Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1707/24.2T8STS-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PINTO DOS SANTOS
Descritores: INSOLVÊNCIA CULPOSA
GERENTE DE DIREITO
GERENTE DE FACTO
AFETAÇÃO
Nº do Documento: RP202507101707/24.2T8STS-B.P1
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A nulidade de sentença prevista na al. b) do nº 1 do art. 615º do CPC só ocorre quando, na sentença, falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou dos de direito [falta absoluta de fundamentação] e não já quando uns e/ou os outros sejam meramente deficientes. A nulidade de sentença referida na 1ª parte da al. c) dos mesmos número e artigo só se verifica quando existe incompatibilidade entre os fundamentos de direito e a decisão, apontando a fundamentação num sentido e concluindo a decisão noutro que contradiz aquele.
II - Quem atuou como gerente de facto nos três anos que precederam a apresentação da sociedade à insolvência pode ser afetado pela qualificação da insolvência como culposa, nos termos da al. a) do nº 2 do art. 189º do CIRE; mas, para que tal pudesse acontecer seria necessário que o Administrador da Insolvência [que requereu a abertura do incidente e indicou a pessoa que deveria ser afetada pela qualificação culposa] ou qualquer interessado tivesse indicado essa pessoa [o primeiro, no requerimento de abertura do incidente e/ou no relatório a que se reporta o art. 155º do CIRE; os segundos, no requerimento de abertura do incidente] como uma das que devia ser afetada pela qualificação, como decorre do que dispõe o nº 1 do art. 188º do CIRE [indicação que não foi feita por desconhecimento da situação] e que a mesma fosse citada para, querendo, deduzir oposição ao incidente, o que não aconteceu.
III - O requerido [e recorrente], apesar de não ter exercido, nos três anos anteriores à apresentação da sociedade à insolvência, os poderes de facto inerentes ao cargo de gerente de que era legítimo titular [foi mero gerente de direito], não podia, nem pode, deixar de ser afetado pela qualificação da insolvência como culposa, nos termos dos arts. 186º nº 1 e 189º nº 2 al. a) do CIRE.
IV - O «quantum» adequado da inibição prevista na al. b) do nº 2 do art. 189º do CIRE deve assentar no grau do juízo de censurabilidade do comportamento do requerido e na sua contribuição para a criação ou agravamento da insolvência da sociedade.
V - Na fixação da indemnização prevista no mesmo art. 189º nºs 2 al. e) e 4, o julgador deve atentar nas circunstâncias do caso concreto, com enfoque no grau de culpa e na gravidade da ilicitude do comportamento do requerido/afetado [mais nesta que naquele, já que aquele é sempre elevado porque lhe subjaz atuação dolosa ou gravemente negligente – nº 1 do art. 186º] e na dupla função de tal condenação [funções ressarcitória e sancionatória da indemnização], devendo, ainda, ser proporcional a estes pressupostos e não ir além do montante máximo dos créditos não satisfeitos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 1707/24.2T8STS-B.P1 – 2ª Sec. (apelação)



Relator: Des. Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Raquel Lima
Des. Anabela Andrade Miranda



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Acordam nesta secção cível do tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

Nestes autos de qualificação da insolvência que correm por apenso ao processo em que foi declarada a insolvência de A... Unipessoal, Lda., o Sr. Administrador da Insolvência [abreviadamente, AI] apresentou parecer no sentido de qualificar a insolvência como culposa e requereu que o gerente da insolvente, AA, fosse afetado com tal qualificação, por considerar verificada a situação prevista no art. 186º nºs 1, 2, als. b), g) e h) e 3, do CIRE.

Foi declarado aberto o incidente.

O Ministério Público concluiu também pela qualificação culposa, subscrevendo a factualidade alegada pelos credores e concluindo pela verificação de situações contempladas no art. 186º nºs 1, 2, alínea a), e 3, alínea a), e 189º, do CIRE.

O requerido deduziu oposição, alegando que nunca exerceu a gerência de facto da insolvente, que quem sempre exerceu as efetivas funções de gerente foi um seu amigo de infância, BB, que ele, requerido, se limitou a exercer, primeiramente, as funções de servente e, depois, de gruista e que aquele verdadeiro gerente nunca lhe transmitiu o estado real da sociedade até à data da apresentação à insolvência.
E concluiu que caso venha a ser qualificada como culposa a presente insolvência, deverá ser o referido BB o afetado por tal e não ele, requerido, mero gerente de direito ou, quando muito, deverão ser ambos afetados por essa mesma qualificação.
Foi proferido despacho de adequação formal, com vista à simplificação e agilização processual, tendo sido dispensadas, com o assentimento dos sujeitos processuais, a tentativa de conciliação e a realização da audiência prévia.
Realizou-se a audiência final e foi depois proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Em face do atrás exposto, decide-se julgar procedente, por provado, o incidente da qualificação e em consequência:
A. Qualifica-se como culposa a insolvência de A... Unipessoal, Lda..
B. Considera-se afetado pela qualificação culposa AA;
C. Fixa-se ao afetado AA a sanção de inibição para o exercício do comércio e para ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, prevista na alínea c) do n.º 2 do art.º 189º do CIRE, a qual, atendendo ao circunstancialismo apurado se fixa em três anos.
D. Determina-se a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelo AA pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
E. Condena-se o requerido AA a indemnizar os credores da devedora declarada insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, no valor de € 1 005 448,81.
F. Determina-se o registo nos termos e para os efeitos consignados no art. 189º, nº 3 do CIRE.
Custas pelo requerido.
Fixa-se o valor do incidente em €30.000,00.
Notifique e registe.».

