Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | EUGÉNIA CUNHA | ||
Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS RECUSA DE PAGAMENTO | ||
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Nº do Documento: | RP20231023348/21.0T8VCD.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/23/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Observado que se mostre, pelo Autor, o ónus de alegação fáctica no articulado com que introduz a sua pretensão em juízo, levanta-se a, subsequente, questão da observância do ónus da prova dos factos essenciais densificadores da causa de pedir. II - E na aferição dos factos carecidos de prova há a considerar que a falta de impugnação de factos essenciais, relativamente aos quais a lei não exija prova documental, implica a admissão desses factos por acordo (confissão tácita ou ficta), a não serem, os mesmos, objeto de prova, apenas o tendo de ser os factos relevantes (factos constitutivos do direito do Autor) impugnados. III - Pode, ainda, dar-se o caso de, não obstante ter sido efetuada impugnação de determinados factos, bem se revelar da interpretação do articulado de defesa, como um todo, que se não pretendeu efetuar uma real e efetiva impugnação de um, específico, facto, antes se estando a aceitá-lo, a confessá-lo, a reconhecê-lo. E, assim sendo, os factos não real e efetivamente impugnados, antes aceites, não podem deixar de ser considerados admitidos por acordo na sentença e, em recurso da mesma, no acórdão do Tribunal Superior (cfr. nº2, do art. 574º, nº4, do art. 607º e nº2, do art. 663º, do CPC). IV - Visando-se com a consagração da exceptio non adimpleti contractus/esceptio non riti contractus, pela recusa da prestação, no exercício do direito de defesa, trazer ao caso o equilíbrio perdido, decorrente da falta da correspetiva prestação, a mesma apresenta-se como válvula de segurança do sistema. V - E para que seja justificada/legitima a recusa do devedor do cumprimento da sua prestação com base na exceção de inexecução da prestação da outra parte, aceite se mostrando a celebração do contrato invocado pelo Autor, é necessária a verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos (cfr. nº1, do art. 428º e nº2, do art. 762º, ambos do Código Civil): i) a obrigação cujo cumprimento é recusado tem de estar numa relação de sinalagmaticidade com contraobrigação não cumprida; ii) não existir uma obrigação de cumprimento prévio por parte daquele que invoca a exceptio; iii) o exercício da exceção não exceder os limites impostos pelo princípio da boa fé. VI - Acordado entre as partes a produção, o fornecimento de equipamento e a montagem de cozinha pela Autora à Ré, mediante o pagamento, por esta àquela, de determinado montante – contrato de empreitada, com prestações sinalagmáticas - não pode a exceção de não cumprimento do contrato, com recusa de pagamento de uma parte do preço pelo dono da obra, deixar de proceder, no preenchimento dos referidos requisitos, a haver cumprimento defeituoso do contrato por parte da empreiteira. VII - É legítima, equilibrada, proporcional e conforme à boa fé a invocação da referida exceção de inexecução a haver falta da devida/perfeita prestação pela outra parte, conduzindo a recusa judicial da prestação, na procedência da exceção, apenas à paralisação do direito da Autora (à parte do preço ainda não paga, de cerca de 16% do montante do preço acordado) até que esta se apresente a oferecer a contraprestação (eliminação das manchas). VIII - A procedência desta exceção dilatória de direito material ou substantivo (dilatória porque exclui de momento a pretensão do Autor; de direito material porque se funda em razões de direito substantivo), que, adjetivamente, se subsume nas exceções perentórias, densificada por factos modificativos do direito do Autor, não pode deixar de seguir o, consequente, específico, regime para ela estabelecido e querido pelo legislador (v. nº1, do art. 428º, do CC), afastando-se, por isso, do regime geral para estas consagrado (no nº3, do art. 576º, do CPC). | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 348/21.0T8VCD.P1 Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível) Tribunal de origem do recurso: Juízo Local Cível de Vila do Conde - Juiz 2 Relatora: Des. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha 1º Adjunto: Des. Anabela Maria Mendes Morais 2º Adjunto: Des. Manuel Fernandes Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC): …………………………………………… …………………………………………… ………………………………………….... * I. RELATÓRIO Recorrente: A... Lda Recorrido: B..., Lda A... Lda., com sede na Rua ... – Zona Industrial ..., ... Póvoa de Varzim, veio propor ação declarativa, com forma de processo comum, contra B..., Lda., com sede na Rua ..., ..., ... Vila do Conde, peticionando o pagamento de € 5.216,25, alegando, para tanto, que, no âmbito da sua atividade, foi contactada pela Ré que lhe solicitou o fornecimento e montagem de uma cozinha profissional, que procedeu à produção e montagem desta e que a Ré deixou por pagar parte do preço: a importância de € 4.761,08. A Ré contestou e, aceitando os factos alegados pela Autora, invoca, a justificar a falta de pagamento desta importância, a exceção do não cumprimento do contrato, sustentando não ter procedido ao aludido pagamento por a cozinha montada apresentar defeitos – equipamentos com ferrugem -, reclamados. Pretende, na procedência de tal exceção, ser absolvida da instância e, a assim se não entender, seja a ação julgada improcedente e absolvida dos pedidos, pois a A. deve efetuar o trabalho de eliminação dos defeitos antes de exigir pagamento, dado a maior parte do trabalho estar pago e ter recusado o pagamento em falta devido aos defeitos da obra, reclamados. Respondeu a Autora impugnando o alegado pela Ré e invocando que os problemas de ferrugem, a existirem, se não relacionam com má qualidade do material aplicado mas com a má manipulação do mesmo, nomeadamente por utilização de produtos inadequados para a sua limpeza. Dispensada a realização de audiência prévia, foi elaborado despacho saneador. Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais. * Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva: “Pelo exposto, o Tribunal decide julgar procedente a excepção de não cumprimento e improcedente a acção e, em consequência, absolver a Ré, B..., Lda., do pedido formulado pela Autora, A... Lda. * Custas da acção a cargo da Autora – cfr. art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil”. * Apresentou a Autora recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue improcedente a exceção invocada pela Ré e a condene no pedido formulado na petição inicial, formulando as seguintesCONCLUSÕES: “1. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, existiu um erro na fixação da prova provada e não provada, bem como na aplicação do direito à referida matéria, nomeadamente quanto à qualificação do contrato celebrado entre as partes, resultando numa inversão do ónus da prova inesperado e que, sem qualquer fundamento jurídico, penalizou a Autora com a decisão de que se recorre. 2. A Recorrente não prestou o serviço de montagem, tendo deixado os equipamentos prontos a serem instalados nos devidos locais, mas cabendo a instalação a um terceiro, habitual prestador de serviços da Recorrida, que testemunhou em tribunal ter realizado toda essa parte da montagem. 3. Pelo que foi realizada prova suficiente para que o facto dado como provado 7 tivesse sido dado como provado com a seguinte formulação: Na sequência dessa aprovação e pagamento, nos termos contratados, a Autora forneceu à Ré a referida cozinha. 4. Foi realizada prova suficiente para que o facto dado como provado 7 tivesse sido dado como provado com a seguinte formulação: Em data não apurada, mas anterior a 29/11/2020, começaram a aparecer manchas de ferrugem em alguns dos equipamentos em aço inoxidável fornecidos pela Autora. 5. O relatório pericial determina que os produtos fornecidos devem ser lavados apenas com água e sabão, o que manifestamente não é o que a Recorrida faz na limpeza dos mesmos. 6. É incoerente que uma testemunha que declara falsamente, nos termos que interessa à sua entidade patronal, quanto ao tema da data de aparecimento das manchas, seja valorizada num tema fulcral que seria de sua responsabilidade: a incorreta manipulação e limpeza dos materiais. 7. Acresce ainda que os equipamentos fornecidos tinham diversas proveniências e marcas, nomeadamente equipamentos com chapa própria elaborados pela Recorrente até produtos das marcas nacionais e estrangeiras seguintes: ONUN, FRIEMO, FIAMMA CATERING EQUIPMENT e COOLBLOK. 8. Há, portanto, aço de vários fabricantes a dar problemas idênticos. 9. O aparecimento de manchas em quase todos eles (ainda que em locais pontuais, mas de forma generalizada), conforme relatado, é incoerente com um problema no material fornecido, pois há vários materiais. 10. Caindo por terra o argumento lógico utilizado pelo tribunal recorrido para entender como única via possível para o aparecimento de manchas, o do problema num material vindo de um único produtor, e não o mais evidente de uma incorreta manipulação desse mesmo material. 11. Pelo que foi realizada prova suficiente para se considerar provado o facto dado como não provado 1, sendo, aliás, a única justificação possível para o que se verificou nos produtos fornecidos. 12. Há um erro manifesto do tribunal recorrido na qualificação do contrato celebrado entre as partes como sendo um contrato de empreitada. 13. O que foi efetuado foi um mero fornecimento de produtos de hotelaria para cozinha, não tendo efetivamente havido uma contratação de obra. 14. Não sendo possível apontar critérios gerais taxativos, deverá “considerar-se como melhor, mas não como exclusivo, o critério segundo o qual há empreitada, se o fornecimento dos materiais é simples meio para a feitura da obra e se o trabalho constitui o fim do contrato. Pelo contrário, há compra e venda se o trabalho é simplesmente um meio para obter a transmissão da matéria” (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, 3.