Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
415/23.6GDSTS.P3
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOANA GRÁCIO
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO COM ÁLCOOL
TEOR DE ÁLCOOL NO SANGUE
ERRO MÁXIMO ADMISSÍVEL
ERRO DE JULGAMENTO
MEDIDA DA PENA
Nº do Documento: RP20250326415/23.6GDSTS.P3
Data do Acordão: 03/26/2025
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A conversão dos valores do teor de álcool no ar expirado (TAE) em teor de álcool no sangue (TAS) é baseada no princípio de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue (art. 81.º, n.º 4, do CEstrada).
II- A Portaria 1556/2007, de 10-12, previa para uma TAE entre 0,400 (ou seja, 0,92 g/l) e ≤ 2,000 (ou seja, 4,6 g/l) um EMA (erro máximo admissível) de 5% no caso de alcoolímetros sujeitos a operações de aprovação de modelo ou de primeira verificação e de 8% no caso alcoolímetros sujeitos a operações de verificação periódica ou verificação extraordinária.
III - Num caso em que o certificado de verificação do aparelho em causa atesta que o alcoolímetro utilizado foi sujeito a operação de primeira verificação a 19-09-2023 (cerca de dois meses antes dos factos dos autos) o EMA aplicado para um resultado registado de TAS de 1,58 g/l é de 5% (posto que a TAS é inferior a 4,6 g/l).
IV - Posteriormente entrou em vigor a Portaria 366/2023, de 15-11, cujo art. 11.º, respeitante a disposição transitória, determina que os alcoolímetros em uso poderão permanecer em utilização enquanto estiverem em bom estado de conservação e nos ensaios de verificação metrológica incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis.
V – As novas regras introduzidas pela Portaria 366/2023, de 15-11, deixaram de prever o EMA aplicável, como o fazia a Portaria 1556/2007, de 10-12, remetendo agora para a Recomendação OIML R 126, determinando a actual (de 2012) no seu ponto 2.5.1., que o EMA de alcoolímetro com certificação de operação de primeira verificação é de 5% para uma TAE até 2 mg/l, ou seja, uma TAS de 4,6 g/l.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 415/23.6GDSTS.P3

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Criminal de Santo Tirso – Juiz 2

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

No âmbito do Processo Sumário n.º 415/23.6GDSTS, a correr termos no Juízo Local Criminal de Santo Tirso, Juiz 2, por sentença de 30-10-2024, foi decidido, entre o mais:

«- Condenar o arguido AA pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de prisão de dez meses, cuja execução se suspende por dois anos, sujeita aos seguintes deveres:

a. Fica o Arguido sujeito ao regime de prova com a execução de um plano de reinserção social, que deverá contemplar a continuação da sujeição do Arguido a tratamento de desintoxicação do álcool, que já deu o seu consentimento,

b. e a obrigação de o mesmo frequentar um programa de prevenção “STOP – Responsabilidade e Segurança”, implementado pelo IRS, e que inclui a frequência do curso “Condução de Veículo em Estado de Embriaguez – Estratégias de Prevenção da Reincidência”, ministrado pelos Serviços de Reinserção Social.

- Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria por um período de três anos, nos termos do disposto no artigo 69º, nº 1, al. a), do Código Penal.

- Condenar ainda o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se em 1 UC, atenta a confissão integral e sem reservas por parte do Arguido.»