Inconformado com o sentenciado, interpôs o requerido o presente recurso de apelação [admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo], cujas alegações culminou com as seguintes conclusões [as expressões a negrito são da autoria do recorrente]:
«1. O Recorrente, salvo o devido respeito, que é muito, que lhe merece a decisão judicial em causa, não se conforma com parte da sentença proferida pelo Tribunal Recorrido, a qual não poderá manter-se na nossa ordem jurídica, por violar ou interpretar incorretamente as seguintes normas: artigo 205.º, n.º 1 da CRP, artigo 154.º, do CPC, artigo 615.º, n.º 1, als. b) e c) do CPC e artigo 189.º, n.º 2, do CIRE.
2. O Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, uma vez que a mesma padece de nulidade, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, violando, assim, o disposto nas alíneas b) e c), do n.º 1, do art.º 615.º do CPC.
3. No que respeita à motivação das alíneas C. e E. da parte decisória da sentença ora em crise, o Tribunal a quo não particularizou os factos dados como provados e não provados, não especificou, elencou e fez constar, de forma clara e inequívoca, quais factos o levaram a concluir por aquelas medidas (quer da sanção aplicada ao Requerido, quer do quantum indemnizatório), ignorando as circunstâncias concretas do presente caso, designadamente como apurou o grau de culpa do Requerido, como apurou a medida da contribuição do seu comportamento para o agravamento da situação de insolvência da devora, como apurou a existência do respetivo (e exigido) nexo causal, as quais sempre teriam que ter sido consideradas para efeitos do disposto no n.º 2, do art.º 189.º do CIRE, nomeadamente nas alíneas c) e e).
4. Pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 205.º, n.º 1 da CRP e 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, conclui-se pela nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual se pretende ver declarada.
5. Mesmo não se considerando nula a decisão pelos motivos supra expostos, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, sempre persistirá a necessidade de modificação da matéria de facto considerada provada e não provada, na medida em que Tribunal a quo deveria ter dado como provado também o seguinte facto: A. O efetivo gerente da sociedade Insolvente nunca transmitiu ao aqui Requerido o real estado dos destinos da sociedade, até à data da apresentação à Insolvência.
6. O referido facto pode ser retirado, quer do depoimento das testemunhas e da parte, quer da prova documental junta e discutida no processo, que deverão naturalmente ser conjugadas, designadamente para efeitos de aferir a consistência ou a credibilidade das provas que a contrariam.
7. O próprio Tribunal a quo refere que “… o depoimento do requerido pareceu-nos espontâneo, sem reserva, sem receio, e daí que tivéssemos ficado convencidos que, no essencial, o mesmo falou com verdade.” e que “Já o mesmo não sucedeu com o depoimento da testemunha que depôs de forma parcial, sob reserva, apesar de ter havido questões que o mesmo não poderia “fugir” (negrito e sublinhado nossos).
8. Quanto ao facto descrito como não provado na alínea A. da sentença, resulta dos seguintes e concretos meios de prova que deveria ter sido formada uma convicção diversa pelo Tribunal a quo: gravação do áudio com a designação: “Diligencia_1707-24.2T8STS-B_2025-02-17_14-15-49.mp3”, com o tamanho de 31,1MB e com duração de 2 horas 16 minutos e 9 segundos.
9. Este facto é alegado pelo Requerido na sua Oposição, e corroborado no seu depoimento em sede de audiência de discussão e julgamento, que se mostrou calmo, sereno e, no essencial, sustentado em válida razão de ciência, merecendo, por isso, a credibilidade do Tribunal a quo, assim como pelas declarações da testemunha BB, conforme melhor resulta das transcrições oportunamente identificadas no corpo da presente peça, designadamente dos excertos de gravação a partir do minuto 53:24, do minuto 53:38, do minuto 56:32, de 01:01:22, de 01:02:45, de 01:05:47, de 01:14:43, de 01:21:24, de 01:21:45, referentes às declarações do Recorrente, de onde resulta manifestamente que este desconhecia por completo a situação, designadamente financeira, da sociedade Insolvente.
10. Andou mal o Tribunal a quo ao considerar que da conjugação da prova resultou que embora a gerência de fato na insolvente tenha sido desempenhada pela testemunha, a verdade é que o requerido sabia um pouco mais da vida da insolvente do que aquilo que transmitiu, ou deveria saber, pela documentação que ia assinando e que ele próprio reconheceu (sublinhado e negrito nosso).
11. Da conjugação da prova, designadamente do facto de o processo de insolvência ter sido instruído com uma procuração, ao que tudo indica falsa, resulta inequivocamente que o Recorrente não sabia mais da sociedade do que aquilo que transmitiu.
12. O Recorrente nega perentoriamente, sem qualquer receio ou reservas, que a assinatura aposta na procuração forense emitida a favor da Il. Mandatária da Insolvente, utilizada para efeitos de apresentação da sociedade à insolvência, tenha sido assinada por si e refere que não conhece pessoalmente a referida Advogada, que nunca esteve com a mesma.
13. De forma credível, séria e descomprometida, o Recorrente disse ao Tribunal que, de facto, a pedido da testemunha BB, apenas assinou um ou dois documentos no banco – o que é consentâneo com as declarações da referida testemunha que referiu que só não tratava das questões bancárias, mas que utilizava as credenciais do Netbanco, conforme melhor se retira das transcrições dos excertos da gravação a partir de 01:49:50, de 01:51:32, de 01:52:15.
14. Não resulta em momento algum da prova produzida que o “próprio (Recorrente) reconheceu” “que ia assinando documentação” da sociedade; resulta que aquele terá assinado “apenas um ou dois documentos no banco”, sendo certo que ficou por esclarecer quando e em que circunstâncias, nomeadamente se tinha consciência plena e um claro conhecimento sobre o que assinara.
15. Ao longo de todo o depoimento do Recorrente, foi notória a sua dificuldade em compreender conceitos básicos e palavras simples quando questionado, bem como o seu parco e rudimentar vocabulário.
16. A testemunha BB, apesar de referir a existência de uma alegada procuração a seu favor (para representar o aqui Recorrente no tratamento de assuntos da sociedade) – a qual, em momento algum foi referida pelo Requerido – acaba por assumir que este possa não ter compreendido o alcance da mesma, designadamente que poderes lhe estaria a conferir – cfr. gravação a partir de 01:51:32.
17. O Recorrente desconhecia a existência ou não de contratos – cfr. assume a testemunha BB -, desconhecia se a sociedade tinha lucros ou prejuízos – já a testemunha BB não hesitou em afirmar que a sociedade nunca terá tido lucros – e, nessa medida, desconhecia igualmente se a sociedade estava insolvente ou não – enquanto a testemunha BB referiu ter acompanhado o processo, apesar de já não ser funcionário da empresa (o que é contra todas as regras da experiência comum e do normal acontecer), cfr. decorre das transcrições dos excertos da gravação a partir de 01:29:03, de 01:35:12, de 01:37:12, de 01:38:50.
18. Conjugadas as declarações do Recorrente e da testemunha BB com os demais factos dados como provados, deveria o Tribunal a quo, através de um juízo de normalidade, compatível com as regras da experiência comum, ter unido os factos, por forma a que sejam analisados numa unidade lógica, a qual faz claramente presumir, com forte probabilidade, que o efetivo gerente da sociedade insolvente nunca transmitiu ao Recorrente o real estado dos destinos da sociedade, até à data da apresentação à Insolvência.
19. Sem prescindir, caso se entenda que inexiste qualquer vício relativamente à prova dada como assente, sempre resultará dos presentes autos que houve errada interpretação e aplicação das normas e Direito aplicado, designadamente do art.º 189.º, n.º 2 do CIRE.
20. O Tribunal a quo deveria ter afetado pela qualificação culposa da insolvência o gerente de facto da sociedade Insolvente, o Exmo. Sr. BB e não o aqui Recorrente ou, pelo menos, ter afetado ambos.
21. Considerando, desde logo, a factualidade e prova produzida em audiência de discussão e julgamento nos autos, resulta que a intervenção do referido BB é indissociável da atuação dolosa e culposa que a Insolvente terá levado a cabo, pelo que faz todo o sentido envolver no processo este interveniente, na medida em que direta e indiretamente beneficiou e participou em toda a movimentação patrimonial, industrial e comercial de que a Insolvente foi objeto no período que antecedeu a sua declaração de insolvência, mas dentro do período de referência previsto no n.º 1 do artigo 186.º do CIRE.
22. É por demais evidente, resultando, inclusive, dos factos dados como provados, que a referida testemunha era o efetivo gerente da sociedade Insolvente, desde a sua constituição até à data da declaração de insolvência e que que o Requerido, aqui Recorrente, nunca exerceu a gerência de facto de tal sociedade.
23. In casu, quer o Sr. Administrador da Insolvência, quer o MP, estão em sintonia no que respeita à qualificação da insolvência como culposa.
24. Nos termos do n.º 9 do art.º 188.º do CIRE, a Mm.ª Juiz mandou notificar o devedor e citar pessoalmente aqueles que, em seu entender, deviam ser afetados pela qualificação da insolvência como culposa – in casu, o Requerido - para se oporem, querendo, no prazo de 15 dias.
25. Na sequência da oposição apresentada pelo Requerido, o Tribunal a quo e o Exmo. Sr. Administrador de Insolvência tomaram, então, conhecimento de que existia um terceiro que podia (e devia) ser afetado pela qualificação como culposa da insolvência.
26. Não obstante, o Exmo. Sr. Administrador nada requereu, sendo certo que o Tribunal a quo também não citou o referido terceiro, tendo, assim entendido que este não faz parte das pessoas que poderão vir a ser afetadas com a insolvência daqui devedora.
27. Resulta dos factos provados constantes da sentença que foi este terceiro – que, na verdade, de terceiro não terá nada, na medida em que foi a única pessoa que sempre geriu de facto os destinos da sociedade devedora – que, através da sua atuação, agindo de forma dolosa no sentido de maquilhar contabilisticamente as contas, expressando resultados e circunstâncias totalmente dissonantes da realidade, causou a situação de insolvência da devedora e, inclusive, a agravou.
28. Resultou provado – cfr. factos provados da sentença ora em crise – que a conta Caixa e Depósitos Bancários apresenta o mesmo valor desde 2020, 66.376,20 €, e que quanto à demonstração de resultados só a relativa ao exercício de 2020 apresenta volume de negócios, os restantes anos, 2021 e 2022, encontram-se a zeros.
29. Sucede que, por um lado, ficou demonstrado nos autos que aquele montante superior a sessenta mil euros não existe nos cofres da sociedade; e, por outro lado, resulta que a sociedade devedora laborou até 2024, o que não é consentâneo com a total ausência, nos anos de 2021 e 2022, de volume de negócios.
30. O Exmo. Sr. Administrador referiu, nas suas declarações, que aquelas demonstrações de resultados (de 2021 e 2022) encontravam-se a zeros, “isto apesar de, pela consulta que eu fiz no e-faturas, no sítio da AT, a empresa é a devedora faturar até 2024, até Maio de 2024, faturou, emitia faturas, faturas a clientes e recebia faturas também de fornecedores” (cfr. gravação a partir do minuto 00:25:43), tendo acrescentado que quanto a alegados clientes devedores da insolvente, os quais interpelou para pagamento, a resposta que obteve, “quanto à parte, quanto à senhora que era particular, disse-me que tinha pago a um senhor engenheiro BB, se não me falha a memória, tinha pago a fatura. Só que eu nem sei quem é esse senhor BB, que não faz parte dos quadros da empresa” (cfr. gravação a partir do minuto 00:31:08).
31. Nos presentes autos, foi extraída certidão para ser entregue nos Serviços do M.P., de modo a apurar quem terá, então, assinado a procuração que instruiu o processo de insolvência, não se podendo olvidar, contudo, que a testemunha BB era a única pessoa que, de facto, geria a sociedade.
32. Em face dos factos dados como provados na sentença ora em crise, não obstante a testemunha BB ser formalmente terceiro à atividade da insolvente, na medida em que não faz parte dos seus órgãos sociais, nem dos seus quadros, é (ou foi até à declaração da insolvência), inegavelmente, o seu único administrador de facto, tem o mesmo legitimidade para ser demandado no presente incidente, uma vez que faz parte das pessoas que podem vir a ser afetadas com a insolvência da devedora, cfr. acolhido pelo Ac. do TRP, datado de 21.02.2019, tirado no Processo n.º 1733/15.2T8STS-B.P1, pelo Ac. do TRG, de 20.10.2016, Processo n.º 1257/13.2TJCBR-C.G1, pelo Ac. do TRG de 02.02.2023, tirado no Processo n.º 1257/13.2TJCBR-X.G1 e, mais recentemente, no Ac. do TRP, de 08.10.2024, tirado no Processo n.º 3287/23.7T8STS-D.P1.
33. Sem prescindir do supra exposto, se assim se não entender, então deverão ser afetados pela qualificação como culposa o gerente de facto, BB, e o gerente de direito, o aqui Recorrente.
34. Caso em que, sendo este último o entendimento desse Venerando Tribunal, sempre será de revogar o disposto nas alíneas C. e E. da parte decisória da sentença ora em crise, por violação ou errada interpretação do disposto nas alíneas c) e e) do art.º 189.º do CIRE.
35. A sentença ora em crise, atendendo ao circunstancialismo apurado, fixa, ao Recorrente, em três anos, a sanção de inibição para o exercício do comércio e para ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, prevista na alínea c) do n.º 2 do art.º 189.º do CIRE, com a qual o Apelante se não conforma.
36. Tal como nos diz o Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 9/10/2014, in. www.dgsi.pt: “A culpa do devedor ou dos seus administradores decorre de um juízo de censurabilidade, em cuja formulação devem ser consideradas as condições que justificam que lhes seja dirigida essa censura. A censurabilidade da conduta é uma apreciação de desvalor que resulta do reconhecimento de que o devedor, ou os seus administradores, nas circunstâncias concretas em que atuaram, sempre poderiam ter agido e ter conformado a sua conduta de molde a evitar a queda do primeiro na situação de insolvência ou agravamento do estado correspondente. A censurabilidade do comportamento do devedor ou dos seus administradores é um juízo feito pelo tribunal sobre a atitude ou motivação de um e de outros, segundo o que pode ser deduzido dos factos provados. O desvalor que fundamenta a ilicitude da conduta do devedor ou dos seus administradores encontra-se no resultado: a criação ou agravamento da situação de insolvência.”
37. Os factos provados revelam que o Recorrente, mero gerente de direito, nem sequer conhecia a situação de insolvência da devedora, porquanto tal nunca lhe foi transmitida. Pelo contrário, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento fazem crer que lhe foram omitidos pelo gerente de facto, já que, segundo o Recorrente, este só soube da declaração de insolvência da devedora no momento em que foi citado para o presente apenso.
38. Ao contrário da fundamentação vertida na sentença ora em crise – que, aliás, apenas afirma genericamente, mas sem dizer em que medida – de que o Requerido a dada altura a abandonou totalmente, apesar de saber que continuava a ser o seu gerente e que o requerido tinha conhecimento que a mesma continuou a atividade depois de ter emigrado e mesmo assim abandonou as suas responsabilidades, o que resultou provado é que o ora Recorrente não abandonou nada, porque, na verdade, mesmo antes de emigrar, nunca se encontrou ao comando dos destinos da sociedade.
39. O comportamento de ter emigrado em nada alterou o rumo da sociedade; tanto mais que, nessa altura, o gerente de facto, a testemunha BB, garantiu ao Recorrente que, finalmente, trataria de regularizar a sociedade, no sentido de passar ele a ser sócio e gerente (cfr. gravação, a partir de 01:05:50).
40. Não podemos ignorar que o Recorrente, conforme está patente em todas as suas declarações, designadamente pelos termos que utiliza no seu discurso, não é uma pessoa instruída nem capaz de compreender alguns conceitos básicos da língua portuguesa e, ainda menos, do giro societário; também não podemos olvidar a relação de vizinhança, desde a infância, existente entre a testemunha BB e o Requerido, aliado à tenra idade deste último (apenas 20 anos) e consequente ausência de maturidade, bem como à sua total inexperiência, na altura da constituição da sociedade, tudo conforme decorre dos excertos de gravação a partir de 01:10:22, de 01:12:30, 01:18:24, de 01:19:54, de 01:21:06, de 01:22:32, de 01:22:32.
41. A conduta do Recorrente não foi causadora da situação de insolvência da empresa; o Recorrente nunca tomou conhecimento da falta de cumprimento das obrigações da insolvente e, por isso, nunca requereu a declaração da sua insolvência; nunca retirou qualquer vantagem ou proveito da sociedade devedora, conforme resulta da prova produzida.
42. Ainda que se entenda que o Recorrente deverá ser afetado pela qualificação como culposa da insolvência, sempre terá que se admitir que a sua culpa é inexistente ou, pelo menos, muito reduzida.
43. Pelo que, se tivermos em conta que a inibição mínima de 2 anos deve ter lugar quando o grau de culpa é menor e a máximo de 10 anos para um grau de culpa máximo, consideramos que, em face da culpa diminuta do Recorrente, seria adequado situar a inibição no mínimo legal, i. é, em dois anos, o que o mesmo aqui pretende.
44. Sem prescindir, entende o Recorrente que a sua condenação, pelo Tribunal a quo, a indemnizar os credores da devedora declarada insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, no valor de €1.005.448,81, correspondente a 100% do limite máximo que lhe poderia ser determinado a título de indemnização, é manifestamente excessiva e desproporcional.
45. Tem-se entendido que no tocante ao “quantum indemnizatório”, pode o Tribunal excecionalmente atenuar, em função das circunstâncias do processo, o recurso a meras operações aritméticas de passivo menos resultado do ativo, devendo ser ponderados o grau de ilicitude e de culpa manifestadas nos factos determinantes da qualificação de insolvência, (cfr. Ac. da R.C. de 16-12-2015 in www.dgsi.pt., proc. n.º 1430/13.3TBFIG-C.C1; cfr. ainda o Ac. da R.G. de 19-01-2017 in www.dgsi.pt., proc. n.º 391/16.1T8GMR-C.G1).
46. Como doutamente se sumariou no Ac. da R.G. de 19-01-2017 in www.dgsi.pt., proc. n.º 391/16.1T8GMR-C.G1, a indemnização em causa “(…) é fixada, de uma forma limitada, em função dos ´… montantes dos créditos não satisfeitos´ e ´até às forças dos patrimónios´ das pessoas afetadas, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afetados.(…) O critério matricial geral a adotar pelo juiz para fixar a indemnização referida nos pontos anteriores é a diferença entre o valor global do passivo da insolvência e o que o ativo pode cobrir. (…) Só excecionalmente é que pode ser ponderada uma eventual diminuição da responsabilidade da pessoa afetada em razão da diminuição do grau de culpa”.
47. In casu, da matéria de facto dada como assente resultam factos que, devidamente conjugados, permitem ao Tribunal atenuar o montante da indemnização.
48. Devia o Tribunal a quo ter atendido, designadamente, às seguintes circunstâncias do caso concreto: (1.) a sociedade devedora teve um ciclo de vida curto (foi constituída em finais de 2018); (2.) a sociedade devedora possuía uma pequena dimensão; (3.) as dívidas da sociedade insolvente não se constituíram todas nos 3 anos anteriores ao início do processo de insolvência e, muito menos, após o incumprimento da obrigação de apresentação da devedora à insolvência, o que também deve relevar em favor do Requerido; (4.) os factos dados como provados são, no máximo, medianamente graves (não apresentação à insolvência e incumprimento em termos substanciais da obrigação de manter contabilidade organizada); (5.) o incumprimento em termos substanciais da obrigação de manter contabilidade organizada não permite apurar a vida social desde Fevereiro de 2020 até à data da declaração de insolvência e, designadamente, o destino que foi dado ao seu ativo constante dos últimos elementos contabilísticos existentes nos autos, (6.) o Requerido nunca exerceu funções de gestão na sociedade devedora; (7.) o Requerido não retirou quaisquer lucros, proveitos ou vantagens da sociedade devedora ou da declaração da sua insolvência (tanto que, foi obrigado a emigrar numa tentativa de conseguir melhores condições de vida – e nunca numa tentativa de fuga), o que, manifestamente, o Tribunal a quo não fez.
49. Não se pode concordar com o juízo conclusivo empreendido pelo douto Tribunal a quo de que o facto de o Requerido, mero gerente de direito, ter emigrado para França consubstancie uma conduta causadora da situação de insolvência da empresa; não se pode igualmente afirmar que o Recorrente tenha tido benefícios pessoais com a situação; e também não se pode afirmar que tenha beneficiado monetariamente ou se tenha locupletado à custa da devedora.
50. Ao determinar a culpa do Recorrente como menor, deveria, em sintonia, ter sentenciado num quantum indemnizatório mínimo e não máximo, como, erradamente, fez, pelo que, forçoso é concluir que a indemnização a que o ora Apelante foi condenado a pagar viola claramente a regra da proporcionalidade.
51. Tudo ponderado, face ao grau de ilicitude das condutas/omissões do Requerido e que, conforme resultou provado, não criaram, nem levaram ao agravamento da situação de insolvência, e mesmo não se olvidando que esta condenação tem também carácter sancionatório, entende o Requerido que quantum indemnizatório deverá ser reduzido para montante nunca superior a 5% dos créditos não satisfeitos.
Nestes termos, nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V.ª (s) Ex.ª (s), deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, a sentença ora em crise:
a. ser declarada nula, por violação do disposto nos artigos 205.º, n.º 1 da CRP e 154.º e 615.º, n.º 1, al. b) do CPC;
Se assim se não entender, deve a sentença ora em crise ser revogada, e substituída por outra, que:
b. dê como provado o seguinte facto O efetivo gerente da sociedade Insolvente nunca transmitiu ao aqui Requerido o real estado dos destinos da sociedade, até à data da apresentação à Insolvência;
c. declare como único afetado pela qualificação culposa da insolvência o gerente de facto da sociedade Insolvente, o Exmo. Sr. BB, com as demais consequências legais;
Se assim se não entender, deve a sentença ora em crise ser revogada, e substituída por outra, que:
d. declare como solidariamente afetados pela qualificação culposa da insolvência o gerente de facto da sociedade Insolvente, o Exmo. Sr. BB, e o Requerido, gerente de direito, com as demais consequências legais;
e. fixe ao Recorrente o período mínimo legal de dois anos o período de inibição previsto no art.º 189.º, n.º 2, al. c);
f. condene o Recorrente a indemnizar os credores da devedora declarada insolvente em montante nunca superior a 5% dos créditos não satisfeitos.
Decidindo desta forma, farão Vossas Excelências, Serena e objetiva Justiça!».