ª edição revista e comentada, Vol. II pág.789). – sublinhado e itálico nossos. 15. Como refere Romano Martinez, Contrato de Empreitada, Almedina, 1994, pág.34 e seguintes, segundo a doutrina italiana, “o critério está na predominância do factor trabalho (empreitada) ou material (compra e venda).” 16. No caso em apreço é fácil verificar a diferença entre estes dois tipos de contratos: empreitada é o negócio que terá sido realizado entre a recorrida e um terceiro para construção das instalações do Colégio, incluindo a cozinha onde os bens fornecidos pela recorrente seriam colocados; compra e venda foi claramente o negócio celebrado entre as partes no processo, já que o escopo do negócio foi a aquisição dos produtos – bancas, fornos, fogões, grelhadores, bancadas, etc., que ainda que precisem de uma ou outra ligação (um cano ligado a uma torneira, uma ligação ao gás, etc.), são tais ligações acessórias e não o cerne do contrato. 17. Ainda para mais quando, como se verificou, a recorrente não fez essas ligações, como resultou do testemunho supra elencado e transcrito. 18. Pelo que, ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, dúvidas não podem existir que o contrato celebrado entre as partes foi um contrato de compra e venda de bens de hotelaria – cf. e assim o pretenderam, como se verificou pela questão do IVA nas faturas abordada pela testemunha AA – cf. depoimento transcrito supra. 19. Decorrente da qualificação incorreta do contrato como sendo de empreitada, o tribunal recorrido aplica aos autos o disposto no artigo 799º do Código Civil, presumindo, assim, culpa da recorrente, na sua suposta qualidade de empreiteiro. 20. Corrigida a errada qualificação contratual efetuada pelo tribunal recorrido, tal juízo deverá, consequentemente, ser alterado. 21. Face aos factos constantes da fundamentação da sentença recorrida, e ao aludido critério de distinção, a recorrente entende que, in casu, o contrato celebrado entre as partes é um contrato de compra e venda e que essa compra e venda assume natureza comercial. 22. Trata-se, assim de uma compra e venda comercial, sujeita às regras gerais da compra e venda, designadamente no que à venda de coisas defeituosas concerne, ao regime previsto no artigo 913º e seguintes do Código Civil. 23. A recorrida efetuou a denúncia de defeitos dos produtos fornecidos muito depois de decorridos seis meses da entrega dos mesmos. 24. Não foi respeitado o referido prazo de denúncia, mostrando-se já caducados, à data em que tais alegados defeitos foram comunicados à recorrente, os direitos que poderiam advir à recorrida do cumprimento defeituoso desta. 25. Assim sendo, também por procedência da exceção de caducidade do direito invocado pela recorrida, não poderia a ação proceder. 26. Acresce que há-de ser sobre quem invoca a prestação inexata da outra parte como fonte da responsabilidade que há-de recair o ónus de demonstrar os factos que integram esse incumprimento (facto ilícito), bem como os prejuízos dele decorrentes (dano) – artigo 342º, nº1, do Código Civil. 27. Ora, a prova pericial não permitiu atribuir à Recorrente responsabilidade nos vícios que foram verificados existir nos bens fornecidos. 28. Tendo ficado a fundada dúvida se os mesmos decorreram de utilização, pela recorrente, de materiais de menor qualidade/durabilidade nos bens por si vendidos, ou se, por outro lado, os vícios verificados se deveram a incorreta manipulação – nomeadamente por produtos aplicados sobre os materiais – por parte da recorrida. 29. Pelo que, perante a dúvida quanto à responsabilidade da recorrente nos vícios verificados, sempre deveria ser a mesma absolvida por não cumprimento do ónus que cabia à recorrida de provar a responsabilidade da recorrente nos vícios indicados. 30. Com todo o devido respeito, que é muito, a recorrente considera que a sentença recorrida não está de acordo com os princípios e regras de direito, já que viola o disposto nos artigos 342º, 428º, 874º e 916º do Código Civil”. * Respondeu a Ré/Apelada, pugnando por que, na improcedência do recurso, seja mantida a decisão recorrida, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: “A- O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões nele insertas, salvo questões de conhecimento oficioso – arts. 684º, nº 3 e 690º, do CPC. B - O que se pretende com a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação é essencialmente detetar e obviar a erros de julgamento que se mostre terem sido cometidos pela 1.ª instância. Ora, C- O Tribunal “a quo” julgou corretamente todos os factos em causa nos presentes autos, face ao conjunto de toda a prova produzida. D - De acordo com o princípio da imediação, a reapreciação da matéria de facto, obedece a um conjunto de princípios, sendo que o recurso não pode ser um efetivo segundo julgamento, desde logo – e na medida – em que são diferentes as condições de apreciação e, por isso, o material probatório que se analisa. Efectivamente, E - O que se pretende com a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação é essencialmente detetar e obviar a erros de julgamento que se mostre terem sido cometidos pela 1.ª instância. Ora, F - O tribunal de recurso não pode pôr em causa o princípio legal da livre apreciação da prova e esquecer as circunstâncias que envolveram a prestação dos depoimentos dados perante o Juíz de 1.ª instância, pois reconhece-se que esse Tribunal se encontra em condições mais adequadas para perceber comportamentos e reações que a prova registada (por mero registo fonográfico) necessariamente não revelará. G - Com a alteração aos factos provados 7 e 16, pretende a recorrente alterar a qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes de contrato de empreitada para contrato de compra e venda, o que, segundo alega, resultou numa inversão do ónus da prova inesperado e que, sem qualquer fundamento jurídico, a penalizou. Ora, H - Contrariamente ao por si própria alegado na douta p. i., vem agora a recorrente dizer que “não prestou o serviço de montagem, tendo deixado os equipamentos prontos a serem instalados nos devidos locais, mas cabendo a instalação a um terceiro, habitual prestador de serviços da Recorrida. Contudo, I - Conforme resultou da matéria provada e da transcrição dos depoimentos supra referida nos itens 19º, 21º, 22º, 23º, 24º, 28º, dúvidas não podem restar de que a recorrida não se limitou a adquirir os equipamentos de cozinha, mas contratualizou a instalação e montagem de uma cozinha, para o seu novo estabelecimento de ensino, o que se traduz numa verdadeira empreitada e não numa simples compra e venda dos equipamentos que compõem essa cozinha. Deste modo, J - Não se vislumbra qualquer razão para alterar o teor dos factos provados 7 e 16, devendo a matéria de facto considerada provada pelo Tribunal “a quo”, manter-se conforme foi decidido na 1ª instância, em virtude de espelhar a verdade material. Por isso, K - Bem andou o Tribunal “a quo”, ao considerar o contrato em causa nos autos como um contrato de empreitada e não como um contrato de compra e venda, como ora pretende a recorrente. E, L - Sendo um contrato de empreitada, como de facto é, aplicam-se-lhe as respetivas regras próprias de denúncia de defeitos, tendo sido a mesma tempestiva, devendo também nesta apreciação tomar em consideração a suspensão dos prazos ocorrida por força das leis que entraram em vigôr no período após 12 de março de 2020, por força da pandemia que assolou o mundo nesta altura. Além disso, M - Também no que respeita à pretensão da recorrente em que seja considerado como provado, o único facto que o Tribunal “a quo” considerou como não provado, não se verificam quaisquer razões de facto para essa alteração. De facto, N - Não sendo a peritagem que foi efetuada nos autos concludente no que à questão da utilização de produtos de limpeza alegadamente inadequados diz respeito, o Senhor Perito é perentório em afirmar que “Pelas fichas técnicas dos produtos, ambos podem ser utilizados, nas devidas concentrações, para limpeza de superfícies em aço inoxidável.” Por outro lado, O - Também da prova testemunhal efetuada na audiência de julgamento outra decisão não seria de esperar, bastando para o efeito atentar nas transcrições que se encontram feitas nos itens 43º, 44º, 45º e 46º supra indicados. Por isso, P - Não se vislumbra qualquer razão para alterar o teor dos factos não provado 1 e considera-lo provado, devendo esta matéria de facto considerada não provada, manter-se conforme foi decidido na 1ª instância, em virtude também de espelhar a verdade material. Por isso, Q - O não pagamento das faturas em causa nos autos encontra-se assim devidamente fundamentado na existência comprovada de diversos defeitos na obra, nomeadamente, no aparecimento de manchas e ferrugens em alguns dos equipamentos fornecidos e instalados pela recorrente na obra da recorrida, estando assim perfeitamente preenchidos os pressupostas da excepção de não cumprimento”. * Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.* II. FUNDAMENTOS - OBJETO DO RECURSO Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal. Assim, as questões a decidir são as seguintes: 1ª - Quanto à impugnação da decisão de facto: - do erro na apreciação da prova e se é de alterar a decisão da matéria de facto quanto aos pontos impugnados – provados e não provado -, referidos nas conclusões das alegações (sendo, quanto aos provados por não ter resultado provado acordo quanto a prestação se serviços de montagem da cozinha, mas apenas a venda de equipamento, e quando ao não provado, por existir prova a permitir resposta diversa). 2ª- Quanto à decisão de mérito: 2.1 – Do erro na qualificação do contrato (compra e venda/empreitada). 