*

Inconformado, o arguido AA interpôs recurso desta decisão, solicitando que a sentença recorrida seja revogada e «substituída por acórdão em que se absolva o arguido do crime de condução em estado de embriaguez pelo qual foi condenado, nos termos do disposto no artº 431º al. a) do Código de Processo Penal», apresentando em apoio da sua argumentação as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«1.ª Vem o presente recurso interposto da sentença proferida no âmbito dos presentes autos de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º1 e 69.º, n.º1, al. a) do C.P., na pena de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos e sujeita a regime de prova, com a execução de um plano de reinserção social, que deverá contemplar a continuação da sujeição do Arguido a tratamento de desintoxicação do álcool, que já deu o seu consentimento e a obrigação de o mesmo frequentar um programa de prevenção “STOP – Responsabilidade e Segurança”, implementado pelo IRS, e que inclui a frequência do curso “Condução de Veículo em Estado de Embriaguez – Estratégias de Prevenção da Reincidência”, ministrado pelos Serviços de Reinserção Social e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor na via pública pelo período de 3 (três) anos.
2.ª O Recorrente foi condenado numa pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor na via pública pelo período de três anos, pelo que no respeito do artigo 80.º do CPP, e quanto à natureza das penas acessórias, afigura-se evidente que estas assumem a natureza de verdadeiras penas.
3.ª O arguido, na sequência da fiscalização da condução sob o efeito do álcool ficou impedido de conduzir pelo período de 12 horas, nos termos do disposto no art. 154.º, n.º 1do Código da Estrada, pelo que se, em concreto, na sentença se aplica três anos de proibição de conduzir, este não cumpre os três anos pelos quais foi condenado, mas sim três anos e um dia (12 horas), por força da aplicação do impedimento previsto no Código da Estrada.
4.ª Deve considerar-se a aplicação analógica do art. 80.º, n.os 1 e 2 do Código Penal e ser descontado pelo menos um dia na pena acessória de proibição de conduzir aplicada.
5.ª A sentença não procedendo ao referido desconto não se pronunciou sobre questões de que deveria conhecer e, como tal, deve considerar-se nula nos termos do disposto no artigo 379º, nº1. Alínea c) do Código de Processo Penal.
6.ª Foi dado como assente que o arguido conduzia com uma TAS de 1.501 g/l.
7.ª O Tribunal da Relação de Guimarães por acórdão de 26 de Fevereiro de 2007, relatado por Anselmo Lopes, publicado in www.dgsi.pt, afastando a pioneira tese de que o teste de álcool - DRAGER - fosse tido como prova pericial, colocou em causa o acerto dos alcoolímetros usados pelos agentes da autoridade, mais relatando: ”VI – Os EMA no caso dos alcoolímetros quantitativos – os que agora nos preocupam, e tendo em conta a legislação citada,são os seguintes: TAS<0,92 g/l - EMA +/- 0,07 g/l; TAS =/> 0,92 < 2,30 g/l – EMA +/- 7,5%; TAS =/> 2,30 < 4,60 g/l – EMA +/- 15%; TAS =/> 4,60 < 6,90 g/l – EMA +/- 30% (…)”.
8.ª A Portaria n.º 1556/2007de10deDezembronoseu artigo 8ºemconjugação com a tabela anexa a essa Portaria impõe que se tenha em conta um erro máximo admissível de 8%.
9.ª Tendo em conta que na valoração da prova se deve aplicar também o princípio in dubio pro reo, teria de se concluir que o recorrente conduzia com uma TAS de 1,45g/l, porquanto 8% de 1,58 g/l é 0,13.
10.ª Resultado artigo 140.º n.º do CPP e do art.º 128 do CPP que a prova testemunhal e por confissão só pode incidir e relevar sobre factos que sendo do conhecimento direto dos depoentes, sejam juridicamente relevantes para aferir da existência dos elementos do crime, da punibilidade do agente e do seu grau de culpabilidade.
11.ª Conhecimento direto de um facto só se verifica em relação a factos que foram apreendidos através de perceção sensorial, isto é, através da visão ou audição.
12.ª O tipo de crime pelo qual o arguido foi condenado condução de veículo em estado de embriaguez, prevê no tipo legal, art. 292º do Código Penal, a condução em via pública ou equiparada de veículo, com ou sem motor, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior 1,2 g/l., sendo que tal elemento implica e efetivação de uma medição metrológica por recurso a instrumentos tecnológicos ou através de análise ao sangue, e tal medição entra em linha de conta com variáveis como sejam a massa corporal do indivíduo e a circunstância de ter ou não ingerido outras substâncias designadamente alimentos sólidos.
13.ª O critério orientador na escolha da pena advém do artigo 70º do Código Penal, porém a sentença é omissa quanto à ponderação da aplicação de uma pena não privativa da liberdade.
14.ª Atendendo às declarações prestadas pelo arguido e gravadas, no dia 06/12/2023, com início às 10:43, em particular nos minutos 03:20 a 08:50 daquela gravação, resulta que o arguido é trabalhador “por conta própria”, ou seja é um empresário em nome individual, exercendo a atividade de marmorista.
15.ª A inibição de conduzir pelo período fixado na decisão recorrida – três anos – coloca o recorrente em sério risco de perder o trabalho.
16.ª Devido à profissão que o Recorrente tem, a inibição de conduzir terá consequências bastante mais pesadas do que a maioria das pessoas a quem é aplicada esta sanção acessória.
17.ª O Recorrente percorreu poucos metros, como decorre da gravação identificada.
18.ª O Recorrente encontra-se bem inserido familiar, social e profissionalmente.
19.ª Se da aplicação da pena acessória resultem consequências gravosas, a pena viola grosseiramente a garantia constitucional e o princípio da proporcionalidade, plasmado no artigo 18.º da CRP, inconstitucionalidade que expressamente se invoca.
20.ª O Mmo Juiz valorou os factos dados como provados que se reportam a antecedentes criminais do Recorrente, concluindo que as exigências de prevenção geral e especial se mostram elevadas, condenando o arguido para além da pena principal, na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de três anos,
21.ª Consultado o Certificado de Registo Criminal do arguido, resulta que o último processo crime de natureza idêntica no qual o arguido foi condenado extinguiu-se em 03/02/2019 e reporta-se a factos praticados em 23/11/2015, atento o Boletim relativo ao Processo n.º 488/15.5GDSTS, que correu termos no Juiz 2 do Juízo Local Criminal de Santo Tirso, do Tribunal Judicial do Porto, tendo a sentença transitado em julgado em 23/06/2017.
22.ª As demais condenações extinguiram-se em data anterior a 03/02/2019, ou seja, há mais de 5 (cinco) anos.
23.ª A Lei n.º 37/2015 de 5 de maio, no artigo 11.º n.º 1 al. b) do CPP determina o cancelamento das decisões que tenham aplicado pena de prisão principal a pessoa singular inferior a 5 anos, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de igual natureza.
24.ª A última das condenações do arguido extinguiu-se por cumprimento em 03/02/2019, sem que haja notícia da prática pelo recorrente de qualquer crime de igual natureza, no referido período, sendo que todas as condenações anteriores delas não devia constar o averbamento do respetivo Certificado de Registo Criminal.
25.ª O tribunal a quo não poderia ter valorado e sopesado contra o recorrente os referidos antecedentes criminais, uma vez que os mesmos já não deviam, por imposição legal, constar do respetivo certificado de registo criminal.
26.ª O Tribunal a quo ao ter tomado conhecimento do averbamento do registo criminal, quando o mesmo já não devia existir, incorre em excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 379º no 1 al. c), o que consubstancia a nulidade da sentença, nulidade essa que pode ser sanada por este tribunal superior suprimindo-se tais condenações dos factos dados como provados na sentença recorrida.
27.ª Tomando em consideração os referidos antecedentes criminais quando os mesmos já deviam ser tidos como inexistentes, o Tribunal fez uma incorreta apreciação das circunstâncias que deviam ser atendidas na determinação da medida concreta da pena, aplicando incorretamente o disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal;
28.ª Isto porque, conforme resulta da douta decisão ora recorrida, o Tribunal considerou as exigências de prevenção especial como elevadas, tendo em conta designadamente, a existência de antecedentes criminais do arguido;
29.ª Sucede que nos termos do disposto no artigo 75.º n.º 2, do Código Penal, “o crime anterior por que o agente tenha sido condenado não revela para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativa de liberdade.”.
30.ª Assim, no presente caso, o Mmo Juiz devia ter considerado o arguido como primário o que aliado à confissão parcial dos factos, bem como à prova de que o mesmo se encontra bem integrado social e profissionalmente e não sendo despiciente a circunstância da taxa de alcoolemia ser próxima do limite mínimo, reduzindo o grau de ilicitude, deviam ter sido bastante para concluir que as exigências de prevenção geral são as normais e as exigências de prevenção especiais são diminutas,
31.ª A duração da sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados aplicada ao arguido deve ser diminuída substancialmente, para próxima do mínimo legal.
32.ª Neste sentido, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27-04-2021, processo n.º 85/20.3GTEVR.E1:”Os factos criminosos, em análise no presente recurso, ocorreram em 20-8-2020 e tendo as penas de multa referentes a processos anteriores consideradas extintas, respectivamente, em 15-6-2012 e 1-8-2014, conforme consta do respectivo CRC, verificam-se os pressupostos da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.o da citada Lei da Identificação Criminal, pelo que tais decisões já cessaram a sua vigência no registo criminal. As mesmas devem manter-se em ficheiro informático próprio, distinto do CRC, durante um período de três anos, mas apenas para os efeitos previstos no mencionado n.º 6, do art.º 11.o (reposição de registo indevidamente cancelado ou retirado), e findo aquele prazo máximo são canceladas de forma irrevogável. É, pois, óbvio, que os aludidos antecedentes criminais, consignados, ainda (apesar do decurso do prazo de cinco anos), no CRC, não poderem ser consideradas. Um certificado do registo criminal que certifique decisões que, nos termos legais, dele já não deveriam constar, implica uma verdadeira proibição de valoração de prova, estando vedado ao Tribunal ter em conta tais decisões.”
33.ª A aplicação pelo Tribunal a quo numa pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de três anos é excessiva pois ultrapassa a medida da sua culpa e as reduzidas exigências de prevenção especial que ao caso se fazem sentir.
34.ª Atenta ainda a ausência de fundamentação da escolha da medida da pena, o Tribunal a quo violou o princípio da fundamentação das sentenças judiciais, pelo que a sentença recorrida é nula por violação do disposto no artº 374º nº2, 375º nº1 e 379º nº1 al. a) do Código de Processo Penal, sendo certo que a interpretação que se extraia do disposto no artº 70º do Código Penal e dos artº 374º nº2 e 375º nº1 do Código de Processo Penal no sentido de que o Tribunal pode não ponderar todas as hipóteses de, perante a factualidade provada e a matéria de direito, aplicar pena de prisão, é violadora dos princípios do Estado de Direito, do recurso e da fundamentação das decisões judiciais, nos termos do disposto nos artº 2º, 32º nº1 e 205º nº1 da Constituição.
35.ª Funda-se o presente recurso quanto à matéria de facto nos artºs 379º nº1 e410º nº2 do Código de Processo Penal.
36.ª A sentença recorrida violou ou fez errada aplicação dos artºs 70º, 71º nº 1, 348º nº1 al. a), 292º e 69º n.º 1 al. c), 14º, 15º, 40º e 80º do Código Penal, dos artºs 125.º, 127.º, 163.º, 171.º, 283º 3c), 374º nº2, 358º, 359º, 389-A, 379º, 124º, 339º n.º 4, 386º, 389ºdo Código de Processo Penal, dos artºs 13º nº1, 18º nº2 e 3, 30º, 32º nº 1, 2, 5 e 6, 204º e 205º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 4.º, 5.º e 7.º da Portaria n.º1556/2007, de 10 de dezembro, não podendo pois manter-se.»

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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pelo seu não provimento e pela manutenção da decisão recorrida.

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Neste Tribunal da Relação do Porto, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, secundando e desenvolvendo a resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público junto do Tribunal recorrido, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e da manutenção da sentença recorrida.

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Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, não foi apresentada resposta.

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Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso.

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II. Apreciando e decidindo:

Questões a decidir no recurso

É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].

