..., reportando manutenção de queixas de cefaleias, com episódios de duração de cerca de uma hora, repetidos várias vezes ao dia, aliadas a tonturas, mau estar e mau dormir; - o assistente andou, por 10 a 15 dias, com uma chapa metálica no nariz e duas canas em cada orifício nasal, bem como ficou a padecer de tonturas e cefaleias, além de ter o pensamento lentificado; - o assistente esteve de baixa médica desde 18.09.2022 até 18.03.2023; - o assistente teve dificuldades em adormecer, sentindo-se inquieto e perturbado, o que dificultou o seu descanso, o que se reflectiu na sua saúde física e psíquica, evidenciando cansaço, mal estar e nervosismo. - o arguido reside com a sua esposa em casa própria, despendendo mensalmente com despesas de água e luz cerca de 150,00 euros; - o arguido estudou até ao 4.º ano de escolaridade. - o arguido está reformado por invalidez auferindo mensalmente, a título de reforma, a quantia de 465,00€; - o arguido é proprietário de quatro terrenos rústicos, com um valor comercial actual, cada um, de 1.000,00€.; - o arguido é proprietário de uma viatura ligeira de passageiros da marca “Mercedes”, modelo ..., do ano de 1980; - o arguido vendeu, nas últimas três semanas, a máquina retroescavadora que detinha amealhando 4.000,00€; - o arguido tem problemas no olho direito, diabetes, condições médicas que comportam um gasto mensal em medicação de 60,00€ a 70,00€, após dedução da comparticipação; Atendendo à extensão do dos danos causados, objectivamente de gravidade não desdenhável, a merecer a tutela do Direito, a culpa do arguido, as condições económicas deste e do assistente, tendo presente que a indemnização se destina, efectivamente a compensar os danos sofridos, oferecendo uma compensação digna e adequada (sendo de afastar, definitivamente, critérios miserabilistas) cremos que melhor se ajustará, à justiça do caso concreto, a fixação do valor da indemnização a título de danos de natureza não patrimonial, no valor de € 20.000,00. Procede, assim, este segmento do recurso e, em virtude desta procedência, improcede a pretensão do arguido de redução do montante indemnizatório-. 6. Reembolso ao “Instituto de Segurança Social, I.P.”, custas cíveis e criminais – recurso do arguido. E, assim, improcedendo o recurso do arguido no segmento da sua pretendida absolvição, está votado ao insucesso o que o arguido entende que daí decorreria em termos de (não) reembolso das quantias pagas pelo ISS.IP e, em termos de custas criminais e cíveis. * III. DispositivoNos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem este Tribunal: - não conhecer do recurso do assistente no segmento da medida da pena; - não conhecer do recurso do arguido no segmento da impugnação da matéria de facto; - julgar, parcialmente procedente o recurso do arguido, no tocante à questão da subsunção jurídica, ainda que com fundamentos diversos, revogando-se a decisão recorrida, absolvendo-o da prática de um crime de ofensas à integridade física qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, por referência à alínea e) do n.º 2 do artigo 132.º, do Código Penal e aplicar-lhe, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º/1 CP a pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano e 6 (seis) meses, mediante regime de prova, cujo plano deverá ser elaborado pela DGRSP, no qual deverá o arguido frequentar programa que lhe permita adquirir competências pessoais de resolução consensual de litígios, com controlo emocional, a ministrar em sessões individuais por técnico da DGRSP, durante 12 meses; - não impor ao arguido o pagamento ao assistente, durante o pedido de suspensão de execução da pena, do montante de 3.000,00€, montante a deduzir no pedido de indemnização civil fixado - absolver o arguido da prática do crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo artigo 220.º/1 e 2 CP; - julgar procedente o recurso do assistente/demandante (e inversamente não provido o recurso do arguido neste segmento) e revogar a decisão recorrida no atinente ao pedido cível, fixando a indemnização a pagar pelo arguido ao assistente no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros), quantia a que acrescem os juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data deste acórdão, até efectivo e integral pagamento. No mais, decide-se manter a decisão recorrida. * Sem custas na parte criminal quanto ao arguido - cf. artigo 513.º/1 do CPP a contrario – e pelo assistente, atendendo ao não conhecimento do recurso no que toca à medida da pena, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs – artigo 515.º/1, b) do CPP.* Custas da parte cível da proporção dos respectivos decaimentos. * Notifique.* Porto, 19-11-2025Elaborado e integralmente revisto pela relatora, nos termos do artigo 94.º/2 do CPP. Assinado digitalmente pela Relatora e pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos. Maria João Ferreira LopesJoão Pedro Pereira Cardoso William Themudo Gilman |