2.2- Da improcedência da exceção de não cumprimento do contrato de empreitada (exceção dilatória de direito material ou substantivo) e da procedência da ação, por verificação do direito da Autora ao pagamento peticionado. 2.3- Procedendo a exceptio, qual a consequência de tal procedência: i) absolvição da Ré da instância; ii) improcedência da ação e absolvição da Ré do pedido; ou iii) condenação da Ré no pedido (pagamento da parte do preço em falta) contra a realização da prestação da Autora, em falta (obra em perfeito estado, sem as manchas de ferrugem). * II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 1. FACTOS PROVADOS São os seguintes os factos considerados provados com relevância para a decisão (transcrição): 1. A Autora é uma sociedade que se dedica, entre outros, ao comércio de equipamentos hoteleiros, importação, exportação, comércio, instalação e reparação de material de frio e ar condicionado. 2. A Ré é uma sociedade por quotas, que tem por objeto a prestação de serviços na área de educação e ensino, abrangendo as atividades de berçário, creche, jardim de infância, centro de atividades de tempos livres, ensino básico e secundário, transporte coletivo de crianças, fornecimento de alimentação dentro do estabelecimento, promoção de eventos e aluguer de espaços. 3. No desenvolvimento desta sua atividade, a Ré levou a efeito a construção de um novo Colégio. 4. No exercício dessa sua atividade, a Ré revelou interesse no fornecimento e montagem pela Autora de uma cozinha profissional a montar nas suas instalações. 5. Para o efeito, a Autora apresentou o orçamento para a produção e montagem da referida cozinha, incluindo todos os equipamentos, nos termos pretendidos pela Ré. 6. Com a aceitação pela Ré, em 17/09/2019, foi liquidada pela Ré a quantia de € 10.000,00. 7. Na sequência dessa aprovação e pagamento, nos termos contratados, a Autora forneceu e montou para a Ré a referida cozinha. 8. A Autora emitiu, consequentemente, as faturas n.ºs 1103, 1105 e 1156, sendo as duas primeiras a 23/10/2019 e a última em 11/11/2019, respetivamente nos montantes de € 27.248,19, € 2.414,49 e € 98,40. 9. Interpelada para os respetivos pagamentos, a Ré efetuou um pagamento adicional de € 15.000,00, tendo ficado por liquidar a quantia de € 4.761,08. 10. Concretamente, a Ré não efetuou o pagamento do remanescente da fatura 1103, que se encontra em dívida pelo montante de € 2.248,19, bem como da totalidade das faturas 1105 e 1156. 11. À data da propositura da ação, os juros em dívida ascendiam a € 455,17: a) € 215,15 referentes ao capital de € 2.248,19 da fatura 1103, com vencimento a 26/10/2019; b) € 231,06 referentes ao capital de € 2.414,49 da fatura 1105, com vencimento a 26/10/2019; e c) € 8,96 referentes ao capital de € 98,40 da fatura 1156, com vencimento a 19.11.2019. 12. Relativamente aos equipamentos montados, o assador a gás ONUN 900 obriga, para acender, a desmontar parte das grelhas e voltar a montá-las já com a chama acesa. 13. A aquisição de tal assador foi por acordo da Ré, embora a mesma desconhecesse, à data da encomenda, ao modo como o assador acendia. 14. Entre março de 2020 até setembro de 2020, devido à situação pandémica, o colégio esteve encerrado, pelo que o refeitório/cantina não foi utilizado nesse período. 15. Quando as aulas presenciais regressaram, em setembro de 2020, a Ré voltou a utilizar os equipamentos instalados pela Autora na cozinha do colégio. 16. Em data não apurada, mas anterior a 29/11/2020, começaram a aparecer manchas de ferrugem em alguns dos equipamentos em aço inoxidável instalados pela Autora. 17. Tal situação foi reportada pela Ré à Autora. 18. Em resposta, a Autora referiu que a ferrugem que surgiu se ficou a dever à má utilização dos aparelhos pela Ré, nomeadamente devido à limpeza dos mesmos com produtos inadequados para o efeito. * 2. FACTOS NÃO PROVADOS Com relevo para a decisão, resulta como não provado o seguinte facto: - Que o aparecimento da ferrugem tenha ficado a dever-se à utilização de produtos inadequados à limpeza dos materiais. * II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 1ª. Do erro da decisão de facto Impugnada a decisão da matéria de facto e resultando cumpridos os ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1, als. a), b) e c), do Código de Processo Civil, pois que a Apelante faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ela propugnados, a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida e indica, ainda, as passagens da gravação em que funda o recurso (nº 2 al. a) do citado normativo), cumpre conhecer do objeto do mesmo, reapreciando os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados, como a lei impõe. O nº1, do art. 662º, ao estabelecer que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, que vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto. O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve, pois, conter-se dentro dos seguintes parâmetros: - o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente (a menos que se venha a revelar necessária a pronúncia sobre facticidade não impugnada para que não haja contradições); - sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento; - nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes). Dentro destas balizas, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade. Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade. A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova[1] (consagrado no artigo 607.º, nº 5) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador entram, também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem. Com efeito, no vigente sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base, apenas, no juízo adquirido no processo. O que é essencial é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado[2].A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4). O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração (…): é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis[3]. E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. Impõe-se-lhe, assim, que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação (seja ela a testemunhal seja, também, a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da, demais, prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser, também, fundamentada). Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados. Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[4], devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância. Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação. Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos que não transparecem na gravação. Em suma, o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar convicção suficientemente segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados. E o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha tem de ser conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova. Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjetivas - como a prova testemunhal e declarações de parte -, a respetiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efetivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objetivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1.ª instância. * Tendo presentes os mencionados princípios orientadores, vejamos se assiste razão à Autora/Apelante, nesta parte do recurso que tem por objeto a impugnação da decisão da matéria de facto.Insurge-se a mesma contra a decisão da matéria de facto que, ponderando os depoimentos das testemunhas em conjugação com a prova documental junta aos autos e pericial, se fundou no seguinte: “o Tribunal baseou-se no teor das declarações das testemunhas BB (cozinheira da Ré), AA (comercial da Autora), CC (pessoa que acompanhou a construção da cozinha da Ré), DD (trabalhador da Ré) e EE (pessoa que realizou trabalhos de pichelaria para a Ré). Valorou igualmente o teor dos documentos juntos com a petição inicial, nomeadamente o orçamento junto como documento n.º 1, as guias de transporte juntas como documentos n.ºs 2 a 16, as facturas juntas como documentos n.ºs 17 a 19, o extracto de conta-corrente junto como documento n.º 20 e o auto de apuramento junto como documento n.º 21. Foi igualmente tida em consideração toda a documentação junta com a contestação, nomeadamente, a certidão de registo comercial da Ré junta como documento n.º 1 e as cartas trocadas entre Autora e Ré, juntas como documentos n.ºs 2 e 3. O Tribunal mais levou em consideração o certificado de qualidade de aço, junto a 05/05/2022 e o auto de vistoria junto a 04/05/2023 (fotocópia a cores de parte do documento n.º 3 junto com a contestação). Valorou ainda o relatório pericial apresentado em 25/07/2022. Concretizando a matéria de facto dada como provada, os factos provados n.ºs 1 a 11 não foram objecto de oposição por parte da Ré, sendo que se mostram ainda confirmados pelo teor do orçamento junto como documento n.º 1 da petição inicial, das guias de transporte juntas como documentos n.ºs 2 a 16, das facturas juntas como documentos n.ºs 17 a 19, do extracto de conta-corrente junto como documento n.º 20, do auto de apuramento junto como documento n.º 21 e do certificado de registo comercial da Ré, junto como documento n.º 1 da contestação. (…) Quanto ao facto provado n.