As questões que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes:

- Nulidade da sentença por omissão e excesso de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPPenal e 80.º do CPenal;

- Erro de julgamento em sede de matéria de facto relativamente ao valor da taxa de álcool no sangue detectada;

- Escolha e medida da pena principal e acessória.


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Para análise das questões que importa apreciar releva desde logo a factualidade subjacente, sendo do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados constantes da sentença recorrida (transcrição):

«Fundamentação

De facto

1. Factos provados

Discutida a causa provaram-se os seguintes factos com relevo para a decisão:

No dia 23-11-2023, pelas 01h00, o arguido conduzia o veículo automóvel, com a matrícula ..-..-GD, na Rua ..., ....

Na circunstância, o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1.501g/l, após deduzido erro máximo admissível à taxa registada de 1.58 g/l.

Quis o arguido conduzir na via pública veículo automóvel após ter, voluntariamente, ingerido bebidas alcoólicas que, pela sua quantidade, determinaram a T.A.S. supra mencionada.

O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Das condições pessoais do arguido:

- o arguido estudou até ao 6 ano de escolaridade, é marmorista por conta própria. Está separado da mulher. Tem dois filhos que vivem alternadamente com o arguido e com a mulher, não contribui com alimentos aos filhos.

Tem dois veículos automóveis e casa que se encontra com hipoteca bancária.

Encontra-se actualmente a fazer tratamento ao álcool no CRI ... e mostrou-se disposto a fazer tratamento ainda que em regime de internamento como eventual regra de conduta.

Dos antecedentes criminais: o arguido tem averbado antecedentes criminais no seu registo criminal:

- Proc. 229/11.6PASTS: condenação, em 23.5.2011, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez;

- Proc. 322/11.5GTBRG: condenação, por decisão transitada em julgado, em 6.10.2011, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 8 meses de prisão substituída por multa;

- Proc. 439/12.9GDGDM: condenação, por decisão transitada em julgado, em 4.2.2013, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de cinco meses de prisão suspensa por um ano;

- Proc. 25/15.1GDGDM: condenação, por decisão transitada em julgado, em 4.4.2016, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de sete meses de prisão suspensa por um ano, com regime de prova;

- Proc. 154/15.1GDSTS: condenação, por decisão transitada em julgado, em 4.4.2016, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de oito meses de prisão suspensa por um ano;

- Proc. 488/15.5GDSTS: condenação, por decisão transitada em julgado, em 23.3.2107, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de um ano e seis meses de prisão suspensa por igual período.

2. Factos não provados

Nenhuns.»


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Nulidade da sentença por omissão e excesso de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPPenal e 80.º do CPenal

Invoca o recorrente que a decisão recorrida não procedeu, nos termos do art. 80.º do CPenal, ao desconto na pena acessória aplicada do período de 12 horas por que ficou impedido de conduzir, nos termos do art. 154.º, n.º 1, do CPPenal, e nada disse sobre tal matéria, o que acaba por resultar numa condenação em pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 (três) anos e 1 (um) dia (12 horas).

Como tal, afirma, a sentença recorrida incorreu em omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPPenal.

Vejamos.

De acordo com o art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPPenal é nula a sentença que deixar de se pronunciar sobre questões que o tribunal devesse apreciar.

Constitui jurisprudência pacífica o entendimento de que «[a] falta de pronúncia que determina a nulidade da sentença incide sobre as questões, entendendo-se por questão o dissídio ou o problema concreto a decidir, e não sobre factos concretos com relevo para a decisão da causa que constituíam o objeto do processo ou lhe cabia apurar»[2].

A questão que o recorrente alega não ter sido apreciada na sentença recorrida é a do desconto na pena acessória de proibição de conduzir do período de 12 horas por que ficou impedido de conduzir, nos termos do art. 154.º, n.º 1, do CPPenal.

O objecto do recurso neste segmento, é, pois, saber se a sentença devia ter apreciado essa questão formal, e não a questão de mérito de saber se deve operar o desconto invocado.

Ora, como decorre do próprio art. 80.º do CPenal, o instituto do desconto remete-nos para o cumprimento da pena, momento em que o desconto deve operar.

A elaboração e prolação da sentença não é, por isso, o momento para abordar a questão do desconto – salvo se o desconto a aplicar for superior à pena em causa.

O momento adequado para o efeito é o da liquidação da pena.

Neste sentido, vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 05-06-2017, relatado por Fernando Pina no âmbito do Proc. n.º 311/15.0T9BCL-C.G1, e de 09-03-2020, relatado por Teresa Coimbra no âmbito do Proc. n.º 2590/19.5T8VCT.G1, ambos acessíveis in www.dgsi.pt

Como tal, não tinha o Tribunal a quo que se debruçar sobre a questão exposta, razão pela qual não ocorreu omissão de pronúncia.

Tendo presente as nulidades previstas do referido art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPPenal, invoca também o recorrente que a decisão recorrida é nula por excesso de pronúncia, já que na escolha e medida concreta da pena foram ponderados os antecedentes criminais constantes do CRC do recorrente quando é certo que já ali não deviam constar.

A questão agora colocada pelo recorrente nada tem a ver com excesso de pronúncia, antes com eventual erro de julgamento, concretamente na fixação da matéria de facto e posteriormente na análise e ponderação dos factores relevantes para fixação da pena.

Na elaboração de uma sentença em que se decida pela condenação do arguido, o Tribunal de julgamento está obrigado a aplicar uma pena e a sustentá-la (arts. 374.º e 375.º do CPPenal), não ocorrendo nessa situação excesso de pronúncia, ainda que erre, como sustenta o recorrente, nos fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.

Assim, improcede, igualmente, a invocação de nulidade da sentença por excesso de pronúncia, sem prejuízo, de mais adiante, voltarmos a analisar esta temática.


*

O recorrente prossegue o seu recurso suscitando, embora de forma pouco rigorosa atento o formalismo imposto no art. 412.º do CPPenal, o erro de julgamento em sede de matéria de facto relativamente ao valor da taxa de álcool no sangue detectada, considerando que devia ter sido dada como provada uma TAS de 1,45 g/l (ao invés de 1,501g/l), correspondente à margem de erro de 8% sobre a TAS registada de 1,58g/l, nos termos previstos na Portaria n.º 1556/2007, de 10-12.

Esta questão, que pode num primeiro relance parecer do foro da qualificação jurídica, enquadra-se efectivamente no erro de julgamento em sede de matéria de facto, por respeitar à aplicação do princípio in dubio pro reo que a matéria da margem de erro máximo admissível dos alcoolímetros pode suscitar.

Explicando melhor, apesar do registo da TAS que os alcoolímetros assinalam – no caso foi de 1,58 g/l, conforme talão de fls. 7 dos autos – deve ser sempre aplicado o desconto da margem de erro máximo admissível (EMA), sob pena de podermos estar a contabilizar uma TAS que, pela margem de erro que os alcoolímetros admitem, pode não corresponder (para mais) à que efectivamente se verificou.

Atalhando caminho quanto ao funcionamento da dedução da margem de erro máximo admissível, segue-se um excerto da análise da questão realizada no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-10-2017, relatado por Orlando Gonçalves no âmbito do Proc. n.º 188/17.1PAMGR.C1[3] (com omissão das notas-de-rodapé por facilidade de reprodução), e com a qual concordamos, aqui a acolhendo na íntegra:

«A Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto, referenciada pelo ora recorrente, aprovou um Regulamento do Controle Metrológico dos Alcoolímetros, tendo em vista fiscalizar a fiabilidade da informação fornecida por estes aparelhos.

Essa fiscalização passava, para além da seleção do tipo de aparelhos, pela aprovação do concreto aparelho a ser usado, por uma primeira verificação, pela verificação periódica (anual) ou pela verificação extraordinária requerida, prevendo-se «erros máximos admissíveis» (EMA) por referência à norma NF X 20-701 – norma metrológica francesa que então se adotava.

