Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
821/11.9TXPRT-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: COELHO VIEIRA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
DESPACHO
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
IRREGULARIDADE
Nº do Documento: RP20121003821/11.9TXPRT-G.P1
Data do Acordão: 10/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O acto judicial decisório de concessão ou recusa da liberdade condicional não corresponde, nem sob o ponto de vista formal nem teleológico, a uma sentença, pelo que não lhe é aplicável a exigência de fundamentação referida no art.º 374º do CPP.
II – No entanto, as garantias de defesa do arguido e o direito a um processo equitativo incutem que as decisões judiciais que possam afectar a liberdade tenham um reforço de fundamentação, devendo as mesmas estar ancoradas num procedimento que garanta uma efectiva e clara percepção da decisão e quais as razões que a sustentam, assegurando-se um apropriado grau de recurso jurisdicional.
III – O vício da falta ou insuficiência da motivação da decisão de concessão ou recusa da liberdade condicional, corresponde a uma mera irregularidade, que, sempre que não for contrariado pelo Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, está sujeito ao regime do art. 123º do Código de Processo Penal.
IV – A autonomia e prevalência do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade sobre o Código de Processo Penal, pois este é que tem aplicação subsidiária em relação àquele e não o contrário (154º, n.º 2 CEP), levam a que se afaste o prazo de três (3) dias previsto no artigo 123º, n.º 1 do CPP, e se acolha a regra geral do prazo de dez (10) dias daquele código para arguir a irregularidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 821/11.9TXPRT-G.P1 (proc. Urgente)

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

O presente recurso vem interposto pelo arguido, B…, com os sinais dos autos, da decisão constante dos presentes autos (cfr. Fls. 190 a 200), datada de 27/06/2012 por via do qual foi decidido não lhe conceder a liberdade condicional que o mesmo peticionara ao TEP do Porto (1º Juízo).

Motivou o recurso e aduziu CONCLUSÕES (as quais se sintetizam sem, contudo, as desvirtuar).

As questões suscitadas são:-

- A (aflorada) nulidade do despacho recorrido;
- A da bondade (ou não) da decisão “de meritis”.

A Digna Magistrada do MP veio deduziu resposta, por via da qual e em suma, defende a total improcedência do recurso.

X

Nesta Relação, o Ilustre PGA também veio defender a improcedência do recurso e consequente confirmação da decisão recorrida, por via do douto Parecer que emitiu.

Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2, do CPP, sendo certo que não foi deduzida resposta.

XXX

COLHIDOS OS VISTOS LEGAIS, CUMPRE DECIDIR:-

Com base nas provas, designadamente, documental idónea e declarações do Recorrente, foi dada como PROVADA a seguinte factualidade:-

1 – O condenado cumpre a pena única de 6 anos de prisão, à ordem do proc. Nº 2/09.1PEBGC – 2ª TJ de Bragança 91/02.2 TAPTL, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes do art. 21º nº 1, do DL nº 15/93 e crime de detenção do arma proibida do art. 86 nº 1, al. d) da L. nº 5/2006 – sendo os factos de Dezembro de 2008 a Junho de 2009.
2 – Iniciou o cumprimento da pena em 21/03/2011, com inicio deferido – art. 80º, do CP – por desconto face a detenção seguida de m. c. privativa da liberdade a operar desde 23/09/2009, com termo previsto para 23/06/2015.
O ½ da pena foi atingido em 23/06/2012; os 2/3 serão atingidos em 23/06/2013; o termo da pena ocorrerá em 23/06/2015.
3 – Cumpre a 1ª reclusão; nada consta quanto a processos pendentes.
4 – Como medidas de flexibilização da pena consta RAI desde 17/02/2012; LSJ – 2 – a última de 23/27 de Abril de 2012; LCD – 2 – a última de 8/11 Junho de 2012.
5 – Os elementos do Conselho Técnico emitiram Parecer favorável à concessão da liberdade condicional e o condenado declarou consentir na liberdade condicional. O MP emitiu Parecer desfavorável à concessão, por ora, da liberdade condicional.
6 – O condenado vem mantendo comportamento prisional estável, nada constando de registos disciplinares; tem um relacionamento interpessoal adequado com os seus pares.
7 – O condenado tem mantido comportamento prisional estável, é divorciado, tem 2 filhos e perspectivas de trabalho após a sua libertação; não tem passado de vida ligado ao consumo de estupefacientes tendo sido motivado pelo lucro fácil por via de ganância financeira.