O Ministério Público apresentou contra-alegações em que pugna pela improcedência do recurso e confirmação da decisão recorrida.

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II. Questões a decidir:

Face às conclusões das alegações da recorrente – que fixam o thema decidendum deste recurso, de acordo com o estabelecido nos arts. 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 als. a) a c) do CPC [salvo o surgimento de questões de conhecimento oficioso] – as questões a decidir consistem em saber:
- Se a sentença recorrida padece de nulidade [conclusões 1 a 4 das alegações];
- Se há que alterar a matéria de facto [conclusões 5 a 18];
- Se afetado(s) pela qualificação da insolvência como culposa deve ser o indicado BB, e não o recorrente, ou se devem ser ambos afetados por tal qualificação [conclusões 19 a 34];
- Se a inibição deve ser fixada em dois anos [conclusões 35 a 43];
- Se o «quantum» indemnizatório deve ser reduzido [conclusões 44 a 51].

Importa esclarecer que o dever de apreciar/decidir todas as questões suscitadas pelo recorrente, a que se refere o nº 2 do art. 608º, aqui aplicável ex vi do art. 663º nº2, ambos do CPC, não compreende - nem se confunde com - o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas por elas invocados, pois estes nenhum vínculo comportam para o Tribunal, conforme decorre do estabelecido no nº 3 do art. 5º do CPC [neste sentido, i. a., António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª ediç. atualiz., 2022, Almedina, pg. 136 e Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., pgs. 677-688 (neste caso, ao abrigo dos equivalentes arts. 660º nº 2 e 664º do CPC revogado pela Lei nº 41/2013), bem como a unanimidade da jurisprudência dos tribunais superiores, de que são exemplo os Acórdãos do STJ de 03.07.2024, proc. 3832/21.2T8VLG.P1.S2, de 23.11.2023, proc. 779/20.3T8VFR.P1.S1 e de 08.10.2020, proc. 361/14.4T8VLG.P1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj e Acórdão do Tribunal Constitucional de 20.12.2022, proc. 645/2022-1ª S, disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc].

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III. Matéria de facto:

i) A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. A A... Unipessoal, Lda. é uma sociedade por quotas e foi constituída em 26-10-2018, tem o número de pessoa colética ...40, sede na Rua ..., distrito do Porto, concelho ..., freguesia ... e ....
2. Pela Insc.6 AP...0/20240311, a morada da Sede foi alterada para-Rua ..., ...,... ....
3. O seu objeto Social é a construção de todo o tipo de edifícios, residenciais e não residenciais, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim Prestação de Serviços de Decoração, fabrico de mobiliário ou qualquer outro acessório com aquele fim, e tem o capital social de 5.000,00 €, da titularidade de AA.
4. Em 20-12-2019 pela AP.3 o Capital foi aumentado para 135.000,00 €, e a sociedade obrigava-se com a assinatura do sócio único e gerente AA.
5. O Contabilista Certificado (C.C.) da Devedora era CC, titular da cédula profissional nº...26, com domicílio profissional na Rua ..., ..., ..., ....
6. A sede da empresa é um espaço físico, situado num centro de negócios, que se destina apenas a receber correspondência, nada existindo no local que seja da propriedade da insolvente.
7. Registado em nome da devedora só existem duas viaturas uma de matrícula ..-OF-.. e marca PEUGEOT e outra de matrícula ..-..-FR e marca Mercedes..., mas ambas com reserva de propriedade a favor B... credor este que reclamou a entrega dessas duas viaturas.
8. Sendo uma empresa de construções, a mesma não tinha nenhum equipamento, nem estaleiro e nem um número de pessoal razoável, só tinham ao seu serviço 3 pessoas e o sócio-gerente da devedora.
9. A devedora subcontratava outras empresas que, para além da mão de obra, tinham os seus próprios equipamentos que utilizavam nas obras que faziam.
10. Da página da AT, foram recolhidas as 3 últimas IES existentes e relativas aos anos de 2020, 2021 e 2022, ainda não tendo sido entregue a IES relativa a exercício de 2023.
11. Da leitura dos elementos delas constantes resulta que os balanços de 2021 e 2022 tem, nas suas diversas rubricas, valores iguais a 2020, excetuando no Capital Próprio, que só apresenta Resultados Líquidos no ano de 2020 e nos anos seguintes esse valor foi lançado numa conta Ajustamento em Ativos Financeiros.
12. A conta Caixa e Depósitos Bancários apresenta o mesmo valor desde 2020, 66.376,20 €, que o C.C. só referiu tratar-se de um erro.
13. Quanto à demonstração de resultados só a relativa ao exercício de 2020 apresenta volume de negócios, os restantes anos, 2021 e 2022, encontram-se a zeros.
14. No site da AT não existem as Declarações modelo 22- IRC.
15. Os lançamentos dos documentos contabilísticos desses exercícios não foram efetuados pelo Contabilista Certificado da devedora.
16. Nos exercícios, após 2020, o CC só elaborou e entregou as Declarações Mensais relativas a IVA, não tendo efetuado os movimentos contabilísticos da devedora por não lhe terem sido entregues, nomeadamente, os extratos bancários que lhe permitissem não só conciliar a conta Bancos, mas conferir recebimentos e pagamentos.
17. Não foram lançados documentos internos: faturas, recibos, notas de lançamento a crédito e a débito, guias de transporte, cheques, guias de pagamento de imposto, nem o processamento de salários.
18. Nem lançados os chamados documentos externos: extratos bancários, avisos de lançamento bancário, independente da sua natureza, faturas de fornecedores, notas de lançamento de fornecedores.
19. Nem estão refletidos os documentos que servem de suporte à contabilidade como sejam, os contratos, as atas e as declarações obrigatórias.
20. As empresas de construção, como é o caso, prestam serviços de construção civil e são obrigadas, ao faturar esses serviços com IVA, fazendo autoliquidação segundo o al.) j do nº1 do Art.º 2º do CIVA o que acarreta naturalmente IVA a seu favor, ou seja, suportam o IVA nos fornecedores e não o repercutem aos seus clientes.
21. Daí que exista IVA a receber pela devedora, que segundo a Declaração de Maio de 2024, será de 63.749,12 €, sendo que esse reembolso só o poderá fazer em agosto/setembro, pois só cessou em IVA em junho de 2024, tendo de apresentar ainda Declaração de IVA de Julho 2024 e só depois tratar do reembolso.
22. No entanto é de ter em conta que a AT reclamou créditos de cerca de 107.000,00 €.
23. É referido que na P.I. apresentada, na Relação de Bens elaborada pela Ilustre Mandatária da devedora, que existiria um acréscimo de obras no ..., em que o dono da obra era a C..., no montante de 629 641,60 €, mas como não existe contabilidade, nenhuma dessas situações tem suporte credível, existindo mails trocados, contratos assinados mas sem assinaturas reconhecidas e contrato de revisão de 2024.
24. A devedora apresentou em março de 2022 e foi homologado em Agosto de 2022, não tendo tido sucesso, a devedora ainda continuou a laborar mais cerca de dois anos.
25. O aqui Requerido nunca exerceu a gerência de facto da sociedade Insolvente, uma vez que era o BB (amigo do aqui Requerido), titular do NIF ...32, quem, desde a constituição da sociedade até à declaração da insolvência, exercia os atos inerentes à gestão da empresa insolvente, designadamente dava ordens aos trabalhadores, efetuava pagamentos, negociava com fornecedores e clientes, validava orçamentos e tomava decisões sobre o destino da empresa Insolvente.
26. O Requerido, um jovem de apenas 20 (vinte) anos na época (Outubro, de 2018), confiando na palavra do seu então amigo – vizinhos desde a infância, tendo chegado a ser colegas de trabalho – acedeu ao seu pedido para constituir uma sociedade.
27. Porém, o Requerido não exercia qualquer poder de direção junto dos trabalhadores da insolvente, não intervinha nas negociações com fornecedores ou clientes, nem emitia faturas, limitando-se a assinar os documentos que o Exmo. Sr. BB lhe apresentava para o efeito.
28. O aqui requerido desempenhava, na sociedade insolvente, as funções inerentes à categoria profissional de servente e, mais tarde, de gruista.
29. O Requerido limitava-se a cumprir as tarefas que o gerente de facto BB lhe incumbia, tendo sido sempre o Exmo. Sr. BB quem de facto decidiu os negócios a encetar e os seus termos, definindo e estabelecendo as relações comerciais com terceiros, apresentando-se como responsável pela gestão, administração e representação de toda a atividade da insolvente, cabendo-lhe a decisão de afetação dos seus recursos financeiros e satisfação das respetivas necessidades, diligenciando pelos pagamentos e contratação de funcionários, e diligenciando pela entrega dos documentos que serviam de base à elaboração da respetiva contabilidade.

ii) Ao abrigo do disposto nos arts. 607º nº 4 e 663º nº 2 do CPC, aditam-se oficiosamente a este elenco os seguintes factos provados:
30. No apenso A, de reclamação e verificação de créditos, estão reconhecidos créditos – privilegiados, comuns e um subordinado – no valor total de 1.005.448,81€ [cfr. relação de créditos reconhecidos, junta pelo AI com o requerimento inicial do apenso de reclamação e verificação de créditos, de 01.08.2024, e sentença de verificação e graduação de créditos de 26.09.2024, proferida no mesmo apenso].
31. Nos autos não foi apreendido qualquer bem para a massa insolvente, tendo-se, por decisão de 05.11.2024, proferida no processo principal, determinado o encerramento do processo de insolvência e dispensado o administrador da insolvência da apresentação de contas [cfr. decisões proferidas em 05.11.2024, no processo principal].
32. O Requerido encontra-se em França desde agosto de 2023, onde trabalha como jardineiro [conforme confissão expressa do requerido, constante dos arts. 20 e 21 da oposição que deduziu neste apenso de qualificação e doc. 4 junto com tal articulado, em 24.10.2024].

iii) A sentença considerou como não provado que:
A. O efetivo gerente da sociedade Insolvente nunca transmitiu ao aqui Requerido o real estado dos destinos da sociedade, até à data da apresentação à Insolvência.

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IV. Apreciação das questões indicadas em II:

1. Se a sentença recorrida padece de nulidade.
O recorrente começa por arguir a nulidade da sentença recorrida invocando os vícios previstos nas als. b) e c) do nº 1 do art. 615º do CPC, por referência ao art. 189º nº 2 do CIRE, por considerar que o que se mostra decidido nas als. C. e E. do dispositivo daquela não está fundamentado de facto nem de direito.
Dispõe o art. 615º do CPC que:
“1 - É nula a sentença quando:
a) (…);
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) (…);
e) (…)” .
Sem curar de saber [por ser questão meramente académica, sem relevância para a solução do recurso] se nos casos das als. b) a e) estamos perante verdadeiras nulidades de sentença ou se apenas face a situações geradoras de anulabilidade [no caso da al. a), que aqui não está em questão, há unanimidade de que se trata de verdadeira nulidade], importa começar por dizer que as deficiências das als. b) e c) dizem respeito à estrutura da decisão.
As nulidades de sentença não se confundem com os erros de julgamento. As primeiras [errores in procedendo] são vícios de formação ou atividade, referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão, ou seja, são vícios que afetam a regularidade do silogismo judiciário nela plasmado. Já os segundos [errores in iudicando] ocorrem quando existe errada apreciação/valoração da prova produzida, errada qualificação jurídica da factualidade provada ou errada determinação ou interpretação das normas legais aplicáveis.
Começando pela nulidade prevista na al. b), vem de longe o entendimento – que perfilhamos – de que só existe nulidade de decisão quando nesta falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou dos de direito [falta absoluta de fundamentação] e não já quando uns e/ou os outros sejam meramente deficientes [Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimb. Edit., 1984, pg. 140, ensina que “[o] que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, mas não produz nulidade”; Antunes Varela, José Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, Coimb. Edit., 1985, pg. 687, referem que “[p]ara que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”; Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimb. Edit., 2001, pg. 669, consideram que “[h]á nulidade (no sentido lato de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão”; e Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª ed. atualiz., Almedina, 2022, pg. 214, adverte que “[a] falta de especificação dos fundamentos de facto jamais pode ser confundida com a falta de prova ou mesmo com a falta de consideração de determinados factos”], embora recentemente venha tentando fazer caminho uma outra tese, mais abrangente [mas ainda muito minoritária], que equipara à falta absoluta de fundamentação a mera fundamentação insuficiente, com o argumento de que “no atual quadro constitucional (art. 205, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, (…), de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das (respetivas) razões de facto e de direito (…), deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório” [neste sentido mais amplo, Acórdão desta Relação do Porto de 08.09.2020 (proc. 15756/17.5T8PRT-A.P1) e Acórdão do STJ de 02.03.2011 (proc. 161/05.2TBPRD.P1.S1), disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp e jstj, respetivamente].
E quanto à nulidade da na al. c), já Alberto dos Reis [in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra Editora, 1984, pg. 141] ensinava, relativamente à primeira parte da mesma, que a contradição entre os fundamentos e a decisão ocorre quando “a contradição não é aparente, é real; o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto” [idem, Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, 1982, pg. 142].
Também Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto [in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pg. 670] entendem, quanto ao mesmo segmento daquele alínea, que [e]ntre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença”, acrescentando que [e]sta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se”.
E Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa [in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., reimpr, 2025, Almedina, pgs. 793-794] referem que [a] nulidade a que se reporta a 1ª parte da al. c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos de direito e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente” [cfr. ainda Acórdãos do STJ de 14.04.2021, proc. 3167/17.5T8LSB.L1.S1,, que decidiu (sumário) que “I. A nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão contemplada no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la: a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. II. Consiste tal nulidade na contradição entre os fundamentos exarados pelo juiz na fundamentação da decisão e não entre os factos provados e a decisão.” e de 04.02.2021, proc. 22/17.2T8CLB.C1.S1, que proclamou que “A autêntica contradição entre os fundamentos e a decisão, prevista no art. 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, distingue-se do erro de julgamento — a contradição entre os fundamentos e a decisão corresponde a um vício formal, na construção lógica da decisão e o erro de julgamento, a um vício substancial, concretizado, p. ex., na errada subsunção dos factos concretos à correspondente hipótese legal.”, ambos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj].
As duas outras hipóteses contempladas na referida al. c) não suscitam particulares dúvidas, pois a decisão será obscura quando contenha algum segmento da sua fundamentação que seja ininteligível e será ambígua quando algum dos seus segmentos se preste a interpretações diversas.
Começando pela al. c) do nº 1 do art. 615º, apresenta-se evidente que, apesar de a ter invocado, o recorrente não a fundamentou, já que nem nas quatro primeiras conclusões nem no correspondente corpo das alegações [motivação] invoca qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão ou que a sentença padeça de alguma obscuridade ou ambiguidade.
Limita-se, tão só, a apontar como causa da nulidade que invoca a falta de especificação de facto e de direito das decisões constantes das als. C. e E. do dispositivo decisório, por considerar que a sentença «não particularizou os factos dados como provados e não provados, não especificou, elencou e fez constar, de forma clara e inequívoca, quais factos (que) o levaram a concluir por aquelas medidas (quer da sanção aplicada ao Requerido, quer do quantum indemnizatório), ignorando as circunstâncias concretas do presente caso, designadamente como apurou o grau de culpa do Requerido, como apurou a medida da contribuição do seu comportamento para o agravamento da situação de insolvência da devora, como apurou a existência do respetivo (e exigido) nexo causal, as quais sempre teriam que ter sido consideradas para efeitos do disposto no n.º 2, do art.º 189.º do CIRE, nomeadamente nas alíneas c) e e).».
Estabelecem as als. b), c) e e) do nº 2 do art. 189º do CIRE que:
«2 - Na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve:
a) (…);
b) Decretar a inibição das pessoas afetadas para administrarem patrimónios de terceiros, por um período de 2 a 10 anos;
c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa;
d) (…);
e) Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, considerando as forças dos respetivos patrimónios, sendo tal responsabilidade solidária entre todos os afetados.».
E no nº 4, prescreve que «[a]o aplicar o disposto na alínea e) do n.º 2, o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença.».
Perante estes ditames legais, é manifesto que o julgador, ao decretar a inibição prevista nas als. b) e c) do referido preceito, tem de fixar o respetivo período de duração [que pode variar entre dois e dez anos] e, ao condenar os afetados a indemnizarem os credores, nos termos da als. e) dos mesmos número e artigo, deve fixar o quantum indemnizatório, cujo limite máximo não pode ir além do montante dos créditos não satisfeitos, fundamentando, de facto e de direito, as suas opções.
Ora, da simples leitura das páginas 16 a 18 da sentença recorrida resulta, sem margem para dúvidas, que a Mma. Julgadora a quo fundamentou as decisões que, depois, na parte decisória, fez constar das respetivas alíneas C. e E., não se verificando, assim, a falta total/absoluta de fundamentação, de facto e/ou de direito, que seria necessária para que se verificasse a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do art. 615º do CPC.
Se tal fundamentação é insuficiente ou deficiente para justificar as opções ali tomadas é questão que já não tem que ver com uma eventual nulidade da sentença [error in procedendo], mas sim com um possível erro de julgamento [error in iudicando], assunto que será apreciado noutro ponto deste acórdão.
Nesta parte, improcede o recurso.
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2. Se há que alterar a matéria de facto.
O recorrente, nas conclusões 5 a 18, pugna pela alteração da alínea A. dos factos não provados, defendendo que a respetiva factualidade deve ser dada como provada, com a consequente eliminação de tal alínea do elenco dos factos não provados [é verdade que também faz referência nas conclusões 30, 39 e 40, relativas à impugnação da matéria de direito/fundamentação jurídica, a segmentos de passagens de gravações de declarações prestadas na audiência final pelo AI e por ele próprio, mas sem pôr em causa a demais matéria de facto fixada na sentença recorrida e sem requerer tão pouco qualquer aditamento à mesma, pelo que aqui só está verdadeiramente em questão a alteração relativa à al. A. dos factos não provados].
Mostram-se suficientemente cumpridos os ónus da impugnação da matéria de facto fixados no art. 640º nºs 1 als. a) a c) [ónus primários] e 2 al. a) [ónus secundário] do CPC, não havendo, assim, impedimento legal ao conhecimento deste segmento do recurso.
Nos termos do nº 1 deste art. 662º, «[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Antes de avançarmos importa recordar que o poder de reapreciação da prova pelos tribunais da Relação, quando assenta, no todo ou em parte, em depoimentos/declarações gravados [como acontece no caso em apreço], não tem hoje o alcance restrito, quase residual, que teve no passado, em que se sustentava que a 2ª Instância não podia procurar uma nova convicção e que devia limitar-se, apenas e só, a aferir se a do julgador a quo, vertida nos factos provados e não provados e na fundamentação desse seu juízo valorativo, tinha suporte razoável no que a gravação, em conjugação com os demais elementos probatórios dos autos, permitiam percecionar. Pelo contrário, atualmente impera uma conceção mais ampla de tal poder que, embora reconheça que a gravação áudio ou vídeo dos depoimentos e declarações [ainda assim, mais no primeiro caso do que no segundo] não consegue traduzir tudo quanto pôde ser percecionado pelo tribunal da 1ª instância, designadamente, o modo como as declarações foram prestadas, as hesitações que as acompanharam, as reações perante as objeções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória e que existem aspetos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas são percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia, entende, ainda assim, que os tribunais da Relação têm a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância, devendo proceder à audição dos depoimentos e fazer incidir as regras da experiência, como efetiva garantia de um segundo grau de jurisdição.
Por isso, quando, ao reapreciar a prova e valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção a que também está vinculado, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, o tribunal da Relação deve proceder à modificação da decisão recorrida, fazendo jus ao reforço dos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um efetivo segundo grau de jurisdição [neste sentido, i. a., Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª ed. atualiz., 2022, pgs. 333-334; relativamente ao art. 712º nº 1 do CPC na versão anterior a 2013, mas válidos para o atual art. 662º nº 1 do CPC, ainda, Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., 2008, pgs. 213-218 e Remédio Marques, in A Ação Declarativa à Luz do Código Revisto, 3ª ed., 2011, pgs. 638-646; na jurisprudência, entre muitos outros, Acórdãos do STJ de 27.02.2024 (proc. 7997/20.2T8SNT.L1.S2), de 17.10.2023 (proc. 2154/07.6TBPVZ.P2.S1), de 28.11.2023 (proc. 2898/17.4T8CSC.L1.S1), de 12.10.2023 (proc. 1358/19.3T8PTM.E2.S1) e de 10.03.2022 (proc. 6640/12.3TBMAI.P2.S2), todos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj].