Em 2006 a Direção-Geral de Viação emitiu uma circular, que transmitiu às forças autoridades policiais, solicitando a estas que na fiscalização da condução sob a influência do álcool seja tido em conta os EMA estabelecidos em Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal e na Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto, que remetia para a norma NFX20-701, pelo que no auto de contraordenação deveriam fazer constar que o condutor conduzia um uma TAS de, pelo menos, um concreto valor em g/l, correspondente à TAS registada, deduzido o EMA.

Entretanto a Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto, é revogada pela Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, que aprovou uma nova regulamentação mais atualizada do Controle Metrológico dos Alcoolímetros, passando a ter por referência a Recomendação da Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML R 126).

Esta Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, ainda vigente, continuou a definir um quadro, agora no art.8.º, quanto aos EMA de «… variáveis em função do teor de álcool no ar expirado – TAE …».

Perante o texto das Portarias n.ºs 748/94, de 13 de Agosto e 1556/2007, de 10 de Dezembro, e dos valores que passaram a constar dos autos de contraordenação por força do cumprimento pelas autoridades de fiscalização do trânsito da circular da DGV, passou a questionar-se nos Tribunais se a taxa de álcool no sangue, a levar em consideração, designadamente, para efeitos do disposto no art. 292º nº 1 do C. Penal, era a correspondente ao valor indicado pelo alcoolímetro ou, antes, a correspondente a tal valor deduzido o valor de erro máximo admissível a que aludia o nº 6 do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 748/94, de 13-08 e, posteriormente, ao que se alude no art.8º da Portaria nº 1556/2007, de 10 de dezembro.

A jurisprudência dividiu-se, nomeadamente nos Tribunais Superiores, havendo quem defendesse que os erros máximos admissíveis apenas são considerados no momento técnico da aferição do alcoolímetro, não devendo esses mesmos valores ser dedutíveis nas taxas de alcoolemia no sangue reveladas pelos talões desses mesmos aparelhos de medição, por meio de teste de ar expirado, e quem defendesse que esses erros máximos admissíveis devem ser levados em consideração no momento da fiscalização do condutor.

Entretanto, com as alterações ao Código da Estrada, aprovadas pela Lei nº 72/2013, de 3 de Setembro, o art.170.º, n.º 1, alínea b), passou a estabelecer que do auto de notícia levantado ou mandado levantar por qualquer autoridade ou agente de autoridade deve constar «o valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição…».

Com a entrada em vigor destas alterações do Código da Estrada, no dia 1 de janeiro de 2014, a jurisprudência passou a considerar que, pese embora a norma de atribuição de valor probatório aos exames realizados respeite apenas às contraordenações rodoviárias, não pode deixar de se aplicar em matéria penal, desde logo em face da unidade do sistema jurídico.

«Seria incompreensível que para o preenchimento de um ilícito contraordenacional se procedesse á dedução do erro máximo admissível ao valor registado pelo alcoolímetro e que, quando o valor registado fosse igual ou superior a 1,2 g/l, já não se procedesse a essa dedução.»

Deste modo, o Tribunal da Relação entende que, atualmente, para efeitos do preenchimento do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. o art. 292.º do Código Penal, a taxa de álcool no sangue (TAS) a considerar é a que resulta da dedução do erro máximo admissível (EMA) ao valor registado pelo alcoolímetro.

Efetuada uma medição por um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais e obtido, assim, um resultado, impõe-se deduzir a este valor o erro máximo admissível, determinado nos termos do quadro a que alude o art. 8.º, da Portaria nº 1556/2007, de 10 de dezembro.

O quadro anexo prevê um TAE até 0,4, de 0,4 a 2, e de mais de 2 miligramas por litro de ar expirado. Para cada um destes teores é prevista uma margem de erro admissível, a qual, é tanto maior, quanto maior for a quantidade de álcool por litro de ar expirado. O EMA é menor aquando da aprovação de modelo/primeira verificação e maior aquando da verificação periódica/verificação extraordinária.

Importa notar que os erros máximos admissíveis (EMA) são referidos no quadro em anexo em termos de TAE, de mg/l, e o registo da medição da alcoolemia que consta de talão emitido pelo alcoolímetro, é referido em taxa de álcool no sangue (TAS), expressa em g/l.

Assim, antes de se proceder à dedução ao registo da medição da alcoolemia que consta de talão emitido pelo alcoolímetro, a primeira operação é converter o TAE em TAS.

Resulta do art. 4.º da Lei n.º 65/98, de 02 de Setembro, que alterou o Código Penal, que «Para efeito do disposto no artigo 292.º do Código Penal, a conversão dos valores do teor de álcool no ar expirado (TAE) em teor de álcool no sangue (TAS) baseia-se no princípio de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado equivale a 2,3 g de álcool por litro de sangue.»

Feita a conversão do TAE em TAS e aplicado seguidamente o correspondente EMA que se retira do quadro, entendemos que o resultado não pode ser livremente alterado pelo Tribunal, subindo ou descendo esse valor, com base no art.127.º do C.P.P..

Tal como defendem, na doutrina, Francisco Marques Vieira e Pedro Soares Albergaria e Pedro Mendes Lima e, na jurisprudência, entre outros os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29-04-2015 (proc. n.º 58/14.5GBSRT.C1) e de Lisboa, de 11-11-2014 (processo nº 102/14.6GCSNT.L1), entendemos que observado que seja todo o procedimento legal para a obtenção de uma medição juridicamente válida da TAS, o resultado deste exame, expresso no talão do alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, deve ser considerado prova vinculada ou tarifada.

Esse é também o sentido que se retira do art. 170º, n.º 4, do Código da Estrada, ao estabelecer que os elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares fazem fé, até prova em contrário.

Retomando o caso concreto.

Em primeiro lugar anotamos que os factos em causa, objeto de recurso, tiveram lugar em 11 de março de 2017.

Nessa data, como vimos, há muito que a Portaria 748/94, de13-08, se encontrava revogada.

Assim, a invocação, na motivação do recurso, do EMA de 7,5%, que resultaria do diploma, por referência à norma NF X 20-701 – norma metrológica francesa que então se adotava – é irrelevante, direta ou indiretamente, para a decisão da questão em apreciação. Ou seja, fica prejudicado decidir se, deduzido o EMA de 7,5%, que resultaria da Portaria 748/94, de13-08, e da norma NF X 20-701, se poderia dar como provado que o ora recorrente conduzia com uma TAS de 1,90 g/l.

O diploma aplicável ao presente caso é a Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro.

Em segundo lugar, anotamos que tendo o arguido sido sujeito a teste de alcoolemia com o aparelho Dräger, modelo Alcotest 7110 MKIII, o mesmo acusou, em talão emitido pelo alcoolímetro, uma TAS de 2,20 g/l.

A TAS de 2,20 registada pelo alcoolímetro equivale a uma TAE de 0,9565 (2,20:2,3).

Perante o quadro anexo aludido no art. 8.º da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, aquele valor mostra-se compreendido entre igual a 0,400 e igual ou inferior a 2,000 mg/l.

Uma vez que o alcoolímetro utilizado na medição quantitativa da TAS do arguido A... foi submetido a uma verificação periódica em 14.06.2016, conforme resulta do “certificado de verificação”, o EMA é, no caso, de 8%.

Ora, 8% do valor registado pelo alcoolímetro corresponde a 0,176 (2,20 x 0,08 = 0,176.). Subtraindo ao valor registado pelo alcoolímetro (2,20 g/l) os 8% do EMA (0,176), obtém-se, precisamente, uma TAS de 2,024 g/l.,

Sendo esta é a taxa dada como provada, na factualidade da douta sentença recorrida, é manifesto que o Tribunal a quo procedeu à dedução do erro máximo admissível e nos termos prescritos na Portaria nº 1556/2007, de 10 de dezembro.

Nem o ora recorrente A... invocou qualquer deficiência no funcionamento do alcoolímetro utilizado na fiscalização a que foi submetido, nem o mesmo resulta do texto da decisão recorrida, designadamente da fundamentação da matéria de facto.