º 16, igualmente levou o Tribunal em consideração o teor dos depoimentos das testemunhas BB, AA, CC e DD. Relativamente aos mesmos, apesar de todas terem referido o aparecimento de ferrugem – o que igualmente se mostra confirmado pelo teor do relatório pericial –, as declarações foram incongruentes quanto à data em que as mesmas surgiram. Assim, enquanto BB, CC e DD asseveraram que as primeiras manchas de ferrugem ocorreram entre Setembro e Outubro de 2019, e que imediatamente avisaram verbalmente AA de tal aparecimento, este declarou que apenas tomou conhecimento das manchas de ferrugem com o relatório de vistoria remetido à Autora em 29/11/2020. Sem olvidar o lapso de tempo que entretanto decorreu, os depoimentos das testemunhas da Ré acima referidas foram, de certo modo, contrariadas pelas prestadas por EE, que mencionou ter realizado trabalhos de pichelaria para a Ré na zona da cozinha no ano de 2019 e não verificou nenhum problema no equipamento aí existente. No mais, não se afigura conforme as regras da experiência e da normalidade da vida que, independente da pandemia, a Ré aguardasse mais de um ano até afirmar por escrito à Autora da existência das manchas de ferrugem. Por via disso, o Tribunal apenas pôde firmar convicção que as manchas já existiam aquando da remessa do auto de vistoria, datado de 29/11/2020, dando o respectivo facto como provado. (…) Por fim, no que respeita ao único facto não provado, levou o Tribunal em conta o teor do relatório pericial apresentado, conjugado com o depoimento de BB. O aludido relatório não apresentou qualquer conclusão indubitável acerca da causa das manchas de ferrugem, salientando apenas que não se verifica uma conexão entre os produtos de limpeza pretensamente utilizados pela Ré e o aparecimento de tais manchas. No mais, a testemunha BB confirmou quais os produtos que eram utilizados na limpeza do equipamento. É ainda relevante salientar que, conforme se verifica das fotografias dos equipamentos, juntas a 04/05/2023 (vd., nomeadamente, as fotografias n.ºs 5 a 8), é evidente a existência de manchas em áreas específicas do equipamento, como as chapas laterais e as portas dos fornos. Ora, caso as manchas se devessem aos produtos de limpeza, seria expectável que tais manchas fossem mais homogéneas, abrangendo a totalidade dos equipamentos. Tal facto igualmente aponta para a inexistência de uma correlação entre os produtos de limpeza utilizados e as referidas manchas”. (negrito nosso). Assim, considerou o Tribunal a quo, e bem, desde logo, que a matéria alegada pela Autora constante do facto provado 7 não foi objeto de oposição por parte da Ré. Ora, a falta de impugnação de factos essenciais implica a admissão desses factos por acordo (confissão tácita ou ficta). Ao contrário, tendo os factos, relevantes (factos constitutivos do direito da Autora), sido impugnados, têm os mesmos de ser objeto de prova. Pode, contudo, dar-se o caso de, não obstante ter sido efetuada impugnação de determinados factos, bem se revele da interpretação do articulado de defesa, como um todo, que se não pretendeu efetuar uma real e efetiva impugnação de um, específico, facto, antes se estando a aceitá-lo, a confessá-lo. E, assim sendo, os factos não real e efetivamente impugnados, antes aceites, não podem deixar de ser considerados admitidos por acordo (cfr. nº2, do art. 574º, do CPC). Reponderando a alegação fáctica da causa efetuada pela Autora[5], como era ónus seu, já que lhe cabia alegar os factos constitutivos do direito que invoca, nos termos do nº1, do art. 342º, do Código Civil, e a posição, relativamente a tal alegação, assumida pela Ré na contestação[6], constata-se que, na verdade, como mencionado na fundamentação da decisão de facto, resulta expressamente admitido por acordo das partes que Autora e Ré acordaram em, para além do fornecimento, na montagem da referida cozinha. Assim, estando a matéria em causa - montagem/instalação pela Autora - constante do ponto 7 e 16 dos factos provados[7] admitida por acordo, sempre tinha a mesma de ser considerada provada na sentença e, em recurso desta, no Acórdão da Relação (cfr. nº4, do art. 607º, e, ainda, nº2, do art. 663º) não cabendo, por isso, proceder à reapreciação da prova sobre tal matéria, plenamente provados estando os factos em causa. * Invoca, ainda, a Autora, na impugnação que deduz, erro na apreciação da prova, pretendendo que seja considerado provado o facto dado como não provado – que “o aparecimento da ferrugem tenha ficado a dever-se à utilização de produtos inadequados à limpeza dos materiais”.Ora, assim não sucede, em nenhum erro tendo o Tribunal a quo incorrido. Não logrou a Autora produzir prova credível e convincente de o aparecimento de ferrugem se ter ficado a dever à referida causa, bem resultando, até, a ela se não dever dada a localização das manchas de ferrugem em áreas específicas: nas chapas laterais e nas portas dos fornos. Revisitada a prova e vista a fundamentação da decisão da matéria de facto, ficou-nos a convicção de não existir qualquer erro de julgamento, ao invés a matéria de facto foi livremente e bem decidida, sendo que cada elemento de prova de livre apreciação, seja ela documental seja testemunhal, não pode ser considerado de modo estanque e individualizado. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura. Fazendo essa análise crítica, conjunta e conjugada de toda a prova produzida, e com base nas regras de experiência comum, não pode este Tribunal, com segurança, divergir do juízo probatório do Tribunal a quo. Efetuou este Tribunal a análise crítica da prova e não há elementos probatórios produzidos no processo que imponham decisão diversa – como exige o artigo 662.º, n.º 1, do mesmo diploma, para que o Tribunal da Relação possa alterar a decisão da matéria de facto. Assim, tendo-se procedido a nova análise da prova, ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos e analisados pelo Tribunal a quo, que não foram validamente contraditados por quaisquer outros meios de prova, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne à matéria de facto anteriormente referida, se mostra conforme com a prova, de livre apreciação, produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém, na íntegra. E, na verdade, não obstante as críticas que são dirigidas pela Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida, sujeita à livre convicção do julgador. A convicção do julgador para as respostas negativas tem apoio na ausência de prova que permita fundar resposta diversa, sendo, portanto, de manter a factualidade tal como decidido pelo tribunal recorrido, não sendo de aderir ao mero convencimento subjetivo da Autora apelante. * Assente que está o impugnado (montagem pela Autora/instalação pela Autora acordadas entre Autora e Ré) constante do ponto 7 e 16 dos factos provados (matéria de facto plenamente provada) e, no demais impugnado (facto não provado), não resultando erro de julgamento, antes convicção livre e adequadamente formada pelo julgador, tem de se concluir pela improcedência da apelação, nesta parte.* 2ª. Do erro da decisão de mérito:Sendo objeto do recurso a decisão que, julgando procedente a exceção do não cumprimento do contrato, absolveu a Ré do pedido, nele pretende a apelante que, na procedência do mesmo, seja tal exceção julgada improcedente e, bem assim, reconhecido o seu direito, como pedido na petição inicial. Cumpre, pois, decidir: - Da qualificação do contrato celebrado entre as partes (compra e venda/empreitada); - Da improcedência da exceção do não cumprimento do contrato e do reconhecimento do direito da Autora à prestação da parte do preço não pago e juros de mora; - Procedendo a exceção (na verificação de cumprimento defeituoso da prestação da Autora: obra com defeitos), consequência a extrair de tal procedência. * 2.1. Da qualificação do contrato: de empreitada. Conclui a apelante - que, como ela própria alega na petição inicial, a pedido da Apelada, fornecendo o equipamento, montou/instalou a cozinha - ter a sentença recorrida violado o disposto nos artigos 342º, 428º, 874º e 916º, do Código Civil, pois que o contrato celebrado foi de compra e venda, que não empreitada, sendo as normas a aplicar as específicas daquele contrato (e, como tal, sempre, se mostram caducados os direitos que poderiam advir à Ré/Apelada/compradora do cumprimento defeituoso do contrato celebrado). Como vimos, bem decidiu de facto o Tribunal a quo e dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos em termos jurídicos, no que à interpretação e aplicação do direito respeita, da prévia procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não tendo a apelante logrado impugnar, com sucesso, tal matéria - de alegação sua (vindo, no recurso, dar o dito por não dito) -, que assim se mantém inalterada, fica, necessariamente, prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara, nos termos do nº2, do art. 608º, aplicável ex vi parte final, do nº2, do art. 663º e do nº 6, deste artigo. Sempre exara, contudo, que, decidindo o Tribunal a quo as questões relativas à qualificação jurídica do contrato celebrado entre Autora e Ré, tendo as partes, previamente, usado, e ao longo de todo o processo, do direito de influenciar a decisão a todos os níveis (factos, prova e direito), concluiu o mesmo, como não podia deixar de ser, pela qualificação bem atribuída pelas partes e por outra qualificação não pode este Tribunal superior enveredar, dado ter sido mantida a decisão de facto, bem resultando que o que foi acordado entre Autora e Ré foi, além do fornecimento do material, serem prestados por esta àquela os serviços de montagem/instalação da cozinha. Decidindo da questão da procedência da exceção do não cumprimento do contrato invocada pela Ré, bem considerou o Tribunal a quo que ficou demonstrado que Autora e Ré acordaram o fornecimento e montagem, por esta àquela, de uma cozinha profissional nas instalações da Ré, obra a ser efetuada mediante a contrapartida do pagamento do valor constante do orçamento apresentado, razão pela qual nos encontramos perante um contrato sinalagmático, e que a Autora não cumpriu integralmente o contrato, de empreitada - não de compra e venda, pois que o acordo havido não foi somente de fornecimento, mas também de prestação se serviços, em realização de obra: montagem de cozinha -, pois que a cozinha, que instalou, foi montada, apresentando defeitos, não tendo assumido a obrigação de pagar a integralidade do preço antes da entrega da cozinha devidamente montada, pelo que é legitima a sua recusa em pagar a parte do preço peticionada. Bem qualificou o contrato como de empreitada, tal como definido este se encontra pelo art.