XXX

O RECURSO

É consabido que as conclusões da motivação do recurso delimitam ou balizam o respectivo objecto – cfr. Arts. 402º, 403º e 412º, todos do CPP.

Vejamos então:-

A questão da nulidade da decisão:-

O dever de fundamentação de uma decisão judicial é uma decorrência, em primeiro lugar, do disposto no art. 205.º, n.º 1 da Constituição, segundo o qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
No entanto, tal dever de fundamentação, no âmbito do processo penal e na perspectiva do arguido, surge, igualmente, como uma das suas garantias constitucionais de defesa (32.º, n.º 1 Constituição) e também como uma das dimensões do direito a um processo justo e equitativo (20.º, n.º 4 Constituição; 6.º, n.º 1 CEDH).
Esse dever de fundamentação deve ser reforçado quando estejam em causa outros direitos fundamentais dos arguidos, como seja a sua liberdade ou a sua presunção de inocência, impondo-se aqui que qualquer leitura legal seja conforme a Constituição (16.º, 17.º, 18.º, 27.º e 32.º, n.º 2 Constituição).
O Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEP – Lei n.º 115/2009, de 12/Out.) enuncia no seu artigo 146.º, n.º 1 que “Os actos decisórios do juiz de execução das penas são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
Tal segmento normativo reproduz, quase ipsis verbis, o preceituado no artigo 97.º, n.º 4 Código de Processo Penal, segundo o qual “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
Tal implica que, ao proferir-se uma decisão judicial, se conheçam as razões que a sustentam e qual o caminho seguido pela seu discurso argumentativo, de modo a aferir se os mesmos estão fundados na lei e na validade do Direito. Por isso esta exigência é, simultaneamente, um acto de transparência democrática do exercício da função jurisdicional, que a legitima, e de manifestação das garantias de defesa, ambas com assento constitucional, de forma a aferir a sua razoabilidade e a obstar a decisões arbitrárias.
Daí que a fundamentação de um acto decisório deva estar devidamente exteriorizada no respectivo texto, de modo que se perceba qual o seu sentido, sendo certo que numa ou noutra decisão judicial se exigem certos e específicos requisitos formais, como sucede com os despachos que decretam uma medida de coacção ou de garantia patrimonial (194.º, n.º 4 C. P. P.), as decisões instrutórias de pronúncia (308.º, n.º 2, 283.º, n.º 3 C. P. P.) e as sentenças (379.º C. P. P.).
Tudo isto para se conhecer, ao fim e ao cabo, o efectivo juízo decisório em que se alicerçou o correspondente despacho, designadamente os factos que se acolheram e a interpretação do direito perfilhada, permitindo o seu controlo pelos interessados e, se for caso disso, por uma instância jurisdicional distinta daquela. Assim e à partida, não cumprem estes requisitos os actos decisórios que não tenham fundamento algum, por mínimo que seja, e aqueles que se revelem insuficientemente motivados.
Porém, também não se deve exigir que no acto decisório fiquem exauridos todos os possíveis posicionamentos que se colocam a quem decide, esgotando todas as questões que lhe foram suscitadas ou que o pudessem ser. O que importa é que a motivação seja necessariamente objectiva e clara, e suficientemente abrangente em relação às questões aí suscitadas, de modo que se perceba o raciocínio seguido.