Por outro lado, mostra-se corretamente calculado o resultado apurado, resultante da dedução do EMA ao valor medido pelo alcoolímetro, e levado aos factos provados.

Tratando-se, como se deixou dito, de prova tarifada ou vinculada, e mostrando-se a mesma respeitada pelo Tribunal a quo, bem andou o mesmo Tribunal ao não fixar a TAS com que o arguido conduzia “em, pelo menos, 1,90 g/l”.»

Transpondo estas noções para o caso concreto, verificamos que nenhuma alteração há que introduzir à matéria de facto provada, concretamente ao valor da TAS apurada.

A conversão dos valores do teor de álcool no ar expirado (TAE) em teor de álcool no sangue (TAS) é baseada no princípio de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue (art. 81.º, n.º 4, do CEstrada).

A Portaria 1556/2007, de 10-12, previa para uma TAE entre 0,400 (ou seja, 0,92 g/l) e ≤ 2,000 (ou seja, 4,6 g/l) um EMA de 5% no caso de alcoolímetros sujeitos a operações de aprovação de modelo ou de primeira verificação e de 8% no caso alcoolímetros sujeitos a operações de verificação periódica ou verificação extraordinária.

No caso dos autos, o certificado de verificação do aparelho em causa, junto a fls. 8 dos autos, atesta que o alcoolímetro utilizado foi sujeito a operação de primeira verificação a 19-09-2023 (cerca de dois meses antes dos factos dos autos), pelo que o EMA aplicado para um resultado registado de TAS de 1,58 g/l é de 5% (posto que a TAS é inferior a 4,6 g/l) e não de 8%.

Ora, 5% de 1,58 g/l corresponde a 0,079 g/l, valor que subtraído ao resultado registado de 1,58 g/l dá uma TAS de 1,501 g/l, como correctamente se fixou na sentença.

Nenhuma alteração à matéria de facto cumpre realizar face aos argumentos do recurso.

É certo que, entretanto, no dia 15-11-2023 (cerca de uma semana antes dos factos dos autos) foi publicada no Diário da República n.º 221/2023, Série I, de 15-11-2023, a Portaria 366/2023, de 15-11, que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico Legal dos Alcoolímetros, revogando a Portaria 1556/2007, de 10-12.

O diploma entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, não sendo mencionado pelo recorrente.

Esta alteração resultou da necessidade de adaptação do regime específico dos alcoolímetros ao novo regime geral do controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, aprovado pelo DL n.º 29/2022, de 07-04.

De acordo com o art. 11.º da Portaria 366/2023, de 15-11, respeitante a disposição transitória, os alcoolímetros em uso poderão permanecer em utilização enquanto estiverem em bom estado de conservação e nos ensaios de verificação metrológica incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis.

O Certificado de Primeira Verificação do alcoolímetro em causa está datada do 19-09-2023 e é válido por um ano, conforme do mesmo se refere, e resulta também do art. 7.º, n.º 1, da Portaria 366/2023, de 15-11.

À data dos factos a operação em causa, de primeira verificação, havia sido realizada há cerca de dois meses, pelo que, nada resultando dos autos em contrário, mostra-se válido o desconto do EMA indicado.

De todo o modo, mesmo à luz das regras introduzidas pela nova Portaria 366/2023, de 15-11, nenhuma censura cumpre aplicar à TAS dada como provada nos presentes autos.

Com efeito, de acordo com o n.º 3 do referido art. 7.º, os valores dos erros máximos admissíveis para a primeira verificação são os definidos na Recomendação da Organização de Metrologia Legal, OIML R 126.

Ou seja, a Portaria deixou de prever ela própria o EMA aplicável, como o fazia a Portaria 1556/2007, de 10-12, remetendo agora para a mencionada Recomendação OIML R 126.

Ora, de acordo com a OIML R 126, de 2012, actualmente em vigor, concretamente face ao seu ponto 2.5.1. o EMA de alcoolímetro com certificação de operação de primeira verificação é de 5% para uma TAE até 2 mg/l, ou seja, uma TAS de 4,6 g/l, como já vimos.

Em suma, em qualquer dos cenários, não tem qualquer fundamento legal a aplicação de uma margem de erro de 8% como pretende o recorrente, improcedendo, igualmente, este segmento do recurso.


*

Por fim questiona o recorrente a escolha e medida da pena principal e acessória.

Refere que a decisão recorrida pouco ou quase nada disse sobre a possibilidade de ser aplicada ao recorrente pena não privativa da liberdade, invoca a sua integração social e profissional e alerta para as consequências de uma inibição de conduzir pelo período fixado, concretamente o risco de perder o seu trabalho e a dificuldade de conseguir novo emprego, atenta a sua idade e a crise económica. Alega que andou poucos metros.

O recorrente invoca, ainda, embora enquadrando a questão incorrectamente como nulidade por excesso de pronúncia, como já vimos, o facto de terem sido considerados os seus antecedentes criminais pela prática do mesmo tipo de crime quando, à luz do art. 11.º, n.º 1, al. b), da Lei 37/2015, de 05-05, tais condenações já deviam ter sido canceladas, circunstância que, a não ter ocorrido, implicava a fixação das penas em medida muito mais reduzida.

Vejamos.

Começando pela questão da ponderação dos antecedentes criminais que constam do CRC, desde já se avança que nenhuma razão se reconhece ao recorrente.

Importa salientar que os Tribunais de recurso não podem apreciar “questões novas” que não hajam sido suscitadas junto da 1.ª Instância e perante as quais não foi dada oportunidade ao Tribunal a quo de emitir pronúncia[4].

Está em causa o teor do documento em que o Tribunal a quo fundamentou a fixação dos factos provados quando aos antecedentes criminais do arguido.

Ressalvadas as situações de proibição de prova, expressamente previstas na lei, a validade da prova subjacente à fixação da matéria de facto não é questão de conhecimento oficioso pelos Tribunais de recurso, razão pela qual, não sendo invocada, não é apreciada pela 2.ª Instância.

Do exposto resulta que, não sendo a validade dos meios de prova subjacentes à fixação dos factos provados e não provados questão de conhecimento oficioso pelos Tribunais de recurso, e não decorrendo dos autos que a validade ou correcção da concreta prova que fundamentou a fixação dos antecedentes criminais do arguido tivesse sido, em momento algum, suscitada no decurso do julgamento, designadamente com algum requerimento para averiguação da validade do seu teor, nem tão-pouco o Tribunal a quo a analisou – não imputando o recorrente à decisão recorrida o vício da omissão de pronúncia quanto à apreciação de questão que haja sido colocada a este propósito –, a respectiva análise por este Tribunal de recurso constituiria apreciação de “questão nova” que lhe está vedada por lei.

Importa realçar em complemento que, embora resulte do disposto no art. 11.º da Lei da Identificação Criminal (Lei 37/2015, de 05-05) que o cancelamento dos registos decorre do decurso de determinados prazos, variáveis consoante a medida da pena cumprida, esta regra não é absoluta, pois assim não acontecerá se, entretanto, tiver ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza, situação recorrente no caso dos autos, como se vê do CRC do arguido.

Por outro lado, qualquer reclamação sobre o conteúdo da informação sobre registo criminal deve ser decidida pelo Director-Geral da Administração da Justiça, a quem compete a respectiva apreciação, havendo recurso sobre a legalidade do conteúdo dos certificados do registo criminal para o Tribunal de Execução das Penas (art. 42.º da Lei da Identificação Criminal).

Significa isto que a questão da correcção do teor do certificado de registo criminal não resulta de uma aplicação automática da lei, impondo a necessidade de averiguações, que no caso não foram suscitadas no processo, não reflectindo o processo, até à fase de recurso, qualquer dúvida que tivesse sido apresentada sobre o conteúdo do CRC que consta dos autos.