º 1207.º, do Cód. Civil, que consagra que “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”, tendo-se a Autora obrigado a realizar a obra - montagem da cozinha - mediante o preço acordado, e bem concluiu, também, como veremos de seguida, pela procedência da invocada exceção de não cumprimento do contrato. 2.2 - Da improcedência da exceção de não cumprimento do contrato e do direito da Autora à parte do preço não pago. Bem enquadra legalmente o Tribunal a quo a exceção deduzida pela Ré, na contestação, no nº1, do art.º 428.º, do Código Civil, que dá a noção de “Exceção de não cumprimento do contrato”, preceituando: “1. Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.”, referindo o Ac. do STJ de 4/2/2010, proc. n.º 4913/05.5TBNG.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt, a esclarecer que “excepção do não cumprimento “é uma consequência natural dos contratos sinalagmáticos, pois, neles, cada uma das partes assume obrigações, tendo em vista as obrigações da outra parte, de sorte que se romperia o equilíbrio contratual, encarado pelas partes, se caso uma delas pudesse exigir da outra o cumprimento sem, por outro lado, ter cumprido o que se prestar a cumprir” e considerando: “A excepção do não cumprimento visa, por conseguinte, o equilíbrio no cumprimento dos contratos, evitando que uma parte exija o seu direito contratual sem cumprir simultaneamente a sua obrigação. Para que seja possível invocar a excepção do não cumprimento é, por conseguinte, necessária a verificação de dois requisitos: prazos idênticos para o cumprimento; e ausência de cumprimento da contraprestação. No caso em análise, a Ré tinha que proceder ao pagamento dos valores devidos aquando da conclusão da obra. O cumprimento das partes era, por isso, simultâneo – a conclusão da obra implicaria o pagamento do preço acordado. Neste sentido, e conforme refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de Abril de 2013, proc. n.º 144746/10.9YIPRT.C1, disponível in www.dgsi.pt, “A recusa, por parte do dono da obra, de pagamento da parte final do preço por não estarem ainda concluídos os trabalhos, traduz um accionar adequado da excepção de não cumprimento do contrato (artigo 428º, nº 1 do CC), no âmbito do contrato de empreitada, sendo que este accionar só estaria excluído se o vencimento da obrigação de pagamento do preço fosse anterior à entrega da obra”. Mostra-se, por conseguinte, preenchido o primeiro dos requisitos. Relativamente ao segundo pressuposto – a ausência de cumprimento por parte da Autora –, vem sendo entendimento jurisprudencial que o cumprimento defeituoso de uma obra equivale ao seu incumprimento, desde que o mesmo seja reclamado pelo dono da obra. Na verdade, como se refere no sumário, elaborado pelo relator, do Venerando Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29 de Janeiro de 2013, proc. n.º 17498/11.4YIPRT.C1, disponível in www.dgsi.pt, “Num contrato de empreitada, o dono da obra pode opor a excepção de não cumprimento do contrato (art. 428º do CC), recusando-se a pagar o preço, se a obra apresentar defeitos”, desde que seja demonstrada a “denúncia dos defeitos e a exigência do direito que pretende exercer”. No caso em análise, resulta da matéria provada que os equipamentos de cozinha fornecidos pela Autora padecem de múltiplas manchas de ferrugem. Por sua vez, retira-se da matéria de facto dada como provada que a Ré informou a Autora da existência dos aludidos defeitos, não se negando a proceder ao pagamento do valor em falta mediante a eliminação daqueles”. Bem considerou o Tribunal a quo não ter a Autora realizado a prestação devida, dados os defeitos da obra (manchas de ferrugem), e bem considerou a invocação da exceção do não cumprimento, fundada na existência de tais defeitos, proporcional, o que não é, sequer, posto em causa no recurso, considerando: “a excepção do não cumprimento, ainda que validamente invocada, deve ser limitada pelos princípios da boa-fé previstos nos art.ºs 227.º e 762.º, n.º 2, ambos do Cód. Civil. Tal implica que a parte não pode eximir-se, de modo desproporcionado, ao cumprimento da sua prestação, quando a falta de cumprimento da contraprestação seja meramente parcial. De facto, como se refere no sumário, elaborado pelo relator, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 2013, proc. n.º 4871/07.1TBBRG.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt, “o alcance da excepção de não cumprimento do contrato deve ser feito em conformidade com o princípio da boa - fé e a possibilidade de recurso ao abuso de direito, por forma a que o alcance da excepção de não cumprimento seja proporcional à gravidade da inexecução”. Idêntico entendimento é perfilhado no Venerando Acórdão da Relação de Guimarães de 20 de Fevereiro de 2014, proc. n.º 3730/11.8TBVCT-F.G1, igualmente disponível in www.dgsi.pt. Tal limitação visa assegurar que a excepção de não cumprimento se restrinja efectivamente à parte da contraprestação que não tiver sido cumprida, harmonizando as necessidades de protecção do contraente que invoca a excepção com o direito ao pagamento da contraparte respeitante à parte da obrigação por si cumprida. No caso, embora se desconheça o valor necessário para a reparação dos defeitos, a verdade é que, atenta a existência de manchas em várias partes do equipamento, o valor total da obra – €29.761,08 –, e o montante ainda não pago pela Ré, que ascende a € 4.761,08, considera o Tribunal que a retenção, pela Ré, de tal valor (cerca de 16% do valor total da obra) é proporcional face aos defeitos existentes”. Nenhuma alteração tendo sido efetuada à decisão da matéria de facto e bem resultando a qualificação do contrato celebrado entre as partes como de empreitada, já que a Autora não se obrigou, apenas, a fornecer os equipamentos, mas a produzir/montar/instalar a cozinha, como ela própria alegou, na petição inicial, ter efetuado, o que aceite foi pela Ré na sua contestação, as normas a aplicar são as específicas do contrato de empreitada e não as que regulam o, distinto, de compra e venda, pelo que não estando em causa o regime da compra e venda também o não está o, específico, da caducidade de direitos da compradora. * Analisemos um pouco mais em pormenor o regime aplicável e a posição da doutrina e da jurisprudência sobre a questão.A exceção de não cumprimento do contrato, prevista no art. 428º, do Código Civil, é uma exceção dilatória de direito material ou substantivo, por se fundar em razões de direito substantivo, que permite ao devedor, querendo, recusar, judicialmente ou extrajudicialmente, a sua prestação enquanto a outra parte não oferecer a sua, mediante a verificação de determinados requisitos cumulativos. Trata-se de “uma exceção de direito material e dilatória, pois o facto excecionado pode - e deve – ser temporário: terminará logo que a outra parte cumpra ou ofereça o cumprimento. Porque assim é, funcionalmente, a exceção é uma medida compulsória ao cumprimento: a parte contra a qual é procedentemente invocada tem um interesse próprio em cumprir, que é o de receber a prestação a que tem direito. A exceção é uma causa justificativa do atraso no cumprimento que, por isso, não é ilícito.”[8] (negrito nosso). E mais desenvolve Ana Prata “Para que a exceção seja invocável, não tem, porém, de ser o não cumprimento verificado ilícito nem culposo, podendo, pois, ser uma impossibilidade temporária não culposa (art. 792º, nº1). O instituto tem a função de assegurar o cumprimento simultâneo das duas obrigações, pelo que qualquer que seja a causa do incumprimento de uma delas, ela, desde que invocada, procede.”[9]. E, na verificação de tais requisitos, faculta ao devedor a recusa do cumprimento da sua obrigação até que o credor cumpra a obrigação a que ele está, por sua vez, adstrito. Tal “significa que o credor tem direito a exigir a realização da prestação, mesmo não se oferecendo para contraprestar, mas o devedor não pode ser obrigado a realizar a prestação sem receber a contraprestação a que tem direito”[10]. Só após a dedução da exceção se considera excluída a ilicitude da conduta do devedor que não realiza a prestação, mas, uma vez deduzida, os efeitos decorrentes da sua invocação retrotraem-se à data a partir da qual aquela poderia ser atuada[11]. Com efeito, para que seja legitima a recusa pelo devedor do cumprimento da sua prestação com base na exceção de inexecução da prestação da outra parte é necessário que: i) a obrigação cujo cumprimento é recusado esteja numa relação de sinalagmaticidade com contraobrigação não cumprida; ii) não exista uma obrigação de cumprimento prévio por parte daquele que pretende invocar a exceção; iii) e o exercício da exceção de não cumprimento não exceda os limites impostos pelo princípio da boa fé[12]. Na verdade, a “exceptio non adimpleti contractus apresenta-se como uma decorrência da relação que se estabelece entre prestações emergentes de um contrato bilateral. Para este efeito, deve entender-se por contrato bilateral (…) aquele do qual provêm obrigações que têm por objeto a realização de prestações entre as quais existe uma relação de interdependência ou, mais precisamente, um laço de sinalagmaticidade do qual resulte que cada uma delas constitui a causa da outra.”