*

Mas será que a decisão judicial de concessão ou de recusa da liberdade condicional é equiparável a uma sentença, por aplicação e integração analógica da disciplina processual desta, como certa jurisprudência tem vindo a sustentar [Ac. R. L. de 2011/Dez./15, 2011/Set./27, CJ V/163, IV/137; 2009/Nov./25, 2009/Out./14, 2009/Mai./19, 2008/Out./20](2) ou então configura uma mera irregularidade, que afecta o valor do acto praticado, a qual é, a todo o tempo e mesmo em sede recursiva, sujeita a reparação a realizar, por determinação oficiosa, pelo tribunal recorrido, como outra jurisprudência tem alinhado [Ac. R L. de 2011/Abr./06 e 2010/Fe./04]?
Os argumentos avançados e decisivos para aquela equiparação consistem em que só através da formalização como sentença da decisão judicial de concessão ou não da liberdade condicional se possibilita uma ponderação adequada de cada caso que a mesma seja verdadeiramente sindicável em sede de recurso [Ac. R. L. 2009/Out./14] e que essa decisão conhece a final do objecto do processo elaborado no TEP (iii) [Ac. R. L 2011/Set./27].
Já quanto àqueles que tratam esse vício da falta ou deficiência de motivação como uma irregularidade, o qual afectaria o valor do respectivo acto, o mesmo sempre poderia ser, a todo o tempo e oficiosamente, reparado (123.º, n.º 2 C. P. Penal).
Para o efeito e para se chegar a uma narrativa constitucionalmente conformada, temos que fazer uma leitura do que é uma sentença e se esta tem lugar no âmbito do instituto de liberdade condicional, determinando para o efeito a sua natureza e características.
A noção legal de sentença é dada pelo artigo 97.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal, cujas disposições são aplicáveis a título subsidiário (154.º do C. E. P.), aí se considerando que “Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de: Sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo”.
Existe aqui uma similitude de terminologia com o preceituado nos artigos 419.º, n.º 3, al. b) e 400.º, n.º 1, al. c), ambos do Código de Processo Penal, dizendo o primeiro respeito ao conhecimento dos recursos em conferência e reportando-se o segundo à irrecorribilidade dos “acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam a final do objecto do processo”. As redacções destes dois segmentos normativos foram introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29/Ago., que substituiu a menção “que não ponham termo à causa”.
Tanto num caso, como no outro, passou-se a considerar que a menção a “objecto do processo” tinha um significado semelhante ao do “mérito do processo”, alargando-se, por isso, aquele conceito primitivo de pôr termo ou fim à causa.
Anteriormente no regime processual decorrente do Código de Processo Penal, estipulava-se no seu artigo 485.º, sob a epígrafe “Decisão” que “Antes de proferir despacho sobre a concessão da liberdade condicional, o Tribunal de Execução das Penas ouve o condenado, nomeadamente para obter o seu consentimento”.
Tal preceito foi revogado pela Lei n.º 115/2009, de 12/Out., através do seu artigo 8.º, n.º 2, al. a), que instituiu o Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade (CEP), mas o mesmo continua a fazer referência, no capitulo respeitante à liberdade condicional, a “decisão do juiz” (177.º, n.º 3), como de resto sucede em relação a outras decisões, distinguindo a mesma das “sentenças condenatórias” (v.g. 3.º, n.º 2; 181.º).
A decisão proferida ao abrigo do artigo 485. do CEP era proferida pelo tribunal de execução de penas, no âmbito da fase jurisdicional do processo de concessão da liberdade condicional, que em tempos e nos seus primórdios chegou a ser uma concessão do Ministro da Justiça (Lei de 6 de Julho de 1893, regulada pelo Decreto-Lei n.º 26643, de 28 de Maio de 1936, artigo 393.º).