Nenhuma alteração se impõe, assim, determinar neste âmbito relativamente à decisão recorrida, não reflectindo os autos qualquer violação de preceitos legais ou constitucionais.

De todo o modo, sempre se dirá que, ainda que a interpretação da Lei 37/2015, de 05-05, fosse mais restrita, nunca procederia a pretensão do recorrente.

A este propósito refere a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer que:

«Também aqui nos parece que recorrente laborou sob diversos equívocos.

(…)

De acordo com a Sentença sub judice, «o arguido tem averbado antecedentes criminais no seu registo criminal:

- Proc. 229/11.6PASTS: condenação, em 23.5.2011, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez;

- Proc. 322/11.5GTBRG: condenação, por decisão transitada em julgado, em 6.10.2011, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 8 meses de prisão substituída por multa;

- Proc. 439/12.9GDGDM: condenação, por decisão transitada em julgado, em 4.2.2013, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de cinco meses de prisão suspensa por um ano;

- Proc. 25/15.1GDGDM: condenação, por decisão transitada em julgado, em 4.4.2016, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de sete meses de prisão suspensa por um ano, com regime de prova;

- Proc. 154/15.1GDSTS: condenação, por decisão transitada em julgado, em 4.4.2016, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de oito meses de prisão suspensa por um ano;

- Proc. 488/15.5GDSTS: condenação, por decisão transitada em julgado, em 23.3.2107, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de um ano e seis meses de prisão suspensa por igual período»

Deste modo e para o caso em concreto, aplicar-se-iam as regras constantes nas alíneas:

e) Decisões que tenham aplicado pena substitutiva da pena principal, com ressalva daquelas que respeitem aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;

(…)

g) Decisões que tenham aplicado pena acessória, após o decurso do prazo para esta fixado na respetiva sentença condenatória ou, tratando-se de pena acessória sem prazo, após a decisão de reabilitação.

2 - Quando a decisão tenha aplicado pena principal e pena acessória, os prazos previstos no número anterior contam-se a partir da extinção da pena de maior duração.

3 - Tratando-se de decisões que tenham aplicado pena de prisão suspensa na sua execução os prazos previstos na alínea e) do n.º 1 contam-se, uma vez ocorrida a respetiva extinção, do termo do período da suspensão».

Ora, melhor consultado o certificado de registo criminal do arguido, podemos constatar que:

- Processo nº 229/11.6PASTS: foi condenado por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de multa.

Tal decisão transitou em julgado a 23 de Maio de 2011 e a pena foi declarada extinta a 22 de Fevereiro de 2014 (atento o regime de prova);

- Processo nº 322/11.5GTBRG: foi condenado por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de prisão substituída por multa.

Tal decisão transitou em julgado a 6 de Outubro de 2011 e a pena principal foi declarada extinta a 23 de Abril de 2012 e a pena acessória foi declarada extinta a 6 de Setembro de 2012;

- Processo nº 439/12.9GDGMR foi condenado por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de prisão suspensa na sua execução e pena acessória de inibição de conduzir.

Tal decisão transitou em julgado a 4 de Fevereiro de 2013 e as penas extinguiram-se a 4 de Março de 2014;

- Processo nº 25/15.1GDGMR foi condenado por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa com regime de prova.

Tal decisão transitou em julgado a 4 de Abril de 2016.

- Processo nº 154/15.1GDSTS: foi condenado por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa com regime de prova.

Tal decisão transitou em julgado a 21 de Janeiro de 2016.

- Processo nº 488/15.5GDSTS: foi condenado por crime de condução de veículo em estado de embriaguez numa pena de 11 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano sob regime de prova e, na pena acessória de proibição e conduzir pelo período de 24 (vinte e quatro) meses.

Em tal processo e por Sentença transitada em julgado a 23 de Junho de 2017 foi efetuado o cúmulo com as penas dos Processos nº 154/15.1GDSTS e 15/15.1GDGMR, tendo sido aplicada a pena única de 14 (catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo e, a título de pena acessória, 3 (três) anos de proibição de conduzir veículos com motor.

A pena principal extinguiu-se a 11 de Setembro de 2018 e a pena acessória a 3 de Fevereiro de 2019.

Deste modo, à data dos factos, nenhuma destas condenações estaria em condições de serem canceladas no certificado de registo criminal do arguido, aquando do respetivo julgamento e prolação da Sentença.

Por outro lado, o recorrente confunde a apreciação dos antecedentes criminais para efeitos de escolha e medida da pena com o instituto da reincidência previsto no art. 75º do Código Penal, que em nada se relaciona com o caso ora em apreço e nem sequer foi invocado na Sentença sub judice

Acolhe-se a análise antecedente, com a ressalva de que no âmbito do Proc. n.º 229/11.6PAST as penas, principal, de multa, e acessória, foram declaradas extintas a 04-08-2011 e 30-12-2011, respectivamente.

A condenação proferida nestes autos, para os efeitos aqui analisados[5], data de 12-12-2023 – data da prolação da primeira sentença, que foi declarada nula em sede de recurso interposto pelo recorrente, por não ter a forma escrita –, pelo que em circunstância alguma decorreram os prazos previstos no art. 11.º da Lei 37/2015, de 05-05.

Assim, mesmo acolhendo a posição do recorrente, de aplicação automática do cancelamento de condenações no registo criminal, foi totalmente legítima a ponderação pelo Tribunal a quo dos antecedentes criminais do arguido.

Por fim, relativamente à medida concreta das penas principal e acessória, também nenhuma razão assiste ao recorrente.

A este propósito refere o Tribunal a quo (foram omitidas as notas-de-rodapé):

«Da escolha e determinação da pena

Realizado desta forma o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar.

Ao crime imputado ao arguido de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, e 69º, nº 1, al. a) do Código Penal cabe, em abstrato, prisão até um ano ou com pena de multa até 12º dias, sendo ainda sancionado com a proibição de conduzir veículos com motor, por um período fixado entre três meses e três anos.

Artigo 69.º

Proibição de conduzir veículos com motor

1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:

a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º;

b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante; ou

c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.

2 - A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria.

3 - No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo.

4 - A secretaria do tribunal comunica a proibição de conduzir à Direcção-Geral de Viação no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, bem como participa ao Ministério Público as situações de incumprimento do disposto no número anterior.

5 - Tratando-se de título de condução emitido em país estrangeiro com valor internacional, a apreensão pode ser substituída por anotação naquele título, pela Direcção-Geral de Viação, da proibição decretada. Se não for viável a anotação, a secretaria, por intermédio da Direcção-Geral de Viação, comunica a decisão ao organismo competente do país que tiver emitido o título.

6 - Não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança.

7 - Cessa o disposto no n.º 1 quando, pelo mesmo facto, tiver lugar a aplicação de cassação ou de interdição da concessão do título de condução nos termos do artigo 101.º


***

Dispõe o n.º 2 do art.º 65.º do Código Penal que “a lei pode fazer corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinados direitos ou profissões”.

A pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados está consagrada no art.º 69.º do Código Penal, e consiste na imposição ao agente de um crime, de uma proibição de conduzir veículos motorizados, durante um período fixado na lei – de três meses a três anos - (cfr., neste sentido, Germano Marques da Silva, in Crimes Rodoviários – Pena Acessória e Medidas de Segurança, Universidade Católica Editora, p. 29).

Note-se que a proibição de conduzir aplicada ao arguido se liga a um efeito de prevenção geral de intimidação que visa, num primeiro plano, contribuir para a “emenda cívica do condutor imprudente ou leviano” (cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, p. 165).

Estabelece a al. c) do n.º 1 do art.º 69.º do Código Penal, na redacção conferida pela Lei n.º 77/2001, de 13/07 que “é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 (três) meses e 3 (três) anos quem for punido por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito do álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo”.


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Dado estarmos perante tipo legal que prevê, em alternativa, pena privativa de liberdade ou pena não privativa da liberdade (multa), cumpre, desde já, optar por uma delas.