[13]. “O sinalagma (…) mais não é do que a tradução jurídica da relação existente entre prestações que são reciprocamente a causa uma da outra e assenta no pressuposto que cada obrigação só é estabelecida em vista da contraobrigação (cfr. (…) em Portugal, MENEZES CORDEIRO, 2015: 367, MENEZES LEITÃO, 2017, 1:198 e NUNO PINTO OLIVEIRA, 2011:787)”[14]. “O sinalagma une obrigações que têm por objeto prestações que constituem correspetivamente a causa no sentido de razão de ser ou fim, da outra (…) cada uma delas deve constituir a contrapartida da outra”. No caso concreto, estamos perante obrigações sinalagmáticas, emergentes do mesmo contrato de empreitada, estando em causa deveres principais de prestação unidos entre si, constituindo a prestação de pagamento do preço causa da prestação dos serviços de fornecimento e montagem/instalação da cozinha nos termos acordados. Entre estes deveres de prestação existe uma relação de interdependência ou correspetividade, unindo o vínculo do sinalagma a obrigação de pagamento de preço não só à obrigação de entrega da coisa mas, também, à obrigação de montagem/instalação do material e nas devidas condições, não só de tempo como de quantidade e qualidade (cfr. arts. 762º, 763º e 406º, todos do Código Civil), sendo que a realização de prestação com defeitos nos remete para o cumprimento defeituoso do contrato, seguindo-se o regime aplicável ao contrato em causa. Por outro lado, impõe o referido preceito - nº1, do art. 428º - para que a exceção possa ser invocada que não existam prazos diferentes para a realização das prestações, entendendo-se, por maioria de razão, ser admissível a recusa da prestação por aquele que está obrigado a cumprir em último lugar, não o tendo feito aquele que tinha de cumprir primeiramente[15]. No caso, a Ré, que se apresenta a excecionar a inexecução, não estava obrigada a cumprir em primeiro lugar, antes o estava finda a obra. Por último, o exercício desta exceção está dependente dos limites impostos pelo princípio da boa fé, cuja observância sempre se impõe às partes no cumprimento das obrigações (artigo 762º, nº2) e, por isso, proibido estando “o exercício em desequilíbrio de qualquer posição jurídica, onde se inclui a oposição de exceções ainda que fundadas num incumprimento da contraparte. A proteção do contraente a quem a exceção é oposta exige ao intérprete-aplicador que, perante cada caso concreto, pondere não só o valor objetivo da prestação não cumprida, mas também todas as outras circunstâncias que possam evidenciar que o exercício da exceção excede os limites impostos pela boa fé, nomeadamente o grau de culpa do contraente que não realizou ou ofereceu a contraprestação, a duração do incumprimento, a probabilidade de a contraprestação vir a ser efetuada no futuro, a importância de cada uma das prestações para os respetivos credores e as consequências que o exercício da exceptio terá para ambos os contraentes (Ac. STJ 17.11.2015). (…) A boa fé não deve, contudo, ser entendida como uma regra rígida que obriga a que a prestação suspensa tenha um valor idêntico ao da prestação incumprida (…) e não importará, por conseguinte o recurso a um critério estrito de rigorosa proporcionalidade ou equivalência (…)[16]”. Bem concluiu o Tribunal a quo pela proporcionalidade da retenção pela Ré de € 4.761,08, face aos defeitos existentes, ao considerar a existência de manchas em várias partes do equipamento e o valor total da obra – € 29.761,08. Resultando provado que: - Com a aceitação pela Ré, em 17/09/2019, foi liquidada por esta, a quantia de €10.000,00. - A Autora emitiu as faturas n.ºs 1103, 1105 e 1156, sendo as duas primeiras a 23/10/2019 e a última em 11/11/2019, respetivamente nos montantes de €27.248,19, €2.414,49 e €98,40 e interpelada a pagar, a Ré efetuou um pagamento adicional de €15.000,00, tendo ficado por liquidar, da quantia acordada, € 4.761,08. - Em data anterior a 29/11/2020, começaram a aparecer manchas de ferrugem em alguns dos equipamentos em aço inoxidável instalados pela Autora. Resulta, assim, que a Autora instalou os equipamentos, forneceu e montou a cozinha, faturou e interpelou a Ré a pagar, a qual pagou 25.000,00 (10.000,00€ + 15.000,00€) e, ficando por liquidar €4.761,08, recusou o pagamento dadas as referidas manchas de ferrugem. Tendo a prestação, para que se verifique cumprimento, de corresponder ao acordado, tem tal de se verificar não só em termos quantitativos mas também em termos qualitativos, e apresentando-se a prestação cumprida de modo defeituoso, como reclamado pela Ré à Autora e bem analisou o Tribunal a quo, a Ré, no legitimo exercício de um direito seu, apresentou-se judicialmente, a recusar o pagamento da referida quantia, não paga. Como bem refere Ana Prata, citando um caso a versar a questão que colocada foi já nos tribunais[17], interessante é “saber se, havendo prazos diferentes, o contraente obrigado a cumprir em segundo lugar pode invocar a exceção com fundamento no irremediável deficiente cumprimento ou, mesmo, não cumprimento tempestivo da obrigação da contraparte. Este problema não se confunde com aquele de que o preceito seguinte se ocupa. Ele coloca-se sobretudo nos contratos de empreitada, quando a obra a realizar apresenta falta de qualidades ou defeitos insuscetíveis de ser supridos (ou em relação aos quais há recusa de correção) no prazo da sua entrega e o dono da obra está obrigado a pagar o preço (total ou parcial) antes do vencimento da obrigação do empreiteiro. No Acórdão citado, o Tribunal entendeu, bem a nosso ver, que sim”[18]. Ocorre cumprimento defeituoso, inexato ou imperfeito a, de acordo com o conteúdo do programa obrigacional, haver desconformidade entre a prestação devida e a que foi realizada, verificando-se uma das várias hipóteses de cumprimento inexacto sempre que a prestação seja de qualidade diversa da devida e tal qualidade defeituosa da prestação pode ter a ver com a conduta do devedor ou com o próprio objeto da prestação[19]. Assim, deve a coisa mostrar-se isenta de vícios físicos, defeitos intrínsecos inerentes ao seu estado material que estejam em desconformidade com o contratualmente estabelecido, ou em desconformidade com o que, legitimamente, for esperado pelo credor. As obrigações de, por um lado, fornecer a máquina e, por outro, pagar o respectivo preço, estão abrangidas pelo sinalagma contratual, de modo que se poderá dizer que sem o fornecimento não tinha sentido o pagamento da prestação por parte da ré. Daí que deva ser reconhecida à ré a "exceptio non rite adimpleti contractus", como legítimo meio de garantia e coerção defensiva que, pela suspensão de pagamento do preço, pressiona o vendedor a cumprir perfeitamente, através da reparação ou substituição, mas desde que a sua invocação não contrarie as regras da boa fé[20]. É admitida a invocação da exceção nas situações de cumprimento incompleto ou imperfeito, sendo “o que se designa por exceptio non rite adimpleti contractus. O credor tem direito ao cumprimento pontual da obrigação, pelo que esta hipótese pode ser apenas uma espécie da exceção de não cumprimento. (…) Mas a exceção é um direito (faculdade lhe chama a lei) e, como qualquer outro direito, tem os limites enunciados no art. 334º. Não só por força da adequação do seu exercício à boa fé, mas também para prosseguir a finalidade que é a sua, a invocação da exceção contra um cumprimento não perfeito nem sempre é procedente. (…) Só em face do incumprimento é possível decidir da procedência da exceção. A lei contribui para a avaliação com o princípio geral (…) assentes na apreciação objetiva do interesse do credor para avaliar da importância do não cumprimento ou do cumprimento defeituoso. Em todos os casos, terá de se considerar a função da exceção, designadamente a compulsória; se a recusa de cumprimento, ainda que parcial, não servir para levar a contraparte à eliminação dos defeitos, ao completamento da prestação, isto é, ao cumprimento pontual, estará, em princípio, comprometida a finalidade do instituto. Mas, mesmo assim, pode ele servir para repor o equilíbrio possível, quando, não sendo o cumprimento pontual possível, sirva para reduzir proporcionalmente a prestação devida pelo excipiente”[21] (negrito nosso). A Jurisprudência vem reafirmando os referidos princípios presentes no instituto e as funções/fins da exceção aqui em causa, destacando-se o Ac. do STJ de 6/9/2016, onde se refere: - A excepção do não cumprimento do contrato é própria dos contratos bilaterais, sendo que para que a excepção se aplique, não basta que o contrato crie obrigações para ambas as partes, sendo também preciso que as obrigações sejam correspectivas, correlativas ou interdependentes, isto é, que uma seja sinalagma da outra. - Com a celebração do contrato dos autos, resultaram obrigações para ambas as partes, obrigações que estão patentemente ligadas entre si por uma relação de interdependência, por um nexo de causalidade ou de correspectividade. Uma justifica a outra e vice-versa, pelo que a excepção do não cumprimento do contrato deve actuar. - Como resulta do art. 428º, a excepção do não cumprimento do contrato não nega a qualquer das partes o direito ao cumprimento da obrigação nem enjeita o dever de a outra cumprir a prestação. O que resulta ou origina a exceptio é a possibilidade de recusa da prestação por uma das partes enquanto a outra não efectuar a que lhe cabe, ou seja, tem somente um efeito dilatório, o de realização da prestação no momento (ulterior) em que receba a contraprestação. - Em caso de cumprimento defeituoso da prestação e desde que a prestação efectuada prejudique a integral satisfação do interesse do credor, será possível a este opor a exceptio. Porém, não será de admitir o recurso à mesma se os defeitos da prestação, atendendo ao interesse do credor, tiverem escassa ou reduzida importância. Face à ideia da proporcionalidade e ao princípio da boa fé (consagrados na Lei Civil), a excepção não será oponível em caso de cumprimento defeituoso de reduzida importância. Tal meio de defesa deve ser proporcionado à gravidade da inexecução”[22]. Como sumariado vem no Acórdão da Relação de Coimbra de 21/2/2018 “A exceção de não cumprimento do contrato (cf. art. 428º do C.Civil) é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua contraprestação” e “A dita exceptio non rite adimpleti contractus apenas pode ser exercida após o credor ter, (…) denunciado os defeitos” sendo que “a eventual caducidade dos direitos edilícios do dono da obra, não tem, à partida, qualquer reflexo sobre a exceptio e os efeitos desta: tê-lo-ia se a Ré (dona da obra) tivesse deduzido pedido de eliminação dos defeitos, designadamente por via reconvencional, o que não foi o caso, pois que a aqui Ré/recorrente (“excipiente”) tem uma posição puramente defensiva, isto é, a invocação da exceptio, só por si, não implica qualquer reclamação do seu crédito (direito à eliminação dos vícios/defeitos) ou, pelo menos, qualquer intenção de o exercer”[23]. E bem considerou esta Relação: “I - A exceção de não cumprimento do contrato, enquanto exceção dilatória de direito material, justifica-se por razões de boa-fé, de equidade e de justiça, visando conservar o equilíbrio sinalagmático e assim evitar que uma das partes tire vantagens sem suportar os encargos correlativos. II - Por esse motivo, tal exceptio somente pode operar quando se verifique uma tripla relação entre o incumprimento (total ou parcial, ou defeituoso) do outro contraente e a recusa de cumprimento por parte do excipiens, concretamente uma relação de sucessão, uma relação de causalidade e uma relação de proporcionalidade. III - Nos casos em que, por inverificados os seus pressupostos, não é legítimo exercer a exceção do não cumprimento do contrato, o retardamento do excipiens no cumprimento da sua prestação fá-lo incorrer em mora, nos termos gerais definidos nos artigos 804º e seguintes do Código Civil”[24]. E como se decidiu em Ac desta Relação em que a ora relatora foi adjunta: I.A empreitada é um contrato sinalagmático, uma vez que faz surgir obrigações recíprocas para ambas as partes, sendo a do empreiteiro a de realizar a obra, e a do dono da obra a de pagar o preço. Estas duas obrigações surgem ligadas entre si em termos causais no momento da constituição do contrato (sinalagma genético), permanecendo essa ligação durante a execução (sinalagma funcional); II – Por isso num contrato de empreitada, o dono da obra pode opor a excepção de não cumprimento do contrato (art. 428º do CC), recusando-se a pagar o preço, se a obra apresentar defeitos. III - Para funcionar a exceptio apenas é necessária a demonstração da denúncia dos defeitos e a exigência do direito que pretende exercer. IV - Para este efeito, o incumprimento não definitivo, pressuposto pela exceptio, não tem de ser imputável ao devedor da contraprestação, apenas bastando que aquele que a invoca não se encontre numa situação reconduzível à “mora accipiendi” (por exemplo, por não ter aceitado a eliminação dos defeitos). V - Fora desta última hipótese, como a sua invocação não se baseia na eventual responsabilidade do contraente pela inexecução da sua obrigação, antes encontra o seu fundamento na regra do cumprimento simultâneo das obrigações sinalagmáticas, a excepção é invocável pelo outro contraente, independentemente da afirmação dos demais pressupostos legais da aludida responsabilidade”[25]. Em recente Ac. da RP foi decidido “I - A empreitada é um contrato sinalagmático, uma vez que faz surgir obrigações recíprocas para ambas as partes, sendo a do empreiteiro a de realizar a obra, e a do dono da obra a de pagar o preço. Estas duas obrigações surgem ligadas entre si em termos causais no momento da constituição do contrato (sinalagma genético), permanecendo essa ligação durante a execução (sinalagma funcional); II - Por isso, num contrato de empreitada, o dono da obra pode opor a excepção de não cumprimento do contrato (artigo 428º do Código Civil), recusando-se a pagar o preço, se a obra apresentar defeitos. (…)”[26]. No caso, de obrigações sinalagmáticas de contrato de empreitada, tendo a Ré assumido a obrigação de realizar a, correspetiva, prestação referente à parte do preço peticionada após a conclusão da obra, resultou provada a existência de defeitos, verificando-se um cumprimento não perfeito, em termos qualitativos. Com efeito, não podendo os defeitos verificados na obra ser imputados à Ré, justifica-se que esta/credora possa usar da exceção, decorrente, também ela, do princípio da boa fé no cumprimento dos contratos, com vista a compelir a Autora ao cumprimento da sua prestação de forma perfeita, assim se repondo o equilíbrio possível. O incumprimento, não definitivo, pressuposto pela exceptio non adimpleti contratus, não tem de ser imputável ao devedor da contraprestação, bastando que aquele que a invoca demonstre que efetuou a denúncia dos defeitos e que exigiu o direito que pretende exercer, no caso, o direito à eliminação dos defeitos, até afirmado e feito valer contra a Autora na própria contestação. Mas, tratando-se, apesar de tudo, de um cumprimento, embora defeituoso, não pode ser perdida de vista a proporcionalidade, a adequação que se impõe que exista entre o desencadeado pela defesa apresentada na contestação, com a invocação da exceção e a violação do direito de crédito sofrida pelo excipiente. Revertendo para o caso concreto, não existem, assim, dúvidas acerca do preenchimento dos requisitos legais da invocação da exceção de não cumprimento, pois que, verificando-se um incumprimento não definitivo da obrigação de entrega da obra sem defeitos, a Ré demonstrou que denunciou os defeitos em causa e pedido foi, à Autora, que os eliminasse (direito exercido). Bem se justifica, pois, a recusa do pagamento de importância inferior a quatro mil e oitocentos euros, pela Ré, que já pagou vinte e cinco mil euros, trazendo aquela recusa ao caso o equilíbrio que a falta da prestação qualitativamente devida justifica. Estão, assim, preenchidos os requisitos, cumulativos, da invocada, exceptio non reti contractus, sendo, neste conspecto, de manter a decisão que julgou tal exceção procedente. * 3.3. - Da consequência da procedência da exceção de não cumprimento do contrato: a condenação do Réu no pedido (prestação) contra a realização da contraprestação (especificamente estatuída). Ressalta dos autos a divergência entre os diversos sujeitos processuais - a espelhar a dissonância Doutrinal e Jurisprudencial - quanto à consequência a extrair da procedência da exceção de incumprimento do contrato. Ponderada a questão não podemos deixar de manifestar que a procedência da exceptio non adimpleti contratus não poderá ter a consequência da improcedência da ação e da absolvição da Ré do pedido formulado pela Autora, como considerou e decidiu o Tribunal a quo, no seguimento de corrente jurisprudencial que se vem sedimentando[27], nem a da absolvição da Ré da instância, como manifestou a Ré, na contestação, pretender, em primeira linha, mas a que lei, direta, expressa e especificamente, consagra, apenas paralisando/adiando o, pacificamente, reconhecido, direito da Autora até ao momento em que a mesma ofereça o seu cumprimento (no caso, a montagem da cozinha sem as manchas de ferrugem). Assim fundamenta a corrente que segue a consequência de absolvição do pedido, como resulta do Ac. da RP de 12/7/2021: “Segundo José João Abrantes[28], a excepção de não cumprimento " ... tem como efeito principal a dilação do tempo de cumprimento da obrigação de uma das partes até ao momento do cumprimento da outra parte ... ". Por isso é que a excepção de não cumprimento tem sido qualificada uniformemente como excepção dilatória de direito material ou substancial[29]. Ou seja, é excepção dilatória porque exclui, de momento, a pretensão da A. E é excepção material ou substancial porque se funda em razões de direito substantivo. Ora, a consequência da procedência de uma excepção dilatória material, como a que constitui a excepção de não cumprimento, é a absolvição do pedido, mas tal consequência tem que ser entendida devidamente. Na verdade, "embora o Réu seja absolvido do pedido ... ele poderá logo que as circunstâncias se modifiquem por maneira a cessar a eficácia da excepção propor nova acção para fazer valer o seu direito ... "[30], inexistindo a possibilidade de nesta segunda acção o Réu se poder defender invocando caso julgado por ter sido absolvido do pedido na primeira acção (cfr. art. 621º do CPC). Neste mesmo sentido se pronunciou mais recentemente o Ac. do STJ, de 30.09.2010 (Maria dos Prazeres Beleza - acessível em www.dgsi.pt) , tendo-se defendido que a excepção de não cumprimento: “… se procedente, conduz à absolvição do pedido, mas não definitiva (cfr. o artigo 673º do Código de Processo Civil, quanto ao alcance do caso julgado formado - actual, art. 621º do NCPC), pois não extingue o direito exercido pela parte contrária; sendo por este motivo doutrinalmente qualificada como excepção material dilatória, como todos sabemos, mas funcionando, no contexto do Código de Processo Civil, como excepção peremptória (cfr. artigo 493º, nº 2)”. Também se defendeu esta posição no Ac. da Relação do Porto de 30.01.2012 (Soares Oliveira), onde se concluiu que: “I - De acordo com o disposto no artigo 673° (actual, art. 621º do NCPC) do Código de Processo Civil não é admissível a figura da condenação condicional. II - Verificada a excepção dilatória de não cumprimento do contrato a decisão será de absolvição do pedido, que será temporária, sem que se forme caso julgado, caso a outra parte venha a cumprir integralmente a obrigação, cujo incumprimento permitiu o reconhecimento da existência e da legalidade da invocação da excepção de não cumprimento do contrato. III - Mas, havendo alteração de circunstâncias, nomeadamente pelo cumprimento pela outra parte, cessa a eficácia da excepção do não cumprimento do contrato, podendo ser proposta outra acção contra a que invocou essa excepção”[31”[32]. O recente Acórdão a RP acima citado reafirma este entendimento, que fora, também, o nosso[33]: “A excepção de não cumprimento, se considerada procedente, conduz à absolvição do pedido da parte que a invoca, mas de uma forma não definitiva (cfr. artigo 621º do Código de Processo Civil, quanto ao alcance do caso julgado formado), pois não extingue o direito exercido pela parte contrária.”