Assim e desde que se procedeu à jurisdicionalização da execução das penas privativas da liberdade (Lei n.º 2000, de 1944/Mai./15; Decreto n.º 34.553, de 1945/Abr./30; Decreto-Lei n.º 783/76, de 27 de Out.; Lei n.º 115/2009, de 12/Out.), que o acto judicial de concessão ou recusa da liberdade condicional foi sempre considerado pelo legislador como uma decisão judicial distinta de uma sentença, mas integrado no âmbito da execução de uma sentença condenatória, transitada em julgado.
Daí que a liberdade condicional ocorra no decurso da execução de uma pena de prisão, comportando um regime substantivo (61.º a 64.º Código Penal) e um regime processual (antes 484.º a 486.º C. P. P.; agora 155.º, 173.º e ss. C.E.P.), que actualmente integra uma fase de incidência técnico-administrativa, que culmina com o parecer do Conselho Técnico (175.º, n.º 2 CEP), a que se segue uma fase de incidência judicial, a qual se inicia com a audição do recluso e finda com a prolação da decisão judicial (176.º, 177.º CEP).
Nesta conformidade, o instituto de liberdade condicional tem um carácter incidental e uma natureza híbrida [Ac. do TC 427/2009, fundamento 9.1; Ac. Uniformizador STJ 2/99, DR 35/99 I-A; Ac. TRP 10/Mar/2010](4).
Daqui decorre que a decisão judicial de concessão ou recusa da liberdade condicional, pode marcar ou não o início de um período de liberdade provisória, mas certamente que essa antecipação da liberdade não tem, em momento algum, um carácter definitivo (antes 480.º, n.º 1, parte final e 481.º, n.º 1 C. P. P.; agora 23.º, n.º 1 e 24.º, n.º 1 CEP). Por isso, no incidente processual da liberdade condicional não se conhece nem do objecto final do processo de execução das penas de prisão e muito menos do objecto do processo penal.
Por último, nem sempre a exigência de uma reflexão cuidada e a susceptibilidade da correspondente decisão judicial ser impugnável em sede recursiva conduz a que aquele acto decisório tenha de ser sempre uma sentença, como de resto sucede com o decretamento da prisão preventiva (194.º, n.º 4 C. P. Penal) ou a revogação da suspensão da execução da pena de prisão (56.º C. Penal).
Daí que o estatuto formal de uma sentença, que pode marcar irremediavelmente a declaração de culpabilidade e a determinação de uma reacção penal, esteja confinado às decisões judiciais que apreciem o mérito de uma acusação ou de uma pronúncia (283.º, 284.º, 285.º, 308.º C. P. P.) e dos pedidos de indemnização cível que podem ser enxertados em processo penal (77.º C. P. P.).
Em suma, se o processo penal tem essencialmente por objecto a declaração de culpabilidade do arguido e, quando for caso disso, a fixação de uma pena, a liberdade condicional representa um incidente da fase de execução desta última.
A isto acresce e de forma determinante que a garantia dos direitos de defesa do arguido, assim como a salvaguarda de um processo justo e equitativo (32.º, 20.º, n.º 4 da Constituição; 6.º CEDH), não exigem, numa interpretação conforme a Constituição (verfassungskonforme Auslegung), que qualquer decisão judicial privativa da liberdade tenha uma estrutura idêntica ou semelhante a uma sentença, mas apenas que a mesma esteja fundamentada de facto e de direito.
Nesta conformidade, o acto judicial decisório de concessão ou recusa da liberdade condicional não corresponde, nem sob o ponto de vista formal nem teleológico, a uma sentença, sendo totalmente desajustado fazer essa equiparação.