Decorre do art. 70º do CP, que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, finalidades que se traduzem na protecção de bens jurídicos que os diversos tipos de crime visam salvaguardar e na reintegração do agente na sociedade, como estatui o art. 40º, n.º 1, do citado código.

Em conformidade com este artigo, a escolha da pena deve ser feita dando preferência à pena não privativa da liberdade, sempre que esta se mostre suficiente para promover a recuperação social do delinquente e satisfaça as exigências de prevenção. Aliás, com o Código Penal de 1995 há uma reacção contra as penas institucionalizadas ou detentivas.

A pena de prisão, e de acordo com o preâmbulo do D.L. nº 48/95 no seu ponto 4, deve ser reservada para situações de maior gravidade e alarme social, devendo ser dada preferência à pena de multa, desde que essa pena não detentiva de liberdade se afigure como suficiente "para promover a reintegração do delinquente na vida social e dar satisfação aos fins da retribuição e da prevenção das penas" (Robalo Cordeiro, Escolha e medida da pena, Jornadas de Direito Criminal, C.E.J., pág. 238).

Por sua vez, o art. 40.º, n.º 1, do CP, dispõe que a aplicação das penas e medidas de segurança visam a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

No caso vertente, o arguido cometeu um crime de condução em estado de embriaguez punido com pena de prisão de um mês a um ano ou com pena de multa de 10 a 120 dias.

No sistema jurídico penal português, as reacções criminais não detentivas da liberdade assumem preferência sobre as penas detentivas, desde que as primeiras satisfaçam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, isto é, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente de um crime na sociedade (artº 40º e 70º do C.P.).

No caso vertente, é manifesto, atentos os antecedentes criminais do arguido que a pena de multa não satisfaz as finalidades nem de prevenção geral nem de prevenção especial.


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De acordo com o disposto no artº 71º do C.P., a determinação da medida da pena aplicável tem como critérios a culpa do agente e as exigências de prevenção. A função desempenhada por cada um destes critérios é definida de acordo com a chamada teoria da moldura da prevenção ou da defesa do ordenamento jurídico, que é a que melhor se adequa às intenções do legislador penal.

A prevenção geral de integração está incumbida de fornecer o limite mínimo, que tem como fasquia superior o ponto óptimo de protecção dos bens jurídicos e inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar. A culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva. Dentro destes limites cabe à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena. Está aqui em causa, em princípio a função de socialização do delinquente, mas quando esta, em concreto, não for possível, relevará sobretudo a função de intimidação.

Assim, importa atender, dentro dos limites abstractos definidos pela lei a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime deponham a favor ou contra o arguido, na medida em que se mostrem relevantes para a culpa ou exigências preventivas.

No caso vertente valorar-se-á assim desde logo contra o arguido os antecedentes criminais, o dolo directo, a conduta anterior do arguido com as sucessivas condenações a que foi sujeito. Na verdade, os antecedentes criminais do arguido pela prática do crime pelo qual agora vai condenado, revelam uma personalidade desconforme e alheada do dever-ser jurídico-penal, desrespeitando as sucessivas advertências que lhe vêm sendo feitas, ainda que a última seja de 2017.

Pode, pois, concluir-se que as exigências derivadas de prevenção especial de socialização são muito elevadas.

Mas se são elevadas tais exigências, não o são menos as exigências de tutela dos bens jurídicos, o mesmo é dizer, de tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou/mesmo no reforço) da vigência da norma infringida. Efectivamente, o crime em causa nos presentes autos gera bastante alarme social, não sendo estranho, de resto, à alta taxa de sinistralidade rodoviária que assola o nosso país, em que tantas vezes têm intervenção condutores alcoolizados.

As exigências de prevenção geral, tendo-se em atenção os elevados índices de sinistralidade rodoviária com que se defronta o nosso país, para o que também muito contribui a condução de veículos automóveis em estado de embriaguez, reforçam as exigência de prevenção geral.

Assim, ao nível das exigências de prevenção geral, importa acautelar as situações de consumo exagerado de álcool, potenciadoras de elevada sinistralidade que ocorre nas estradas portuguesas e das nefastas consequências daí decorrentes.

As exigência de prevenção geral mostram-se, pois, acentuadas neste tipo legal de crime atento o elevado número de pessoas que todos os anos perdem a vida nas nossas estradas, o que tem levado os governos a implantar programas de combate à sinistralidade rodoviária.

As exigência de prevenção geral que se fazem sentir no domínio da sinistralidade rodoviária são, pois, prementes perante o autêntico flagelo que constitui o número de acidentes e atropelamentos ocorridos nas nossas estradas, com o seu impressionante cortejo de efeitos danosos gravíssimos, que vão semeando a dor e a desolação em muitos lares, por esse Portugal fora, a exigir e a impor uma reacção enérgica, também por parte dos tribunais, flagelo para o qual contribui e de sobre maneira a condução de veículos em estado de embriaguez.

No plano da prevenção especial revela-se premente a necessidade de uma resposta que promova uma eficaz recuperação do arguido, prevenindo a prática de comportamentos anti-sociais, de modo a que se passe a comportar de forma responsável, designadamente no que tange ao respeito pelas leis penais em vigor, fazendo-lhe sentir a antijuridicidade e gravidade da sua conduta.

Com efeito, trata-se de crime causador de grande alarme e perturbação social, e pelo que se nos afigura que se impõe, ao nível da prevenção geral, a demonstração clara e consistente de que o arguido mudou de atitude.

Em face do exposto, considera-se justa e adequada a aplicação de uma pena de 10 (dez) meses de prisão.

Da não aplicabilidade da pena de prião por multa

Artigo 45.º

Substituição da prisão por multa

1 - A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º

2 - Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 49.º

Ora, atentos os extensos antecedentes criminais pela prática do mesmo crime, consideramos que o arguido não merece um juízo de prognose favorável, pelo que a substituição referida seria manifestação de falência do sistema penal para protecção dos bens jurídicos e autentico «convite» a reincidência.


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Da suspensão da pena de prisão

Perante a determinação de uma medida de pena de prisão não superior a cinco anos, o tribunal terá sempre de fundamentar especificamente a concessão ou denegação da suspensão de execução da pena, pois que nestes casos esta espécie de pena é, nas palavras de FIGUEIREDO DIAS um verdadeiro “poder-dever”, que deve ser aplicado sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos. Dispõe o art.º 50.º n.º 1, “o tribunal suspende a pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades de punição”.

Assim, subjacente à decisão de suspensão da execução da pena está um juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento do arguido, ou seja, quando se possa prever que aquele não cometerá no futuro outros crimes bem como se o arguido está inserido na sociedade.

Sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o juiz tem o dever de suspender a execução da pena: esta é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, pelo que é necessário que, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, se possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.

Ora, a pena de prisão é fortemente restritiva de um direito constitucionalmente tutelado – a liberdade individual (art.º 27.º da Constituição da República Portuguesa), motivo pelo qual deve funcionar de acordo com uma lógica de última ratio.

No caso sub judice, é nossa opinião que se adequam as suspensão da pena aplicada, que visa evitar os efeitos negativos da prisão e realizar de forma mais pedagógica, pessoal e socialmente benéfica, as finalidades de punição, pelo que entendemos ser de suspender a execução da pena de prisão aplicada pelo período de dois anos.

A pena de prisão, neste quadro fáctico, não se revela necessária nem tão-pouco conveniente à ressocialização do arguido, bastando a respectiva ameaça, daí que se entenda como adequado suspender a execução dela pelo período de dois anos, ao abrigo do disposto no art.º 50.º do CP. Tal suspensão deverá ficar condicionada a imposição das seguintes regras de conduta:

a) Fica o Arguido sujeito ao regime de prova com a execução de um plano de reinserção social, que deverá contemplar a continuação da sujeição do Arguido a tratamento de desintoxicação do álcool, que já deu o seu consentimento,

b. e a obrigação de o mesmo frequentar um programa de prevenção “STOP – Responsabilidade e Segurança”, implementado pelo IRS, e que inclui a frequência do curso “Condução de Veículo em Estado de Embriaguez – Estratégias de Prevenção da Reincidência”, ministrado pelos Serviços de Reinserção Social.