[34]. Contudo, e na verdade, “A procedência da exceptio invocada em juízo não permite a absolvição do Réu do pedido ou da instância” devendo conduzir aos efeitos substantivos estatuídos no nº1, do art. 428º, do Código Civil, decorrentes de não ser negada, por este, a existência da obrigação, a qual apenas fica dependente do oferecimento da prestação que lhe é devida, devendo existir condenação do Réu a cumprir a sua prestação (peticionada) contra a realização da contraprestação da Autora[35]. Deve ser proferida “(“condenação Zug um Zug”), posto que, através da oposição desta exceção, o réu não nega a existência da obrigação a que está vinculado”, apenas “faz depender o cumprimento do oferecimento da prestação a que tem direito (Ac. RP 16.11.2015)”[36]. O texto legal aponta claramente a consequência da procedência de tal exceção: “a exceção procede “enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe”/“não oferecer o seu cumprimento simultâneo” – sendo a seguinte a redação do nº1, do art. 428º, na parte que agora, importa: “…cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”. Assim, não obstante a exceção de não cumprimento se subsumir às exceções perentórias - estas argumentos de direito material, sendo aquela uma exceção dilatória de direito material -, integrando factos modificativos do direito do Autor[37], a procedência da exceção não deve conduzir aos efeitos gerais, adjetivamente consagrados para as exceções perentórias (cfr. nº1 e 3, do art. 576º, do CPC) mas aos efeitos especificamente estabelecidos, no nº1, do art. 428º, do Código Civil. Destarte, em vez de absolvição do pedido, nunca podendo ser da instância, pois esta está reservada para as exceções dilatórias (v. nº2, do art. 575º), que são argumentos de natureza processual, deve haver condenação do Réu na peticionada prestação em falta ao Autor a realizar contra a correspetiva contraprestação que a este lhe cabe efetuar àquele. E entendemos não ser de restringir a interpretação deste preceito, pois que onde a lei não distingue não deve o interprete distinguir, estando-se no “domínio da aplicação de um princípio intemporal do direito, expresso no brocardo latino: “ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”, isto é, onde a lei não distingue, não deve o intérprete distinguir. Dito de outro modo, distinções interpretativas não devem ser reconhecidas quando sirvam para afastar uma regra legalmente estabelecida e de leitura unívoca”[38], sendo que “ (…) a interpretação por nós propugnada dita literal (literal provem do latim “littera”, que significa “letra”) é a que se atem justamente às palavras, à letra da lei, obter-se-ão inegáveis ganhos, internamente, em termos de procedimento uniforme e homogéneo e, externamente, em termos de certeza e segurança jurídicas”[39], para não falarmos já nas vantagens em termos de imediata certeza jurídica e celeridade processual. Impõe-se tal especial regime, que não justifica restrição, pois que pacífico é o reconhecimento do direito da Autora (apenas pretendendo a Ré, com a exceptio, que, no cumprimento da prestação que a Autora pretende, seja, por ela, cumprida a que lhe cabe realizar). E não estamos perante uma condenação condicional, sequer futura, mas perante uma efetiva, real e imediata condenação da Ré a realizar a prestação em falta, peticionada, mas apenas o montante relativo ao preço acordado (sem juros, dada a licitude da recusa e, por isso, a não constituição da Ré em mora) contra a satisfação da contraprestação, no equilíbrio da posição de ambas as partes no contrato, no funcionar, pois, de válvula de segurança do sistema. Não está em causa condenação da Ré a “pagar se” mas antes condenação da Ré a “pagar quando a Autora montar a cozinha sem as manchas de ferrugem”. Nenhuma razão se encontrando que justifique a necessidade de ulterior atividade processual, com os inerentes esforços e dispêndios, numa nova ação a propor pela mesma Autora contra a mesma Ré e com o mesmo pedido, estando os factos essenciais já alegados e confessados na ação proposta e existindo disposição legal específica a permitir imediata condenação, certo sendo que o processo é um mero meio e instrumento para a realização do direito substancial que pode e deve, desde logo, obter regulação. Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, sendo que, contudo, a procedência da exceção de não cumprimento não tem a consequência da absolvição da Ré do pedido, antes conduz à imediata definição das recíprocas prestações das partes – condenação na realização da prestação peticionada pela Autora (pagamento) contra a realização da, correspetiva, contraprestação da Autora à Ré (realização da obra sem os defeitos). * III. DECISÃO Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, na procedência da exceção do não cumprimento do contrato, condenam a Ré a pagar à Autora a parte do preço por pagar (prestação) - € 4.761,08 (quatro mil, setecentos e sessenta e um euros e oito cêntimos) - contra a realização, pela Autora à Ré, da contraprestação (cozinha instalada sem as manchas de ferrugem, supra mencionadas). * Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.Porto, 23 de outubro de 2023 Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores Eugénia Cunha Anabela Morais Manuel Domingos Fernandes __________________ [1] Acs RC de 3/10/2000 e 3/6/2003, CJ, anos XXV, 4º, pág. 28 e XXVIII 3º, pág. 26. [2] Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 348. [3] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág. 709. [4] Ac. RP de 19/9/2000, CJ, 2000, 4º, 186 [5] Alega a mesma, na petição inicial“(…) a Ré (…) revelou interesse no fornecimento e montagem pela Autora de uma cozinha profissional a montar nas suas instalações. 3. Para o efeito, a Autora apresentou o orçamento para a produção e montagem da referida cozinha, incluindo todos os equipamentos, nos termos pretendidos pela Ré – cf. documento junto com o n.º 1 que aqui dá por integralmente reproduzido. 4. Com a aceitação pela Ré, em 17.09.2019, foi liquidada pela Ré a quantia de 10.000,00€ (dez mil euros). 5. Na sequência dessa aprovação e pagamento, nos termos contratados, a Autora forneceu e montou para a Ré a referida cozinha – cf. guias de transporte que se juntam como documentos nºs 2 a 16 (…)” (negrito nosso). [6] “(…) a R. contratou os serviços da A., a qual se obrigou a produzir e a montar a aludida cozinha, na qual estavam incluídos todos os equipamentos necessários ao seu bom funcionamento. Sucedeu que, 5º Logo que começaram a ser usados os equipamentos montados pela A. em início do ano de 2020 verificou-se que aqueles tinham (…) (negrito nosso). [7] “7. Na sequência dessa aprovação e pagamento, nos termos contratados, a Autora forneceu e montou para a Ré a referida cozinha”. [8] Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, volume I, 2017, Almedina, pág. 545. [9] Ibidem, pág. 545. [10] Ana Taveira da Fonseca, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, pág. 126. [11] Ibidem, pág. 126 [12] Ibidem, pág. 123. [13] Ibidem, pág. 123. [14] Ibidem, pág. 126. [15] Ibidem, pág. 125. [16] Ibidem, pág. 125 [17] Ac. do STJ de 31/01/07, proc. 06ª4145: João Camilo [18] Ana Prata (coord.), Idem, pág. 545. [19] Ac. da RC de 13/11/2019, proc. 30628/18.6YIPRT.C1, acessível in dgsi.pt [20] Ac. da RG de 2/2/2023, proc. 56868/21.2YIPRT.G1, acessível in dgsi.pt [21] Ana Prata (coord.), Idem, pág. 546 e seg. [22] Ac. do STJ de 6/9/2016, proc. 6514/12.2TCLRS.L1.S1, in dgsi.pt [23] Ac RC de 21/2/2018, proc. 131004/16.4YIPRT.C1, acessível in dgsi.pt [24] Ac. RP de 12/7/2021, proc. 363/19.4T8PVZ.P1, acessível in dgsi.pt. [25] Ac. RP de 15/12/2021, proc. 40421/19.3YIPRT.P1, acessível in dgsi.pt [26] Ac. da RP de 1/6/2023, proc. 910/21.1T8VFR.P1, acessível in dgsi.pt [27] E foi decidido no Ac. do STJ de 22/11/2018, proc, 85159/13.0YIPRT.C1.S1, in dgsi, onde se considerou “A excepção de não cumprimento do contrato, prevista no art. 428.º do CC – exceptio non rite adimpleti contractus – é uma excepção de direito material e nessa medida uma excepção peremptória nos termos do art. 576.º, n.º 3, do CPC” e “Tal excepção tem natureza disponível e por isso não é de conhecimento oficioso, devendo a respectiva factualidade integradora ser alegada na contestação, sob pena de preclusão” e no Ac. supra citado desta RP de 15/12/2021, proc. 40421/19.3YIPRT.P1, onde se entendeu: “A excepção de não cumprimento, se considerada procedente, conduz à absolvição do pedido da parte que a invoca, mas de uma forma não definitiva (cfr. artigo 621º do Código de Processo Civil, quanto ao alcance do caso julgado formado), pois não extingue o direito exercido pela parte contrária”. [28] Na obra cit., pág. 127. [29] v. Alberto dos Reis, in “CPC anotado”, Vol. III, pág. 80 e Acs. do STJ de 15.10.80, in BMJ 300, pág. 364 e da RC de 8.6.93 (Francisco Lourenço), in CJ, t III, pág. 56. [30] V. Alberto. dos Reis, obra cit., pág. 80. [31] V. ainda, na doutrina, Cura Mariano, in “Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra” – (e-book) 2020 - 7ª edição revista e aumentada – pág. de onde consta a nota 461onde também defende esta posição, citando jurisprudência pertinente). [32] Ac. da RP de 12/7/2021, proc. 363/19.4T8PVZ.P1, acessível in dgsi.pt [33] Cfr. citado Ac. RP de 12/7/2021. [34] Ac. da RP de 1/6/2023, proc. 910/21.1T8VFR.P1, acessível in dgsi.pt [35] Ana Taveira da Fonseca, Idem, pág. 126. [36] Ibidem, pág. 126 [37] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 676. [38] Como referido vem na decisão proferida em 26/9/2023, pelo Senhor Desembargador Presidente do TRP, no âmbito do proc. 1531/21.4T8VFR.P2, desta secção. [39] Ibidem |