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Por sua vez e de acordo com o artigo 118.º do Código de Processo Penal, que consagra o princípio da legalidade dos actos processuais, preceitua-se que “A violação ou a inobservância da disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”.
Ora e ao contrário das sentenças (379.º C. P. P.), dos despachos que decretam uma medida de coacção ou de garantia patrimonial (194.º, n.º 4 C. P. P.), bem do despacho de pronúncia (308.º, n.º 2, 283.º, n.º 3 C. P. P.), não existe qualquer norma legal que comine de nulidade, por falta de motivação, o despacho que se pronuncie sobre a concessão ou não da liberdade provisória.
A propósito convém recordar que o nosso Código de Processo Penal seguiu de perto o “Codice di Procedura Penale” Italiano, acompanhando os seu principais alinhamentos e opções de política processual penal.
No entanto o nosso regime de nulidades processuais penais não contempla um normativo semelhante ao do artigo 125.º daquele código transalpino, relativo à “Forme dei provvedimenti del giudice”, segundo o qual a falta de motivação conduz sempre à nulidade do respectivo acto – aqui estabelece-se que “Le sentenze e le ordinanze sono motivate, a pena di nullitá [177, 604, 606 lette]. I decreti sono motivati, a pena di nulllitá [181], nei casi in cui la motivazione é espressamente prescrita dalla legge [127, 132, 244, 247, 253, 267, 321, 409, 414]”.
Isto significa que neste âmbito as opções de política processual penal foram distintas. Daí que, seguindo o enunciado princípio da legalidade dos actos processuais, a falta ou a insuficiência de motivação de uma decisão que conceda ou não a liberdade condicional, não corresponde a uma nulidade antes tratando-se e apenas de uma irregularidade.
Mais acresce e ao contrário do regime recursivo em processo penal, que permite invocar a nulidade de uma sentença como fundamento de recurso (379.º, n.º 2 C. P. P.), a impugnação da decisão da concessão ou recusa da liberdade condicional é limitado a esta questão (179.º, n.º 1 CEP), sendo este o conteúdo útil do direito ao recurso [Ac. TC 638/2006]. Nesta conformidade, não é pelo facto de haver uma exigência constitucional e legal de fundamentação das decisões judiciais, que a sua falta ou insuficiência integra sempre uma nulidade.
Por sua vez e de acordo com o artigo 123.º, n.º 1 do Código de Processo Penal “Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto”.
Assim, a falta de invocação atempada de qualquer irregularidade como de resto de uma nulidade que não seja absoluta ou insanável, conduz à sua sanação (121.º, 123.º C. P Penal, por interpretação extensiva) – o contrário e a possibilidade de se conhecer a todo o tempo e oficiosamente uma mera irregularidade é, na prática, conferir-lhe o estatuto de uma nulidade insanável, o que se mostra legalmente desajustado.
Resta saber qual é o prazo que o visado tem para invocar a respectiva irregularidade, já que o disposto no artigo 123.º, n.º 2 impõe que seja no acto, caso esteja presente, ou, no caso de estar ausente, no prazo de três (3) após qualquer comunicação ou intervenção processual. Temos de reconhecer que este prazo de três (3) é severamente exíguo e mostra-se desproporcional quando está em causa um vício que tem uma imposição constitucional, como sucede com o dever de fundamentação de uma decisão judicial, sendo certamente mais ajustado estabelecer um prazo mais dilatado, como seria o prazo regra dos dez (10) dias (105.º, n.º 1 C. P. P).
Também o Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade veio estabelecer como regra geral para a prática de actos o prazo de dez (10) dias, preceituando no seu artigo 152.º, n.º 1 que “Salvo disposição legal – leia-se deste Código – em contrário, é de 10 dias o prazo para a prática de qualquer acto processual”. E quando quis regular um outro prazo veio fazê-lo expressamente, seja por referência interna (2 dias – 218.º, n.º 1; 5 dias – 160.º; 177.º, n.º 1; 203.º, n.º 1 parte final; 204.º, n.º 1; 205.º, n.º 1; 206.º, n.º 2 CEP; 8 dias – 203.º, n.º 1 I parte CEP), seja por remissão externa, como sucede no caso dos recursos (239.º CEP), cujo prazo de interposição regra é de 20 dias (411.º, n.º 1 C. P. P.).
Isto significa que tendo o Código de Processo Penal apenas aplicação subsidiária em relação ao Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, conforme decorre do seu artigo 154.º e não havendo reenvio expresso para o prazo de invocação do vício processual de irregularidade, então será de observar o prazo regra do artigo 152 deste último diploma, cuja aplicação até se mostra mais conforme com as exigências constitucionais das garantias de defesa e do direito a um processo justo e equitativo.
Aqui chegados podemos tirar quatro conclusões para a leitura do regime processual de concessão ou recusa da liberdade condicional e das exigências de fundamentação da respectiva decisão judicial.
A primeira é que as já referidas garantias de defesa do arguido, o direito a um processo equitativo, assim como a primazia constitucional que se deve conceder à liberdade (27.º n.º 1, n.º 2, n.º 3 Constituição), incutem que as decisões judiciais que afectem esta última tenham um reforço de fundamentação, devendo as mesmas estar ancoradas num procedimento que garanta uma efectiva e clara percepção da decisão e quais as razões que a sustentam, assegurando-se um apropriado grau de recurso jurisdicional.
A segunda conclusão é que o vício da falta ou insuficiência da motivação da decisão de concessão ou recusa da liberdade condicional, corresponde a uma mera irregularidade, que, sempre que não for contrariado pelo Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, está sujeito ao regime do art. 123.º do Código de Processo Penal – sem prejuízo de ser mais aconselhável que o legislador optasse por uma formalização específica do correspondente despacho, cominando o vício de falta de fundamentação como nulidade.
A terceira conclusão é que essa irregularidade tem de ser suscitada perante o tribunal que a praticou, sob pena de ficar sanada, não podendo ser fundamento de recurso.
A quarta conclusão é que o predomínio do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e a sua autonomia em relação ao Código de Processo Penal, pois este é que tem aplicação subsidiária em relação àquele e não o contrário (154.º CEP), levam a que se afaste o prazo de três (3) dias previsto no artigo 123.º, n.º 1 deste último diploma, e se acolha a regra geral do prazo de dez (10) dias daquele código.
Ora podemos efectivamente constatar, no caso em apreço, que em nenhum momento foi suscitada a presente irregularidade perante o tribunal que a terá cometido, pelo que improcede este fundamento de recurso.
(nesta matéria damos por reproduzido o teor da douta fundamentação expendida no Ac. Deste TRP – relator Joaquim Gomes, de 4/07/2012 – in www.dgsi.pt).