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Da inibição de conduzir

Ao crime de condução sob efeito do álcool, pelo qual o arguido vai condenado, corresponde ainda a pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados prevista no artigo 69º nº1 alínea a) do Código Penal, nos termos do qual o agente é condenado na proibição de conduzir veículos motorizados por um período fixado entre três meses e três anos.

Esta pena acessória encontra o seu fundamento na perigosidade do agente e destina-se a actuar psicologicamente sobre o imprudente condutor visando, pela privação do uso do veículo ou da sua condução, influir preventivamente na conduta futura do infractor.

Nos termos do artº 69º/1 a) “é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 meses e 3 anos quem for punido por crime previsto nos artigos 291° ou 292”.

Os critérios de determinação da medida desta pena acessória são os mesmos já tidos em conta a propósito da determinação da medida da pena principal.

Atentos os factores já referidos, especialmente a existência de antecedentes criminais por este tipo de crime, bem como a elevada sinistralidade rodoviária decorrente de comportamentos como o dos autos e o alarme social que os mesmos suscitam, o tribunal decide aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de conduzir pelo período de três anos.»

Começa o recorrente por referir que o Tribunal a quo pouco ou quase nada disse na sentença sobre a aplicação de uma pena não privativa da liberdade.

Como se vê do excerto supratranscrito, o Tribunal a quo mencionou o necessário, posto que com a anterior aplicação ao arguido, pela prática e condenação do crime de condução em estado de embriaguez, de várias penas de prisão cuja execução ficou suspensa, pouco há a referir quanto à necessidade de aplicação de uma pena mais gravosa que a pena de multa.

Atente-se também que o Tribunal a quo, na escolha e determinação da pena, deve ter em conta os factos provados e não quaisquer outros que o recorrente invoque, sem que, paralelamente, impugne a matéria de facto nos termos do art. 412.º, n.º 3, do CPPenal, para inclusão desses novos factos que invoca.

Assim, são impertinentes os argumentos apresentados sobre a necessidade de utilização de veículo automóvel para exercer a sua actividade profissional, sendo certo que, ainda que tal facto constasse do elenco dos factos provados, não compete aos Tribunais assumir uma função paternalista, mas apenas de aplicação da lei, procurando a justiça do caso concreto, sendo do foro do livre arbítrio do recorrente saber como quer gerir a sua vida, designadamente se quer, ou não, continuar a cometer crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e com isso prejudicar a sua vida profissional.

A leitura das alegações de recurso revela que o que o recorrente realmente pretende é uma reapreciação da medida concreta das penas principal e acessória, por considerar excessivas as fixadas.

A propósito da mera reavaliação da medida das penas, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo há muito que «[e]m matéria de medida concreta da pena, apesar de se mostrar hoje afastada a concepção da medida da pena concreta, como a «arte de julgar» substituída pela de autêntica aplicação do direito, aceitando-se a sindicabilidade da correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa e a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.»[6]

No mesmo sentido, entre outros, entendeu-se no acórdão da Relação de Coimbra de 05-04-2017[7] que:

«I - No quadro da moldura penal abstracta, a fixação [da pena] estabelece-se entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente: entre estes limites satisfazem-se as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.

II - Relativamente à determinação do quantum exacto de pena [só] será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada.»

Esta jurisprudência reflecte a ideia, que perfilhamos, de que a alteração da medida concreta das penas em sede de recurso deve respeitar a zona de liberdade do julgador em 1.ª Instância ao fixar o quantum da pena, desde de que se situe entre os limites que satisfazem as necessidades de prevenção especial (o mínimo necessário à salvaguarda das expectativas comunitárias e o máximo balizado pela culpa do agente) e não ocorra violação das regras da experiência comum ou manifesta desproporção na pena aplicada, o que claramente não ocorreu no caso dos autos.

Tendo presente a argumentação desenvolvida pelo Tribunal a quo para aplicação das penas não detectamos qualquer falha formal ou substancial a imputar à decisão recorrida quanto à sua concretização.

O Tribunal a quo identificou na sua decisão a moldura penal abstracta correspondente ao tipo de crime pelo qual foi o arguido condenado, optou, e bem, pela aplicação de pena privativa da liberdade, embora numa segunda operação, demasiado benévola, face aos antecedentes criminais do recorrente, a tenha substituído pela suspensão da execução da pena, concretizando de forma suficiente e fundamentada, em face dos factos dados como provados e dos preceitos referidos, os factores relevantes para fixação das penas principal e acessória.

Repare-se que na última condenação, a relativa ao cúmulo jurídico de penas, o recorrente foi condenado, por decisão transitada em julgado em 23-06-2017, em 14 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período e em inibição de conduzir pelo período de três anos e ainda assim, e apesar das anteriores condenações a que já se fez referência, ignorou todas as advertências que sofreu e cometeu novamente o mesmo tipo de crime.

Neste contexto, as penas não podiam assumir quantitativo inferior ao aplicado na última condenação, sendo certo que o recorrente anda há mais de uma década a incorrer na prática do tipo de crime que se julgou nestes autos, colocando em risco de forma reiterada ao longo de anos a segurança da circulação rodoviária.

Assim, porque nas operações realizadas para determinação da medida concreta das penas principal e acessória não se detecta qualquer desconformidade com a lei ou desproporcionalidade na sua fixação, nada se impõe alterar.

O recurso não pode, pois, proceder.


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III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar total provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, e manter a sentença recorrida nos seus precisos termos.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 4,5 UC a taxa de justiça (arts. 513.º, n.ºs. 1 e 3, do CPPenal e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).

Notifique.

Porto, 26 de Março de 2025
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Maria Joana Grácio
Paulo Costa [Declaração de voto:
Voto a decisão, concordando com o dispositivo e toda a demais argumentação, divirjo apenas no que toca ao argumento do cancelamento das condenações no registo criminal, o qual considero ser automático.]
Nuno Pires Salpico
______________
[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Cf. acórdão do TRE de 23-03-2021, relatado por Fátima Bernardes no âmbito do Proc. n.º 276/16.1PBTMR.E1. No mesmo sentido, veja-se, ainda, o acórdão do TRL de 05-02-2019, relatado por Vieira Lamim no âmbito do Proc. n.º 10/08.0TELSB-E.L1-5, ambos acessíveis in www.dgsi.pt.
[3] Acessível in www.dgsi.pt.
[4] Neste sentido, que é pacífico, veja-se, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-11-2018, Proc. n.º 1079/15.6JAPRT.P1.S1 - 3.ª Secção, acessível in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos), segundo o qual: «De acordo com o art. 608.º, n.º 2, ex vi arts. 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC, ex vi art. 4.º do CPP, ao tribunal de recurso não compete conhecer de “questões novas”, mas antes reapreciar a decisão sob recurso nas vertentes que lhe foram colocadas, a não ser que se trate de questões cujo conhecimento se mostre oficioso.»
[5] Este é o critério aceite pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de forma pacífica, para os prazos de prisão preventiva, como se vê, entre muitos, do acórdão do STJ de 04-06-2024, relatado por Maria do Carmo Silva Dias no âmbito do Proc. n.º 1/20.1JAFAR-F.S1 (acessível in www.dgsi.pt), e que tem plena aplicação ao caso dos autos.
[6] Cf., entre muitos outros, acórdão de 11-10-2007, Proc. n.º 07P3171, acessível in www.dgsi.pt.
[7] Cf. Proc. n.º 47/15.2IDLRA.C1, acessível in www.dgsi.pt.