O recorrente radica a sua pretensão no depoimento da testemunha BB e nas suas próprias declarações de parte, indicando com exatidão as passagens das gravações em que funda a sua discordância relativamente ao que decidiu a 1ª instância.
Na sentença, o facto em apreço foi dado como não provado pelos seguintes motivos [que extraímos da fundamentação/motivação da matéria de facto provada e não provada]:
«Refira-se que, quanto à matéria invocada pelo requerido em sede de oposição, face ao teor das suas declarações, confirmadas, de resto, pelo depoimento da própria testemunha, acabamos por acreditar que quem geria de fato a devedora era efetivamente o seu amigo, sendo que não acreditamos que tal gestão se fizesse completamente à margem do requerido, uma vez que existiram documentos que ele próprio teve que assinar e sendo ele funcionário tinha conhecimento da atividade.
(…)
Da conjugação da prova resultou que embora a gerência de fato na insolvente tenha sido desempenhada pela testemunha, a verdade é que o requerido sabia um pouco mais da vida da insolvente do que aquilo que transmitiu, ou deveria saber, pela documentação que ia assinando e que ele próprio reconheceu.».
Procedemos à audição integral das declarações de parte do requerido e do depoimento da testemunha BB e, face ao que ouvimos, entendemos que é de manter como não provado o facto impugnado. Isto porque também ficámos convencidos que o requerido sabia mais da atividade da sociedade insolvente do que aquilo que tentou fazer crer no depoimento que prestou.
Na verdade, embora tenha dito que acedeu em constituir a sociedade [ora declarada insolvente] a pedido do amigo BB e para o ajudar, já que este passava por problemas financeiros e não podia constituir sociedades, que se limitou [o requerido/recorrente] a exercer, na empresa, as funções de servente, primeiro, e de gruista [manobrador de gruas], que apenas assinou um ou dois documentos bancários em nome da empresa, um deles para concessão de crédito para a aquisição de uma viatura, que tudo o mais, relativo à empresa, era tratado por aquele seu amigo, em quem acreditava plenamente, que não foi ele [requerido/recorrente] quem assinou a procuração à mandatária que subscreveu o pedido de apresentação da sociedade à insolvência [Dra. DD], que só teve conhecimento da insolvência desta no dia em que prestou declarações [17.02.2025] e que, «por excesso de confiança» [expressão sua], nunca perguntou ao BB se a empresa tinha lucros e/ou dívidas, também acabou por dizer que, afinal, não era assim tão amigo deste, a quem, durante as declarações, se referiu como «doutor BB», que assinava os documentos que o mesmo lhe entregava para assinar e que soube da insolvência da sociedade quando foi citado no âmbito deste incidente de qualificação, que sabia, desde pouco depois da constituição da sociedade, que a «doutora DD» era a advogada da «nossa sociedade» [expressão que utilizou espontaneamente].
E a testemunha BB assumiu-se como «colaborador», «braço direito» do requerido/recorrente, aceitou que foi ele que propôs a este último a constituição da sociedade, que este ficou encarregado do acompanhamento e execução das obras e que a testemunha ficou com a parte mais burocrática da vida da sociedade, nomeadamente negociações com clientes e fornecedores, celebração de contratos e elaboração de orçamentos, conforme procuração com poderes para tal que o requerido lhe passou cerca de meio ano depois da constituição da sociedade, que, não obstante, o requerido/recorrente era consultado para a tomada de algumas decisões e dava-lhe conhecimento do estado da empresa, que era o requerido que tratava de tudo o que estava relacionado com questões bancárias e que o mesmo sabia do estado deficitário da sociedade à data em que foi requerido o PER, tendo tido acesso à documentação que foi junta aos respetivos autos.
Perante estes relatos inconclusivos e com diversas divergências/contradições – quer entre eles, quer cada um por si –, não ficámos suficientemente convencidos de que o referido BB não tivesse transmitido ao requerido/recorrente o real estado da sociedade até à data da apresentação à insolvência. Ficámos, isso sim, convencidos de que este quis mostrar ao tribunal que sabia menos do que efetivamente sabia e, principalmente, que se mais não sabia foi porque não quis, por se ter desligado, desde o início, de grande parte da «vida» da sociedade.
Por isso e não beneficiando esta 2ª instância da imediação na produção da prova, contrariamente ao que aconteceu no tribunal a quo, o que nos impede de aferirmos o modo como as declarações e o depoimento aludidos foram produzidos [incluindo reações faciais e corporais às perguntas que lhes iam sendo efetuadas], entendemos não haver motivos para alterar a resposta que a 1ª instância deu ao facto impugnado pelo recorrente.
Julga-se, por isso, improcedente o recurso nesta parte, mantendo-se o facto impugnado como não provado.
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3. Se afetado(s) pela qualificação da insolvência como culposa deve ser o indicado BB, e não o recorrente, ou se devem ser ambos afetados por tal qualificação.
Nas conclusões 19 a 34, o recorrente insurge-se contra o facto de ter sido afetado pela qualificação da insolvência como culposa, defendendo, em primeira linha, que quem devia sê-lo é o referido BB, por ter sido o administrador de facto da sociedade, ou, quando muito, ambos, um na qualidade de gerente de direito [ele próprio, recorrente] e o outro enquanto gerente de facto da sociedade insolvente.
Não questiona, no entanto, a qualificação da insolvência como culposa, decidida na alínea A. da parte decisória da sentença recorrida. Esta questão não está, por isso, aqui em causa.
É, assim, assunto assente, fora do âmbito do recurso e de conhecimento neste acórdão, que a insolvência da sociedade A... Unipessoal, Lda. foi culposa, tendo-se sustentado na sentença «que a contabilidade da devedora dos anos de 2021, 2022 não refletiam a situação patrimonial da devedora, até por serem uma cópia dos elementos constantes dos elementos contabilísticos de 2020, para além da falta de documentos que fundamentem os referidos movimentos contabilísticos» e que «o conjunto dos elementos escriturados na contabilidade da empresa devedora, pelo menos, nos anos de 2021 e 2022 não demonstram fielmente nem permitem avaliar a situação patrimonial e financeira da devedora», factualidade esta que, como considerou a Mma. Julgadora a quo, integra a previsão da al. h) do nº 2 do art. 186º do CIRE e constitui presunção et de iuris [presunção inilidível] de que a insolvência daquela sociedade foi culposa.
Mas não aceita, como começámos por referir, que, na al. B. da parte decisória, tenha sido considerado afetado pela qualificação culposa.
A primeira alternativa da pretensão do recorrente aqui em análise é de solução linear.
Face ao que resulta dos nºs 25 a 29 da materialidade fáctica provada, não há dúvida que o referido BB foi, efetivamente, o gerente de facto da sociedade insolvente [segundo Coutinho de Abreu, in Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades, Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho, Cadernos, n.º 5, Almedina, 2007, pg. 99, saber-se quem são os gerentes e os administradores de direito de determinada pessoa coletiva ou entidade coletiva não personalizada não oferece, em geral, grande dificuldade, pois a lei ou os estatutos, conforme os casos, fornecem indicações precisas sobre isso, mas a determinação do administrador de facto pode levantar algumas dificuldades, pelo que qualifica como gerente ou administrador de facto “quem, sem título bastante, exerce, direta ou indiretamente e de modo autónomo (não subordinadamente), funções próprias de administrador [ou de gerente] de direito da sociedade”; e Rui Estrela de Oliveira, in Uma Brevíssima Incursão pelos Incidentes de Qualificação da Insolvência, Julgar, nº 11, 2000, pgs. 230-231, dá como exemplos de gerente/administrador de facto “a pessoa que atua notoriamente como se fosse administrador de direito, mas sem título bastante”, “a pessoa (…) que ostenta um estatuto diverso do de administrador - diretor-geral, gerente de comércio, procurador para a prática de determinada categoria de atos - mas desempenha funções de gestão com a autonomia própria dos administradores de direito” e “a pessoa que, sem qualquer cargo de administração ou função profissional na sociedade, determina, habitualmente, a atuação dos administradores de direito”].
Como tal, poderia ser afetado pela qualificação da insolvência da dita sociedade como culposa, atento o que estabelecem os arts. 186º nº 1 e 189º nº 2 al. a) do CIRE.
Mas para que tal pudesse acontecer seria necessário que o Administrador da Insolvência [que foi quem, no caso, requereu a abertura do incidente e indicou a pessoa que deveria ser afetada pela qualificação da insolvências como culposa] ou qualquer interessado o tivesse indicado [o primeiro, no requerimento de abertura do incidente e/ou no relatório a que se reporta o art. 155º do CIRE; os segundos, no requerimento de abertura do incidente] como uma das pessoas que devia ser afetada por aquela qualificação, como decorre do que dispõe o nº 1 do art. 188º do CIRE. Indicação que não foi feita, pois, face aos elementos que recolheu e fez constar do relatório que acompanhou o requerimento de abertura do incidente [onde nenhuma menção é feita ao referido BB, o mesmo acontecendo nos documentos que foram juntos com o relatório], o Administrador da Insolvência, com o posterior assentimento expresso do Ministério Público [cfr. parecer/promoção datado de 05.09.2024, emitido nos termos do nº 7 daquele art. 188º] e tácito dos demais interessados, indicou apenas o requerido, ora recorrente, como a única pessoa a afetar pela qualificação da insolvência.
E a Mma. Julgadora a quo, à falta dessa indicação e à inexistência nos autos de insolvência [e demais apensos então pendentes] de indícios de que a sociedade declarada insolvente fosse gerida de facto por outra pessoa que não o seu gerente de direito, também não tinha elementos para considerar o referido BB como possível afetado pela qualificação.
Por via disso, só o requerido, ora recorrente, foi citado para querendo, no prazo de 15 dias, deduzir oposição. E o incidente de qualificação só correu termos contra a sociedade insolvente e contra ele.
Se, na sequência do que o requerido alegou na oposição que deduziu após a sua citação, podia o Tribunal a quo ter passado a considerar o BB como possível afetado pela qualificação e se podia fazê-lo intervir nos autos nessa qualidade, mandando-o citar para, querendo, apresentar a sua oposição/defesa, é questão que não foi atempadamente suscitada perante o tribunal recorrido, nem vem agora, no âmbito do recurso interposto pelo recorrente, colocada à consideração deste tribunal de 2ª instância, pelo que não temos que nos pronunciar sobre tal assunto.
O que é verdade é que o gerente de facto, não sendo parte nos autos, não teve oportunidade de se defender e de apresentar [alegar e provar] a sua versão dos factos.
Por isso, a sentença recorrida não o considerou – nem podia considerar – afetado pela qualificação da insolvência como culposa, apesar de dar como provados factos demonstrativos de que ele era o gerente de facto da sociedade.
E o mesmo acontece, necessariamente, nesta 2ª instância.
Daí que aquele BB não possa ser aqui considerado, sozinho ou conjuntamente com o requerido, como afetado pela declarada qualificação.
E quanto à afetação do requerido?
Da factologia apurada decorre que o mesmo era o gerente de direito da sociedade declarada insolvente.
E quanto aos gerentes ou administradores de direito, mesmo quando não o são de facto, a doutrina e a jurisprudência consideram que, acompanhados ou não dos gerentes/administradores de facto, os mesmos devem ser afetados pela qualificação da insolvência como culposa.
Desde logo, na doutrina, Catarina Serra [in Lições de Direito da Insolvência, 3ª ed., 2025, Almedina, pg. 183] ensina que “a referência no art. 189º, nº 2, al. a), aos administradores de facto não faz com que os administradores de direito que não exerçam as suas funções de facto sejam excluídos da qualificação como sujeitos afetados”.
Na jurisprudência, o acórdão desta Relação do Porto de 22.02.2022 (e Secção) [proc. 309/11.8TYVNG-N.P2, disponível in www.dgsi.pt/jtrp], considerou, sobre o assunto [com que concordamos], que:
“Da previsão do art. 186º, nºs 1 e 2 do CIRE verifica-se que não foi objetivo do legislador excluir os administradores de direito que não exerçam as funções de facto da qualificação da insolvência como culposa, mas sim estendê-la a atos praticados por administradores de facto - cfr., por ex., Ac. Rel. Porto de 22.10.2019, proc. 327/15.7 T8VNG-B.P1; Ac. Rel. Porto de 10.12.2019, proc. 124/10.6 TYVNG-A.P1; Ac. Rel. Porto de 26.11.2019, proc. 524/14.2 TYVNG-B.P1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