No caso dos autos o dever de fundamentação é o que consta do disposto no art. 146º nº 1, do CEP.
Ora, na decisão recorrida constam as razões de facto e de direito que a fundamentaram; os crimes objecto de condenação transitada em julgado com a respectiva pena; datas atinentes ao atingimento de ½, 2/3 da pena e términus da mesma; ainda os antecedentes criminais, pareceres do Conselho Técnico e do MP. Ainda o percurso e postura no Estabelecimento Prisional e projectos de vida do recluso e a sua “visão” comportamental no que se reporta aos direitos das vítimas, o que foi conjugado com as razões de prevenção geral e especial estabelecidas e consagradas mo art. 61º nº 2, al. A) “a contrario” e sua al. B).

A concessão da liberdade condicional (a bondade da decisão recorrida):-
Os princípios da intervenção mínima e da proporcionalidade das penas e a liberdade condicional
A Constituição estabelece no seu artigo 18.º, n.º 2 que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
Por sua vez a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, enuncia vinculativamente para os Estados Membros no seu artigo 49.º, n.º 3 que “As penas não devem ser desproporcionadas em relação à infracção.”
Decorre da conjugação destes preceitos o princípio da intervenção mínima do direito penal e da proporcionalidade das penas, não só na sua escolha e determinação, assim como na sua execução, mormente quando as reacções penais forem privativas da liberdade.
A proporcionalidade tem sido perspectivada a partir de três sub-princípios: da idoneidade ou adequação, da necessidade ou exigibilidade, ambos respeitantes à optimização relativa do que é factualmente possível, e da proporcionalidade em sentido estrito ou da justa medida, o qual se reporta à optimização normativa, seja a propósito dos direitos, liberdades e garantias em geral [Ac. TC 11/83, 285/92, 17/84, 86/94, 99/99, 302/2006, 158/2008(6)], seja especificamente no que concerne às reacções penais [Ac. TC 370/94, 527/95, 958/96, 329/97].
Por sua vez, será de referir que tanto na determinação como na execução das penas, dever-se-á atender às finalidades destas, que segundo o art. 40.º do Código Penal, consistem na “protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
Isto significa que a pena, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, tem, ao fim e ao cabo, uma função de paz jurídica ou social, típica da prevenção geral, seguindo-se as vertentes da prevenção especial.
Por sua vez e de acordo com o artigo 42.º, n.º 1 do Código Penal “A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável”.
Tudo isto reforça que a execução de uma pena de prisão tem essencialmente na sua base, sendo de resto a sua âncora, razões nítidas de prevenção geral, associadas à defesa da sociedade e à paz jurídica ou social, mas também orientações de prevenção especial, especialmente na vertente da ressocialização do arguido.
Para o efeito, de modo escalonado e proporcionado, fixaram-se no artigo 61.º do Código Penal os requisitos de flexibilização da execução da pena de prisão, através da antecipação da liberdade, optando-se não só por uma diferenciação temporal dos pressupostos formais, como também por uma diferenciação material dos seus pressupostos discricionários.
Assim e partindo-se sempre do pressuposto formal da existência de consentimento por parte do condenado (n.º 1), situaram-se os demais pressupostos formais para a liberdade condicional facultativa em 1/2 (n.º 2) e em 2/3 (n.º 3) do cumprimento da pena de prisão, enquanto se fixou a liberdade condicional de carácter obrigatório ou automático no cumprimento de 5/6 de pena de prisão (n.º 4), mas desde que esta seja superior a 6 anos.
Do exposto decorre que a liberdade condicional corresponde a um instituto de natureza incidental que ocorre no decurso da execução da pena de prisão [Ac. do TC 427/2009, Ac. Uniformizador STJ 2/99, DR35/99 I-A; Ac. TRP 10/Mar/2010] e que é exclusivo desta, não sendo, por isso, extensível a outras reacções penais privativas da liberdade e substitutivas da pena de prisão [v. g. o regime de permanência na habitação; Ac. TRP 28/Jan./2009].
Tratando-se, essencialmente, de um período de transição entre a prisão e a liberdade [Ac. TRP de 10/Fev./2010], o mesmo pode estar sujeitos a medidas prévias de adaptação e antecipação da liberdade condicional (62.º Código Penal), flexibilizando-se a execução da pena de prisão, ou então a restituição à liberdade provisória pode ficar condicionada a certas regras de conduta, que até pode implicar um regime de prova e um plano de reinserção social (64.º Código Penal).
Importa no entanto reter que a concessão de liberdade condicional não tem subjacente qualquer “ideia de benefício penitenciário”, nem pode ser vista como uma “medida de clemência”, sendo antes, na perspectiva do recluso, um verdadeiro direito subjectivo, assente na sua responsabilização e no esforço da sua reinserção social [Ac. TRP de 08/Set./2010, 25/Mar./2010], e na perspectiva do tribunal, um autêntico poder-dever de concessão da liberdade condicional , verificados que estejam os seus pressupostos formais e materiais [Ac. TC 427/2009].
Nestas últimas acentuam-se as finalidades preventivas na execução das penas, tanto na sua dimensão geral de integração e defesa do ordenamento jurídico, como na sua dimensão especial de ressocialização, [Ac. TRP 14/Abr./2010]. Daí que a liberdade condicional só deva ser recusada, como se enunciou neste último aresto, “se a libertação afrontar as exigências mínimas de tutela do ordenamento jurídico ou na decorrência de motivo sério para duvidar da capacidade do recluso para, uma vez em liberdade, não repetir a prática de crimes”.
(cfr. Ac. Do TRP acima citado com abundantes citações de Jurisprudência e Doutrina).

No caso em apreço e tendo em conta o disposto no falado art. 61º nº 2, als. a) e b), do CP, a decisão recorrida fundamentou com suficiência a recusa da concessão da liberdade condicional no caso concreto, aludindo às acentuadas razões de prevenção geral; com efeito ali bem se refere ser …”… a prevenção geral - aquela que para o juiz é, também, um exercício de análise e ponderação sobre os factores, níveis e exteriorizações do pulsar de coração social e do querer comum da sociedade em cada momento, gerando, desse modo, uma necessidade de constante actualização sobre esses expressares bem como uma contínua e sólida visão do sentido de regra de experiência de vida…”; e, no caso concluiu-se, a nosso ver com certo que aquela prevenção geral não está assegurada nas suas exigências no presente momento em termos de neutralização do efeito negativo do crime na comunidade, da dissuasão e do fortalecimento do seu sentimento de justiça e de confiança na validade da norma violada, considerando a natureza e gravidade do crime praticado.
As respectivas exigências, muito fortes no caso dos autos, sempre impedem a libertação antecipada neste momento.

Concordamos com o expendido, pelo que tal implica a improcedência do recurso.

Daqui decorre que a decisão recorrida não merece censura e é de manter.

XXX

Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso interposto pelo arguido, B… e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs – artigos 513.º n.º 1 e 514.º n.º 2 do Código de Processo Penal.

PORTO, 3/10/2012
José João Teixeira Coelho Vieira
José Carlos Borges Martins