RUI ESTRELA DE OLIVEIRA [in O Incidente de qualificação de insolvência, a insolvência culposa, e-book do CEJ, cej.mj.pt.] afirma que a lei pretende, por relevantes razões de segurança jurídica, que haja coincidência, concreta e prática, entre os conceitos de administrador de direito e administrador de facto, pelo que a administração de facto não deixa de ser um fenómeno indesejado. Por isso, o administrador de direito, quando não o seja de facto, encontra-se ainda assim obrigado a cumprir um conjunto de deveres que impendem sobre os administradores societários em geral.
Tal como estatui o art. 72º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais, «os gerentes ou os administradores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por atos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa.»
Este artigo, numa manifestação da responsabilidade contratual, prevê a individualização da responsabilidade – os sujeitos responsáveis são os titulares do órgão administrativo (gerentes ou administradores) e não o próprio órgão. E os gerentes, os administradores ou diretores são responsáveis por factos próprios – cfr. Ac. Rel. Coimbra de 22.11.2016, CJ, ano XLI, tomo V, págs. 23/29.
Como assinala COUTINHO DE ABREU [in Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedade, 2ª ed., Almedina, 2010, pág. 25, nota 30], “os administradores têm poderes-função, poderes-deveres, gerem no interesse da sociedade, têm os poderes necessários para promover este interesse.” “Os deveres impostos aos administradores para o exercício correto da administração começam por ser, como atividade, o dever típico e principal de administrar e representar a sociedade…”, sendo que este dever genérico apenas encontra densidade nos deveres fundamentais elencados nas alíneas a) e b) do art. 64º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais: o dever de cuidado e o dever de lealdade.[RICARDO COSTA, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, coordenação de Coutinho de Abreu, IDET, vol. I, Almedina, págs. 727/728]
No que toca ao dever de cuidado as suas principais manifestações (ou subdeveres) consistem: no i) dever de controlar, ou vigiar, a organização e condução da atividade da sociedade, as suas políticas, práticas, etc.; no ii) dever de se informar e de realizar uma investigação sobre a atendibilidade das informações que são adquiridas e que podem ser causa de danos, seja por via dos normais sistemas de vigilância, seja por vias ocasionais (produzindo informação ou solicitando-a por sua iniciativa). Sucede que estes dois subdeveres podem muitas vezes conjugar-se, reconduzindo-se ao subdever, global e uno, de controlar e vigiar a evolução económico-financeira da sociedade.[idem, pg. 732]
Assim, a circunstância de o gerente de direito não exercer, de facto, tais funções, que eram desempenhadas por uma outra pessoa, (…), não o isentava das suas obrigações legais, enquanto gerente de direito, de, designadamente, apresentar a sociedade à insolvência, de cumprir com o dever de colaboração, de elaborar as contas anuais ou de assegurar o cumprimento destes deveres.
Aliás, a ignorância e o alheamento dos destinos da sociedade que caracterizam a atuação do aqui requerido constituem, só por si, uma violação dos deveres gerais que se lhe impunham, enquanto gerente da insolvente - cfr. Ac. Rel. Coimbra de 22.11.2016, CJ, ano XLI, tomo V, págs. 23/29.
Deste modo, a mera invocação de que a gerência era de facto exercida por uma outra pessoa não dispensava o requerido, gerente de direito, dos seus deveres para com a sociedade e não tem a virtualidade de o afastar da previsão do art. 186º, nºs 1 e 2 do CIRE.”
No mesmo sentido decidiram, entre outros [todos disponíveis no referido sítio da dgsi]:
- O acórdão da Relação do Porto de 29.04.2025 [proc. 6/14.2TYVNG-A.P1] com o seguinte sumário [na parte que aqui releva]: “O gerente de direito não exercendo, de facto, tais funções, que eram desempenhadas por uma outra pessoa, não o isenta das suas obrigações legais, enquanto gerente de direito, de, designadamente, apresentar a sociedade à insolvência, de cumprir com o dever de colaboração, de elaborar as contas anuais ou de assegurar o cumprimento destes deveres. O alheamento do gerente de direito relativamente aos destinos da sociedade constitui, por si só, violação dos deveres gerais que se lhe impunham nessa qualidade.”;
- O acórdão da Relação do Porto de 22.10.2024 [proc. 1535/23.2T8STS-G.P1], que contém o seguinte sumário: “A equiparação dos administradores de direito aos administradores de facto nos n.º 2 e 3 deste art.º 186.º do CIRE não visa isentar de responsabilidade os gerentes de direito que não exerçam as funções de facto, mas, ao invés, estender a responsabilidade legal aos atos praticados ou omitidos pelos administradores de facto.”;
- O acórdão da Relação do Porto de 21.05.2024 [proc. 3123/21.9T8OAZ-D.P1] que proclama, no sumário, que “A qualificação da insolvência como culposa afeta os titulares do órgão social que manifestam a vontade da sociedade - os administradores - não se excluindo os administradores de direito ainda que não exerçam as funções de facto.”;
- O acórdão da Relação do Porto de 26.09.2022 [proc. 3475/16.2T8STS-B.P1] em cujo sumário se pode ler que “I - A base da insolvência culposa acha-se no n.º 1 do art. 186.º CIRE, onde se determina a responsabilidade dos administradores, de facto ou de direito, da insolvente. II - Da simples assunção de um cargo societário que importe o dever de controlar e vigiar a organização e condução da atividade social, deriva uma responsabilidade que o art. 186.º CIRE não quis afastar, mesmo que a administração efetiva ou de facto pertença a outrem.”;
- O acórdão da Relação do Porto de 22.09.2022 [proc. 2367/16.0T8VNG-H.P1] em cujo sumário se diz que “Da previsão do art.º 186º, nºs 1 e 2 do CIRE resulta que não foi objetivo do legislador excluir os administradores de Direito que não exerçam as funções de facto da qualificação da insolvência como culposa, mas sim estendê-la a atos praticados por administradores de facto.”.
Perante esta sedimentada jurisprudência [seguida, igualmente, noutros Tribunais da Relação, de que são exemplo os acórdãos da Relação de Coimbra de 13.05.2025,proc. 352/22.1T8LRA-D.C1 e de 20.09.2016, proc. 612/14.5TBVIS-B.C1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrc e os acórdãos da Relação de Lisboa de 10.12.2024, proc. 126/19.7T8VFX-A.L1 e de 23.03.2021, proc. 1396/11.4TYLSB-B.L1-1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrl], não restam dúvidas de que o requerido, apesar de não ter exercido, nos três anos anteriores à apresentação da sociedade à insolvência, os poderes de facto inerentes ao cargo de gerente de que era legítimo titular, não podia, nem pode, deixar de ser afetado pela qualificação da insolvência como culposa, nos termos dos preceitos do CIRE atrás citados.
Nesta parte, improcede também o recurso.
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4. Se a inibição deve ser fixada em dois anos.
Nas conclusões 35 a 43, o recorrente discorda da duração da inibição que foi fixada na alínea C. da parte decisória da sentença recorrida. Entende que a sua culpa, na criação ou agravamento da situação de insolvência da sociedade de que era gerente [apenas de direito, recorde-se], foi diminuta e que, como tal, a inibição devia ter sido fixada em dois anos.
Naquela alínea da parte decisória da sentença, fixou-se ao afetado, aqui recorrente, «a sanção de inibição para o exercício do comércio e para ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, prevista na alínea c) do n.º 2 do art.º 189º do CIRE, a qual, atendendo ao circunstancialismo apurado se fixa em três anos».
As als. b) e c) do nº 2 do art. 189º do CIRE estabelecem para tal inibição um prazo/período que varia entre o mínimo de dois anos e o máximo de dez anos e, da sua conjugação com o que dispõe a parte final da al. a) dos mesmos número e preceito, resulta que a sua fixação depende do grau de culpa ou da contribuição causal do afetado na criação ou agravamento da situação de insolvência do/a devedor/a [Catarina Serra, obr. cit., pgs. 184-185, alerta que pressupondo a insolvência culposa “sempre o dolo ou a culpa grave, ou seja, um comportamento especialmente censurável, ponderar o grau de culpa dos sujeitos (…) é, (…), menos útil do que pode parecer: todos terão agido de forma particularmente reprovável, sendo as diferenças no plano da imputação subjetiva inevitavelmente insignificantes”, pelo que, por via disso, propõe que [e]m vez do grau de culpa, deverá ter relevância a contribuição causal (…)”].
A sentença recorrida fundamentou o período de inibição fixado ao ora recorrente do seguinte modo:
«Em face dos fatos dados como provados, resulta que a conduta do administrador de direito ao “dar o seu nome” para a constituição da empresa insolvente, permitindo a gestão de fato, com o seu conhecimento, foi também causadora da situação de insolvência da empresa, que a dada altura deixou de cumprir as suas obrigações vencidas, não podendo deixar de se considerar a mesma culposa.
Mesmo que se admita que essa falta de pagamento foi decidida pelo gerente de fato, a verdade é que o requerido acabou por permitir essa gestão, uma vez que ele, na qualidade de gerente da devedora, poderia proceder à sua extinção, designadamente promovendo a sua liquidação, antes de emigrar, abandonando-se aos seus destinos na mão do gerente de fato.
Tal atuação deliberada do requerido, foi e é causa direta e necessária do agravamento dos prejuízos patrimoniais dos credores porque era exigível que o mesmo tivesse um comportamento diferente face aos compromissos que assumiu ao “dar o seu nome”.
Os factos revelam que o comportamento do AA, foi, pelo menos, negligente, tendo agido com leviandade ou descuido grave e censurável, designadamente quando autorizou que o seu amigo BB fizesse da sua empresa o que bem lhe apetecia, o que acontecia com o seu conhecimento.
A culpa do requerido não pode deixar de ser declarada, pois que os mais elementares deveres lhe impunham que se comportasse de forma diferente quanto à gestão do património e atividade da insolvente, tendo com a sua conduta agravado a situação dos credores, o que permite a formulação de um juízo de censura, no mínimo de culpa.
O artº 189 nº 2 al. b) do CIRE prevê que o juiz, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, declare essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos.
Assim, se tivermos em conta que a inibição mínima de 2 anos deve ter lugar quando o grau de culpa é menor e a máximo de 10 anos para um grau de culpa máximo, consideramos que, em face da culpa grave, entende-se ser de fixar a sanção de inibição para o exercício do comércio e para ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, prevista na alínea c) do n.º 2 do art.º 189º do CIRE, a qual, atendendo ao circunstancialismo apurado se fixa em três anos.».
Adianta-se já que concordamos com a fixação deste período de três anos, situado mais perto do limite mínimo previsto para a sanção do que do respetivo ponto intermédio.
O achamento do quantum adequado da inibição deve assentar no grau do juízo de censurabilidade do comportamento do requerido e na sua contribuição para a criação ou agravamento da insolvência da sociedade de que era gerente [de direito].
Como factos relevantes para o efeito, temos que na base declaração da insolvência como culposa esteve o incumprimento dos deveres estabelecidos na al. h) do nº 2 do art. 186º do CIRE, incumprimento que o legislador considera particularmente grave, a tal ponto que faz presumir iuris et de iure a existência de culpa grave e o nexo de causalidade da insolvência, sem possibilidade de prova do contrário [o mesmo acontece com as situações previstas nas restantes alíneas do nº 2 daquele artigo].
É verdade que quem diretamente incumpriu tais deveres foi o gerente de facto, atrás indicado, e não o requerido, que praticamente se alheou da gestão e dos destinos da sociedade. Foi aquele e não este que não forneceu ao contabilista certificado da empresa os elementos e documentos necessários para que os deveres em questão fossem ou pudessem ser cumpridos.
Mas a inércia/omissão voluntária do requerido, ora recorrente, também contribuiu, em grau de censurabilidade idêntico, para o mesmo resultado [como se diz no acórdão da Relação de Coimbra de 14.06.2022, proc. 139/21.9T8SEI-C.C1, disponível in www.dgsi.pt/ltrc, [u]m administrador de direito pode ser afetado pela qualificação da insolvência como culposa não apenas por aquilo que fez (ação), mas também pelo que não fez e devia ter feito (omissão)”]. Foi, aliás, o alheamento na observância dos deveres que, como gerente, lhe incumbiam e que devia ter implementado com vista à boa gestão financeira da empresa que criou, que permitiu que o mencionado gerente de facto não cumprisse os indicados deveres e persistisse nesse incumprimento durante diversos anos, sem que alguma vez tivesse sido chamado à atenção por parte do requerido/recorrente.
E a igual conclusão se chega atentando num critério de contribuição causal, pois, embora um tenha agido por ação [o gerente de facto] e outro por omissão [o gerente de direito], a verdade é que a criação e/ou o agravamento da situação de insolvência da sociedade ficou a dever-se, em termos semelhantes, a um e a outro.
Por isso, consideramos que o prazo de três anos de inibição fixado na sentença não é merecedor de censura [no acórdão do STJ de 05.07.2022, proc. 15973/18.9T8SNT-A.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj, decidiu-se, num caso em que a sociedade insolvente nunca providenciou pela manutenção da contabilidade, tendo existido à margem do cumprimento de tal obrigação legal, “é ajustado fixar em 3 anos o período de inibição do afetado gerente para o exercício do comércio”].
Improcede, assim, também este segmento do recurso.
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5. Se o «quantum» indemnizatório deve ser reduzido.
Finalmente, nas conclusões 44 a 51, o recorrente insurge-se contra o decidido na alínea E. da parte decisória da sentença recorrida, contrapondo que o quantum indemnizatório deve ser reduzido para montante nunca superior a 5% dos créditos não satisfeitos.
Está em causa a exigência prescrita na al. e) do nº 2 do art. 189º do CIRE. Esta alínea impõe que, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve «[c]ondenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, considerando as forças dos respetivos patrimónios, sendo tal responsabilidade solidária entre todos os afetados.». E acrescenta o nº 4 do mesmo normativo que «[a]o aplicar o disposto na alínea e) do n.º 2, o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença.».
A propósito desta alínea, na sua redação atual [dada pela Lei nº 9/2022, de 11.01], ensina Catarina Serra [obr. cit., pgs. 196 e segs.] que “já não é possível fazer prevalecer o critério do montante dos créditos não satisfeitos”, pois este determina “só o montante máximo da indemnização”, ou, dito de outro modo, “o montante dos créditos não satisfeitos deixa de poder ser utilizado como ponto de partida ou como padrão para o cálculo da indemnização, passando o (novo) critério, disponibilizado no art. 189º, nº 4, a ser o montante dos prejuízos sofridos”, restando ao montante dos créditos não satisfeitos a função “de limitar o montante da indemnização” [montante máximo]. E depois [pgs. 199-200] alerta que pressupondo a insolvência culposa “sempre o dolo ou a culpa grave, ou seja, um comportamento especialmente censurável, ponderar o grau de culpa dos sujeitos para o efeito de limitar a indemnização não só não é muito coerente com o disposto na lei (cfr. art. 494º do CC) como não é muito útil: todos terão agido de forma particularmente reprovável, sendo as diferenças no plano da imputação subjetiva inevitavelmente insignificantes”, acrescentando ainda que [t]ão-pouco faz sentido valorizar-se a referência legal às forças dos patrimónios, designadamente interpretando-a como significando o dever de ponderar a situação patrimonial dos sujeitos”, pois a “substituição, pela Lei nº 9/2022, de 11 de janeiro, da menção «até às forças dos respetivos patrimónios» pela menção «considerando as forças dos respetivos patrimónios» não parecem, de facto, alterar alguma coisa”, concluindo que “com ela se visou simplesmente evitar a repetição da preposição «até», usada para a fixação do montante máximo”, continuando, por isso, “a não ser de atribuir à referência mais significado do que o de retirar o que já resulta (…) do disposto no art. 601º do CC (o devedor responde com todo o seu património pelas suas obrigações)”, além de que a “possibilidade de fazer repercutir a situação patrimonial ou económica do lesante no montante da indemnização está prevista na lei civil (…) apenas para o caso de a responsabilidade se fundar na mera culpa (cfr. art. 494º do CC) – o que, (…), não é o que acontece aqui”, na medida em que a qualificação da insolvência como culposa assenta em atuação dolosa ou gravemente negligente do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto [sendo que a negligência grave se aproxima da figura do dolo, mais concretamente do dolo eventual], o que afasta a possibilidade de recurso à previsão do art. 494º do CCiv..
Por sua vez, o acórdão do STJ de 22.06.2021 [proc. 439/15.7T8OLH-J.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj], depois de afirmar que a indemnização prevista na al. e) do nº 2 do art. 189º do CIRE não pode ser imposta automaticamente, “sem quaisquer limites e fora de quaisquer exigências ou controlo de proporcionalidade (ou de não desproporcionalidade)”, acrescenta, no seu sumário, que: “(…) no caso de indemnização consagrada no art. 189.º, n.º 2, al. e), do CIRE, será atendendo e apreciando as circunstâncias do caso (tudo o que está provado no processo: o que levou à qualificação e o que o afetado alegou e provou em sua “defesa”) que o juiz pode/deve fixar as indemnizações em que condenará as pessoas afetadas. (…) E entre as circunstâncias com relevo para apreciar a proporcionalidade ou desproporcionalidade da indemnização a fixar encontram-se os elementos factuais que revelam o grau de culpa e a gravidade da ilicitude da pessoa afetada (da contribuição do comportamento da pessoa afetada para a criação ou agravamento da insolvência): mais estes (os elementos respeitantes à gravidade da ilicitude) que aqueles (os elementos respeitantes ao grau de culpa), uma vez que, estando em causa uma insolvência culposa, o fator/grau de culpa da pessoa afetada não terá grande relevância como limitação do dever de indemnizar, sendo o fator/proporção em que o comportamento da pessoa afetada contribuiu para a insolvência que deve prevalecer na fixação da indemnização. (…) Não perdendo o juiz de vista, na fixação das indemnizações, que a responsabilidade consagrada no art. 189.º, n.º 2, al. e), do CIRE (sobre as pessoas afetadas pela qualificação da insolvência como culposa) tem uma função/cariz misto, ou seja, sem prejuízo da sua função/cariz ressarcitório, tem também uma dimensão punitiva ou sancionatória (da pessoa afetada/culpada na insolvência), pelo que a observância do princípio da proporcionalidade não exige que a indemnização a impor tenha que ser avaliada como justa, razoável e proporcionada, mas sim e apenas, num controlo mais lasso, que a indemnização a impor não seja avaliada como excessiva, desproporcionada e desrazoável.” [em idêntico sentido, cfr. ainda os acórdãos do STJ de 28.01.2025, proc. 7920/19.7T8VNF-A.G1.S1, de 12.12.2023, proc. 3146/20.5T8VFX-B.L1.S1 e de 06.09.2022, proc. 291/18.0T8PRG-C.G2.S1 e os acórdãos desta Relação do Porto de 10.07.2024, proc. 1234/23.5T8AMT-B.P1, de 10.07.2024, proc. 2755/20.7T8OAZ-D.P1 e de 26.09.2022, proc. 3475/16.2T8STS-B.P1, disponíveis nos referidos sítios da dgsi].
A Mma. Julgadora a quo estribou o quantum indemnizatório em que o requerido, ora recorrente, foi condenado na seguinte fundamentação [transcreve-se a parte relevante]:
«Em face dos fatos dados como provados, resulta que a conduta do administrador foi causadora da situação de insolvência da empresa, que a dada altura a abandonou totalmente, apesar de saber que continuava a ser o seu gerente.
O requerido tinha conhecimento que a mesma continuou a atividade depois de ter emigrado e mesmo assim abandonou as suas responsabilidades.
Tal atuação deliberada do requerido, foi e é causa direta e necessária do agravamento dos prejuízos patrimoniais dos credores porque nada foi localizado.
Na nova redação conferida pela Lei n.º 9/2022, de 09 de janeiro, a referida alínea e), ligeiramente alterada, estabelece que a condenação em causa tem por objeto a indemnização dos credores até ao montante dos créditos não satisfeitos, considerando as forças dos respetivos patrimónios.
(…)
Como é sabido, a condenação das pessoas afetadas pela qualificação a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente tem a natureza de sanção civil.
O seu objetivo é a prevenção de comportamentos que consubstanciam a violação dos deveres dos administradores em prejuízo dos credores através da sua responsabilização (responsabilidade civil) pelos danos que sejam consequência adequada da atuação que conduz à qualificação da insolvência como culposa.
Trata-se, assim, de uma previsão que faz acrescer à responsabilidade genérica prevista nos artigos 64.º, n.º 1, alínea b), e 78.º do Código das Sociedades Comerciais, uma responsabilidade específica dos administradores perante os credores sociais numa situação de insolvência da pessoa coletiva devedora.
Na interpretação que se nos afigura mais conforme ao texto da lei, o que nos parece sair reforçado com a alteração emergente da Lei n.º 9/2022, de 09 de Janeiro, à natureza da responsabilidade ali prevista e ao princípio da proporcionalidade, a responsabilidade dos administradores não corresponde necessariamente ao montante dos créditos que as forças da massa insolvente não permitirão satisfazer.
Esse é apenas o limite da obrigação de indemnizar: os credores não poderão exigir do afetado pela qualificação uma indemnização superior à parte do valor do crédito reclamado e verificado na insolvência que não seja satisfeito pelo produto da massa.
Considerando aquele grau de culpa, entende-se que esse dever de indemnizar deve ser igual ao do montante do valor dos créditos não satisfeitos que no montante de € 1 005 448,81.».
Como resulta do que acima ficou exarado [ensinamentos doutrinais e jurisprudenciais], o quantum indemnizatório a fixar tem de atentar nas circunstâncias do caso concreto, com enfoque no grau de culpa e gravidade da ilicitude do comportamento do requerido/afetado [mais nesta que naquele] e na dupla função de tal condenação [funções ressarcitória e sancionatória], devendo, ainda, ser proporcional a estes pressupostos e não pode ir além do montante máximo dos créditos não satisfeitos.
Começando pela censurabilidade do comportamento do requerido/recorrente, consideramos que o mesmo é merecedor de elevada censura porque, além de nunca ter gerido efetivamente a sociedade que constituiu e de que era o único sócio e gerente nomeado, a abandonou completamente quando, em agosto de 2023 emigrou para França e aí se fixou, sem que se tivesse preocupado com a real situação económica daquela [se tinha dívidas, a dimensão destas e se era viável mantê-la em atividade] e sem que tivesse procurado extingui-la ou aliená-la, por exemplo, ao gerente de facto, transmitindo-lhe a titularidade da mesma.
Como já dissemos no item anterior, é também elevado o seu grau de culpa na criação e agravamento da situação financeira que levou à insolvência da sociedade, remetendo-se para o que ali se consignou.
E de considerável gravidade são, ainda, os prejuízos causados pela atividade [e manutenção da atividade] da empresa, na medida em que em menos de seis anos de laboração [desde a sua constituição em 26.10.2018 até se apresentar à insolvência em 04.06.2024], sem possuir uma verdadeira sede [cfr. facto provado nº 6], sem ter património próprio [cfr. facto provado nº 7] e tendo ao seu serviço apenas 3 funcionários, além do sócio-gerente [facto provado nº 8], conseguiu endividar-se, perante fornecedores, clientes e o Estado [AT e ISS], num montante assinalável de 1.005.448,81€ [cfr. factos provados nºs 30, 31 e 32].
Perante este circunstancialismo e tendo em conta que a dívida se mantem na íntegra [os credores não lograram pagamento algum], consideramos que a decisão recorrida também não merece censura neste ponto, não havendo desproporcionalidade entre o quantum fixado a as circunstâncias imputáveis ao requerido/recorrente que levaram à criação e agravamento da situação de insolvência da sociedade.
Improcede, por conseguinte, o recurso in totum.

Pelo decaimento, as custas deste recurso ficam a cargo do recorrente – arts. 527º nºs 1 e 2, 607º nº 6 e 663º nº 2 do CPC –, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
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Síntese conclusiva:
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V. Decisão:

Face ao exposto, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em:
1º) Julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.
2º) Condenar o recorrente nas custas deste recurso, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.












Porto, 2025.07.10.

Pinto dos Santos
Raquel Correia de Lima
Anabela Miranda